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EuPTCVHe0873-21592010000400011

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variedadeEu
ano2010
fonteScielo

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Doença pulmonar obstrutiva crónica e exercício físico

Introdução A doença pulmonar obstrutiva crónica (DPOC) é definida como uma doença prevenível e tratável com um componente pulmonar (caracterizado por uma limitação crónica ao fluxo aéreo) e com efeitos sistémicos significativos que contribuem para a gravidade das manifestações clínicas1.

A condição física do indivíduo é determinante para a realização das actividades da vida diária (AVD), as quais são fundamentais para manter a qualidade de vida do doente com qualquer patologia crónica, incluindo a DPOC.

O exercício físico tem por objectivo melhorar a capacidade aeróbica, a força, a flexibilidade corporal e a coordenação motora.

No presente artigo as autoras pretendem fazer uma revisão sobre a importância e benefícios do exercício físico na reabilitação do doente com DPOC no que se refere à função respiratória e à qualidade de vida em geral. Também apresentam as modalidades de treino utilizadas no programa de reabilitação respiratória estabelecido para cada doente.

Classificação da gravidade da DPOC De acordo com o projecto GOLD1, considera -se DPOC quando o valor do índice de Tiffeneau é inferior a 70% do valor de referência, tendo em conta sexo, idade, peso e altura. A gravidade da doença pode classificar-se em quatro estadios tendo em conta os valores do VEMS (Quadro I).

Quadro I Classificação da gravidade da DPOC (GOLD 2007)

Para além da classificação do GOLD, dois autores Celli et alidentificaram quatro variáveis que influenciam o risco de mortalidade em doentes com DPOC que definiram como índice de BODE(Body mass index(IMC), obstrução (VEMS), dispneia e exercício)2,3.

Consequências da DPOC A DPOC provoca um conjunto de alterações que conduzem a uma deterioração progressiva da qualidade de vida do doente1,2,3,4,5,6,7.

Assim, assiste-se a uma disfunção da musculatura periférica e respiratória, a alteração nutricional, a alteração cardíaca, a doença osteocio esquelética, a défices sensoriais (visual, auditivo) e psicossocial.

Estas alterações resultam de diversos mecanismos desencadeados pela doença: fadiga, hipoxemia, alteração mecânica pela hiperinsuflação, desequilíbrio hidroelectrolítico e ácido-básico, desnutrição, obesidade, caquexia, cor pulmonale, arritmias, osteoporose, cifoescoliose, miopatia, ansiedade, depressão, culpa, dependência, défice cognitivo, distúrbio do sono, disfunção sexual e isolamento social3,4.

Limitações fisiológicas da tolerância ao exercício na DPOC Podem considerar-se quatro alterações que diminuem a tolerância ao exercício nos doentes com DPOC: a mecânica pulmonar deficiente, as alterações nas trocas gasosas pulmonares, a insuficiência vascular pulmonar e a disfunção muscular esquelética.

Em relação à mecânica pulmonar deficiente, esta resulta da resistência de vias aéreas elevadas, do air trapping(hiperinsuflação) que coloca o diafragma em desvantagem mecânica. As alterações nas trocas gasosas pulmonares levam a uma alteração na relação ventilação/perfusão, à hipoxemia durante exercício e à hipercapnia em alguns doentes.

A insuficiência vascular pulmonar origina uma destruição alveolar e vascular, com consequente hipertensão pulmonar e insuficiência ventricular direita5,6.

A disfunção muscular esquelética resulta da desnutrição,baixos níveis de hormonas anabolizantes,uso de corticóides,miopatia esquelética primária ou outras disfunções neuromusculares.

Cerca de 70% dos doentes com DPOC tem redução da força dos quadricípites8. Numa biópsia de quadricípetes pode detectar-se uma diminuição das fibras tipo I e IIa (metabolismo oxidativo) e aumento das de tipo IIb (metabolismo glicolítico), o que tem como consequência uma anaerobiose precoce, mesmo com baixas intensidades de exercício, o que provoca uma sobrecarga do aparelho respiratório8.

Tratamento da DPOC estável O tratamento da DPOC tem como objectivos contrariar a progressão da doença, aliviar os sintomas, prevenir e tratar as complicações, as exacerbações e diminuir a mortalidade.

Para atingir estes objectivos, o tratamento assenta em três pilares fundamentais: a cessação tabágica, o tratamento farmacológico e a reabilitação respiratória3,9.

Segundo as orientações do projecto GOLD, Todos os doentes com DPOC beneficiam dos programas de treino com exercícios, melhorando não a tolerância ao exercício mas também reduzindo os sintomas de fadiga e dispneia (evidência A), pelo que a reabilitação respiratória é recomendada a partir do grau II (moderado) da classificação do GOLD.

Reabilitação respiratória Segundo o American Thoracic Society Statement,a reabilitação respiratória (RR) define-se como um Programa multiprofissional de cuidados a doentes com alteração respiratória crónica, individualmente delineado e modelado para optimizar o desempenho físico e social e a autonomia de cada doente4.

A RR tem indicações (Quadro II) e benefícios (Quadro III) demonstrados e bem definidos3,4,5,6,7.

Quadro II Indicações da RR

Quadro III Benefícios da RR

Os benefícios sobre a melhoria da qualidade de vida são reconhecidos pelos especialistas, mas continua sem haver consenso relativamente ao impacto da RR sobre a mortalidade dos doentes com DPOC9,10.

Num estudo retrospectivo com 1218 doentes, Ries et aldemonstraram que a RR não aumentou a sobrevivência dos doentes, mas a sua capacidade para o exercício, diminuiu a dispneia e melhorou a qualidade de vida11. Por outro lado, um estudo de Puhan A et alapresenta uma diminuição da mortalidade nos doentes que realizaram RR após uma exacerbação da DPOC12.

O ideal para uma contribuição completa da RR na recuperação do doente com DPOC seria uma equipa multidisciplinar que incluísse um pneumologista, um enfermeiro, um fisioterapeuta respiratório, um nutricionista, um psicólogo/ psiquiatra, um assistente social e um terapeuta ocupacional13. No mínimo, um médico e técnicos com formação em exercício no doente respiratório crónico13.

O espaço e equipamentos mínimos incluem um local com área adequada ao programa, com arejamento e condições térmicas para a prática de exercício, pesos ou substitutos, esfigmomanómetro, fonte de oxigénio e oxímetro, escala de Borg, fita métrica, carro de emergência e telefone SOS13.

Antes de iniciar um programa de RR, é necessário realizar uma avaliação médica com uma anamnese clínica completa, onde se avaliem os sintomas característicos (dispneia crónica e progressiva, tosse produtiva) e a história de exposição a factores de risco (principalmente tabaco), medicação/técnica inalatória, comorbilidades. Deve ser feito um exame físico cuidadoso, tendo em especial atenção os sinais de dificuldade respiratória, a cianose central e/ou periférica, o padrão ventilatório/assincronismos e a auscultação pulmonar.

Os exames complementares de diagnóstico devem incluir: espirometria (pré e pós- broncodilatação), prova de seis minutos da marcha (P6MM) estandardizada, medição da pressão inspiratória máxima (PIM) e pressão expiratória máxima (PEM), gasometria, hemograma e bioquímica básica, telerradiografia do tórax e electrocardiograma de repouso13.

O grau de dispneia deve ser avaliada através do Medical Research Council Dyspnoea Questionnaire(MRCDQ), obrigatório, ou a escala de Borg ou a de Fletcher ou de Mahler modificada (opcionais) e a avaliação nutricional através do IMC, da avaliação da composição corporal ou com um inquérito alimentar.

A avaliação do estado de preparação física do doente pode ser feita medindo a força muscular periférica (membros superiores e inferiores) através da determinação de 17 RM (resistências máximas), ou seja, o peso máximo que o doente consegue levantar 17 vezes seguidas. Também é importante a avaliação das actividades da vida diária (AVD), usando a escala London chest activity of daily living(LCADL), obrigatória, ou outras13.

A qualidade de vida em geral é avaliada através de escalas globais, como EuroQol (obrigatória) ou outras, como Saint George Respiratory Questionnaire (SGRQ).

Após a avaliação completa do doente, devem ser estabelecidos objectivos realistas, tendo em conta o estado clínico e as capacidades físicas do doente.

Programa de reabilitação respiratória O treino de exercício baseia-se em quatro princípios gerais da fisiologia: sobrecarga,especificidade,reversibilidade e individualização. A selecção dos doentes deve ter em conta diversos aspectos (Quadro IV) relacionados com o doente e o seu meio familiar e social4,7.

Quadro IV Aspectos a considerar na selecção dos doentes

Segundo a maioria dos estudos, os benefícios da RR são independentes de sexo, idade e da gravidade da doença, e a prescrição do exercício mais adequado para cada doente é aquela que facilita a mudança comportamental no sentido do aumento da saúde.

A prática de exercício permite obter resultados satisfatórios, mesmo com treinos de baixa intensidade; no entanto, exercícios com maior sobrecarga induzem maior resposta3. Os critérios de exclusão incluem patologias associadas que interferem com execução do treino (artrite incapacitante, demência ) e co morbilidades, como angina instável, enfarte agudo do miocárdio recente e hipertensão pulmonar grave. Um programa de RR deve ter uma organização (Quadro V) adequada a cada indivíduo.

Quadro V Organização geral de um programa de reabilitação respiratória

A duração mínima do período de treino ainda não foi suficientemente investigada4. A ACCP/AACVPR recomenda a duração de 6-12 semanas10,13.

Alguns autores, como Moulin M et al,afirmam que programas de RR mais prolongados oferecem benefícios durante um maior período de tempo14.

Quanto à intensidade, ainda não consenso; no então, começa a prevalecer a ideia de que quanto maior, melhor3.

Até pouco tempo considerava-se a dispneia um sintoma limitador; actualmente acredita-se que a exposição a níveis de dispneia superiores ao habitual em ambiente seguro aumenta teoricamente a autoeficácia para lidar com o sintoma, bem como o seu limiar de percepção3.

O ideal é que todas as sessões se realizem com acompanhamento do fisioterapeuta, mas duas sessões acompanhadas e uma sessão no domicílio também é aceitável.

Para ajustar a intensidade de exercício deve ter-se em consideração: quantidade de trabalho externo (W), consumo de O2 (VO2), frequência cardíaca (FC), nível de dispneia (escala de Borg).

Actualmente recomenda -se que o treino seja efectuado abaixo da FC máxima que o doente apresentou na P6MM; no entanto, não existe ainda consenso nem evidência cientifica sólida13.

O valor-alvo de intensidade inicial corresponde ao limiar metabólico mínimo (VO2q) no doente descondicionado a 40% do valor de referência do VO2 máximo.

Apesar de se recomendar treino de intensidade elevada e constante, os doentes com dificuldade em mantê-la (limitados pela dispneia ou fadiga dos membros inferiores) podem realizar treinos intervalados (curtos períodos de intensidade elevada alternando com períodos de repouso ou intensidade mais reduzida, de forma a permitir a recuperação)3,9.

Quanto ao tipo de exercícios, podem realizar exercício aeróbico, exercício de força e exercício dos músculos respiratórios.

O exercício aeróbico engloba o treino dos membros inferiores com cicloergómetro, tapete, stepou caminhadas e dos membros superiores, sobretudo da cintura escapular. O treino dos membros superiores exige maior trabalho cardiovascular, está mais associado à dispneia e visa incrementar as AVD.

Este treino pode ser realizado com apoio utilizando um cicloergómetro de braço, ou sem apoio através de pesos (Fig. 1), bastões bandas ou elásticos. O treino contra a gravidade parece ser mais eficaz, pela semelhança com as AVD.

Fig. 1 Exercício de treino dos membros superiores com pesos

Em relação ao exercício de força, apesar de ainda não haver consenso quanto à sua prescrição em DPOC, a maioria dos especialistas recomenda a sua realização com uma frequência de duas a três vezes por semana, com treino em duas a quatro séries para cada grupo muscular, com 8 a 12 repetições e intervalos de dois a três minutos entre séries. A intensidade deve ser 50-85% de uma RM (repetição máxima) e dever ser feito um ajuste das características do treino cada três ou quatro semanas.

No que diz respeito ao exercício de músculos respiratórios (EMR), tem como indicações as doenças neuromusculares quando se verifica uma diminuição da força muscular respiratória significativa com valores baixos de PImáx e PEmáx e na ausência de hiperinsuflação3. Apesar de aparentemente não aumentar a tolerância ao exercício, parece ter um efeito positivo na musculatura respiratória, recomendando-se treino de força com resistência inspiratória alta, com poucas repetições e de enduranceresistência inspiratória baixa a moderada 15 a 30 minutos.

A educação dos doentes assume um papel importante para garantir o sucesso da reabilitação respiratória e a manutenção dos benefícios da mesma a longo prazo9,13.

Essa educação deve ter em conta as AVD e prende-se sobretudo com orientação sobre a conservação de energia, tendo em conta a postura, o planeamento de actividades e a organização do espaço físico e técnicas de respiração, salientando-se a consciencialização da respiração, a respiração diafragmática, a postura corporal global e a respiração com lábios semi cerrados5,6,9,13.

A monitorização do doente em esforço deve incluir no mínimo tensão arterial antes e após esforço, glicemias nos diabéticos, sinais e sintomas de intolerância ao esforço, frequência cardíaca, escala de Borg de esforço e de dispneia, no início, durante e no final da sessão, registo de cargas de esforço (cada 10 minutos), saturações periféricas, antes, durante e após esforço13.

Oxigenoterapia durante exercício A oxigenioterapia durante o exercício oferece inúmeros benefícios para o doente (Quadro VI) e está indicada quando a PaO2 é inferior ou igual a 55mmHg ou Sat.

O2 inferior ou igual a 90% durante a actividade física (exercício nos testes de avaliação iniciais e actividades semelhantes realizadas no domicilio)3,7,13,15,16.

Quadro VI Benefícios da oxigenioterapia durante o exercício

O débito de O2 adequado é aquele que permite manter a saturação de O2 superior a 90%13.

Ventilação não invasiva (VNI) durante o exercício A VNI também pode oferecer inúmeros benefícios aos doentes que apresentem uma insuficiência respiratória crónica de difícil controlo apenas com a oxigenioterapia19. Assim, a VNI diminui a carga dos músculos respiratórios, previne a compressão dinâmica das vias aéreas, reduz o trabalho respiratório, aumenta o volume corrente, diminui a ventilação minuto, diminui a frequência cardíaca, aumenta a endurancee também reduz os níveis séricos de lactatos durante o exercício3.

No entanto, apesar destes benefícios, o papel da VNI nos programas de reabilitação respiratória está ainda em discussão, não é consensual, necessita de mais investigação.

Exacerbações da DPOC No período de exacerbação da DPOC e mesmo após a mesma, ocorre uma diminuição significativa da actividade física. Cerca de 25% dos doentes após uma exacerbação não recuperam funcionalmente ao fim de três meses e geralmente o período de recuperação do anterior estado de saúde é longo3. Um programa de reabilitação logo após o internamento é seguro e condiciona melhoria clínica significativa na capacidade para o exercício e no estado de saúde3,12,17.

A prescrição de exercício deve ser individualizada e flexível, tendo em consideração as flutuações do estado clínico, com reavaliação frequente dos objectivos e riscos18,19,20.

Avaliação do sucesso do programa de RR O sucesso está principalmente relacionado com a estrutura adequada dos programas e não necessariamente com o local da sua execução. Para avaliar se realmente o programa de RR surtiu efeitos positivos na vida do doente (Quadro VII) é necessário reavaliar o doente após finalizar as sessões.

Quadro VII Métodos de avaliação do sucesso do programa de RR

Para uma avaliação mais rigorosa, recomenda-se realizar previamente uma P6MM, considerando a distância obtida na segunda prova como sendo a que se deve comparar com a distância obtida após o programa de reabilitação13. No entanto, ainda não consenso sobre a prescrição de exercício com base na P6MM.

Dos programas deve fazer parte um plano de manutenção, sendo o programa domiciliário o mais aceitável em termos de custo//benefício, visto que a reabilitação contínua com supervisão especializada não revela ter uma relação custo/benefício favorável.

Conclusão A DPOC define -se como uma doença sistémica, com um componente pulmonar caracterizado por uma limitação crónica ao fluxo aéreo e cujos efeitos sistémicos têm repercussões na musculatura periférica e respiratória, no sistema cardiovascular, no metabolismo e alterações psicossociais importantes.

Com a evolução da doença ocorre uma diminuição progressiva da tolerância ao esforço, com consequente diminuição da capacidade para realizar as actividades da vida diária.

A reabilitação respiratória constitui uma parte fundamental do tratamento integrado dos doentes com DPOC, seja em fase estável da doença seja em períodos de agudização. A RR apresenta benefícios comprovados e reconhecidos pela comunidade médica, como a redução dos sintomas respiratórios, o aumento da tolerância ao esforço, uma diminuição do número de internamentos e de dias de hospitalização, uma melhoria dos sintomas psicossociais e da qualidade de vida do doente com DPOC. O programa, independentemente do local onde é realizado, deverá ser adequado a cada doente, planeado e estruturado com data de início e fim, com um número de sessões predefinidas e maioritariamente supervisionadas por um fisioterapeuta.

Na selecção dos doentes deve ter -se em conta aspectos como a motivação, a expectativa, o sexo e idade, o tabagismo, a gravidade da doença, as comorbilidades e a medicação habitual.

O treino deve englobar exercícios aeróbicos, de força e exercícios para melhorar a musculatura respiratória.

No final das sessões o doente deverá ter adquirido um estilo de vida o mais saudável e autónomo possível e manter um programa de reabilitação durante toda a evolução da doença.


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