Conhecimento dos pais sobre alimentação: construção e validação de um
questionário de alimentação infantil
Introdução
Reconhece-se hoje que uma alimentação saudável durante a infância é duplamente
benéfica, pois se por um lado facilita o desenvolvimento intelectual e
crescimento adequado para a idade, por outro, previne uma série de patologias
relacionadas com uma alimentação incorreta e desequilibrada, como a anemia,
obesidade, desnutrição, cárie dentária, atraso de crescimento, entre outras
(Rego et al., 2004).
As características do crescimento e desenvolvimento infantil evidenciam a
importância da alimentação nos primeiros cinco anos de vida, requerendo esta
cuidados específicos, nomeadamente em qualidade, quantidade, diversidade e
frequência, com destaque para o ambiente onde as refeições ocorrem.
Durante a infância, a família tem uma enorme responsabilidade não só na oferta
do tipo de alimentos, mas igualmente na formação do comportamento alimentar da
criança, detendo os pais o papel de primeiros educadores nutricionais.
Alguns estudos têm-se debruçado sobre as implicações do estilo alimentar
familiar no comportamento alimentar dos filhos, no entanto a identificação das
bases que suportam as decisões dos pais para a prática da alimentação diária
têm sido pouco estudadas. Os determinantes ambientais são complexos e incluem
desde a disponibilidade dos próprios alimentos, a fatores culturais e
económicos. Contudo, em relação a estes, alguns estudos têm mostrado que o
acesso a maiores recursos financeiros, podendo aumentar o poder de escolha, não
se revela sinónimo de uma alimentação de melhor qualidade (EUFIC, 2005).
Na mesma linha, também alguma apatia face às mensagens de prevenção,
discrepâncias na perceção do peso corporal das crianças e falta de
conhecimentos sobre alimentação e nutrição, têm sido citados como possíveis
causas para a manutenção de hábitos alimentares pouco saudáveis. A associação
entre o nível de escolaridade ou maiores conhecimentos no manejo dos alimentos,
e a prática alimentar mais saudável tem-se mostrado igualmente controversa. As
evidências têm revelado que os conhecimentos em nutrição e hábitos alimentares
saudáveis não se apresentam fortemente correlacionados, porque o conhecimento
em saúde não leva a uma ação direta, quando o indivíduo não sabe como o aplicar
(de Almeida, 1997; Kearney et al., 2000, cit. por EUFIC, 2005). Contudo, outras
investigações referem que, apesar do conhecimento de forma isolada não ser
suficiente para determinar práticas alimentares mais adequadas, pode ser um
importante mediador no consumo, explicando variações nas escolhas de certos
alimentos, nomeadamente de frutas e legumes (Wardle, Parmenter e Waller, 2000).
A inexistência de instrumentos que permitam identificar os determinantes que
medeiam a alimentação infantil, nomeadamente conhecimentos básicos de nutrição,
das características fisiológicas e comportamentais das crianças perante esta,
justifica a sua construção, como forma de definição de áreas prioritárias e de
linhas orientadoras para a capacitação individual e coletiva.
Assim, este artigo visa divulgar a construção e validação de um questionário de
avaliação de conhecimentos de mães e pais de crianças, doravante designados de
pais, em alimentação infantil.
Cada afirmação que constitui o questionário baseia-se em conceitos empíricos
decorrentes de investigações sobre o tema e que fundamentam como já referido,
recomendações atualizadas, para uma alimentação infantil equilibrada, partindo
do pressuposto de que na prática, em particular os pais e em geral todos os
adultos com quem a criança contacta, se devem tornar capazes de tomar decisões
mais adequadas na gestão do processo alimentar das suas crianças, necessitando
para isso de mais conhecimentos e habilidades.
Quadro teórico
A qualidade nutricional, quantidade de alimentos, o tempo e o intervalo entre
as refeições, isto é, as regras e normas da alimentação, são estabelecidas pelo
grupo social. Durante a infância é habitualmente na família que recai essa
grande responsabilidade, tendo os fatores culturais, económicos e psicossociais
da família, um grande impacto nas experiências alimentares da criança desde o
momento do nascimento (Ramos e Stein, 2000).
Os pais constituem modelos e influenciam de diferentes formas o comportamento
alimentar das crianças, no entanto, a escassez de tempo, associada à vida
urbana, condiciona muitas vezes as suas escolhas alimentares e,
inevitavelmente, a das crianças. Estas são em muitas ocasiões direcionadas para
alimentos de mais fácil aceitação, como os hipercalóricos, com grande densidade
energética, de rápida preparação e consumo, fornecendo sobretudo um elevado
suprimento em proteínas e gorduras, o que vai originar um desequilíbrio entre
as necessidades (quantidade/qualidade) e o gasto, determinando um incremento da
massa gorda corporal total (Rego et al., 2004).
Do ponto de vista do comportamento alimentar, o período pré-escolar é
caracterizado por um apetite irregular evidenciando as crianças,
frequentemente, seletividade em relação aos alimentos, resistência em
experimentar novos sabores e texturas (neofobia alimentar), e desejo de comer
apenas os alimentos favoritos. É assim típica, uma certa monotonia alimentar,
caracterizada por uma dieta limitada e pouco diversificada, típica dos picky
eaters ou esquisitos (Plinner e Loewen, 1997). Estes comportamentos têm
justificação fisiológica, face aos menores ganhos no crescimento desta etapa da
vida, que revertem posteriormente, no período rebound, de depósito de gordura,
ou segundo período de recuperação, que ocorre habitualmente entre os 5 e os 7
anos de idade (Whitaker et al., 1998; Dietz, 2000).
No entanto, tanto os comportamentos da criança, como a sua justificação nem
sempre são compreendidos ou conhecidos dos pais, o que desencadeia, em muitos
casos, estilos alimentares pouco saudáveis.
Assim, gerir a alimentação infantil de forma equilibrada, ou seja, fornecer uma
alimentação adequada do ponto de vista nutricional, num ambiente positivo,
balanceando a energia que a criança consome com o desgaste energético, torna-se
de vital importância, de modo a evitar alterações nutricionais, dificuldades na
autorregulação do apetite e problemas do comportamento alimentar futuros
(Plinner e Loewen, 1997; Birch et al., 2001; Faith et al., 2004; Black e
Hurley, 2007). Na opinião de Lopes, Catarino e Dixe (2010), cit. Bryanton et
al. (2009), os pais devem ser preparados para compreender e responderem
positivamente às necessidades fisiológicas e emocionais da criança,
nomeadamente na alimentação.
Inquéritos realizados em diversos países, relatam ingestão excessiva de
calorias durante a primeira infância continuando muitas crianças a consumir
baixas quantidades de frutas e vegetais e micronutrientes essenciais (Black e
Hurley, 2007). Estes comportamentos têm sido apontados como responsáveis pelo
incremento da obesidade na idade pré-escolar, que em Portugal se situa acima
dos 30% (Rito, 2008). Esta prevalência coloca o nosso país, face aos restantes
países Europeus, como um dos que apresenta maiores índices de crianças com
excesso de peso e obesidade, impondo uma intervenção urgente, tanto a nível da
identificação dos determinantes, como a nível da sua prevenção.
Metodologia
O Questionário de Alimentação Infantil (QAI) é um instrumento a ser aplicado a
pais de crianças em idade pré-escolar e que pretende identificar os
conhecimentos destes sobre alimentação infantil.
A sua construção baseou-se numa revisão da literatura, e fundamenta-se nas
recomendações de fontes científicas, nomeadamente de Birch et al., (2001);
EUFIC (2005); Portugal, Direção Geral da Saúde (2005); Portugal, Direção Geral
da Saúde/Plataforma Contra a Obesidade (2009); WHO (2009). As afirmações
abordam aspetos como: características dos alimentos/grupos alimentares com
implicações para a saúde (positivas e negativas); comportamentos que medeiam as
regras para as práticas alimentares diárias; atitudes fundamentadas em crenças
alimentares culturais e familiares; conhecimentos nutricionais que norteiam o
quotidiano para utilização dos diversos grupos alimentares.
Na fase de construção, e de forma a ser validada a clareza e compreensão das
afirmações utilizadas, o questionário foi submetido a pré-teste numa amostra de
20 pais de crianças em idade pré-escolar, tendo sofrido alguns ajustes nos
termos, de forma a clarificar o seu entendimento.
Para o estudo de validação recorreu-se a diversas técnicas estatísticas para
avaliar a sua precisão, nomeadamente o teste de correlação de Pearson entre
cada item e a nota global e teste Kruskal-Wallis entre os respondentes, sendo
desta forma selecionados os itens finais. Foi efetuada análise fatorial para
estudo dos componentes principais e determinação do Alfa de Cronbach para
análise da consistência interna e determinação dos fatores através do método de
scree plots. Encontrados os pontos de corte para a sua classificação, foi ainda
testada a sua sensibilidade face à amostra.
O questionário inicial (versão experimental) integrava 60 afirmações
dicotómicas (verdadeiro/falso), e é solicitado aos pais que assinalem com uma x
a afirmação que corresponda àquilo que faz, pensa e sabe, relativamente à
alimentação do filho(a). A fim de evitar tendências de resposta, algumas
questões foram construídas de forma a representarem conceitos positivos e
outras, negativos.
A pontuação varia entre (1) verdadeiro e (0) falso; 1 significa que a resposta
é dada no sentido correto, indicando conhecimentos adequados sobre a
alimentação infantil. A pontuação 0 é dada às respostas falsas, o que indica
conhecimentos incorretos. Os itens, 1, 4, 7, 9, 10, 13, 19, 22, 24, 31, 33, 38,
40, 46, 47, 52, 58, 60, são pontuados inversamente. O score total, obtido pela
soma de todas as respostas assinaladas no sentido correto, varia entre 0 e 60.
Quanto maior o score de pontuação total, melhor o conhecimento dos pais em
alimentação infantil.
Amostra e procedimentos
Antes da colheita de dados foi obtida a aprovação da Direção Geral da Inovação
e do Desenvolvimento Curricular (DGIDC) a que se seguiu a autorização da
Direção dos Agrupamentos Escolares. Posteriormente foi feito contacto pessoal
com cada um dos jardins-de-infância e entregue o Termo de Consentimento
Informado endereçado aos pais das crianças onde era fornecida informação
detalhada sobre o estudo e assegurada a confidencialidade dos dados.
Participaram no estudo 559 sujeitos, respondendo ao questionário 56,9% mães,
4,3% pais e 38,8% casais, progenitores de crianças a frequentar o ensino pré-
primário nos jardins-de-infância de cinco agrupamentos públicos selecionados de
forma não probabilística por conveniência, de entre os oito que pertencem a um
concelho da região centro de Portugal e de um jardim-de-infância de uma
instituição particular de solidariedade social da mesma região, pertencentes às
NUTs III Dão-Lafões.
Como critérios de inclusão consideraram-se os pais de crianças entre 3-6 anos
de idade, não portadoras de doença crónica de base, com as quais coabitavam e
pertencerem ao distrito selecionado.
A idade da mãe situou-se entre os 19-50 anos (M= 34,43 anos; Dp= 5,00) e do pai
entre os 24-60 anos (M= 36,47; Dp= 5,45).
Da amostra, 8,7% dos respondentes tinham o ensino básico, 27,4% o 2º e 3º
ciclo, 28,1% o ensino secundário/profissional e 35,9% o ensino superior. Em
relação ao rendimento familiar, 21,1% referiram auferir o ordenado mínimo
nacional, 23,9% duas vezes o ordenado mínimo nacional e 54,9% o correspondente
a igual ou superior a três vezes o ordenado mínimo nacional.
Uma vez realizada a colheita de dados, procedeu-se ao tratamento estatístico
com apoio do programa IBM SPSS Statistics 19.
O estudo da homogeneidade dos itens foi feito pela determinação do coeficiente
Alfa de Cronbach e do cálculo de correlações para o conjunto do questionário,
após serem extraídos um a um, os itens com valores de correlação pouco
significativos.
Resultados
Para o estudo da validação do Questionário de Alimentação Infantil (QAI),
efetuou-se a análise fatorial exploratória de modo a ser analisada a validade
do constructo, ou seja, de modo a avaliar se as variáveis que constituem os
fatores, medem ou não os mesmos conceitos (Pestana e Gageiro, 2008).
O estudo da homogeneidade dos itens foi conduzido pela determinação do
coeficiente Alfa de Cronbach. Apesar do QAI estar elaborado num enunciado
dicotómico, optou-se pela determinação do Alfa de Cronbach visto este ser
considerado a medida de consistência interna por excelência (Maroco e Garcia-
Marques, 2006, p. 72). No entanto, considerando os pressupostos defendidos por
alguns autores relativamente aos instrumentos com enunciado dicotómico, para
confirmação da consistência interna do questionário, foi ainda efetuado o teste
de Kuder-Richardson (Maroco e Garcia-Marques, 2006).
Considerou-se ainda como critério, que os itens com correlações com a nota
global inferiores a 0,20 seriam eliminados (Streiner e Norman, 1989).
Características psicométricas do QAI
Reportando-nos aos resultados da fiabilidade, na tabela 1 são apresentados os
valores obtidos nas estatísticas (médias e desvios padrão) e as correlações
entre cada item, e que nos indicam como o item se combina com o valor global.
Tabela_1 ' Estatísticas, correlação de Pearson e Alfa de Cronbach relativas ao
Questionário de Alimentação Infantil
Verifica-se que os valores de correlação são todos superiores a 0,20, exceto os
itens 21 e 56 que, face ao critério definido, foram eliminados respetivamente a
partir da primeira correlação com a nota global. Para os restantes indicadores
o valor mínimo obtido ocorreu no item 41 (r=0,254) Um copo de leite equivale a
dois iogurtes sólidos e o máximo no item 48 (r= 0,759) As refeições em
família são um ritual importante para pais e filhos.
Efetuada uma segunda correlação, observou-se que o item 25 A gordura é um
alimento necessário ao crescimento das crianças apresentava o valor mais
baixo, (r= 0,249), mantendo-se o item 48 com o valor mais elevado, (r= 0,761),
explicando 57,91% da sua variabilidade. Na terceira correlação com a nota
global todos os itens pontuaram com valores superiores a 0,20.
A determinação do coeficiente Alfa de Cronbach, indica-nos para todos os itens
uma consistência muito boa ao oscilarem entre 0.944 e 0.947.
Calculado o índice de fiabilidade pelo método das metades, (split-half)
verificou-se que o valor é igualmente muito bom para a segunda metade (0,930)
apresentando na primeira metade um valor bom (0,871), sendo o Alfa de Cronbach
global = 0,946.
Uma análise aos coeficientes de correlação item total corrigido, salientam o
item 25 e 48 como o menos e mais favorável respetivamente (c.f. tabela_1).
No sentido de se apurar se os itens eram discriminados pelos grupos de
participantes (pais, mães e casais), efetuou-se o teste Kruskal-Wallis. Pelos
valores de p, verificámos que eram todos superiores a 0,05 com exceção dos
itens 31 (χ 2= 7,519; p=.023), 45 (χ 2= 6,147; p=.046) e 54 (χ 2= 6,528;
p=.038), que por discriminarem face aos grupos, foram retirados do
questionário.
Pelos procedimentos efetuados foram eliminados 5 itens do QAI (21, 56, 31, 45 e
54), ficando a versão final com 55 questões que foram enumeradas segundo a sua
sequência e efetuada uma nova análise à consistência interna dos itens
restantes.
Analisando a tabela 2 verificamos que os coeficientes de Alfa de Cronbach,
apesar de terem baixado ligeiramente, mantêm-se muito bons, oscilando agora
entre 0.940 e 0.943. O índice de Split-half indica igualmente uma ligeira
descida na pontuação, mantendo-se a segunda metade com valor superior (0,923)
relativamente à primeira (0,866). O coeficiente Alfa de Cronbach global
apresentou na versão final o valor de 0,942 e o teste Kuder-Richardson para a
escala global foi de 0,911 o que confirma que o instrumento mantém boa
consistência interna.
Tabela 2 ' Alfa de Cronbach para avaliação da consistência interna da versão
final do QAI
A verificação da adequabilidade da utilização do conjunto de questões, para a
construção das diferentes variáveis latentes, foi efetuada através do teste de
Kaiser-Meyer-Olkin (KMO), bem como pela significância do teste de esfericidade
de Bartlett (Pestana e Gageiro, 2008). O valor obtido (KMO=0.950) é sugestivo
de uma excelente correlação entre as variáveis e o teste de esfericidade de
Bartlett é significativo (p= 0.035) pelo que prosseguimos com a análise
fatorial. A extração dos fatores pelo método de rotação varimax revelou onze
fatores com eigenvalues superiores a 1, que no conjunto explicavam 54.44 % da
variância total.
Dada a existência de tão elevado número, de entre os diferentes métodos
preconizados por Maroco (2007) optamos pelo gráfico scree plots, de forma a
confirmar o número de fatores a reter.
Verificamos assim que a estrutura relacional do QAI é explicada por quatro
fatores latentes que explicam 39,59% da variância acumulada (c.f. gráfico 1).
Gráfico 1 ' Gráfico de variâncias de scree plot do Questionário de Alimentação
Infantil
Por tal facto procedeu-se a nova análise fatorial, forçando a quatro fatores.
Na tabela 3 resumem-se os pesos fatoriais de cada item e para cada um dos
quatro fatores. De realçar que o fator 1 apresenta pesos fatoriais elevados nas
questões 36, 52, 45, 51, 53, 50, 46, e 49. Nos restantes e em todos os fatores
apresentam valores superiores a 0,4, exceto as afirmações 30 e 6 do fator 4.
Tabela_3 ' Pesos fatoriais após rotação varimax, comunalidades, percentagem de
variância explicada e alfa de cronbach nos 4 fatores do QAI
A organização dos itens pelos fatores permitiu atribuir os seguintes
significados: fator 1 que designamos por Alimentação e Saúde satura em 22 itens
(14, 16, 34, 35, 36, 37, 38, 40, 41, 42, 44, 45, 46, 47, 48, 49, 50, 51, 52,
53, 54 e 55), explicando 16,20% da variância total. O fator 2 que nomeámos de
Regras Alimentares, é constituído por 13 itens, (2, 3, 4, 5, 7, 8, 9, 11, 12,
13, 18, 20 e 22), explicando 9,72% da variância total. O fator 3 designado por
Crenças Alimentares Familiares é composto por 9 itens, (1, 10, 19, 21, 23, 24,
26, 31 e 43) e explica 6,91% da variância total. O fator 4, intitulado de
Variedade/diversidade no Padrão Alimentar é composto por 11 itens (6, 15, 17,
25, 27, 28, 29, 30, 32, 33, 39), explicando 6,75% da variância total.
Os coeficientes Alfa de Cronbach obtidos nos 4 fatores revelam boa consistência
interna dos itens que constituem o QAI e boa concordância entre os enunciados
ao apresentarem valores superiores a 0,70 (c.f. tabela_3).
Efetuada uma matriz de correlação entre os fatores, estes registam correlações
positivas e significativas, oscilando entre r= 0,727 (Regras Alimentares vs
Alimentação e Saúde) e r= 0,438 (Variedade/diversidade no Padrão Alimentar vs
Crenças Alimentares Familiares) o que indica boa correlação entre eles (c.f.
tabela 4).
Tabela 4 ' Matriz de correlação de Pearson entre os fatores do Questionário de
Alimentação Infantil
As estatísticas aos quatro fatores, revelaram valores mínimos de zero e máximos
que oscilam entre 9,00 para o fator 3 Crenças Alimentares Familiares e 22,00
para o fator 1 Alimentação e Saúde. Os valores médios oscilam entre 4,903
(Dp=2,463) e 17,63 (Dp=5,526) nos fatores Crenças Alimentares Familiares e
Alimentação e Saúde respetivamente. O coeficiente de variação (CV) indica
dispersão moderada no fator Regras Alimentares e elevada nos restantes. O teste
de normalidade de Kolmogorov-Smirnov (K-S), não segue uma distribuição normal
para todos os fatores e os valores de SK/erro e K/erro indicam curvas
assimétricas e placticúrticas, exceto nos F1, F2 e Fator global, que apresentam
tendência leptocúrtica (c.f. tabela 5).
Tabela 5 ' Estatísticas dos quatro fatores e nota global do Questionário de
Alimentação Infantil
A classificação do nível de conhecimentos sobre alimentação infantil foi obtida
através de grupos de corte para a nota global da escala que, perante a
assimetria acentuada das estatísticas desse fator, tiveram por base a fórmula
(Mediana ± 0.25 amplitude interquartil [ aQ]), preconizada por Pestana e
Gageiro (2008, p. 114).
Desta forma, os grupos de corte efetuados permitiram a seguinte classificação:
• Conhecimento insuficiente - (<= Me-0,25 aQ) ' (<= 37)
• Conhecimento suficiente ' (>=Me-0,25 aQ <= Me+0,25 aQ) ' (38- 41)
• Conhecimento bom - (>= Me+0,25 aQ) ' (>= 42)
Analisando as estatísticas obtidas, verifica-se que o valor mínimo é para todos
os respondentes de 0,00 e o máximo de 54 no casal. O valor médio é bastante
semelhante nos três grupos com um desvio padrão que oscila entre 13,85 e 10,09.
O teste de aderência à normalidade de K-S indica significância estatística, com
exceção no grupo do pai (p> 0,05) (c.f. tabela 6).
Tabela 6 - Estatísticas e nota global, obtidas no Questionário de Alimentação
Infantil
Analisando a tabela 7, verificamos que para o global da amostra a maioria
apresenta bom conhecimento (52,1%), em percentagens bastante aproximadas nos
grupos, respetivamente em 54,2% dos pais, 52,2% das mães e 51,6% dos casais. Já
os conhecimentos insuficientes são mais expressivos no grupo do pai. As
diferenças encontradas não são estatisticamente significativas (χ 2= 4,749;
p=.314), o que revela que o instrumento não é sensível a diferenças de género
(c.f. tabela 7).
Tabela 7 ' Nível de Conhecimento Alimentar Global do QAI em função dos
inquiridos
Discussão
Após a construção do QAI e da sua aplicação à amostra em estudo, foram testadas
as suas propriedades psicométricas. O estudo da validação foi baseado nos três
c, de constructo, de conteúdo e de critério, considerando-se nesta validação
apenas a validade do constructo. Segundo Jaeger (1983), citado por Vaz Serra
(2000), a validade de constructo subordina todas as outras, procurando
identificar se o instrumento mede realmente o que pretende medir. No entanto a
sua validade nunca é provada, mas simplesmente aceite, na medida em que as
provas a seu favor vão sendo superiores às provas contrárias.
O estudo da homogeneidade dos itens foi conduzido pela determinação do
coeficiente Alfa de Cronbach, revelando na versão final o valor α= 0,942.
Apesar do QAI estar elaborado num enunciado dicotómico, optou-se por esta
análise, pois como referem Maroco e Garcia-Marques (2006, p. 72), o Alfa de
Cronbach é considerado a medida de consistência interna por excelência.
A avaliação da validade da análise fatorial exploratória foi igualmente
sugestiva de uma excelente correlação entre as variáveis (KMO=0.950). Para
Maroco (2007) o KMO é uma medida da homogeneidade, pois compara as correlações
simples com as correlações parciais observadas entre as variáveis e, segundo
este autor, valores de KMO entre 0,9 e 1,0 revelam excelente qualidade dos
dados, o que é o caso deste estudo.
A extração de fatores pelo gráfico scree plot identificou quatro fatores
latentes que explicam 39,59% da variância total.
Uma contribuição para o estudo da validade do instrumento é a determinação da
matriz de correlação entre os diversos fatores e a nota global do questionário.
Refere Maroco (2007) que se estas correlações forem muito elevadas, o modelo
fatorial retido reproduz mal a estrutura correlacional observada, sendo
preferível correlações moderadas entre si, facto que nos revela uma
sensibilidade a aspetos diferentes do mesmo constructo. Os resultados
encontrados vão ao encontro deste pressuposto, já que oscilaram entre r= 0,727
e r= 0,438, afigurando-se as correlações entre os diversos fatores e a nota
global positivas e significativas.
Perante os três grupos da amostra (mãe, pai e casal) e face aos pontos de corte
efetuados, os resultados espelham conhecimentos bons, seguidos de conhecimentos
insuficientes no pai. A avaliação do nível de conhecimentos permite ainda
perceber que o questionário avalia os aspetos comuns e não as diferenças numa
amostra de homens e mulheres, mostrando desta forma boa sensibilidade (Pestana
e Gageiro, 2008).
Conclusão
A análise do conhecimento dos pais em alimentação infantil assume particular
importância no contexto da saúde infantil, dado o papel central da família no
desenvolvimento do comportamento alimentar da prole. Assim, identificar as
necessidades de (in)formação dos Pais nas atividades de educação e promoção da
saúde infantil, sobretudo da educação alimentar deverá constituir um elemento
básico ao seu planeamento.
Neste trabalho propusemo-nos, pela revisão bibliográfica efetuada, construir um
grupo de afirmações que caracterizassem, pela positiva e pela negativa, aspetos
que medeiam a alimentação na infância, e nos permitissem, através das resposta
dos pais, determinar os seus conhecimentos nesta matéria.
A metodologia de validação efetuada permitiu selecionar 55 questões, assumindo
assim um score mínimo de 0 e máximo de 55 e que, pelos resultados obtidos,
parecem cumprir o objetivo geral formulado, evidenciando condições de
credibilidade, pelos diversos testes de validação efetuados. Em termos de
homogeneidade, e consistência interna o processo de validação do QAI permitiu
atribuir ao instrumento qualidades psicométricas e de sensibilidade para o seu
uso neste âmbito.
No futuro procuraremos testar este questionário no confronto com outras
escalas, de forma a complementar a informação obtida e identificar áreas
sensíveis a um maior investimento na educação e formação dos pais. O QAI poderá
ser mais um contributo para que, através de informação mais dirigida às
necessidades da família, esta seja capaz de tomar decisões mais adequadas no
que respeita à alimentação das crianças.