Adaptação cultural e validação da versão portuguesa da Escala de Expectativas
acerca do Álcool: versão adolescentes
Introdução
A intensiva investigação das últimas décadas mostrou que o consumo de álcool e
o alcoolismo são influenciados por um largo espetro de fatores, tanto pessoais
como ambientais, considerados em interação, adquirindo particular relevância
durante a infância e a adolescência.
O conceito de expectativas acerca do álcool tem em conta este tipo de
abordagem. É um constructo que beneficiou do contributo de várias teorias: a
Teoria da Aprendizagem de Sinal de Tolman, segundo a qual o comportamento é
determinado principalmente pela necessidade e pelas expectativas; a Teoria de
Expectativa de MacCorquodale e Meehl, que divide a expectativa global em três
componentes - evocador, resposta e espectandum; a Teoria das Expectativas de
Eficácia de Bandura; e a Teoria da Aprendizagem Social de Rotter, resumida em
quatro variáveis altamente preditoras do comportamento - o potencial de
comportamento, a expectativa, o valor de reforço e a situação psicológica.
Tendo como base estas teorias, nas últimas décadas a investigação tem procurado
mostrar como os diversos fatores são explicativos do uso de álcool e dos
diferentes padrões de consumo, quer através da influência dos processos
cognitivos na decisão de beber, quer pelo efeito independente e interativo das
expectativas acerca dos efeitos do álcool em diversos comportamentos (Goldman,
Greenbaum e Darkes, 1997; Barroso, Barbosa e Mendes, 2006; Schuckit et al.,
2009; Comasco et al., 2010; Zimmermann et al., 2010).
Em suma, o conhecimento atual neste domínio sugere que os processos cognitivos
devem ser examinados como um possível mecanismo mediador, em que o constructo
de expectativas acerca do álcool fornece um veículo óbvio para esse estudo
(Jones, Corbin e Fromme, 2001; Schuckit et al., 2009; Barroso, Mendes e
Barbosa, 2009; Reich, Below e Goldman, 2010). Para além disso, uma vez que
estas cognições são potencialmente modificáveis, apresentam-se como um alvo
prioritário dos esforços preventivos. Por outro lado, os estudos empíricos têm
mostrado que as expectativas são adquiridas precocemente, mesmo antes das
experiências pessoais de consumo de álcool, sendo desenvolvidas através de
processos de aprendizagem social ao longo da infância e adolescência (Perez-
Aranibar, Van den Broucke e Fontaine, 2005; Barroso, Barbosa e Mendes, 2006;
Barroso, Mendes e Barbosa, 2009; Comasco et al., 2010; Zimmermann et al.,
2010).
Para a maioria dos indivíduos, o início de consumo de bebidas alcoólicas tende
a ocorrer durante o início da adolescência e em situações sociais, pelo que o
consumo solitário é pouco comum. Os estudos europeus mais recentes indicam que
9 em cada 10 adolescentes, dos 15-16 anos de idade, já consumiram álcool; que o
início do consumo se faz em média aos 12 ½ anos de idade; e que 29% dos
adolescentes com 15 anos de idade referem ter um consumo semanal (Anderson e
Baumberg, 2006; European School Survey on Alcohol and Other Drugs, 2009;
Deutsche Hauptstelle für Suchtfragen, 2008).
Em Portugal, as primeiras experiências de consumo de álcool iniciam-se muito
antes da idade mínima legal para o seu consumo. Os estudos epidemiológicos
indicam que a maioria dos adolescentes já consumiu bebidas alcoólicas. Todavia,
o consumo regular não é frequente entre os adolescentes (Matos et al., 2003;
European School Survey on Alcohol and Other Drugs, 2009).
Estes resultados sugerem que os adolescentes portugueses iniciam o consumo de
álcool no início da adolescência; que com o aumento da idade têm maior
probabilidade de estarem expostos ao consumo de álcool e seus riscos; e que
ocorre um rápido incremento do consumo de álcool dos 13 para os 15 anos de
idade (Matos et al., 2003).
A evidência científica aponta a idade de início do consumo de álcool como um
poderoso preditor da ocorrência de problemas de abuso e dependência ao longo da
vida (Pitkånen Lyyra e Pulkkinen, 2005), designadamente, os indivíduos que
iniciam o consumo de álcool aos 15 anos de idade têm 4 vezes mais probabilidade
de vir a desenvolver dependências de álcool em determinado momento da vida do
que os que iniciam o consumo aos 20 anos de idade (Grant e Dawson, 1997;
Anderson e Baumberg, 2006).
A média de álcool consumida, na última ocasião de consumo, entre os
adolescentes europeus com 15-16 anos de idade, é de 6 bebidas, cerca de 60 g de
álcool; e 1 em cada 6 adolescentes (18%) nesta idade referem consumo excessivo
na mesma ocasião, três ou mais vezes no último mês (European School Survey on
Alcohol and Other Drugs, 2009; Deutsche Hauptstelle für Suchtfragen, 2008). Na
última década, verificou-se um aumento por toda a Europa daquela tipologia de
consumo entre os adolescentes dos 15 aos 16 anos de idade (Deutsche Hauptstelle
für Suchtfragen, 2008). A média de idades referentes à ocorrência de embriaguez
é para os rapazes aos 13.6 anos e para as raparigas aos 13.9 (Anderson e
Baumberg, 2006).
Ora, se essas expectativas influenciam o início do consumo de álcool entre os
adolescentes é importante a investigação do seu papel na transição para os
padrões de consumo em adultos. Pois as expectativas, para além de funcionarem
como incentivadoras do consumo em jovens bebedores, podem ser responsáveis pela
perceção seletiva das situações de consumo, favorecendo desse modo a
confirmação das expectativas antecipadas.
Sabendo que o instrumento mais utilizado pela comunidade científica
internacional para avaliar dimensões referentes às expectativas acerca do
álcool nos adolescentes é o Alcohol Expectancy Questionnaire ' adolescent form
(AEQ-A) de Brown, Christiansen e Goldman (1987) (Aas, 1993; Kline, 1996;
Rönnback, Ahllund e Lindman, 1999; Perez-Aranibar, Van den Broucke e Fontaine,
2005) e devido à inexistência, em Portugal, de um instrumento que permitisse
avaliar as expectativas acerca do álcool em adolescentes, procedeu-se à sua
tradução e à realização dos estudos de avaliação psicométrica com
desenvolvimento de um novo instrumento.
Origem do AEQ-A
A versão original do AEQ-A é constituída por 90 itens que se organizam em sete
dimensões (Quadro_1). A dimensão Tansformação global positiva, que integra 15
itens (Beber álcool pode tirar a dor física; Beber álcool torna mais fácil
estar com os outros, e em geral, faz o mundo parecer um sítio mais agradável);
a dimensão Alteração do comportamento social com 17 itens (A maior parte das
bebidas alcoólicas sabe bem; Beber algumas bebidas alcoólicas é uma forma de
tornar as férias agradáveis); a melhoria do funcionamento motor e cognitivo,
com 10 itens (As pessoas conduzem melhor depois de algumas bebidas alcoólicas;
Beber álcool afasta o sentimento das pessoas de que elas não são tão boas como
as outras); a dimensão ativação da sexualidade, que tem 7 itens (O álcool faz
as pessoas sentirem-se mais românticas; As pessoas sentem-se mais sensuais
depois de algumas bebidas alcoólicas); a dimensão Deterioração do funcionamento
motor e cognitivo com 24 itens (As pessoas ficam predispostas a partir e a
destruir coisas quando estão a beber álcool; As pessoas sentem-se poderosas
quando bebem álcool); a dimensão Estimulação, que integra 4 itens (O álcool
aumenta a estimulação, faz as pessoas sentirem-se mais fortes e mais poderosas
e iniciar uma luta torna-se mais fácil); a dimensão Relaxamento e redução da
tensão, com 13 itens (É mais fácil para as pessoas abrirem-se e falarem dos
seus sentimentos depois de algumas bebidas alcoólicas; Beber álcool faz as
pessoas sentirem-se menos ansiosas).
O formato do questionário é de reposta dicotómica de autopreenchimento.
O estudo de validação do AEQ-A foi realizado nos EUA com uma mostra de 1580
adolescentes, dos 12 aos 19 anos de idade, e foram obtidos os resultados que se
apresentam no quadro seguinte (Quadro 1).
Quadro_1 ' Valores de coeficiente de consistência interna das dimensões do AEQ-
A
Este instrumento foi adaptado para diferentes contextos socioculturais,
nomeadamente o estudo de adaptação do AEQ-A realizado na Noruega por Aas
(1993), com uma amostra de 924 adolescentes do 7º ano de escolaridade (Média =
13,3 anos); o estudo desenvolvido por Kline (1996), no Canadá, com uma amostra
de 408 estudantes do 6º, 7º e 8 ano de escolaridade (Média = 12.1 anos); e o
estudo realizado por Rönnback, Ahllundnk e Lindman, (1999), na Finlândia, com
uma amostra de 195 jovens militares do género masculino (Média = 18.5 anos).
Conforme se pode observar no Quadro 2, os resultados destes estudos revelaram
algumas fragilidades na consistência interna para algumas das dimensões,
nomeadamente a dimensão Estimulação que apresenta valores muito baixos em todos
os estudos. Em relação às outras dimensões, para além das diferenças
verificadas nos estudos, é de salientar que o valor obtido na dimensão de
Melhoria do funcionamento motor e cognitivo é baixo, especificamente nos
estudos de Aas (1993) e Kline (1996), e, ainda, o valor baixo obtida no estudo
de Aas (1993) na dimensão de Ativação da sexualidade.
Quadro 2 ' Valores de coeficiente de consistência interna das dimensões do AEQ-
A nos diversos estudos identificados
Alguns estudos têm revelado que o AEQ é um instrumento adequado para a
avaliação das expectativas acerca do álcool. Este instrumento de utilização
frequente tem, no entanto, suscitado algumas polémicas, sendo as mais
importantes: as dificuldades em se obter uma análise fatorial clara; a baixa
consistência interna de algumas das sub-escalas, o que põe em causa as
qualidades psicométricas do instrumento; e o formato de resposta pouco
discriminativo (Leigh e Stacy, 1991).
O trabalho de tradução e adaptação do AEQ-A foi realizado em três estudos
diferentes cuja apresentação é independente e segue estruturalmente a seguinte
organização: metodologia, apresentação dos resultados e discussão.
Estudo 1
Métodos
A versão da escala Alcohol Expectancy Questionnaire ' Adolescent Form (AEQ-A)
sobre a qual se trabalhou no processo de adaptação foi proporcionada por
Goldman e colaboradores. Seguiram-se as orientações fornecidas pelos autores
relativamente às respetivas cotações e outros aspetos considerados importantes
à realização e cumprimento das normas e procedimentos.
Inicialmente procedeu-se à tradução da versão original, em inglês, para a
língua portuguesa, recorrendo ao apoio de dois especialistas bilingues. Depois
da tradução, foi feita uma análise do conteúdo dos itens por dois
especialistas. Seguiu-se a sua retro-tradução efetuada por um licenciado
bilingue. Foram analisados os aspetos convergentes/divergentes com 3 peritos na
área da saúde mental. A sua análise no que respeita à equivalência semântica
foi efetuada de modo a que a versão se enquadrasse na realidade sociocultural
portuguesa. A sua aplicação a um grupo pré teste, com 10 adolescentes não
incluídos na amostra final, permitiu aferir que os termos utilizados eram
facilmente compreendidos, pelo que não foi necessário efetuar alterações ao
nível do léxico.
A amostra foi constituída por 654 adolescentes de ambos os sexos (51.50% do
género feminino e 48.50% do género masculino), com idades compreendidas entre
os 12 e os 18 anos (Média = 13.55 anos; DP = 1.13 anos), estudantes do 7º, 8º e
9º ano de escolaridade, após o cumprimento dos respetivos procedimentos formais
(autorizações) e técnicos (reuniões preparatórias com os colaboradores no
trabalho de campo). O tempo médio necessário para o seu preenchimento foi de 15
a 20 minutos.
O questionário integra questões relativas às variáveis sociodemográficas e
questões relativas ao consumo de álcool. Após a administração do instrumento,
procedeu-se ao cálculo do coeficiente de consistência interna da escala (Kuder
Richardson), com o apoio do software SPSS 14.0.
Consideraram-se os seguintes critérios de eliminação de itens: a correlação
item-total corrigida inferior a .20 e/ou itens que apresentavam uma
concentração massiva de respostas (superiores a 80%) na mesma alternativa
(análise da média das respostas e o desvio padrão).
Resultados
Dos 654 questionários aplicados foram analisados os resultados de 412, uma vez
que 242 questionários foram anulados por apresentarem deficiências de
preenchimento.
Os resultados obtidos através do coeficiente de Kuder-Richardson revelam
valores nas diferentes dimensões entre .81 (Fator V - Deterioração do
funcionamento motor e cognitivo) e .34 (Fator VI ' Estimulação). Salienta-se
que o valor obtido na dimensão Estimulação é de (K20=.34), que é considerado um
valor de consistência interna muito baixo.
Atendendo a correlação item-total corrigida, os resultados indicaram 28 itens
com valores inferiores a .20 e, ainda, 33 itens que apresentaram uma
concentração massiva de respostas (superiores a 80%) na mesma alternativa
(análise da média das respostas e desvio padrão). No total identificaram-se 40
itens com critérios de eliminação.
Discussão
Os resultados obtidos neste primeiro estudo revelaram valores de consistência
interna baixos, em particular no fator VI (Estimulação) e correlações baixas e,
por vezes, negativas com o total da escala. Verificou-se ainda, para um número
elevado de itens, uma escolha massiva na mesma alternativa (superior a 80%).
Dos 40 itens com critérios de eliminação procedeu-se à eliminação de 29, tendo-
se optado por reter os 11 itens restantes. As razões que levaram à sua retenção
foram: itens de cotação invertida (6 itens) e valoração atribuída ao conteúdo
(5 itens). Em qualquer dos casos considerou-se útil verificar o seu
comportamento numa segunda fase de refinamento do questionário.
Os itens eliminados conduziram à extinção do fator III (Melhoria do
funcionamento motor e cognitivo). As expectativas de melhoria do funcionamento
cognitivo e motor parecem enfraquecer durante a adolescência, embora estas
existam nos adultos alcoólicos. Alguns estudos sugerem que os indivíduos
adultos com dependência alcoólica esperam mais benefícios cognitivos no consumo
de álcool do que os consumidores não problemáticos. A diminuição progressiva
com a idade da expectativa de que o álcool melhora o funcionamento cognitivo e
motor e o seu reaparecimento em indivíduos adultos com dependência alcoólica
tem estimulado alguns autores a questionarem sobre o seu significado. Sugere-se
que aquelas expectativas desempenham um papel etiológico no desenvolvimento dos
problemas com a bebida, uma vez que persistem nos indivíduos com dependência
alcoólica mas não na generalidade dos adultos. Noutra perspetiva, também se
pode considerar o desenvolvimento da tolerância ao álcool e a dependência como
possíveis fatores explicativos da sua presença em indivíduos com dependência
alcoólica.
Um dos sintomas da dependência alcoólica é o craving, ou seja, a necessidade
compulsiva para consumir bebidas alcoólicas no sentido de estabilizar os níveis
de alcoolemia e esbater a sintomatologia de privação. Ao consumir álcool e
invertendo a sintomatologia de privação, produz-se um reforço da expectativa de
que beber melhora o funcionamento cognitivo e motor.
Estudo II
Na sequência do processo de adaptação do AEQ-A, tendo em conta os resultados
obtidos no primeiro estudo, o fraco poder discriminativo de um instrumento em
formato de resposta dicotómico e a escassez de informação para traduzir o
constructo de expectativas, considerou-se importante a realização do segundo
estudo com o objetivo de analisar a consistência da versão adaptada numa escala
de tipo likert.
Métodos
Após a integração das alterações que emergiram do processo de análise anterior
realizou-se uma proposta de questionário que incluía 61 itens da versão inicial
com uma escala de likert que foi submetida à aprovação do autor da escala
original.
A escala de likert inclui os seguintes níveis: Discordo Totalmente/Discordo em
Parte/Não tenho opinião/Concordo em Parte/ Concordo Totalmente.
Com o propósito de verificar a fidelidade do instrumento após a remoção do
itens, e considerando que os estudantes se encontravam em férias letivas, a
colheita de dados foi realizada por quatro professores com acesso a estudantes.
A amostra foi constituída por 205 adolescentes, 51.70% do sexo feminino, com
idades compreendidas entre os 12 e os 19 anos, sendo a média de idade 15.78
anos (DP = 2.25). Após terem sido cumpridos os pressupostos formais e éticos, o
questionário foi aplicado a uma amostra de adolescentes fora do contexto
escolar. O tempo médio para o seu preenchimento foi de 15 minutos.
Após a administração do instrumento utilizado, procedeu-se à utilização dos
métodos necessários à validação de conteúdo e de constructo. As operações
estatísticas foram realizadas com o apoio do software SPSS 14.0.
Considerou-se a correlação item-total corrigida inferior a .20 como critério de
eliminação dos itens.
Resultados
Os resultados obtidos neste estudo revelaram um valor de Alfa de Cronbach
Global de .90. Contudo, alguns itens mantiveram correlações negativas e baixas
o que conduziu à decisão favorável da eliminação dos 11 itens problemáticos já
identificados no primeiro estudo.
Discussão
Conforme os resultados obtidos neste estudo, considera-se que a utilização da
versão adaptada (61 itens) proporcionou a confirmação dos itens problemáticos,
facilitando a decisão relativa à sua eliminação e consequente anulação do fator
V (Deterioração do funcionamento cognitivo e motor), por ser a única dimensão
de expectativas negativas. No mesmo sentido, alguns estudos têm revelado que as
expectativas negativas acerca do álcool possuem menor valor explicativo do
comportamento de consumo de álcool do que as expectativas positivas (Leigh e
Stacy, 1991).
Estudo III
O processo de análise e de adaptação do AEQ-A proporcionou condições favoráveis
à construção de uma versão diferente da versão original, passando a ser a mesma
designada por Escala de Expectativas Positivas acerca do Álcool (EEPaA-A/AEQ-
A).
A EEPaA-A/AEQ-A é uma versão constituída por 50 itens de expectativas positivas
com o mesmo formato da versão adaptada anteriormente descrita.
Este estudo teve como objetivo analisar a consistência interna e a validade de
constructo da referida escala.
Métodos
A EEPaA-A/AEQ-A foi aplicada a uma amostra constituída por 212 adolescentes
(53.80% do género feminino), com idades compreendidas entre os 12 e os 15 anos
de idade, sendo a média de 12.16 anos (DP=.76), a frequentarem o 7º ano de
escolaridade. O questionário foi aplicado após terem sido cumpridos os
pressupostos formais e éticos. O tempo médio para o seu preenchimento foi de 15
minutos.
Após a sua administração, procedeu-se à avaliação da fidelidade através do
cálculo do coeficiente de consistência interna (Alfa de Cronbach), à avaliação
da validade de constructo através da análise fatorial com rotação de Varimaxa,
à análise do coeficiente de variação e à comparação das médias das expectativas
acerca do álcool, considerando o consumo e a ocorrência de episódios de
embriaguez através do teste-t para grupos independentes, com o apoio do
software SPSS 14.0.
A realização dos procedimentos de análise acima indicados teve em consideração
os seguintes critérios: validação da consistência interna: considerou-se como
critério de eliminação de itens a correlação item-total corrigida inferior a
20; validação de constructo: o número de fatores a reter foi baseado nos
valores próprios (eigenvalues) superiores a 1.00, na análise do scree test e
ainda na percentagem da variância explicada apresentada pela solução; na
escolha das soluções fatoriais finais reteve-se os itens cuja validade
convergente do item com o fator apresentaram: correlação com o fator superior
ou igual a .30; validade discriminante do item com o fator em que cada item
fosse correlacionado apenas com um fator; e caso este não fosse discriminativo
daquele fator, análise do seu conteúdo tendo em conta a sua pertinência e
manutenção. Considerou-se ainda que a solução final encontrada deveria
apresentar uma percentagem de variância total explicada com valor
aproximadamente de 50%; não existir discrepância entre a estrutura teórica
subjacente e a solução encontrada; e cada fator dever ser constituído por três
ou mais itens.
Foi utilizado o método de consulta a quatro investigadores da área científica
do presente estudo para uma tomada de decisão final acerca da organização e
denominação dos fatores obtidos.
Resultados
A análise da fidelidade da EEPaA-A/AEQ-A revelou um bom valor de consistência
interna global (α = .94) depois de retirado o item 49 (o álcool torna as
pessoas melhores amantes), por apresentar uma correlação negativa e muito baixa
(-.054). Relativamente às correlações, entre o item e a pontuação total, os
resultados mostram correlações moderadas e fortes com o total da escala (.30 a
.70), excetuando o item 2, em que o valor da correlação é mais baixo (.205).
No que se refere aos resultados obtidos na análise fatorial, com a rotação
ortogonal Varimax dos 49 itens remanescentes, conforme se pode verificar no
Quadro 3, os resultados mostram 4 fatores com valores próprios = 1.00,
explicando 40.81% da variância total. É de salientar que a medida de KMO
(Kaiser-Meyer-Olkin) é de .890 e o valor do teste de esfericidade de Bartlett
de c2 = 4419.729; p = .000, o que nos permitiu prosseguir com a análise
fatorial.
Quadro 3 ' Matriz de saturação dos itens da EEPaA-A/AEQ-A com rotação ortogonal
Varimax (n = 212)
A solução obtida permite verificar que o primeiro fator explica 11.008% da
variância e nele saturam os itens 3, 4, 5, 7, 16, 17, 26, 37, 38, 43 e 45.
Neste agrupamento, os 11 itens respetivos anexam-se numa dimensão de
expectativas acerca do álcool que foi designada por facilitador da relação com
os outros. Todos os itens saturam discriminativamente no fator com exceção dos
itens 17 e 45. Ainda no mesmo quadro, relativamente ao segundo fator, os
resultados mostram que este explica 10.197% da variância e agrega 12 itens (18,
19, 20, 22, 24, 31, 32, 35, 36, 39, 41 e 48) relacionados com a dimensão
designada por estimulação e redução da tensão. Não discriminam os itens 19, 22,
31, 32 e 39. O terceiro fator explica 10.029% da variância e agrupa 14 itens
(1, 2, 6, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 25, 28 e 33) relacionados com a
dimensão escape a estados emocionais negativos. Não discriminam os itens 9, 10,
12, 14 e 33. Por fim, o 4º fator explica 9.576% da variância e agrupa 12 itens
(21, 23, 27, 29, 30, 34, 40, 42, 44, 46, 47, 49) na dimensão relacionada com
alterações do comportamento social e ativação sexual. Não discriminam os itens
27, 42, 44, 46 e 49.
Os resultados anteriormente apresentados mostram alguns itens problemáticos que
foram analisados caso-a-caso. Tendo em conta a sua importância teórica na
definição do constructo em análise decidiu-se manter os referidos itens. Estes
permaneceram nas dimensões onde apresentavam valor de saturação mais elevado.
Após a análise fatorial procedeu-se ao estudo de fidelidade através da análise
da consistência interna da escala e das respetivas dimensões. Os valores de
Alfa nas dimensões variam entre .82 e .85, e Alfa Global de .94. Estes
resultados são indicadores de uma boa qualidade psicométrica do instrumento em
análise.
No estudo comparativo entre grupos verificamos que os adolescentes que referem
experiências de consumo e de embriaguez apresentaram médias de expectativas
positivas acerca do álcool mais elevadas do que os adolescentes que não referem
aquelas experiências (Quadro 4).
Quadro 4 ' Análise dos scores obtidos na EEPaA-A/AEQ-A em função do consumo e
ocorrência de embriaguez
Os adolescentes que referiram aquelas experiências apresentam expectativas
positivas acerca do álcool mais elevadas tanto no global (p = .029 e p = .015,
respetivamente) como no fator IV: Alteração do comportamento social e ativação
sexual (p = .000 e p=.000, respetivamente). Também os que referiram a
ocorrência de episódios de embriaguez apresentam expectativas acerca do álcool
como fator de escape a estados emocionais negativos mais elevadas (fator III)
(p = .034) do que os adolescentes que não referiram aquelas experiências.
Discussão
O estudo de fidelidade da EEPaA-A/AEQ-A mostrou um valor de consistência
interna muito bom (α = .94). Por outro lado, na análise fatorial revelaram-se 4
fatores com valores próprios (eigenvalues) ≥ 1, explicando 40.81% da variância
total, que apontam para um modelo de expectativas acerca do álcool de quatro
dimensões. Em referência às dimensões anteriormente aludidas, pelo seu conteúdo
e organização, foram atribuídas as seguintes denominações: I - Expectativas
acerca do álcool como fator facilitador da relação com os outros; II -
Expectativas acerca do álcool como fator de estimulação e redução da tensão;
III - Expectativas acerca do álcool como fator de escape a estados emocionais
negativos; e IV - Expectativas acerca do álcool como fator de alteração do
comportamento social e ativação sexual. Outros estudos utilizando uma versão
reduzida do AEQ-A (27 itens) identificaram uma estrutura semelhante (Aas,
1993).
Apesar de terem sido eliminadas duas dimensões, Melhoria do funcionamento motor
e cognitivo e Deterioração do funcionamento cognitivo e motor, cuja
justificação foi anteriormente apresentada, e três dos quatro itens da dimensão
Estimulação terem sido agregados noutro fator da estrutura em análise, a
solução encontrada não compromete o constructo original.
Relativamente às expectativas alguns estudos mostram diferentes organizações,
evidenciando-se diferentes dimensões em função das experiências de consumo e da
idade. Podemos, assim, considerar que a solução encontrada está ancorada na
revisão da literatura, sendo de salientar que as expectativas acerca do álcool
referem-se a um constructo multidimensional e dinâmico.
Os resultados revelam que as expectativas acerca do álcool, nas dimensões de
alteração do comportamento social e ativação sexual, são diferenciadas da
experimentação do consumo e da ocorrência de embriaguez, e que as expectativas
de Escape e estados emocionais negativos são diferenciadoras da ocorrência de
embriaguez. Estes resultados são concordantes com outros estudos, que indicam
as expectativas acerca do álcool de Melhoria do comportamento social como
fatores preditores do consumo frequente, quer nos adultos quer nos adolescentes
(Aas, 1993; Leigh e Stacy, 1991; Goldman, Greenbaum, Darkes, 1997). Por outro
lado, as dimensões que medem aspetos mais específicos ligados aos efeitos
farmacológicos, nomeadamente as expectativas de Relaxamento e redução da tensão
mostram ser diferenciadoras de consumos problemáticos (Goldman, Greenbaum,
Darkes, 1997).
Tendo em conta que a amostra do terceiro estudo é constituída por adolescentes
com média de idades de 12 anos, cujo consumo de álcool diz respeito apenas a
experiências sem características regulares, não nos foi permitido efetuar
agrupamentos em função da tipologia do consumo. Apesar disso, as diferenças
registadas podem ser entendidas como indicadoras de validade discriminante do
instrumento.
O estudo das expectativas acerca do álcool nos adolescentes, especificamente na
área da educação para a saúde, é de grande relevância, uma vez que possibilita
a identificação dos potenciais consumidores e o planeamento das intervenções de
prevenção, com influência no adiamento do início de consumo de álcool e
controlo de futuros comportamentos de risco associados. Esta assunção é apoiada
nas evidências que mostram que as expectativas são adquiridas precocemente,
mesmo antes das experiências pessoais de consumo de álcool (Perez-Aranibar, Van
Den Broucke e Fontaine, 2005; Barroso, Mendes, Barbosa, 2009; Comasco et al.,
2010; Zimmermann et al., 2010).
Conclusão
Relativamente aos resultados do estudo de adaptação do AEQ-A, decorrentes da
realização de três estudos com adolescentes (n = 654; n = 205 e n = 212),
quanto à sua constituição foram eliminados 41 itens, resultando numa estrutura
de 49 itens reorganizada em formato de likert. A solução encontrada revelou
quatro fatores, que se designaram de expectativas acerca do álcool como: fator
facilitador da relação com os outros; fator de estimulação e redução da tensão;
fator de escape a estados emocionais negativos; e fator de alteração do
comportamento social e ativação sexual. Quanto à sua fidelidade apresentou
valores de consistência interna (Alfa Cronbach) para todas as dimensões
variando entre .82 e .85 e no global apresentou valor de .94.
A escala mostrou ser sensível ao consumo de álcool, mesmo para consumos
experimentais (apesar das diferenças significativas se encontrarem apenas num
fator) e à ocorrência de embriaguez (diferenças estatisticamente significativas
para dois dos quatro fatores), o que é um bom indicador. São necessários, no
entanto, outros estudos com adolescentes/jovens mais velhos e com outras
experiências de consumo de álcool para confirmarem estes resultados.