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EuPTCVHe0874-02832012000300004

EuPTCVHe0874-02832012000300004

variedadeEu
ano2012
fonteScielo

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Estudo das dimensões da qualidade de vida nos pacientes hemodialisados

Introdução A qualidade de vida (QV) é um conceito de interesse geral em vários contextos da sociedade, podendo ser entendida como a quantidade de bens materiais ou espirituais, a qual surge associada a determinados indicadores biomédicos, psicológicos, comportamentais e sociais, constituindo uma medida subjetiva de perceção pessoal que varia ao longo do tempo (Castro et al., 2003).

O interesse em quantificar e qualificar a QV tem aumentado, tornado-se um importante indicador de saúde e bem-estar dos utentes, especialmente nas situações de doença crónica nas quais a vida se mantém por tecnologia, como é o caso dos pacientes submetidos a tratamento de hemodiálise (Liem et al., 2007; Lima et al., 2010).

A insuficiência renal crónica terminal (IRCT) diz respeito a um processo fisiopatológico de múltiplas etiologias resultante dum inexorável desgaste do número e da função dos nefrónios, sendo necessário recorrer a terapêuticas de substituição da função renal tais como a hemodiálise, a diálise peritoneal e o transplante renal (Snively e Gutierrez, 2004). A sua manifestação é inespecífica durante grande parte da sua evolução, podendo a sintomatologia surgir quando o rim perdeu cerca de 90% da sua capacidade funcional (Levin et al, 2008). Consequentemente, os rins perdem a capacidade de eliminar substâncias tóxicas, de manter adequadamente o equilíbrio da água e dos minerais, de libertar hormonas convenientemente e de manter todo o equilíbrio do corpo.

Segundo a National Kidney Foundation, estima-se que, na América, cerca de 26 milhões de adultos sofram de IRC e que outros 20 milhões estejam em risco de desenvolver a doença, devido ao envelhecimento progressivo da população e ao aumento da prevalência de outras doenças crónicas tais como a diabetes mellitus (Thomas, Kanso e Sedor, 2008). Feehally (2007) estima que a IRC é causada em 44% dos casos devido à diabetes mellitus, em 26% por hipertensão arterial, 8% por glomerulonefrites, em 2% por doença renal poliquística e, nos restantes 20%, associa-se a etiologias desconhecidas.

Apesar dos avanços nos tratamentos dialíticos terem contribuído para aumentar a sobrevida de utentes portadores de insuficiência renal crónica terminal (IRCT), estes enfrentam uma elevada taxa de morbilidade e mortalidade. Ferreira e Filho (2011) referem que uma estreita relação entre QV e morbi-mortalidade em hemodiálise, o que constitui um argumento válido para a sua avaliação permanente e a implementação de ações específicas que visem a promoção da QV.

Os estudos existentes dão-nos conta que o tratamento hemodialítico, efetuado, regra geral, 3 vezes por semana, tem repercussões nos contextos, físico, emocional e social dos pacientes (Ferreira e Filho, 2011). No entanto, ainda subsistem algumas dúvidas mais abrangentes sobre o efeito das limitações desta doença/tratamento nas vivências dos sujeitos, reportando-se às implicações no seu projeto de vida. Daí surge a questão de partida que orientou o nosso estudo: Qual é a perceção de qualidade de vida dos pacientes hemodialisados? Pelo exposto, neste estudo procura-se comparar a perceção da QV com o tempo de diálise. Pretende-se também identificar e descrever o nível de QV de acordo com as suas dimensões, explorando a relação entre estas e as mudanças na saúde, procurando-se contribuir com dados relevantes sobre o impacto destes tratamentos no bem-estar e dia a dia destes pacientes.

Metodologia Trata-se de um estudo descritivo correlacional, com uma abordagem quantitativa, desenvolvido numa clínica com 120 sujeitos em tratamento hemodialítico, situada numa região urbana de grande densidade populacional. Após a obtenção de autorização, em janeiro de 2011 procedeu-se à explicação dos procedimentos e da finalidade do estudo, tendo todos os sujeitos assinado o termo de consentimento livre e esclarecido. Para a colheita de dados aplicou-se um questionário individual.

Para a determinação da amostra (n=67), foi utilizada uma técnica de amostragem aleatória simples por sorteio do número dos processos clínicos. Como critério de inclusão foi definido que deveriam saber ler e escrever. Quinze indivíduos foram excluídos do estudo por: 2 por óbito; 6 por apresentarem transtornos psicológicos; e 7 por não concordarem em participar pesquisa, ficando a amostra reduzida a 52 sujeitos.

Instrumentos de medida Neste estudo, utilizou-se um questionário específico de avaliação da QV em pacientes insuficientes renais, em programa de diálise, designado Kidney Disease Quality of Life (KDQOL-SFTM1.3), validado e difundido em vários países, incluindo Portugal (Hays et al., 1997; Ferreira e Anes, 2010).

Este instrumento é composto por 80 itens, que incluem o Short Form - 36 Item Health Survey (SF-36), 43 itens específicos da doença renal e 1 item de identificação geral de saúde. O SF-36 é composto de 36 itens divididos em oito dimensões, que se agrupam em 2 componentes: componente física [desempenho físico (4 itens), função física (10 itens), dor (2 itens), saúde geral (5 itens)]; componente emocional [função emocional (5 itens), função social (2 itens), desempenho emocional (3 itens), vitalidade (4 itens)]. O estado da saúde atual comparando um ano (1 item) é analisado à parte. O módulo específico sobre a doença renal (ESRD) inclui itens divididos em 11 dimensões: sintomas/problemas (12 itens), efeito da doença renal na vida diária (8 itens), peso da doença renal (4 itens), atividade profissional (2 itens), função cognitiva (3 itens), qualidade da interação social (3 itens), função sexual (2 itens), sono (4 itens), apoio social (2 itens), encorajamento do pessoal de diálise (2 itens) e satisfação do doente (1 item). Em cada domínio os scores variam entre 0% (pior perceção) e 100% (melhor perceção).

Tratamento estatístico Para a análise e tratamento dos dados, recorreu-se ao programa estatístico SPSS e foi estabelecido o nível de significância para p≤0,05. Na descrição estatística segundo as variáveis utilizadas, apresentou-se: a distribuição de frequências nas categóricas (sócio-demográficas/económicas e clínicas); o uso de medidas de tendência central (média) e de variabilidade (desvio-padrão, dp) nas dimensões genéricas e específicas da qualidade de vida, sendo apresentados os valores obtidos pela média±dp.

Na comparação das médias entre os géneros, utilizamos o teste T de Student.

Para a análise das diferenças de médias entre os grupos tendo em conta quantos anos realizam diálise, recorremos ao One-Way Anova. Utilizou-se o coeficiente de correlação para analisar a associação entre variáveis métricas.

Resultados Os participantes deste estudo apresentam uma idade média de 53,9±16 anos, sendo que 24% efetuam tratamento hemodialítico menos de 1 ano, 54% entre 1-5 anos e 22% mais de 5 anos. Quando questionados sobre as co-morbilidades associadas, a mais prevalente nesta população foi a hipertensão arterial (55%), seguida da diabetes mellitus (25%), da doença cardíaca (8%) e 12% com duas ou mais destas doenças crónicas.

A maioria dos nossos sujeitos é do género masculino (60%); apresentam escolaridade inferior ao ensino secundário (67%); sendo 70% inativos, dos quais 56% são reformados/pensionistas e 15% estão desempregados; 45% dos entrevistados declararam rendimentos entre os 250 e os 750 euros; 38% referem ser casados.

Pela observação da tabela 1, verificamos que o sexo masculino apresenta melhor perceção da QV total (68,0±13) e da componente específica da doença renal (69,9±14), comparativamente às mulheres (56,7±11 e 51,6±9, respetivamente), sendo estas diferenças estatisticamente significativas.

Tabela 1 ' Perceção da QV (média ± DP) por sexo e tempo de diálise

Comparando a perceção da QV de acordo com o tempo de diálise, o que corresponde a outro dos objetivos do nosso estudo, constata-se que o SF-36 nos sujeitos cujo tempo de diálise se situa entre 1 e 5 anos é significativamente menor do que aqueles que realizam diálise menos de 1 ano. Acrescenta-se ainda que estes sujeitos, com tempo de diálise inferior a 1 ano, são os que apresentam melhor QV comparando com os restantes.

Quando analisamos os valores obtidos nas diferentes dimensões que constituem as principais componentes da QV total, observam-se piores resultados na saúde geral e no peso da doença, respetivamente no SF-36 e ESRD. Verificam-se melhores resultados para o SF-36 no desempenho físico e emocional; para o ESRD nos sintomas/problemas, qualidade da interação social e função sexual (gráficos 1 e 2). De um modo geral, constata-se que os homens demonstram melhor perceção da QV em todos os itens, havendo diferenças estatisticamente significativas na função emocional do SF-36 e nos efeitos da doença na vida diária do ESRD.

Gráfico 1 ' Valores relativos às dimensões do SF-36 por género

Gráfico 2 ' Valores relativos às dimensões do ESRD por género

Na tabela 2, apresentam-se as correlações entre as componentes da QV, verificando-se que os aspetos específicos da doença renal (ESRD) se associam de uma forma positiva e significativa com a componente emocional (r=0,74; p<0,01) e com a componente física (r=0,65; p<0,01). Associadamente, constata-se que estas componentes se correlacionam negativamente com a perceção da mudança na saúde, -0,42 (p<0,01) e -0,34 (p<0,05), respetivamente.

Tabela 2 ' Correlações entre as componentes da QV

Discussão Os resultados do presente estudo mostram que os sujeitos, particularmente as mulheres, tratadas por hemodiálise apresentam níveis mais baixos de QV, com diferenças estatisticamente significativas na função emocional do SF-36 e nos efeitos da doença na vida diária do ESRD. A literatura existente sugere que, no curso das doenças crónicas, as mulheres são mais afetadas na QV do que os homens (Cowling et al., 2004; Hallert, Sandlund e Booqvist, 2003; Lindquist et al., 2003; Norris et al., 2004).

Também o Dialysis Outcomes and Practice Patterns Study (DOPPS) que reporta dados internacionais de pacientes hemodialisados fornece referências e indicadores nesta temática, que vêm de encontro aos nossos achados (Lopes et al., 2007). Braga et al. (2011) indicam que as mulheres tendem a ter pior QV pela ocorrência de outros fatores para além dos clínicos, como a responsabilidade de cuidar da casa e dos filhos o que as torna mais suscetíveis a stress físico e mental. Liem et al. (2007) expõem que as experiências prévias, as frustrações resultantes de expectativas não concretizadas e a falta de suporte social são potenciais fatores determinantes a serem considerados.

Paralelamente, estes autores verificaram que quanto menor o tempo de tratamento piores as implicações na componente mental da QV. Em oposição, os nossos resultados apontam para maiores danos na componente física, sugerindo que esta doença/tratamento tem maiores implicações numa fase inicial, nomeadamente nos primeiros 5 anos, tendendo a melhorar depois. Alguns estudos relacionam ainda a menor escolaridade e os baixos rendimentos com prejuízos na QV, alegando que: i) quanto maior o nível de escolaridade, maior o acesso às informações permitindo uma avaliação mais assertiva dos eventos traumáticos; ii) as condições económicas tendem a afetar o acesso aos tratamentos e aos recursos disponíveis (Lopes et al., 2007; Sesso, Rodrigues-Neto e Ferraz, 2003).

Contudo, no presente estudo não se verificam associações estatisticamente significativas entre estas variáveis, pelo que não podemos considerar que os fatores socioeconómicos tenham uma influência direta na QV.

Contudo, as co-morbilidades associadas têm implicações significativas, quer nos sintomas/problemas quer no peso da doença renal, o que vai de encontro ao amplamente relatado na literatura, onde se evidencia que a existência de outras doenças crónicas compromete grandemente a QV dos pacientes em hemodiálise (Santos, 2006). Apesar de nesta amostra encontrarmos uma grande percentagem de hipertensos, importa referir que estes atribuem menor peso a esta doença uma vez que o tratamento da hipertensão é menos agressivo, consistindo apenas, na maioria das vezes, na monitorização da pressão arterial, anti-hipertensores orais e alteração dos estilos de vida (Braga et al., 2011). Estes autores acrescentam ainda que quando associação da hipertensão com outras doenças crónicas, particularmente com a diabetes, o indivíduo portador de IRC refere maiores prejuízos na QV.

Nos dados obtidos nas dimensões genéricas do KDQOL-SF, destaca-se que o peso da doença e a atividade profissional apresentam piores resultados no ESRD à semelhança do descrito por Varela et al. (2011). Estes autores realçam ainda que os pacientes em tratamento hemodialítico demonstram grandes dificuldades para gerir as limitações/imposições inerentes à doença tais como o tempo despendido nas sessões de hemodiálise e a sua periodicidade, o que dificulta a manutenção do seu vínculo laboral.

Varela et al. (2011) verificaram que a componente física é mais afetada que a mental nestes pacientes, o que se evidencia também nos nossos resultados.

Contudo, depreende-se que existe uma grande diferença entre a função quer emocional, quer física e o respetivo desempenho, denotando que os sujeitos tendem a reportar-se mais aptos e capazes do que as suas funções lhe permitem.

Vários estudos mostraram que, devido à limitação cardiovascular os sujeitos apresentam dificuldades físicas para desempenhar suas atividades diárias e para cumprir as exigências do tratamento e do autocuidado (Herzog, Mangrun e Passman, 2008).

Acrescenta-se ainda que os aspetos específicos da doença renal (ESRD) têm uma relação positiva com a função quer física, quer emocional, subentendendo-se que, quanto melhor lidam com as particularidades da sua condição de saúde, melhores resultados reportam nestas componente, ou seja maior a capacidade destes sujeitos aceitarem e lidarem com o tratamento/doença. Braga et al.

(2011) apontam que quanto maior tempo de diálise maior a probabilidade dos pacientes elaborarem respostas mais conformistas no decorrer do tratamento e do confronto perante a cronicidade da doença, apesar de não representar uma garantia efetiva de preservação da QV.

De sobremaneira, nota-se que estes factos relacionam-se negativamente com a avaliação das mudanças na saúde, ou seja os sujeitos que relatam melhores resultados nestas componentes tendem a identificar/percecionar menos mudanças duma forma global. Face ao exposto, julgam-se necessários mais estudos, concretamente de natureza longitudinal para esclarecer as relações de causalidade implicadas nesta dinâmica. Supõe-se que exista um ciclo vicioso entre estas variáveis, os resultados indicam que as questões emocionais tendem a afetar os aspetos da doença e paralelamente também influenciam as mudanças na saúde, considerando o que é reportado e percecionado pelos pacientes.

A interpretação dos resultados obtidos deve ter em conta algumas limitações deste estudo: i) o reduzido tamanho da amostra; ii) o tipo de estudo e iii) as variáveis analisadas, pelo que se sugerem novos trabalhos que suprimam estes condicionalismos.

Conclusão Considerando a importância da QV como um indicador de resultado, além de sua influência na morbidade e mortalidade destes pacientes, a identificação de que a mesma se associa com os aspetos específicos da doença renal pode tornar possível uma intervenção mais eficaz nestes aspetos. Mais, o presente estudo chama a atenção para existência de níveis mais baixos de QV nas mulheres, embora o sexo não seja uma característica modificável, é possível providenciar cuidados específicos, tendo em conta que a função emocional é a mais afetada.


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