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EuPTCVHe0874-02832013000100006

EuPTCVHe0874-02832013000100006

variedadeEu
ano2013
fonteScielo

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Experiências dos familiares no processo de adaptação à doença oncológica na criança

Introdução Atualmente, o cancro constitui um dos principais problemas de saúde pública. As ações de saúde pública de combate ao cancro incluem o espectro da prevenção primária, prevenção secundária, tratamento, cuidados paliativos e visam a diminuição da morbilidade por cancro e a melhoria da qualidade de vida dos doentes e seus familiares.

cerca de duas décadas, o cancro infantil era considerado uma doença aguda e de evolução invariavelmente fatal. Presentemente é entendida como uma doença crónica e com perspetiva de cura em grande número de casos pois ? dos cancros infantis podem ser considerados curáveis, caso o diagnóstico seja precoce e preciso e a terapêutica instituída adequada (Lissauer e Clayden, 2009).

A doença oncológica na criança é sempre um acontecimento inesperado e devastador para as pessoas que lhe são próximas. A comunicação do diagnóstico marca o início de uma experiência não desejada e nunca programada. Esta doença tem particularidades capazes de desencadear mudanças permanentes e profundas na família que experimenta esta condição. A vivência desta situação representa um longo e imprevisível percurso.

A enfermagem de família tem vindo a desenvolver-se como foco específico da prática de enfermagem que perpassa as várias especialidades da disciplina.

Segundo Wright e Leahey (2009), a enfermagem de família emerge, assim, como os cuidados de enfermagem, na saúde e na doença, com ênfase nas respostas da família aos problemas de saúde reais ou potenciais.

Este trabalho surge assim como uma resposta à necessidade de estudos centrados na família e na enfermagem. É essencial desenvolver estudos sistemáticos sobre o comportamento das famílias nos diferentes contextos de cuidados e o modo como os enfermeiros podem trabalhar com esta importante unidade básica da sociedade dentro do sistema de cuidados de saúde.

Além disso, este trabalho sobrevém como corolário das reflexões que a prática proporcionou ao longo dos anos no sentido de colmatar um aspeto importante na assistência à criança com doença oncológica. A análise dos resultados desta investigação permitirá contribuir para a possibilidade de orientar a prestação de cuidados de saúde, em particular no apoio aos familiares em situação de maior vulnerabilidade e com maiores dificuldades para lidarem com a situação de doença da criança.

Neste sentido, propomo-nos realizar um estudo de investigação sobre a adaptação familiar à doença oncológica na criança, tendo como finalidade descrever as experiências dos familiares no seu processo de adaptação à doença oncológica na criança e, deste modo, contribuir para a melhoria da qualidade dos cuidados de enfermagem pediátricos, tendo a família como parceiros efetivos na prestação dos mesmos.

Nesta sequência, pretendemos responder aos seguintes objetivos: avaliar o funcionamento familiar durante o processo de adaptação à doença oncológica na criança; analisar as dificuldades experienciadas pelos familiares durante o processo de adaptação à doença oncológica na criança; analisar os pedidos em cuidados de enfermagem dos familiares durante o processo de adaptação à doença oncológica na criança.

O nosso estudo desenvolve-se à luz do quadro de referência teórico da Teoria Sistémica da Família, Modelo ABC-X do Stresse Familiar e do Modelo de Parceiros nos Cuidados. A Teoria Sistémica da Família concebe cada família como um sistema, um todo, uma globalidade que a torna una e única. O Modelo ABC-X do Stresse Familiar explica como as famílias reagem aos eventos stressantes e sugere fatores que promovam a adaptação ao stresse. O Modelo de Parceiros nos Cuidados tem como filosofia de base os cuidados centrados na família, uma vez que, segundo a autora, Casey (2006), os pais são os melhores prestadores de cuidados à criança.

Enquadramento teórico Em todo o mundo, em 2008, estima-se que tenham ocorrido 175.058 novos casos de cancro em crianças com menos de 15 anos de idade, correspondendo a uma taxa de incidência de 94 por 1.000.000, e 96.439 terão falecido por esta doença, equivalendo a uma taxa de mortalidade de 52 por 1.000.000 (International Agency for Research on Cancer, 2008).

Em Portugal, em 2005, o número estimado de novos casos de cancro no grupo etário das crianças com menos de 15 anos foi de 258, correspondendo a 0,67% do total de tumores diagnosticados nesse ano e uma taxa de incidência de 156,9 por 1.000.000 (Instituto Português de Oncologia de Francisco Gentil, 2009).

Na Região Norte de Portugal, entre 1997 e 2006, foram diagnosticados 845 novos casos de tumores em crianças com menos de 15 anos. Destes, 475 casos (56,2%) ocorreram em crianças do sexo masculino. O grupo etário com maior incidência foi o grupo 1 ' 4 anos. A taxa de incidência bruta global, no período considerado, foi de 150,5 novos casos por 1.000.000 crianças-ano (rapazes: 164,9 e raparigas: 135,3). Os três principais tipos de tumores foram leucemias (27%), tumores do sistema nervoso central (22%) e linfomas (14%). A sobrevivência global a 5 anos foi de 76,6% (75,3% para rapazes e 78,3% para raparigas) (Registo Oncológico Regional do Norte, 2011).

Apesar dos progressos verificados no domínio dos saberes da doença oncológica pediátrica, quer ao nível da sua etiologia e tratamento, quer ao nível do seu comportamento psicossocial, o cancro infantil foi a principal causa de morte por doença em crianças entre os 5-14 anos de idade no período de 2003-2005 (Portugal. Ministério da Saúde. Alto Comissariado da Saúde, 2008).

Responsável por profundas alterações físicas, emocionais e psicológicas, o cancro é uma doença com grande impacto na vida e na dinâmica do indivíduo, da família e da própria sociedade.

Pela carga negativa que acarreta, a aceitação de um diagnóstico de cancro abala todos os intervenientes, desde o doente à sua família, devido à presença constante do medo, do sofrimento e da morte. E se esta doença é temida em qualquer idade, ela é encarada na criança de uma forma mais dramática, pelo potencial de vida que esta representa.

A criança com doença oncológica é confrontada com desafios físicos e psicossociais (Silva et al., 2009). As suas necessidades não se restringem apenas à cura da doença, mas são, também, estabelecidas de acordo com o seu crescimento, desenvolvimento e individualidade, tendo em conta as suas características individuais e o contexto familiar onde está inserida.

A doença, de acordo com a sua natureza e intensidade dos tratamentos, pode implicar a limitação da continuidade dos objetivos familiares, pessoais e profissionais dos membros da família. Gomes, Trindade e Fidalgo (2009) destacam que perante uma situação de doença e internamento dos filhos, os pais reagem com sentimentos de choque e recusa da realidade. No internamento são frequentes sentimentos de desespero, revolta, tristeza, preocupação e culpa. As principais dificuldades relacionam-se com aspetos familiares, laborais e com condições de alojamento, enquanto que os constrangimentos se prendem essencialmente com técnicas invasivas, equipamento e ambiente. Quem mais apoia os pais nesta fase são os cônjuges e os enfermeiros. Para ultrapassar as dificuldades, os pais recorrem à espiritualidade, ao apoio familiar e ao contacto com outros pais.

Assim, a família vivencia uma desestruturação do quotidiano, sobretudo no ambiente doméstico, onde mantêm as responsabilidades anteriores, acrescidas de novas atividades, sendo forçada a uma mudança significativa na sua estrutura de vida, de forma a conseguir adaptar-se e dar resposta às necessidades da criança (Silva et al., 2009).

As diretrizes da Organização Mundial de Saúde de 2000, descritas na Declaração de Munique de 2000, as prioridades para a saúde do Ministério da Saúde apresentadas no Plano Nacional de Saúde 2004-2010 e as ações prioritárias da Ordem dos Enfermeiros expressas no Enquadramento conceptual e Padrões de Qualidade dos Cuidados de Enfermagem de 2001, salientam a família como alvo dos cuidados numa crescente centralidade nos sistemas e cuidados de saúde, onde o enfermeiro a trabalhar em conjunto com famílias, comunidade e outros profissionais de saúde, representam um recurso e elemento chave na sociedade para promoção de saúde.

Neste âmbito, e como consequência do desenvolvimento da enfermagem de família, surge deste modo a criação da figura do enfermeiro de família que, utilizando a definição de Ferreira (2010), o enfermeiro de família afigura-se, assim, como o elo de referência entre o serviço de saúde e o utente/ família, assumindo a responsabilidade pela prestação de cuidados de enfermagem globais a um conjunto de famílias, nas diversas situações de crise e em todos os processos de saúde- doença. Afirma-se não como um recurso para a família, mas também como um suporte qualificado nas respostas em cuidados de saúde, em geral, e de Enfermagem, em particular.

A prática de enfermagem de família centrada na área da saúde infantil refere- se às relações entre as tarefas familiares e os cuidados de saúde, e os seus efeitos no bem-estar e saúde das crianças. Os enfermeiros cuidam das crianças dentro do contexto da sua família, e cuidam delas tratando da família como um todo (Gedaly-Duff et al. 2009, p.332).

Em enfermagem pediátrica oncológica, a criança é o alvo dos cuidados. Porém, os familiares devem ser parceiros na tomada de decisões relativas aos cuidados à criança. O enfermeiro está numa posição única para influenciar os cuidados e o bem-estar das crianças e suas famílias, pelo que deve centrar-se na unidade familiar enquanto foco de cuidados. É de extrema importância que conheça a família, as suas expectativas quanto à sua participação, de modo a avaliar e planear cuidados que apoiem a mãe, o pai ou outras pessoas significativas no cuidado à criança.

A intervenção dos enfermeiros junto da criança com doença oncológica e sua família deve assentar em dois objetivos essenciais: facilitar a aceitação e adaptação à doença e suas limitações associadas, através da educação para a saúde, fomentando a modificação das rotinas de vida, a diminuição do impacto da perturbação emocional e a resolução dos variados problemas; e promover uma adesão responsável ao tratamento e recomendações da equipa de saúde. Para a consecução deste último objetivo é necessário estabelecer uma relação de abertura e diálogo com a família, disponibilizar a informação, facilitar a expressão dos significados e emoções atribuídos à doença, promover estratégias para aumentar o sentido de autoeficácia e de controlo dos familiares e elaborar programas estruturados de intervenção profissional.

Questões de investigação Em coerência com a explicação e finalidade do fenómeno em estudo, assumimos as seguintes questões de investigação: qual o modo de funcionamento familiar durante o processo de adaptação à doença oncológica na criança?; quais as dificuldades experienciadas pelos familiares durante o processo de adaptação à doença oncológica na criança?; quais os pedidos em cuidados de enfermagem dos familiares durante o processo de adaptação à doença oncológica na criança?

Metodologia Trata-se de um estudo observacional, de caráter descritivo, de natureza transversal e de abordagem quantitativa, com a aplicação dos seguintes instrumentos de colheita de dados: Entrevista Estruturada; Family Adaptability and Cohesion Evaluation Scale (FACES II); Inventário de Respostas à Doença nos Filhos (IRDF); e, Inventário sobre a Perceção da Relação Enfermeiro-Pais de crianças doentes (IPREP).

Para a realização do estudo tivemos uma amostra constituída por 130 familiares de crianças com doença oncológica inscritas no Hospital de S. João (HSJ) e no Instituto Português de Oncologia do Porto Francisco Gentil (IPO-Porto).

A entrevista tem o objetivo de caracterizar a amostra em estudo através da colheita de dados relativos à família (estrutura familiar, ciclo vital da família, número de filhos, distrito de residência), aos familiares (grau de parentesco, idade, estado civil, habilitações literárias, profissão), à criança (idade, sexo, lugar na fratria, instituição de saúde) e à doença oncológica (diagnóstico, tipo de tumor, fase da doença, fase do tratamento).

A FACES II, desenvolvida por Olson, Portner e Bell, foi traduzida e adaptada à população portuguesa pela Sociedade de Terapia Familiar e posteriormente por Fernandes (1995). Como é patente na sua designação, permite avaliar duas dimensões do funcionamento familiar: a coesão e a adaptabilidade. É constituída por trinta itens, dezasseis pertencentes à dimensão coesão e os restantes catorze à dimensão adaptabilidade. Cada questão é respondida numa escala de 1 a 5: quase nunca, de vez em quando, às vezes, muitas vezes e quase sempre. Da combinação dos quatro níveis de coesão (muito ligada, ligada, separada, desmembrada) com os quatro níveis da adaptabilidade (muito flexível, flexível, estruturada, rígida) obtém-se quatro tipos de sistemas familiares gerais: equilibrada, moderadamente equilibrada, meio-termo e extrema.

O IRDF inclui itens relacionados com as dificuldades dos pais para enfrentar e viver a situação de doença dos filhos. Este inventário foi construído por Subtil, Fonte e Relvas (1995). O questionário é constituído por trinta e dois itens pontuados individualmente numa escala tipo likert ao longo de um contínuo de quatro pontos: discordo completamente, discordo, concordo, concordo muitíssimo.

O questionário pretende abranger um amplo leque de respostas cognitivas, emocionais e comportamentais passíveis de ocorrer na situação em estudo.

Simultaneamente, procura que as questões sejam valorizadas de modo a que uma pontuação elevada no somatório final corresponda a um estado de grande perturbação distress na pessoa enquanto, no sentido inverso, uma baixa pontuação é atributo de uma boa organização e adaptação à situação (Subtil, Fonte e Relvas, 1995). O IRDF está estruturado em cinco dimensões: descrença, depressão/ adenomia, dúvida, culpa/ impotência, retraimento.

O IPREP permite identificar as intervenções de enfermagem de apoio aos pais durante a doença dos filhos, através da avaliação da perceção da relação enfermeiro-pais, em termos de cuidados de enfermagem, contemplando as áreas da informação/ comunicação, apoio emocional e técnicas de enfermagem.

Este inventário foi construído por Subtil (1995), e é composto por vinte e dois itens pontuados individualmente numa escala tipo likert ao longo de um contínuo de quatro pontos denominados no presente estudo por: nada importante, pouco importante, importante e muito importante. Uma pontuação elevada no somatório final corresponde a um pedido elevado de cuidados e, no sentido inverso, uma baixa pontuação traduzirá um nível baixo em pedidos. Os pedidos dos pais em cuidados de enfermagem são considerados de acordo com as seguintes dimensões: relação empática, cuidados orientados para o filho, comunicação/ informação aos pais.

Após a colheita de dados, as respostas obtidas foram codificadas, introduzidas numa matriz de dados e analisadas com recurso ao programa informático Statistical Package for Social Sciences (SPSS), versão 16 para o Windows. Na análise estatística dos dados foi utilizada a análise descritiva.

No que concerne aos aspetos éticos relacionados com o desenvolvimento do estudo, foi pedida autorização ao Conselho de Administração do HSJ e do IPO- Porto, que anuíram a realização do estudo após pareceres favoráveis das Comissões de Ética. Todos os participantes foram informados da natureza do seu envolvimento, tiveram a oportunidade de fazer perguntas e assinaram o documento do consentimento informado de modo a comprovar a sua voluntária participação no estudo.

A Unidade de Hemato/Oncologia Pediátrica do HSJ e o Serviço de Pediatria do IPO-Porto são o centro de referência para a patologia oncológica na região norte de Portugal e prestam assistência a todas as crianças referenciadas por médicos assistentes ou outros hospitais com suspeita ou diagnóstico de doenças do foro oncológico.

Resultados Tendo em vista os objetivos inicialmente traçados para este estudo apresenta-se as caraterísticas da amostra, seguido dos resultados decorrentes da aplicação da FACES II, IRDF e IPREP.

Caracterização da amostra A amostra do presente estudo foi constituída maioritariamente por famílias nucleares (76,2%), com dois filhos (50,8%), com crianças em idade escolar (7-13 anos) (41,5%) e residentes no distrito do Porto (45,4%). Os familiares que acompanhavam as crianças eram na sua maioria mães (86,2%), casadas (83,9%), com idade entre os 30-39 anos (53,9%), que concluíram o 2.º ciclo do Ensino Básico (31,5%) e que faziam parte do grupo dos Operários, Artífices e Trabalhadores Similares (17,7%).

Tabela_1

Da totalidade dos 130 casos da amostra das crianças com doença oncológica, os rapazes constituíam 56,2% da população. A idade das crianças variou entre os 11 meses e os 18 anos. O grupo etário dos 1-4 anos e 5-9 anos representavam ambos 31,5% do total da amostra. A média das idades no momento da colheita de dados era de 8 anos (com desvio padrão de 4,94). Os filhos benjamins representavam 43,1% do total da amostra, e 70% das crianças com doença oncológica estavam inscritas no IPO-Porto e as restantes 30% no HSJ.

O grupo das doenças oncológicas mais representativo na amostra foi as leucemias (37,7%), seguido dos tumores do sistema nervoso central (15,4%) e linfomas (11,5%). Na amostra, 50% dos tumores eram líquidos e 50% eram sólidos. Quanto à fase da doença oncológica, no momento da colheita de dados, 83,8% das crianças era o primeiro diagnóstico de doença oncológica, 13,1% recaída da doença inaugural e as restantes 3,1% estavam em fase terminal. Quanto à fase do tratamento, 66,9% das crianças estavam em tratamento ativo da doença oncológica (com cirurgia, quimioterapia e/ou radioterapia), as restantes 33,1% terminaram os tratamentos e permaneceram em vigilância.

Funcionamento familiar Os resultados obtidos da aplicação da FACES II forneceram informações sobre o funcionamento familiar durante o processo de adaptação à doença oncológica na criança. Assim, neste estudo os familiares da amostra percecionaram a sua família maioritariamente como ligada (53,9%), muito flexível (41,5%) e moderadamente equilibrada (60,8%).

Tabela_2

Dificuldades experienciadas A análise dos resultados obtidos através do IRDF permitiu recolher dados sobre as dificuldades experienciadas pelos familiares durante o processo de adaptação à doença oncológica na criança.

Na amostra, a pontuação global média obtida para o conjunto deste inventário situou-se entre o discordo completamente e o discordo (média de 1,76), expressando uma boa organização dos familiares face à doença.

Os familiares que participaram no estudo revelaram: descrença como uma das características menos vivenciada durante o processo de adoecer da criança (média de 1,44), com destaque para a questão menos pontuada - Não vale a pena fazer mais nada (média de 1,28); comportamentos, atitudes e emoções de natureza depressivas como um dos traços mais frequentes na situação em estudo (média de 2,17), com realce para a denegação - Tudo isto parece-me mentira (média de 2,65); confiança nas instituições de saúde, nos profissionais de saúde e no tratamento instituído (média de 1,51), porém permaneceu a dúvida dos familiares quanto à prontidão com que recorreram aos cuidados de saúde quando a criança começou a manifestar os primeiros sintomas (média de 1,72); na dimensão culpa (média de 1,61) destacou-se o sentimento de incredibilidade e impotência ante a situação ' É impossível acontecer-me isto (média de 2,05) e A vida deixou de ter sentido para mim (média de 1,85); Isolamento social (média de 1,92) como o retraimento mais notório diante da situação (média de 1,63).

Pedidos em cuidados de enfermagem Os resultados do IPREP permitiram avaliar a expressão de pedidos em cuidados de enfermagem dos familiares face à doença oncológica na criança. Os familiares do estudo mostraram valorizar de forma elevada os cuidados de enfermagem no global (média de 3,67), e em particular a comunicação/informação (média de 3,72) e os cuidados orientados para a criança (média de 3,71). Em todas as dimensões, os familiares do IPREP atribuíram menor importância às questões relacionadas com os cuidados direcionados a si próprios, como seja: serem simpáticos comigo (média de 3,35), que estejam junto a mim nos momentos difíceis (média de 3,51) e Deixar-me participar nos cuidados ao meu filho (média de 3,57).

Discussão Numa primeira fase pretendemos realçar o facto de estarmos perante uma amostra típica e seguidamente discutir os resultados decorrentes da aplicação da FACES II, IRDF e IPREP.

No estudo predominaram as famílias nucleares, o que está em consonância com o verificado em 2011 em que o número de casais com filhos representa 38,2% do total das famílias clássicas (Pordata, 2012).

A amostra foi constituída maioritariamente por mães que acompanhavam o filho no momento da colheita de dados. Sobre este dado, Silva (2009), no seu estudo sobre a pessoa que cuida da criança com cancro, refere que o papel de cuidador era, na sua maioria, assumido pela mulher que abdicava dos seus projetos pessoais e atividades sociais para cuidar da criança. autores que fundamentam este facto na construção histórico-social do cuidar como papel feminino (Relvas, 2007).

Na amostra predominavam as crianças do género masculino (56,2%), com idades entre 1-4 anos (31,5%), 5-9 anos (31,5%) e as leucemias (37,7%) são o cancro mais frequente. Estes dados são corroborados pelos dados estatísticos do Registo Oncológico Regional do Norte (2011) em que os rapazes constituíram 56,2% da população, o maior número de casos de doença verificou-se no grupo de idades entre 1-4 anos (36,4%) e o tipo de cancro de maior incidência foi as leucemias (27%).

Na amostra sobressaiam os familiares que percecionavam a sua família como ligada, muito flexível e moderadamente equilibrada. No estudo de Subtil (1995) sobre o impacto na família da doença oncológica na criança e as dificuldades experienciadas pela família, a maioria dos pais consideravam a sua família como ligada e flexível. Por outro lado, no estudo de Silva (2007), sobre as variáveis psicológicas no processo de adaptação parental à doença oncológica infantil, destacavam-se as famílias separadas e flexíveis. Em ambos os estudos, as famílias estavam posicionadas nos grupos intermédios (equilibradas e moderadamente equilibradas).

A descrença foi uma das características menos vivenciada durante o processo de adoecer da criança. Esta constatação é corroborada por Subtil (1995), em que a dimensão descrença também apresentava valores relativamente baixos e por Silva et al. (2009) em que 25% dos familiares das crianças com doença oncológica do estudo afirmou que diante do diagnóstico da doença nunca perderam a esperança.

Isto remete-nos para as potencialidades dos familiares e para a sua capacidade de se ajustarem à situação. Os familiares têm esperanças e empenham-se fortemente no processo de tratamento como que negando a implacabilidade da incerteza de cura que recai sobre estas doenças. Além disso, Silva (2009) refere que a esperança também acontece por necessidade de existir um sentimento de possibilidade de sucesso capaz de equilibrar e compensar o sentimento de medo.

Comportamentos, atitudes e emoções de natureza depressivas foram um dos traços mais frequentes na situação em estudo. Subtil, Fonte e Relvas (1995) salientam que cuidar de crianças com doença oncológica exige muito tempo e energia física e psicológica. A necessidade permanente e intensa de cuidados da criança sacrifica o tempo para si próprios e para os outros filhos. O trabalho muitas vezes tem de ser reorganizado para se acomodar às necessidades da doença. As mães ficam sobrecarregadas e podem ter que abandonar o emprego para cuidarem do filho, aumentando mais as dificuldades financeiras que a doença provoca. Assim, os planos e sonhos dos pais relativamente ao seu papel na família são profundamente alterados.

Os familiares vivenciam dificuldades e preocupações resultantes de contextos nunca antes experimentados. Neste sentido, o cansaço acontece em resultado da intensidade, duração e rotinização do trabalho desenvolvido diariamente, bem como do isolamento, do abandono de projetos pessoais, da falta de liberdade e de espaço para a pessoa. É uma forma de cansaço que resulta de uma atividade física exigente e contínua e de uma pressão psicológica continuada no tempo e sem um fim previsto (Silva, 2009, p.141).

Os familiares da amostra revelaram confiança nas instituições de saúde, nos profissionais de saúde e no tratamento instituído nos serviços de pediatria oncológica onde se realizou o estudo. Subtil (1995) verificou no seu estudo que os hospitais especializados em oncologia e os hospitais pediátricos se afirmam como mais segurizantes que os hospitais gerais não especializados na área de oncologia, nem diferenciados em cuidados pediátricos. Esta constatação não pretende invalidar a implementação do modelo de continuidade de cuidados, mas alertar para a importância da segurança que é apanágio dos hospitais especializados e sobre os quais existe a crença de que são os que melhor apaziguam medos e alimentam expectativas positivas face à doença.

No presente estudo os familiares não se sentiam culpabilizados, mas permaneceu o sentimento de incredibilidade e impotência ante a situação. No estudo de Silva et al. (2009) referem que entre os familiares podem surgir sentimentos de culpa. Subtil, Fonte e Relvas (1995) mencionam ainda que um dos pais pode culpabilizar o outro, o que pode implicar graves conflitos conjugais, distanciamento, separação e divórcio; além disso, refere que uns preferem sofrer pelo filho e outros sentem-se impotentes para fazer o que quer que seja pelo filho.

O isolamento social sobressaiu na análise da dimensão retraimento dos familiares face à situação. O isolamento pode indicar falhas nos recursos às fontes de suporte, devendo-se para tal despistar estas situações para um adequado apoio e orientação. Porém, Silva (2009) refere que o isolamento pode também ser consequência de uma forma de desejo e necessidade. O desejo de estar mais isolado surge, porque o familiar é sujeito a viver em espaços frequentados por muita gente, por exemplo o hospital. A necessidade de isolamento surge relacionada com a necessidade de se proteger de situações que tem dificuldade em gerir do ponto de vista emocional, como por exemplo enfrentar a alegria dos outros.

Os familiares da amostra valorizaram de forma elevada os cuidados de enfermagem no global, conforme se verificou no estudo de Subtil (1995). A necessidade de informação foi um dos aspetos mais relevante para os familiares da amostra ao longo da doença, pois, como sabemos, constitui uma importante estratégia de coping no lidar com a doença oncológica nas crianças.

Subtil (1995) destaca que a expressão destes pedidos coloca questões de como organizar a informação, como estabelecer a comunicação, com que meios e em que tempos, remetendo-nos para a necessidade de aperfeiçoar a organização dos serviços e das instituições, mas sobretudo as competências relacionais e comunicacionais. Além disso, refere que a informação ao longo de toda a doença e a atitude com que é veiculada, constitui uma preciosa ajuda aos familiares no saber lidar com a situação e na potencialização das suas capacidades para vivenciar a experiência de doença de uma forma mais positiva e autónoma.

Ao invés, na amostra, os pedidos em relação empática direcionados a si próprios, não assumiram um valor tão absoluto como os pedidos de informação, como que denotando uma imolação a favor da criança. É de admitir que os familiares manifestam necessidade que os enfermeiros cuidem das crianças como se fossem eles próprios, pois sentem dificuldades em se ajustarem e lidarem com este acontecimento de vida tão significativo.

Reconhecem-se as limitações subjacentes a um trabalho desta natureza em que a população em estudo se encontra numa condição de fragilidade face à situação de doença oncológica na criança. A forma como foram obtidos os dados deve ser tida em consideração, uma vez os familiares preencheram os questionários junto das crianças, muitas vezes com interrupções sucessivas. Porém, consideramos que o momento em que foi realizada a colheita de dados junto dos familiares é o que permite captar mais fidedignamente as emoções e sentimentos envolvidos neste fenómeno.

Conclusão Os resultados encontrados indicam que os familiares percecionaram a sua família como ligada, muito flexível e moderadamente equilibrada. Os familiares revelaram a descrença como uma das características menos vivenciadas no processo de adoecer da criança; a depressão como um dos traços mais frequentes na situação em estudo; confiança nas instituições de saúde, nos profissionais de saúde e no tratamento instituído; na generalidade não se sentiram culpabilizados; e, o isolamento social como o retraimento mais notório diante da situação. Os familiares mostraram valorizar de forma elevada os cuidados de enfermagem no global, e em particular os cuidados orientados para a criança, a comunicação da verdade e a competência na execução das técnicas. Acresce o facto de os familiares terem atribuído menor importância aos cuidados direcionados para si próprios.

Da discussão dos resultados sobressaíram aspetos importantes a valorizar na prática dos cuidados de enfermagem que contribuem para a melhoria dos cuidados de saúde prestados às famílias das crianças com doença oncológica e, consequente, promovem a qualidade de vida destas famílias.

No nosso entender e de acordo com os resultados obtidos, torna-se imperioso valorizar a comunicação entre os profissionais de saúde e a família, tendo presente a especificidade de cada criança e respetiva família, conscientes de que cada pessoa é única e original e a realidade/história de cada família é singular e igualmente única.

É nossa convicção que o envolvimento e a cooperação de todas as estruturas, desde as equipas multiprofissionais de saúde, aos apoios sociais, passando pela escola, são necessários e imprescindíveis, para que a resposta à criança e respetiva família seja o mais eficiente possível.

As sugestões/ propostas que nos parecem mais pertinentes em função dos resultados são as seguintes: organizar os cuidados de enfermagem baseados num modelo de enfermagem de família, e fomentar estudos a desenvolver posteriormente sobre a aplicação de um modelo de enfermagem de família na assistência à criança com cancro.

O futuro de enfermagem de família tenderá, segundo Wright e Leahley (2009), para a crescente diversidade na prática clínica junto das famílias e para o envolvimento dos enfermeiros com as famílias na prestação de cuidados de saúde, independentemente dos locais da prática.


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