Quedas dos doentes internados em serviços hospitalares, associação com os
grupos terapêuticos
Introdução
As quedas dos doentes internados em serviços hospitalares são o incidente mais
reportado (Healey e Scobie, 2007; Perell, Nelson e Goldman, 2001), preocupando
as organizações de saúde, pelos custos de intervenções adicionais, aumento das
demoras médias de internamento e processos jurídicos de litígio entre os
doentes/famílias e as organizações/profissionais de saúde (Cumming, Sherrington
e Lord, 2008; Healey e Scobie, 2007; Perell, Nelson e Goldman, 2001). As
consequências podem ir desde ansiedade, perda de confiança até lesões que podem
provocar dor e sofrimento, perda de independência e ocasionalmente a morte do
doente (Healey e Scobie, 2007).
As causas das quedas são multifatoriais incluindo, idade, sexo, demora média do
internamento, doenças debilitantes, história anterior de quedas, confusão/
desorientação, incontinência entre outros (Almeida, Abreu e Mendes, 2010; Evans
et al., 1999; Gluck, Wientjes e Rai, 1996) e o uso de determinados fármacos,
pelos efeitos acessórios que causam (sedação, disfunções psicomotoras,
alterações cognitivas, tonturas, hipotensão ortostática, alterações visuais),
podem ter um contributo significativo (Cumming, Sherrington e Lord , 2008;
Healey e Scobie, 2007; Oliver et al., 1997; Perell, Nelson e Goldman, 2001).
A literatura tem evidenciado que a polimedicação (n≥5) se associa ao risco de
queda (Gallagher e O`Mahony, 2008), mas os resultados corroboram também que
alguns grupos específicos de fármacos, tais como os ansiolíticos, sedativos e
hipnóticos, são importantes fatores de risco de queda, nomeadamente em contexto
hospitalar (Oliver et al., 1997; Oliver et al., 2004; Perell, Nelson e Goldman,
2001).
O presente estudo de desenho retrospetivo tem como objetivo explorar a
associação entre a terapia farmacológica e a ocorrência de quedas relativas a
sujeitos que estiveram internados em contexto hospitalar.
Quadro teórico
Dois dos primeiros estudos relevantes sobre a associação entre as quedas e os
fármacos foram conduzidos no contexto da comunidade, com o objetivo de
clarificar a associação entre fármacos e quedas na população idosa não
hospitalizada (Leipzig, Cumming e Tinetti, 1999a; Leipzig, Cumming e Tinetti,
1999b). No primeiro estudo, os resultados foram expressivos de uma forte
associação entre o uso de psicófarmacos e a ocorrência de quedas, aumentando em
cerca de 50% a sua incidência nos idosos medicados com psicofármacos
comparativamente aos que não faziam esta terapêutica. Verificaram também que as
pessoas que utilizavam doses mais elevadas ou múltiplos psicofármacos, tinham
maior risco de queda. Face aos resultados obtidos, os autores concluem, que
este tipo de fármaco deve ser utilizado com alguma precaução (Leipzig, Cumming
e Tinetti, 1999a). No segundo estudo, os autores encontraram relação entre as
quedas e os antiarrítmicos classe Ia, digoxina e diuréticos, mas não com os
analgésicos (Leipzig, Cumming e Tinetti, 999b). Concluíram assim, que os
psicofármacos têm uma associação mais forte com as quedas em relação aos
fármacos do aparelho cardiovascular e aos analgésicos.
Num estudo de revisão da literatura efetuada por Oliver et al. (2004) que
investiga o risco de queda em doentes hospitalizados, foram identificados cinco
fatores principais de risco de queda, nos quais se incluem os sedativos e os
hipnóticos. Num relatório produzido em 2007 pela National Patient Safety Agency
(UK), que documenta e analisa as quedas a nível das organizações de saúde do
Reino Unido e da Escócia, no registo do texto livre de 600 notificações de
quedas analisadas, os fatores de risco de queda referidos pela literatura estão
presentes e entre estes encontram-se os sedativos e as benzodiazepinas, (Healey
e Scobie, 2007), dados que não são muito diferentes dos encontrados nos estudos
efetuados a nível da comunidade.
Shuto et al. (2010) efetuou um estudo em 349 doentes hospitalizados, com base
na análise dos registos de incidentes de quedas e identificaram um aumento do
risco de queda associado aos anti-hipertensores, antiparkinsónicos,
ansiolíticos e hipnóticos, concluindo que a medicação que atua a nível do
sistema nervoso central está significativamente associada com o aumento de
risco de quedas.
Outros estudos prospetivos de coorte, efetuados também na comunidade,
acrescentam às classes de fármacos já referidas, os anticonvulsivantes (Ensured
et al., 2002).
A abordagem mais comum para a prevenção das quedas é o uso de programas de
intervenção multifacetados, que integram a avaliação do risco de queda do
doente e a implementação de intervenções para o reduzir (Caldevilla e Costa ,
2009; Evans et al., 1999). Alguns destes programas recomendam uma revisão da
medicação como parte importante de uma abordagem de prevenção das quedas e da
sua recorrência (Leipzig, Cumming e Tinetti, 1999b).
A nível da avaliação do risco de queda, algumas escalas contemplam itens
relativos ao consumo de alguns fármacos, nomeadamente a Escala de Schmid
(anticonvulsivantes, tranquilizantes, psicotrópicos, hipnóticos), o Índice de
Risco de Quedas de Dowton (tranquilizantes/sedativos, anti-hipertensores,
antiparkinsónicos, antidepressores) e a Escala de Risco de Quedas de Hendrich
II (antiepilépticos, benzodiazepinas). Outras escalas não incluem
explicitamente a medicação, mas integram este fator como fazendo parte da sua
avaliação no item de existência de um diagnóstico secundário, como é o caso da
Escala de Quedas de Morse.
Numa análise retrospetiva das notificações de queda ocorridas entre 2008 e
2010, no hospital em estudo, analisaram-se diversas características dos
episódios de queda. Neste estudo inicial não se caracterizou a medicação que as
pessoas com episódios de queda efetuavam (Costa-Dias et al., 2011). Hoje
sabemos, com base em estudos já publicados, que alguns fármacos podem ser
potenciadores da queda do doente. Conclui-se que seria importante conhecer a
relevância da associação fármacos/quedas de forma a obter um conhecimento mais
abrangente dos diversos factores associados às quedas do doente.
Metodologia
O presente trabalho abrange os doentes que estiveram internados no Hospital em
estudo, no período compreendido entre 1 junho de 2008 (data de início do
sistema de notificação de incidentes na organização) e 31 de dezembro de 2010,
a partir de 214 relatos de incidente de queda, relativos a 190 doentes.
Excluíram-se as notificações de queda ocorridas no serviço de pediatria, por
trazerem alguma confusão ao estudo, assim como as que ocorreram em doentes em
regime de ambulatório.
Foram incluídos na análise os registos de relato de incidente de queda do
doente, notificados por seis serviços diferentes de internamento, sendo cinco
de doentes agudos e um de doentes crónicos, identificados neste trabalho por A,
B, C, D, E e F.
Para além das variáveis de exposição incluídas no documento de notificação de
queda (idade, sexo, serviço de internamento e risco de queda avaliado na
admissão pela Escala de Quedas de Morse), consultou-se também o processo
clínico para recolha de informação sobre o diagnóstico do doente e pesquisa dos
fármacos, iniciados aos doentes até às 24 horas que antecederam o episódio de
queda.
Através de uma pesquisa bibliográfica, suportada em artigos que avaliam a
associação entre terapêutica medicamentosa e quedas, seleccionaram-se as
classes de fármacos mais consistentemente associadas à queda do doente.
Posteriormente suportados na classificação do Prontuário Terapêutico do
Infarmed.
Um painel de cinco profissionais (três enfermeiros e dois farmacêuticos)
delimitou as classes de fármacos a analisar neste estudo (Quadro_1).
Quadro_1
Após este passo, foram listados, por parte dos serviços farmacêuticos, todos os
fármacos contemplados no formulário do hospital e inseridos nos grupos
terapêuticos identificados, seguida de uma pesquisa na base de dados do
hospital, dos fármacos prescritos aos doentes que foram alvo de notificações de
queda, no período em estudo, totalizando 1523 fármacos.
Os dados foram transpostos para uma grelha de avaliação com recurso a uma folha
do programa Microsoft Office Excel 2007 e analisados através do programa
estatístico SPSS® - Statistical Package for the Social Sciences versão 18.0
para o Windows®. Com recurso a estatística paramétrica e não paramétrica,
procedeu-se à análise dos dados, através de medidas de tendência central, de
dispersão e de associação.
Na análise de associação entre fármacos e as variáveis risco de queda e quedas
recorrentes (n≥2) utilizou-se o Odds Ratio (OR), com intervalo de confiança a
95%. A diferença de médias entre dois grupos foi testada através do teste t de
student. Na presença de três ou mais grupos recorreu-se à ANOVA. Para analisar
as diferenças em variáveis ordinais entre três ou mais grupos utilizou-se o
teste não paramétrico de Kruskal Wallis.
O estudo teve o parecer favorável da Direcção do Hospital e da Comissão de
Ética para a Saúde (Processo CES/1059/2011/PA).
Resultados
Conforme se observa no Quadro_2, os doentes com notificação de incidente de
queda tinham em média 75 anos (75 anos para os homens e 76 anos para as
mulheres), com um DP=13,1. A idade mais frequente foi 81 anos e o valor da
mediana 79 anos. A grande maioria dos participantes (89%) tinha idade igual ou
superior a 60 anos. O grupo etário com maior número de notificações de queda
(40%) foi o grupo dos 80 aos 89 anos. Do total de participantes, 63% eram do
sexo masculino. Os doentes tinham como diagnóstico mais frequente a doença
oncológica (43%) e as doenças neurodegenerativas (12%), tendo as pessoas com
diagnóstico doença oncológica três vezes mais probabilidade de ter quedas
recorrentes (OR=3,28; p< 0,05), como se pode observar no Quadro_3. Mais de
metade das quedas (56%)ocorreram no serviço que corresponde a um internamento
de pessoas com doença crónica (serviço B).
Quadro_2
Quadro_3
Verificou-se que os participantes masculinos tiveram mais quedas (63%) e três
vezes mais quedas recorrentes (OR=2,60; p< 0,05 ), em relação ao sexo feminino.
O consumo de fármacos difere significativamente entre mulheres e homens
(t=4,07;gl=212;p=0,0001), efectuando, em média, os homens quatro fármacos e as
mulheres três. Observaram-se diferenças significativas entre as médias de
fármacos prescritos nos diferentes serviços (F=6,568; gl=4;209; p=0,0001) sendo
o serviço com maior valor médio (M=4) o internamento de doentes com doenças
crónicas. No que concerne à avaliação do risco, constatou-se que 75% (160) dos
participantes apresentavam risco elevado de queda e do total de participantes
22% (47) tiveram quedas recorrentes, tendo os doentes com alto risco, cinco
vezes mais quedas recorrentes (OR=4,59; p< 0,05).
Os doentes medicados com fármacos do grupo do SNC têm sete vezes mais risco de
queda (OR=7,14; p< 0,05), sendo os valores para os outros dois GT não
significativos.
Os antiepiléticos e anticonvulsivantes foram prescritos com uma média inferior
a um fármaco por doente (0-3) a 33% (70) dos participantes com notificação de
queda. Neste grupo o medicamento mais prescrito foi o clonazepam a 19% (41) dos
doentes, mas foi com levetiracetam e com ácido valpróico que foi encontrada
associação significativa com quedas recorrentes, com os pacientes medicados com
estes fármacos a apresentarem, OR=3,33 e OR=5,67, respetivamente para o ácido
valpróico e o levetiracetam.
Relativamente aos psicofármacos, registou-se uma elevada prevalência na sua
prescrição (93%), sendo que em média cada doente consome quatro psicofármacos
(0-10), apresentando estes indivíduos cerca de nove vezes mais risco de queda
(OR=8,68; p< 0,05), comparativamente aos seus pares que não integram este tipo
de fármacos no seu plano terapêutico.
Constatou-se que 84% (180) dos doentes estavam medicados com ansiolíticos,
sedativos e hipnóticos, fazendo em média cada doente dois fármacos deste tipo,
sendo que 52% (112) efetuavam lorazepam. Os doentes medicados com estazolam têm
durante a sua estadia hospitalar cerca de três vezes mais quedas recorrentes
(OR=2,74; p< 0,05).
Ainda na classe dos psicofármacos, 68% (146) dos participantes faziam
antipsicóticos, tendo estes doentes sete vezes mais risco de queda (OR=7,27; p<
0,05) e cinco vezes mais quedas recorrentes (OR=5,08; p< 0,05). Neste subgrupo,
a média de prescrição é de um medicamento por doente, sendo mais comum o
haloperidol, o qual era efetuado por 53% (113) dos participantes, tendo estes
doentes significativamente maior risco de queda (OR=6,09; p< 0,05) e mais
quedas recorrentes (OR=3,32; p< 0,05). Foi ainda encontrada, neste grupo,
associação entre ter quedas recorrentes e efetuar clozapina, tendo estes
participantes significativamente mais quedas recorrentes (OR=7,67; p<0,05)
quando comparados com os pacientes que não os tomam.
Com antidepressores estavam medicados 54% (115) dos doentes, com um consumo
médio de um fármaco, estes doentes tinham seis vezes mais risco de queda (OR=
6,34; p< 0,05) e cinco vezes mais quedas recorrentes (OR=4,93; p< 0,05). O
fármaco mais prescrito neste grupo é a trazodona, correspondendo a 36% (76) dos
participantes, os quais têm cinco vezes mais quedas recorrentes (OR=5,25; p<
0,05).
Na classe dos analgésicos estupefacientes, em média cada doente fazia um
fármaco (0-3). Constatou-se que 58% (124) dos participantes estavam medicados
com estes fármacos, tendo cerca de quatro vezes mais quedas recorrentes
(OR=3,97, p< 0,05). O tramadol foi o fármaco mais vezes prescrito e efetuado
por 40% (86) dos doentes, os quais tiveram três vezes mais quedas recorrentes
(OR=3,10; p< 0,05).
Na classe dos cardiotónicos, apenas 3% (7) dos doentes incluídos no estudo com
notificação de queda, estavam medicados com digoxina. Na classe dos anti-
hipertensores 79% (170) dos doentes efetuavam esta medicação e em média cada
doente tomava dois fármacos (0-8) deste tipo. Nesta classe, 64% (137) dos
participantes efetuam diuréticos, com uma média de um diurético por doente. O
fármaco mais utilizado foi a furosemida, sendo administrado a 59% (127) dos
doentes, os quais tiveram duas vezes mais quedas recorrentes (OR=2,37¸ p<
0,05), durante a estadia hospitalar. Quanto aos modificadores do eixo renina
angiotensina, 45% (96) dos pacientes estavam submetidos a esta terapêutica, com
uma média de um medicamento por doente. O fármaco mais frequente era o
captopril prescrito a 30% (65) dos doentes, mas são os doentes medicados com
ramipril, que têm quase oito vezes mais quedas recorrentes (OR=7,67; p< 0,05).
No que se refere aos depressores da atividade adrenérgica, 23% (50) dos doentes
faziam medicação deste âmbito, sendo a sua média inferior a um fármaco por
doente, destacando-se o carvedilol efetuado por 11% (24) dos doentes.
No GT das HMDE, em média os doentes efetuavam um fármaco (0-5) deste tipo, 63%
(135) dos doentes faziam insulinas e antidiabéticos orais. Em relação às
insulinas, 24% (51) dos participantes efetuam insulinoterapia, sendo as
insulinas de acção curta as mais frequentes, as quais eram efetuadas por 21%
(44) dos doentes.
Nos antidiabéticos orais, 19% (41) dos participantes estavam medicados com
estes fármacos, tendo estes doentes cerca de três vezes mais quedas recorrentes
(OR=2,54; p< 0,05). A metformina foi o fármaco mais prescrito e efetuado por
15% (33) dos participantes, tendo estes, também, três vezes mais quedas
recorrentes (OR=2,82; p< 0,05) e quando medicados com glicazida um risco de
queda cinco vezes superior (OR=5,36, p< 0,05).
Nos antidiabéticos orais, 19% (41) dos participantes estavam medicados com
estes fármacos, tendo estes doentes cerca de três vezes mais quedas recorrentes
(OR=2,54; p< 0,05). A metformina foi o fármaco mais prescrito e efetuado por
15% (33) dos participantes, tendo estes também três vezes mais quedas
recorrentes (OR=2,82; p< 0,05) e quando medicados com glicazida um risco de
queda cinco vezes superior (OR=5,36, p< 0,05).
Conclui-se que em 97% das notificações relativas aos doentes que integram a
amostra da presente investigação estão registados fármacos, descritos pela
literatura como associados ao risco de queda e que em média os participantes
efetuavam 7 fármacos (DP=3,8), com um mínimo de 0 e um máximo de 18, tendo dez
vezes mais risco de queda (OR=9,90; p< 0,05), comparativamente com os seus
pares que não efetuavam este tipo de terapêutica medicamentosa. Relativamente
ao número de fármacos consumidos pelos participantes, constata-se que 32% (69)
faziam 5 a 7 fármacos associados ao risco de queda e 24% (52), 8 a 10, pelo que
no conjunto 56% (121) dos doentes efetuavam entre 5 a 10 fármacos associados ao
risco de queda. Observou-se uma associação estatística entre ter quedas
recorrentes e o maior uso de fármacos relacionados com o risco de queda
(H=26,77; gl=6; p=0,0001).
Discussão
Neste estudo de análise quantitativa, verifica-se que o serviço onde ocorreram
mais quedas é o serviço que interna pessoas com doenças crónicas, evidência já
corroborada por estudos anteriores (Costa-Dias et al., 2011; Healey e Scobie,
2007; Perell, Nelson e Goldman, 2001; Riefkohl et al., 2003). É também neste
serviço que o número médio de fármacos prescritos aos doentes é
significativamente maior, sendo portanto o local alvo de implementação de
intervenções para minorar a incidência deste evento adverso, seguindo-se os
serviços C e D.
Constata-se que os homens caem mais do que as mulheres, facto também já
descrito em outros estudos nacionais e internacionais (Costa-Dias et al., 2011;
Healey e Scobie, 2007; Pina et al., 2010).
A distribuição das idades é assimétrica negativa, predominando assim as idades
mais velhas. A larga maioria dos participantes tinha idade igual ou superior a
60 anos (89%). O grupo etário onde ocorreram mais notificações foi o grupo dos
80 aos 89 anos, resultados idênticos aos de outros estudos (Pina et al., 2010)
pois estes doentes têm mais probabilidade de cair, sendo mais vulneráveis a
lesões da pele, dos tecidos moles e fraturas (Healey e Scobie, 2007).
A doença mais frequentemente diagnosticada nos participantes foi a doença
oncológica (43%), existindo uma forte relação entre este diagnóstico e as
quedas. Hendrich em 1992, quando estudou os registos médicos relativos a
doentes com e sem quedas, num hospital geral para doentes agudos encontrou sete
fatores de risco significativos e entre estes, o diagnóstico de doença
oncológica (Hendrich, Bender e Nyhuis, 2003).
Na avaliação de risco de queda, constatou-se que 75% dos participantes
apresentavam alto risco e 22% dos participantes tiveram quedas recorrentes
(n≥2). O facto de o doente ter tido já quedas anteriores é descrito por vários
autores como um fator de risco (Mendelson, 1996; Pina et al., 2010) que é ainda
potenciado pela associação da medicação.
Foi com o GT do SNC, que foram observadas as associações mais significativas,
particularmente nos psicofármacos que foram a classe de fármacos mais
prescrita. Corroborando resultados obtidos por Leipzig, Cumming e Tinetti,
(1999a), Mendelson (1996) e Shuto et al. (2010), ainda que com magnitude de
associação diferentes. No primeiro concluíram existir uma pequena, mas
consistente associação entre a maioria das classes dos psicofármacos e as
quedas. No segundo estudo, foi identificada uma associação significativa com as
benzodiazepinas orais, mas no presente estudo apenas foi identificada
associação com o estazolam. A associação entre ter quedas recorrentes e estar
medicado com analgésicos estupefacientes, em particular com o tramadol,
observada no nosso estudo, não foi observada na pesquisa de Leipzig, Cumming e
Tinetti, (1999b), dado ser um fármaco que é efetuado em contexto hospitalar. No
terceiro estudo foi identificado um risco aumentado de quedas nos doentes
medicados com, antiparkinsónicos, ansioliticos e hipnóticos, dados semelhantes
aos encontrados neste estudo.
No grupo terapêutico do ACV, os fármacos mais prescritos foram a furosemida, o
captopril e o carvedilol. Não foi identificada associação com os digitálicos
embora na meta-análise de Leipzig, Cumming e Tinetti, (1999b) tenha sido
identificada uma associação baixa. Na classe dos anti-hipertensores foi
identificada relação entre ter quedas recorrentes e estar medicado com
furosemida e ramipril, em especial com este último fármaco, em que os doentes
que o efetuam têm oito vezes mais quedas recorrentes. Na meta-análise citada a
força de associação entre estas duas variáveis foi baixa, mas no estudo de
Shuto et al. (2010) foi identificado um risco aumentado de queda (OR=8,42). No
GT das HMDE, encontrou-se associação entre os antidiabéticos orais e as quedas
recorrentes, em particular com a metformina e a glicazida, sendo que os doentes
que efetuam este fármaco têm cinco vezes mais quedas recorrentes. Não se
encontraram estudos a associar as quedas com estes fármacos mas sim a inclusão
dos hipoglicemiantes como medicamento a considerar na avaliação dos doentes
idosos com risco de queda (Riefkohl et al., 2003).
Verificou-se que 77% (165) dos doentes têm um nível elevado de polimedicação,
fazendo em média 7,4 fármacos cada doente, média igual à do estudo de Shuto et
al. (2010), com uma grande representação de medicamentos do subgrupo dos
psicofármacos. Nos doentes polimedicados a reconciliação terapêutica é
particularmente importante para prevenir as reacções adversas e eventos
adversos associados aos fármacos, sendo uma prioridade de segurança do doente
em todos os momentos de transição dentro do hospital (admissão, transferência
entre serviços e alta).
Os resultados obtidos permitem orientar os profissionais de enfermagem para
alguns dos fatores a ter em atenção, na definição dos doentes alvo das
intervenções de enfermagem quer a nível da prevenção do risco de queda quer da
prevenção de quedas recorrentes (Figura_1).
Face à natureza do estudo, alguns resultados merecem algum cuidado na sua
análise, pois é difícil predizer se o risco de queda e a recorrência das quedas
resultam do efeito terapêutico ou são consequência das co-morbilidades
subjacentes a essas terapêuticas.
No entanto parece evidente que a presença de maior número de fatores de risco
parece potenciar o desfecho de queda.
Conclusão
Os resultados deste estudo orientam os enfermeiros para o doente alvo de
intervenções de prevenção de quedas e da sua recorrência (doente do sexo
masculino com 75 ou mais anos, com diagnóstico de doença oncológica, com risco
avaliado pela Escala de Quedas de Morse≥a 51 pontos), reforçam a associação
entre as quedas e alguns fármacos que devem ser considerados como potenciadores
de quedas (ácido valpróico, levetiracetam, estazolam, haloperidol clozapina,
trazodona, tramadol, furosemida, ramipril, metformina, glicazida) e finalmente
contribuem para identificar o doente mais suscetível a recorrência de quedas
quando internado em contexto hospitalar, em função dos fármacos que integram o
seu plano medicamentoso. Esta informação é um importante contributo para uma
prática de enfermagem baseada na evidência, tendo-se demonstrado pela primeira
vez, tanto quanto sabemos, a existência de associação entre o antipsicótico
haloperidol e o risco de queda e recorrência das mesmas.
No entanto, a qualidade e segurança da prescrição de fármacos em doentes idosos
continua a ser um problema global de saúde e devem ser feitos esforços para
melhorar a adequação da seleção da medicação prescrita e de reconciliação
terapêutica, sobretudo se o doente tem história de quedas anteriores.
Orientações já publicadas pela American Geriatrics Society e British Geriatrics
Society (2011) com o objetivo de minimizar o uso de fármacos associados ao
risco de queda recomendam que nos doentes que sofram uma queda seja revista a
medicação, alterada ou suspensa, sempre que possível, para se prevenir novos
episódios de quedas, recomendando particular atenção aos doentes que estão
medicados com quatro ou mais fármacos e aos que efetuam psicofármacos, sugere-
se ainda que aos doentes que iniciam esta medicação durante o seu período de
internamento, seja definida pelos enfermeiros como intervenção a monitorização
do risco de queda, durante três dias, diariamente.