Perfil epidemiológico dos acidentes ofídicos em homens
Introdução
A Organização Mundial de Saúde (OMS, 2010) calcula que ocorram no mundo uma
faixa de 421.000 a 2,5 milhões de acidentes causados por serpentes venosas, com
20.000 a 100.000 mortes por ano, e que o número de pessoas com sequelas
permanentes por esses acidentes seja mais elevado que o número de mortes.
A taxa de mortalidade em decorrência desse tipo de acidente apresenta variações
de acordo com cada região. Na Europa, os acidentes ofídicos são relativamente
raros. O número anual de picadas por cobras pode chegar a 25.000, sendo 8.000
por serpentes venosas. Cerca de 90% das vítimas são hospitalizadas podendo
resultar em 30 mortes por ano (Chippaux, 1998).
O autor também afirma que na África, a incidência dos acidentes ofídicos é
precariamente documentada. Dos 500.000 casos de acidentes ofídicos, 40% são
hospitalizados, resultando em 20.000 óbitos por ano. Na Ásia, principalmente no
Paquistão, na Índia e na Birmânia os acidentes ofídicos provocam de 25.000 a
35.000 óbitos por ano.
Os acidentes ofídicos têm grande importância para a saúde pública em virtude da
elevada morbimortalidade, especialmente em países tropicais. No Brasil, de
acordo com o banco de dados do Sistema Nacional de Informações Toxico
Farmacológicas (SINITOX), do Ministério da Saúde, no período de 2006 a 2009
foram notificados 19.444 casos de intoxicação por veneno ofídico, perfazendo
uma média de 4.861 casos por ano, com aproximadamente 16 casos de óbitos/ano.
O total de notificações reporta à reflexão sobre a assistência de enfermagem
nas diversas situações de emergência, que com frequência se apresentam e exigem
um pensamento mais cuidadoso sobre a necessidade de descrever os diagnósticos
de enfermagem e padronizar condutas terapêuticas de intervenções imediatas, a
fim de minimizar os danos à saúde destes acidentados.
No quotidiano do cuidar de vítimas de acidente ofídico, torna-se indispensável
a multiplicação do conhecimento acerca destes acidentes, os hábitos das
serpentes, a relação com o ambiente e a busca por comidas, bem como medidas
preventivas de novas ocorrências, que pode fazer com que haja uma diminuição no
número de casos. Desta forma, para nortear estas reflexões destacamos as
seguintes questões: Qual a incidência e prevalência de acidentes ofídicos em
homens no estado do Rio de Janeiro/Brasil? O Perfil epidemiológico do Estado do
Rio de Janeiro/Brasil assemelha-se ao perfil nacional?
O presente artigo tem como objetivo descrever as características
epidemiológicas dos acidentes ofídicos em homens notificados no estado do Rio
de Janeiro de 2006 a 2009, correlacionando a incidência de casos no país com o
quantitativo dos casos acompanhados pelo Centro de Controle de Intoxicações
(CCIn) de um hospital público situado no Município de Niterói.
A relevância desta temática está pautada na necessidade de identificar o perfil
das vítimas de acidentes ofídicos atendidas no município do Rio de janeiro e
acompanhadas pelo CCIn, tendo em vista o alto índice de ocorrências, e a
importância de se criar estratégias que subsidiem uma assistência mais
qualificada por parte dos profissionais que atendem estes clientes, permitindo
assim a prevenção de acidentes e a otimização do tempo para tomada das devidas
providências emergenciais, reduzindo a morbimortalidade das vítimas.
Metodologia
Trata-se de um estudo quantitativo, exploratório e documental. A colheita de
dados foi realizada, de maneira retrospetiva, na base de dados do Sistema
Nacional de Informações Tóxico Farmacológicas (SINITOX) de 2006 a 2009 e nos
registros de notificações de intoxicações obtidos no Centro de Controle de
Intoxicações (CCIn) que atende ao estado do Rio de Janeiro, no mesmo período.
Os dados obtidos foram analisados através de estatística descritiva e
apresentados em tabelas, quadros e gráficos que informaram: faixa etária, sexo,
procedência segundo zona (rural ou urbana), género do animal causador e
município de ocorrência. Deste modo foi possível traçar o perfil epidemiológico
e discutir a incidência dos acidentes causados por serpentes, tornando eficaz a
verificação dos grupos de animais venosas que mais causam danos, no estado do
Rio de Janeiro.
As amostras foram constituídas por 220 casos notificados pelo CCIn, a nível
regional, Rio de Janeiro, e, em relação ao Brasil foram 19.444 casos
notificados. Porém, para cruzar os dados e compará-los estatisticamente, foram
retirados os 220 casos contabilizados no Estado do Rio de Janeiro, tendo como
amostra nacional 19.224 casos. Desta forma, realizou-se a comparação estadual/
nacional, traçando as características e semelhanças destas populações.
Para o tratamento estatístico foi realizada uma associação entre variáveis
quantitativas, utilizando teste de Qui-Quadrado. Cada variável quantitativa
possui média e desvio padrão, e a partir disso pôde-se verificar qual a
distribuição de probabilidade que essas variáveis quantitativas possuem. Essa
verificação é feita através do teste de Shapiro-Wilk, se o valor de P for maior
que 0,05 então a variável testada é normal, caso contrário essa variável não
segue distribuição normal (Rosner, 2010).
Para a verificação da presença de sazonalidade na série temporal foi realizado
o cálculo e o gráfico da função de autocorrelação, se o comportamento gráfico
indicar um comportamento de queda e crescimento ao longo da série com seus
valores extrapolando o limite de confiança de 95% então existe a indicação de
que tem sazonalidade na série.
Este estudo é vinculado ao programa de pesquisa ' Fatores de Risco para Homens
Internados e Reinternados e sua Relevância para o Cuidado de Enfermagem
Seletivo por Género - CNPq ', registrado no Diretório dos Grupos de Pesquisa no
Brasil Ref.: 0117 CNPq, aprovado no Comitê de Ética e Pesquisa EEAN/HESFA/UFRJ,
protocolo n° 053/2010, obedecendo às prerrogativas da Resolução 196/96 do
Conselho Nacional de Saúde ' Ministério da Saúde, e não há conflitos de
interesses na realização do mesmo.
Resultados e Discussão
O estado do Rio de Janeiro está em 16° lugar no ranking nacional em incidência
de ofidismo no Brasil (Brasil. Ministério da Saúde. Sistema Nacional de
Informações Tóxico - Farmacológicas, 2012). O quadro_1 descreve os resultados
obtidos das amostras, realizando uma comparação dos dados. Da análise emergiram
diferenças estatisticamente significantes entre Brasil e Rio de Janeiro nas
seguintes variáveis: Local de ocorrência da intoxicação e Mediana das médias da
idade de intoxicação. Quando o valor de P for menor ou igual a 0,05, é
indicativo de que existe uma diferença estatisticamente significante entre os
grupos de comparação (Rio de Janeiro e Brasil).
Para as variáveis nominais, foi utilizado o teste de Qui-Quadrado. Para a
mediana das médias da idade de intoxicação aplicou-se o teste não-paramétrico
de Wilcoxon. É importante ressaltar que as médias da idade para os casos de
intoxicação foram obtidas através do cálculo do ponto médio dos grupos de idade
estruturados na tabela desenvolvida pelo SINITOX.
Predominantemente os acidentes ofídicos ocorrem em zona rural, porém, no Estado
analisado, houve uma concentração nas áreas urbanas. Este facto faz-nos pensar
na ocorrência da sinantropização, definida como a modificação do ambiente pelo
homem, com consequente proliferação de algumas espécies. Diversos fatores
corroboram para este fenómeno, tais como a desflorestação, urbanização, as
precárias condições de saneamento e higiene, o aumento na produção de resíduos
domésticos, além da precariedade no seu acondicionamento. A falta de
infraestrutura adequada nas cidades faz com que as serpentes sejam atraídas por
pequenos roedores que infestam estes locais e alteram o padrão dos acidentes
(Paula, 2010).
Observa-se ainda, que os homens foram acometidos em mais de 70% dos casos tanto
a nível nacional quanto regional. Reportando à Política Nacional de Saúde do
Homem do Ministério da Saúde (Brasil, 2008), cujo objetivo é a facilitação do
acesso do homem aos serviços de saúde, verifica-se um avanço significativo
relativamente à política em saúde. Entretanto, esta política evidencia fatores
de morbimortalidade da população masculina e a vulnerabilidade dessa população,
despertando-nos para a necessidade de uma procura de novas estratégias para que
sejam criados meios de minimizar os danos à saúde relacionados ao ofidismo.
O perfil mundial da morbimortalidade dos homens tem-se alterado nas últimas
décadas, situação também percebida em outros países além do Brasil. Este fato
levou o Canadá a ser o primeiro país americano a implantar uma política de
atenção à saúde do homem, seguido pelo Brasil, que no contexto do Programa
Mais Saúde: Direito de Todos, lançado em 2007 pelo Ministério da Saúde para
promover um novo padrão de desenvolvimento centralizado no crescimento, bem-
estar e melhoria das condições de vida do cidadão brasileiro, adota uma
política que coloca o Brasil na vanguarda das ações voltadas para a saúde do
homem.
De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2011),
no censo demográfico de 2010 foram contabilizados 190.755.799 habitantes
brasileiros. Destes 48,96% são do sexo masculino. O número de óbitos masculinos
no período de agosto de 2009 a julho de 2010 foi de 1.034.418 sendo 57% do
total. Os dados do SINITOX demostram que no Brasil, no período estudado,
emergiram 67 óbitos devido à intoxicação por serpentes.
Em 2010, o Ministério da Saúde nas suas estatísticas mostrou que do total de
mortes na faixa etária de 20 a 59 anos ' população alvo da nova política - 68%
foram de homens. Ou seja, a cada três adultos que morrem no Brasil, dois são
homens. Dados do IBGE (2011) revelam que, embora a expectativa de vida dos
homens tenha aumentado de 63,20 para 68,92 anos de 1991 para 2007, ela ainda se
mantém 7,6 anos abaixo da média das mulheres. Dos 67 óbitos por ofidismo,
48,41% compreendem o público-alvo da Política Nacional de Atenção Integral a
Saúde do Homem.
Esta Política, de acordo com o Ministério da Saúde, foi instituída no âmbito da
comparação dos dados do Sistema Único de Saúde SUS, pela Portaria Nº 1.944 de
27 de agosto de 2009, tem por objetivo promover a melhoria das condições de
saúde da população masculina na faixa etária de 20 a 59 anos de idade e
reduzir-lhe a morbidade e mortalidade, facilitando o acesso às ações e aos
serviços de assistência à saúde. Os investimentos foram agrupados em nove eixos
de ação, entre eles os eixos de comunicação, promoção à saúde, expansão dos
serviços, qualificação de profissionais e investimento na estrutura da rede
pública.
Segundo Scheuer e Bonfada (2008) a transição epidemiológica da saúde do homem,
no âmbito nacional, deve considerar tanto o aumento da expectativa de vida,
quanto o surgimento de patologias consequentes a uma maior sobrevida.
Os estereótipos de género surgidos das diversas possibilidades de construção da
masculinidade são levados em consideração nesta reflexão. Os homens constroem a
sua masculinidade baseados em paradigmas, tendo de se apresentar com uma imagem
de autossuficiência em que não percebem a sua vulnerabilidade, aumentando assim
o risco de acidentes ofídicos. Isto leva-os a não dar a atenção necessária à
família, e torna-se um obstáculo no acesso aos serviços médicos ao traduzir o
pensamento de que homem não precisa de se cuidar, uma vez que o cuidado é
coisa de mulher, entre outros aspetos. É por isso que, não existindo uma
tradição do cuidado por parte dos homens, para mudar este quadro, torna-se
necessário uma mudança na cultura, uma intervenção na construção da
masculinidade (Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde,
2010).
As discussões e reflexões sobre a incorporação de cuidados ao homem na ótica da
prevenção de acidentes ofídicos remetem para uma melhor perceção e acolhimento
das demandas emergenciais destes indivíduos nas unidades de pronto atendimento.
Neste contexto, questionam-se os motivos pelos quais os homens demoram a
procurar os serviços de saúde após um acidente. Estas respostas tornam-se um
dos pontos imprescindíveis para a tomada de decisões estratégicas dentro do
programa de saúde do homem, a fim de traçarmos medidas preventivas e curativas
no tocante aos cuidados de enfermagem das vítimas de ofidismo.
A construção da ciência do cuidado de enfermagem às vítimas de acidente ofídico
possibilita sistematizar os cuidados de enfermagem, tendo como ponto de partida
as prioridades no atendimento de emergência, baseando-se no reconhecimento das
complicações esperadas de acordo com a espécie de serpente envolvida e da
sintomatologia apresentada pelas vítimas, reduzindo o tempo para início do
tratamento.
Neste contexto, esta investigação aborda a saúde do homem com o propósito de um
aprofundamento teórico e prático que possibilita alcançar uma compreensão dos
pressupostos para implementar práticas no campo da saúde do homem, em especial,
nas ações voltadas ao paciente vítima de acidentes ofídicos. Para Graciano et
al. (2011), no Brasil existe um grande índice de acidentes ofídicos, sobretudo
em indivíduos do sexo masculino em idade produtiva.
Desde os primórdios a relação entre o homem e as serpentes sempre foi paradoxal
de fascínio e medo. Porém, ao contrário do que se pode pensar, as serpentes não
se expõem picando uma pessoa, salvo em situações em que se sentem ameaçadas com
a aproximação de alguém ou quando as pisam. Ainda assim utilizam-se de
mecanismos próprios a fim de avisarem sobre a sua presença. A Cascavel
(Crotalus durissus) toca o seu guizo na ponta da cauda; a Jararaca
(Bothropoides jararaca) e também outras espécies vibram a cauda quando se
sentem ameaçadas (Bernarde, 2012).
A cultura machista de que o homem tem que sustentar suas famílias, torna-o mais
vulnerável aos acidentes ofídicos. Desta forma, eles passam a não reconhecer as
situações de risco à saúde como algo inerente à condição do homem, deixando de
usar o equipamento de proteção individual para o trabalho em áreas rurais ou
periurbanas, expondo-se ao risco de ocorrência destes danos.
Embora haja uma ampla discussão sobre masculinidade na área da saúde em geral,
ainda há uma insuficiência de estudos sobre o empenho masculino voltado para o
estilo de vida saudável e a promoção e prevenção dos danos à saúde (Gomes,
Nascimento e Araújo, 2007).
Com o intuito de comprovar a diferença relatada no teste não-paramétrico de
Wilcoxon para a mediana das médias da idade para os casos de intoxicação, foi
estruturado um boxplot (gráfico_1). Para comparar os quatro anos, foi
necessário obter as médias de idades de cada ano analisado. Diante destes
resultados, calculou-se a mediana das quatro médias de cada ano. Estes valores
foram utilizados para confeção do gráfico boxplot com: Mediana, Máximo, Mínimo
e Intervalos Interquartílicos.
Através desse gráfico, fica demonstrado que a mediana da idade predominante das
médias de idade no Brasil é maior que no Rio de Janeiro. Para as variáveis que
possuem classes foi utilizado o teste de Qui-Quadrado. Para a mediana das
médias da idade de intoxicação foi utilizado o teste não-paramétrico de
Wilcoxon.
Tanto no Brasil quanto no Rio de Janeiro, a faixa etária acometida foi entre 1
a 80 anos, com predominância de ocorrências em indivíduos com idades entre 20 e
49 anos, perfazendo 51,73% dos casos. Paula (2010), em seu estudo, ratifica
estes dados destacando 38,8% (216) dos casos na faixa etária de 19 a 40 anos. É
neste grupo etário onde se concentra a população economicamente ativa que,
quando acidentados, ficam incapacitados de exercerem as suas actividades
laborais temporariamente. Como a maior parte dos acidentados é do sexo
masculino, a grande preocupação é com o tempo de internamento relacionado à
ausência no trabalho e como isso afeta o sustento financeiro da família.
Além disso, 26,33% dos casos foram em escolares e pré-escolares, acarretando
afastamento temporário das instituições de ensino. Muñoz e Oliveira (2010)
corroboram os dados ao afirmar que quando há necessidade de tratamento
prolongado, as crianças podem ficar por um período maior fora da escola, o que
por sua vez, pode implicar num baixo rendimento escolar quando retornam.
Alguns fatores socioambientais, como tempo, vegetação, tipos de habitação e a
urbanização das áreas periféricas das cidades, estão diretamente relacionados a
esses acidentes. Observa-se no gráfico_3 o grande impacto da sazonalidade,
sendo os meses mais quentes e chuvosos, compreendendo o período de janeiro a
março, os de maiores índices de acidentes ofídicos. Este período coincide com o
período de maior atividade humana no campo (Brasil. Ministério da Saúde.
Secretaria de Vigilância em Saúde, 2010), fato que justifica os casos ocorridos
em zonas rurais. Estudos realizados na região sudeste por Lima et al. (2009);
Bochner e Struchiner (2004) apresentaram resultados semelhantes. Sendo assim, o
ofidismo que antes era tradicionalmente visto como um problema rural, vem
paulatinamente se tornando uma rotina em centros urbanos.
Também há de se levar em consideração que estas ocorrências estão relacionadas
às atividades das serpentes que são ectotérmicas, ou seja, animais cuja fonte
de calor corporal provém fundamentalmente do meio exterior. Isso significa que
necessitam de calor para se aquecerem e aumentarem o seu metabolismo. Esse fato
associado à busca por alimentos, acasalamento, local para desova, torna o
encontro com os humanos mais frequente, o que justifica o maior índice de
acidentes ofídicos nos meses quentes.
De acordo com o Ministério da Saúde, a identificação dos períodos de maior
risco torna-se importante não somente para as unidades de saúde e seus
profissionais se organizarem para receber uma maior demanda de casos de
ofidismo, mas também para estabelecer estratégias de distribuição e controle
dos stocks de soros antiofídicos nos locais de atendimento, além de fortalecer
as ações de prevenção com atividades de educação em saúde.
Morar num país tropical como o Brasil tem as suas vantagens, como desfrutar da
beleza natural e da biodiversidade da fauna e da flora. Porém, alguns animais
vêm, constantemente, causando danos à saúde humana, dos quais, estão as
serpentes venenosas que representam um problema sério de saúde pública nos
países tropicais. Tendo em vista o aumento do número de casos e o impacto
causado na saúde e no ambiente, tornou-se necessário quantificar os géneros das
serpentes que mais causam acidentes ofídicos na população estudada, com o
intuito de focar os atendimentos de emergência específicos para o tipo de
serpente.
Para comprovação estatística da sazonalidade dos acidentes por serpentes,
realizou-se um gráfico demonstrando a função de autocorrelação entre os meses
de maior incidência de ofidismo. De acordo com o gráfico_3, cada linha é um
indicativo de um mês menos o mês anterior (lag). O que foi mostrado no gráfico
é que no sexto lag (junho) existe uma queda dos casos e no décimo segundo lag
(janeiro) existe um aumento no número de casos, o que comprova a sazonalidade
da série.
Para o Ministério da Saúde existem quatro tipos de géneros de serpentes de
maior importância e interesse na área da saúde que são: botrópico, crotálico,
laquético e elapídico. Entretanto, na população estudada não houve casos
envolvendo os dois últimos géneros. Serpentes do género Crotalus estiveram
envolvidas em quatro incidentes.
Os acidentes causados por serpentes não venenosas são relativamente frequentes,
porém não determinam acidentes graves na maioria dos casos e, por isso, são
considerados de menor importância em saúde. Todavia algumas serpentes que são
consideradas como não venenosas podem provocar lesões no local da picadura, com
consequências graves (Fonseca et al., 2009).
A evolução clínica dos casos de ofidismo tem relação direta com a eficiência e
eficácia da terapêutica adotada durante o atendimento nas primeiras horas. É
imprescindível, portanto, a padronização atualizada de condutas de diagnóstico
e tratamento dos acidentados, embora as equipas de saúde, com frequência
considerável, não recebam informações desta natureza durante os cursos de
graduação ou no decorrer da atividade profissional.
Na lógica de que os cuidados de enfermagem em emergência devem ser
sistematizados e que o tempo é fundamental para uma boa recuperação da vítima
de acidente ofídico, Coelho, Figueiredo e Carvalho (1999) afirmam que o
atendimento em emergência, as condutas e os procedimentos vêm tomando contornos
próprios e diferenciados pelas intervenções e procedimentos específicos, e que
no tocante à enfermagem, existem critérios fundamentais para o cuidar em
emergência, que dizem respeito a três questões importantes: rapidez nas ações;
raciocínio e coerência de ideias, além de um modo especial de cuidar. Portanto,
o enfermeiro deve possuir formação técnico científica para proporcionar um
atendimento imediato adequado, considerando as possíveis reações do veneno e a
sua terapêutica com soro antiofídico.
O tratamento do ofidismo está diretamente relacionado com o tipo de serpente
envolvida. Caso a vítima leve o animal à emergência para que seja feito o
reconhecimento, inicia-se o tratamento específico. Entretanto, na maioria dos
casos os tratamentos são instituídos através do reconhecimento das lesões e da
sintomatologia apresentada pelo paciente. Para isso torna-se relevante o
reconhecimento das atividades dos venenos, principalmente os de maior
importância para a saúde pública, para que se possam instituir os cuidados
adequados.
As serpentes do género Bothrops correspondem ao acidente ofídico de maior
importância epidemiológica no país, sendo responsável por cerca de 90% dos
envenenamentos. As serpentes pertencentes a este género têm grande capacidade
adaptativa, ocupam e colonizam áreas silvestres, agrícolas e periurbanas, sendo
a espécie mais comum da região Sudeste (Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria
de Vigilância em Saúde, 2010).
Dos 220 casos, registrados no CCIn, 156 foram causados pelo género Bothrops o
que nos faz refletir e direcionar as ações a um atendimento imediato, mantendo
atenção quanto às possíveis reações da ação do veneno e a terapia antiveneno.
Entretanto, 48 não identificaram o tipo de serpente que causou o seu acidente.
Fato justificado por Lima et al. (2009) quando afirma que a não identificação é
fruto do desconhecimento da população, da equipa de saúde e também dos agentes
comunitários de saúde sobre a importância das características na identificação
dos tipos de serpentes.
Bochner e Struchiner (2004) descrevem um estudo retrospetivo no Estado do Rio
de Janeiro destacando que, de 1990 a 1996, dos casos notificados apenas 50% das
ocorrências declararam o género ou a espécie da serpente, e destes 98,5% eram
do género Bothrops, 0,6% do Crotalus, 0,4% do Lachesis e 0,4% do Micrurus. Das
serpentes do género Bothrops, 27,3% não declararam a espécie, 66,0% eram da
espécie Bothrops jararaca, 6,5% da Bothrops jararacuçu e 0,2% da Bothrops
alternatus.
Embora não haja casos descritos de óbitos no período estudado os acidentes
ofídicos podem evoluir para quadros graves relacionados às complicações locais,
principalmente quando envolve serpentes do género Bothrops ou quando há demora
no atendimento. O quadro_3 descreve os venenos ofídicos que podem ser
classificados de acordo com as suas atividades fisiopatológicas, cujos efeitos
são observados em nível local (região da picada) e sistémico.
Na tabela_1 os municípios de maior incidência de acidentes ofídicos no estado
do Rio de Janeiro são: Niteroi, São Gonçalo e Maricá. Isto leva a pensar na
possibilidade de subnotificações de casos ocorridos em outros municípios, tendo
em vista que o CCIn situa-se no município de Niterói. Este Centro de Referência
presta atendimento direto aos clientes da região metropolitana do Estado nos
casos atendidos na emergência do hospital onde se situa, bem como acompanha
casos ocorridos em outras regiões do Estado, por telefone, dependendo desta
forma, de notificação dos casos atendidos em outras unidades. Os municípios que
não tiveram pelo menos um caso por ano foram contabilizados em outros.
Para Bochner e Struchiner (2004), as notificações dos casos de acidentes
ofídicos, que ocorreram nos municípios que mantêm fronteiras com os Estados de
São Paulo, Minas Gerais e Espírito Santo devem ser investigadas nestes Estados,
pois acredita-se que o atendimento destes casos possa estar a ser realizado
fora do Estado do Rio de Janeiro, gerando subnotificação. Outra questão a ser
considerada consiste na análise do relevo e tipo de solo destas regiões
fronteiriças. A colonização de novos territórios, onde a destruição da Mata
Atlântica é acelerada desde a metade do século XIX, tem favorecido a formação
de áreas abertas, e essas novas condições ambientais têm levado essas cobras a
encontrarem terrenos propícios para proliferar. Este fenómeno tem vindo a
ocorrer na região do Vale do Rio Paraíba do Sul, no Estado do Rio de Janeiro.
Conclusão
Ao descrever as características epidemiológicas dos acidentes ofídicos no
estado do Rio de Janeiro fica evidente a importância do conhecimento da
epidemiologia regional, cuja finalidade é possibilitar uma avaliação correta
dos dados, questão indispensável para formulação de estratégias preventivas e
assistenciais adequadas para reduzir os números de danos e complicações. As
informações apresentadas demonstram a predominância dos indivíduos do sexo
masculino, sinalizando um problema de saúde pública, um agravamento da saúde do
homem, uma vez que este se considera invulnerável aos acidentes ofídicos,
deixando de adotar cuidados preventivos.
Vale ressaltar o caráter premente do conhecimento destes acidentes, a
redefinição dos conceitos e a implementação do atendimento de enfermagem a
estes clientes nas unidades emergenciais. Baseia-se a referida prestação de
serviços na complexidade dos casos, nas características dos atendimentos, no
perfil epidemiológico, na fisiopatologia e nos riscos e danos à saúde. Coelho
(2009) destaca que os cuidados de enfermagem prestados diariamente demonstram
um entrelaçamento da Ciência do Cuidado com a Ciência do Quotidiano transmitida
de várias maneiras, de forma direta e indireta, visível e invisível.
Procurar maneiras de cuidar em enfermagem é fundamental para a abordagem nas
diversas situações de emergência e está relacionado à gravidade do paciente.
Para identificá-las, é necessário que sejam feitas a análise e a classificação
de riscos. Segundo Coelho (2009) cabe a nós enfermeiros, determinarmos a
tipologia do cuidado de enfermagem a ser prestado, a fim de estabelecer uma
maneira de cuidar.
Nas situações de ofidismo, o cuidar de alerta, descrito por Coelho (2006),
torna-se imprescindível para assistir aos clientes, pois faz com que o
profissional da saúde permaneça atento aos aspetos imprevisíveis. Cuidado este,
que se inicia desde a colheita dos dados para o histórico de enfermagem até a
(re)organização de todo o ambiente. Trata-se de uma espera permanente pelo que
poderá vir a acontecer. Neste sentido, uma vez que se conhece o perfil dos
acidentes ofídicos da região, o cuidado pode ser facilmente organizado e
administrado nas emergências. Outro cuidado descrito pela autora é o Cuidar
Contingencial, que se constrói em momentos de situações súbitas ou episódicas.
Nele o prognóstico em enfermagem é reservado, já que o desequilíbrio bio-psico-
socio-espiritual do cliente pode agravar-se.
Estes conhecimentos atuam como facilitadores para que o enfermeiro implemente a
Sistematização da Assistência de Enfermagem prescrevendo cuidados de maneira
individualizada e, assim obter maior êxito no atendimento, juntamente com as
medidas terapêuticas necessárias.
As questões e os resultados apontados neste estudo direcionam o profissional de
enfermagem para uma atenção mais eficaz sobre o cuidar/cuidados prestados à
vítima de acidente ofídico, comportamento fundamental à assistência livre de
riscos e sequelas. Conclui-se, portanto, que para uma boa recuperação da vítima
de ofidismo, é primordial que o enfermeiro possua conhecimentos específicos
nesta temática, proporcionando assim um atendimento imediato adequado, com
atenção redobrada às possíveis reações que podem ser desencadeadas pela ação do
veneno ou mesmo pela terapia antiveneno.