A autonomia e a responsabilização dos praticantes no treino em Voleibol: Estudo
comparativo de treinadores em função do género
INTRODUÇÃO
Durante largos anos, e até aproximadamente à década de 80, no ensino em geral e
na educação física, em particular, privilegiaram-se abordagens instrucionais
centradas no professor, as quais se configuram no recurso prioritário a métodos
directivos e formais, baseados num ensino explícito e prescritivo(38). Tal
prevalência teve eco no contexto do treino desportivo, sendo que o treinador
autoritário foi o mais popular por longo tempo, assente na convicção de que o
fundamental era prescrever aos praticantes as tarefas a realizar, não havendo
espaço para a problematização dos problemas correntes da prática(31). Liukkonen
et al.(29) num estudo aplicado no contexto de treino de jovens, verificaram que
os praticantes não participavam na maioria das decisões e, raramente,
realizavam actividades que exigissem iniciativa pessoal, para além de serem
parcas as actividades desenvolvidas no treino promotoras da autonomia, da
responsabilização e da cooperação entre pares. De facto, neste tipo de
abordagem, cabe ao treinador a responsabilidade de identificar os problemas do
jogo e formular as respectivas soluções (50), podendo resultar daqui
praticantes com pobre capacidade decisional, dependentes do treinador nas
soluções que adoptam. Contrariamente, nas abordagens instrucionais emergentes
na actualidade, filiadas nas ideias construtivistas, o praticante é colocado no
centro do processo de ensino/aprendizagem(22), e a ênfase é colocada na
necessidade de conceder espaço de problematização ao praticante e de favorecer
a emergência de autonomia decisional(50). Nesta perspectiva, o treinador passa
a ser visto como um facilitador do processo de aprendizagem, que recorre a
estratégias instrucionais, como o questionamento e a responsabilização dos
praticantes no cumprimento das tarefas, para fomentar no praticante a
emergência do comportamento prospectivo em detrimento do meramente reactivo.
Neste particular, oferece especial relevância o recurso ao questionamento para
encorajar o praticante a explorar diferentes soluções e a desenvolver a
consciência táctica e a compreensão do jogo, possibilitando, paralelamente, o
desenvolvimento de um relacionamento afectivo positivo entre o treinador e os
praticantes(9, 50). Todavia, não importa apenas questionar, mas sobretudo
tornar efectiva esta estratégia instrucional, particularmente naquilo que diz
respeito às interacções reportadas aos conteúdos substantivos de aprendizagem.
Como refere Mesquita(33), estando o questionamento específico directamente
relacionado com os conteúdos substantivos de aprendizagem, a sua aplicação pelo
treinador permite orientar os praticantes para a percepção calibrada de
variáveis especificadoras disponíveis no envolvimento situacional.
Considerando que, na ausência de sistemas de accountability1, a prática motora
pode resvalar para algo desprovido de significado, onde as tarefas praticadas
se desviam substancialmente dos propósitos pedagógicos que as sustentam, a
optimização do recurso a estratégias instrucionais promotoras da autonomia
decisional passa inequivocamente pela implementação de sistemas de
accountability que valorizem a auto-responsabilização dos praticantes pelo seu
desempenho nas tarefas aprendizagem.
Em conformidade com esta assunção a implementação de sistemas de accountability
é crucial, porquanto aumenta o envolvimento e o compromisso dos praticantes,
potenciando cumprimento dos propósitos que norteiam as tarefas de aprendizagem
e treino(30), para além de garantir a criação de condições vantajosas para o
incremento da autonomia dos praticantes.
Mesquita(35) releva a necessidade de os sistemas de accountability serem
simultaneamente precisos e exigentes, em relação aos propósitos e conteúdos de
aprendizagem, e flexíveis, no sentido de orientarem os praticantes mais por
princípios do que por procedimentos, mais pela criatividade do que pelo
conformismo.
De facto, a necessidade de responsabilizar os praticantes para melhorar a sua
participação ou performance e progressivamente lhes conceder maior espaço de
autonomia e compromisso tem vindo a constituir-se uma temática central na
agenda da investigação(4, 14, 26, 27, 30). Diferentes estudos(8, 14, 24)
demonstram que, quando os praticantes se sentem responsabilizados pelo
cumprimento de determinada tarefa, o compromisso aumenta, o que,
consequentemente, promove a ocorrência de condições vantajosas para o atingir
de níveis superiores de performance(5). Contrariamente, a ausência de
responsabilização dos praticantes poderá conduzir a um processo de negociação
ou mesmo de modificação das tarefas, podendo resultar daí a desvirtuação dos
propósitos e conteúdos de ensino e a emergência de práticas que em nada se
revêem nos propósitos preconizados pelo treinador(2, 17, 20,27. Baseado neste
enquadramento conceptual, considera-se pertinente identificar, no âmbito do
presente estudo, as abordagens instrucionais prevalecentes no contexto do
treino de jovens em Voleibol, no que concerne, especificamente, à
responsabilização e autonomia conferida aos praticantes durante a prática.
Acresce a este propósito a necessidade de perceber se o género dos treinadores
interfere com as decisões instrucionais adoptadas, porquanto a literatura dá
conta da prevalência de estilos de intervenção pedagógicos distintos em função
do género dos treinadores, mostrando que as treinadoras são mais afectivas(28),
para além de recorrerem a estilos menos directivos(47), o que poderá interferir
na responsabilização e espaço de autonomia concedido aos praticantes.
As dissimilitudes evidentes em função do género podem encontrar justificação em
factores que se revêem nas idiossincrasias próprias à sua construção social,
não devendo ser ignoradas na medida em que da sua compreensão e estudo podem
resultar práticas mais qualificadas. Ainda mais numa área como o treino
desportivo, onde tradicionalmente as mulheres têm menos oportunidade que os
homens, tendência que se tem vindo a agravar recentemente. De facto, apesar de
no séculos XIX e XX se ter assistido a uma ascensão da posição social da
mulher, o que resultou num crescendo de participações e oportunidades
desportivas, o número de treinadoras tem vindo a diminuir nos últimos anos(16,
19,48). A esta situação não é alheio o facto de padrões sociais e culturais
continuarem a ser a grande justificação para a grande discrepância entre o
número de treinadores e treinadoras no activo(1, 48), decorrendo esta evidência
da persistência de ideias preconceituosas e discriminatórias quanto ao facto de
as mulheres serem treinadoras (16). Aliás, como advogam Coakley(10) e Cooper et
al.(12), as míticas razões sociais e culturais e os estereótipos sobre a
“natural” diferença entre homem e mulher, relativamente ao desporto, servem de
fundamentação para se assumir que os homens são melhores treinadores do que as
mulheres. Esta assunção traduz-se empiricamente na constatação da preferência
das próprias mulheres, enquanto praticantes, por treinadores do género
masculino(56). Estes resultados elucidam bem o estatuto de menoridade e
subalternidade atribuído ao papel de treinadora desportiva, mesmo se os seus
atributos provenientes da construção social associados ao género possam ser uma
mais-valia na intervenção do treino desportivo, com particular destaque no
contexto infanto-juvenil.
Deste modo, torna-se relevante estudar se as abordagens instrucionais adoptadas
pelas treinadoras no treino de jovens em Voleibol se diferenciam claramente dos
seus pares masculinos, nomeadamente no respeitante às estratégias instrucionais
qualificadoras da intervenção pedagógica, como sejam a responsabilização dos
praticantes e a autonomia concedida aos praticantes no decurso das tarefas de
aprendizagem.
MATERIAL E MÉTODOS
Participantes
No presente estudo participaram quinze (n=15) treinadores de Voleibol
pertencentes à Associação de Voleibol do Porto, Portugal, sendo sete (n=7) do
género feminino e oito do género masculino (n=8). No momento da aplicação do
estudo, estes treinadores treinavam equipas dos escalões de iniciados (n=9) e
juniores (n=6), maioritariamente femininos (80%). Os participantes do estudo
são jovens treinadores em fase inicial de carreira desportiva, apresentando uma
média de idades de 26,0 anos para os treinadores e de 26,4 para as treinadoras,
e uma média de anos de experiência de treino de 5,5 anos para os treinadores e
de 6,4 para as treinadoras. Deste modo, garantiu-se elevada homogeneidade entre
os participantes em variáveis que importava não serem discricionárias, como
sejam a experiência e a idade dos treinadores e o género dos praticantes. Todos
os treinadores concordaram em fazer parte do estudo, tendo sido observado um
total de 15 sessões de treino, uma por treinador.
Variáveis e instrumento de observação
O estudo apresenta como variáveis dependentes o sistema de accountability
adoptado pelos treinadores e a autonomia concedida aos praticantes na resolução
das tarefas no decorrer da sessão de treino; e como variável independente, o
género dos treinadores.
No sentido de viabilizar o estudo foram aplicados dois instrumentos, um sistema
de observação sistemática do comportamento do treinador no treino e uma
entrevista destinado à recolha de informação sobre a representação dos
treinadores nas temáticas em estudo.
Na medida em que nenhum dos instrumentos de observação sistemática disponíveis
na literatura abrangia na totalidade os problemas e os objectivos do presente
estudo, procedeu-se à construção e validação de um instrumento. A construção do
instrumento, alicerçou-se em referências teóricas e metodológicas descritas na
literatura(25, 38, 44). Seguidamente procedeu-se a uma validação de conteúdo,
no sentido de averiguar se as dimensões e categorias que o instrumento comporta
abrangiam a totalidade dos problemas em estudo, bem como confirmar se as
categorias consideradas obedeciam aos pressupostos de exaustividade e
exclusividade. Para o efeito, procedeu-se a uma validação por peritagem, com a
participação de três peritos, doutorados e especialistas da área da Pedagogia
do Desporto, sendo que um deles possui vasta experiência no domínio do treino
em Voleibol.
Na Tabela 1, é apresentado o sistema de observação nas suas dimensões de
análise e respectivas categorias.
Tabela 1. Instrumento de observação relativo ao sistema de accountability e
autonomia conferida aos praticantes pelos treinadores em sessões de treino em
Voleibol
Para a análise das representações dos treinadores acerca da responsabilização
dos praticantes nas tarefas de aprendizagem e do espaço de problematização
concedido no decurso dos treinos, a entrevista aplicada foi de natureza semi-
estruturada de resposta aberta. Este tipo de entrevista, o mais utilizado na
investigação em ciências sociais(53), permite focar as questões nos objectivos
e problemas de pesquisa do estudo através de um guião predefinido, aplicado de
modo flexível. Evita-se deste modo a divagação do respondente e a diversão para
um grande número de questões, o que tornaria mais difícil a comparação das
respostas entre os entrevistados.
Referenciais teóricos disponíveis na literatura da especialidade(22, 25, 38,
44, 50) serviram de base para a construção do formulário da entrevista, cuja
aplicação ocorreu após a satisfação dos seguintes pressupostos metodológicos:
a) o guião de questões previamente elaborado foi submetido a apreciação e
aprovado por um painel de especialistas, formado por três professores
universitários que lidam habitualmente com este instrumento de investigação; b)
procedeu-se à realização de um estudo piloto com dois treinadores não incluídos
na amostra, de forma a averiguar acerca da inteligibilidade, precisão e
pertinência das questões da entrevista.
Procedimento de Recolha de Dados
Foi realizado um contacto anterior com os treinadores, no sentido de confirmar
a sua disponibilidade para participar no estudo e para a explicação do
objectivo do mesmo, destacando o seu carácter “não avaliativo”. O anonimato e a
confidencialidade foram garantidos bem como a não utilização indevida ou
abusiva das entrevistas e dos treinos observados.
Os treinos observados foram estrategicamente seleccionados na parte central do
microciclo, ou seja, excluiu-se deliberadamente os treinos que antecediam e
sucediam imediatamente à competição do fim-de-semana, sendo que todas as
equipas se encontravam em igual período competitivo da época desportiva. Com
este critério pretendeu-se homogeneizar as características do treino observado
(43) em referência à sua localização no microciclo semanal. Do treino
observado, foi retirada a parte inicial (aquecimento) e final (relaxamento),
tendo sido alvo de análise a parte fundamental do treino, porquanto é nesta
parte do treino que são abordados, por excelência, os conteúdos substantivos de
aprendizagem(49), sendo relevante no presente estudo especificar os sistemas de
accountability adoptados bem como a autonomia concedida aos praticantes em
tarefas que remetem para os objectivos prioritários da sessão de treino.
Os treinos foram filmados nos seus ambientes naturais, através de um sistema de
câmara de vídeo (Samsung digtal-cam VP-D903iPAL) e de microfone sem fios de
longo alcance (Fonestar MSH-135), com receptor conectado à entrada áudio da
câmara vídeo e colocado na lapela do treinador para registo das intervenções
orais. A câmara de filmar estava colocada, estrategicamente, sobre um tripé na
parte do pavilhão que permitia obter o melhor ângulo de filmagem.
A anteceder a sessão de treino observada, foi realizada a entrevista, que
decorreu num local calmo, escolhido pelo treinador, onde se acautelou a
possível interferência de terceiros. As entrevistas foram áudio-gravadas na
íntegra e tiveram uma duração que variou entre os trinta e os quarenta minutos.
Procedimentos de Análise dos dados
Para a análise das decisões instrucionais emergentes nas sessões de treino,
recorreu-se à estatística descritiva, destacando as medidas de tendência
central e de dispersão, tais como a média e o desvio-padrão, valor mínimo e
máximo, frequência e percentagem de ocorrências. Para a comparação de dados
aplicou-se o teste da estatística não paramétrica, U de Mann-Whitney,
apropriado para amostras de dimensões reduzidas. Adicionalmente calculou-se o
Effect-size(ES), que indica a magnitude do efeito da acção, sendo que Cohen(11)
e Winer et al.(57) referem que valores até 0,2 representam pequena diferença;
até 0,5 diferenças moderadas; e superiores a 0,8, larga diferença. Para efeitos
da interpretação e análise dos resultados, assumiu-se o valor de 0,05 para o
nível de confiança.
As entrevistas relativas ao estudo das representações dos treinadores foram
transcritas e a cada treinador foi atribuída uma sigla, sendo que, de T1-T7
representam as treinadoras e de T8-T15, os treinadores. Os textos transcritos
foram preparados, formatados e introduzidos no programa de análise de dados
qualitativos QSR Nvivo, versão 7.0, uma ferramenta adequada para proceder à
análise do conteúdo(55).
Segundo Bardin(6), a análise de conteúdo possui dois tipos de funções. Uma
heurística, na qual existe uma tentativa exploratória de descoberta do
material, e uma função de comprovação, através da qual se confirmam ou não as
hipóteses formuladas. No âmbito deste estudo, está implícito um certo
apriorismo, porquanto várias categorias de análise são extraídas do quadro
teórico de referência. Porém, e uma vez que as respostas obtidas nas
entrevistas são susceptíveis de fornecer material relevante para o estudo não
enquadrável nas categorias definidas a priori, não deixa de estar presente uma
função heurística. Este tipo de procedimento, que combina duas formas
analíticas, é cada vez mais frequente, dado que, com a combinação dos
processos, é possível chegar a um quadro de categorias simultaneamente sensível
aos requisitos teóricos e às particularidades do material analisado(3).
Deste modo, dada a inexistência de um quadro conceptual preciso referenciado à
temática em estudo, o sistema categorial assentou da conjugação dos
referenciais teóricos emergentes na literatura com a análise do conteúdo das
respostas dos entrevistados, e que comporta as categorias e respectivas
subcategorias constantes na Tabela 2.
Tabela 2. Sistema categorial relativo ao sistema de accountability e abordagens
instrucionais prevalecentes no treino em Voleibol
No processo de codificação, foi aplicado o critério lógico-semântico,
utilizando-se como unidade de registo a frase com sentido completo
classificável numa das categorias da grelha de codificação. A unidade de
contexto revela-se essencial para que se possa compreender a significação
exacta de uma unidade de registo, utilizando-se o parágrafo que engloba a frase
(6, 53). No que diz respeito às regras de enumeração, recorremos apenas à regra
da presença ou ausência e à regra da frequência. Para a categorização da
informação por unidade de registo.
A triangulação dos dados foi realizada no sentido de relacionar os dados
emergentes da entrevista com os dados provenientes das decisões instrucionais
observadas nas práticas de treino.
Fiabilidade
Com o objectivo de testar a objectividade dos nossos resultados, efectuamos a
análise intra-observador e inter-observadores para as categorias consideradas,
com base no cálculo de percentagem de acordo e desacordos registados, segundo a
fórmula de Bellack(54). Foi observada uma sessão de treino de 3 treinadores,
perfazendo um parcial de 815 intervenções (18.87%) e 27 tarefas (22.69%),
ultrapassando consideravelmente os 10% do mínimo exigível do total da amostra
(51). Da análise dos resultados da fiabilidade, constatamos percentagens de
acordos que variam entre os 95 e os 100% (intra-observador e inter-
observadores). No sentido de excluir a possibilidade de existirem acordos
devidos ao acaso foi aplicado o índice Kappa de Cohen o qual apresentou valores
situados entre 0.95 e 1 e entre 0.93 e 1 na fiabilidade intra-observador e
inter-observadores, respectivamente.
No que se refere aos procedimentos relacionados com a fiabilidade de
codificação dos dados da entrevista foram utilizados os mesmos procedimentos
atrás descritos. Os resultados obtidos na determinação da fiabilidade relativos
à classificação de categorias situam-se entre valores que variam de 96% a 100%
(intra-codificador e inter-codificadores), confirmados pela aplicação do índice
Kappa de Cohen, onde os valores se situaram entre 0.97 e 1 e 0.96 e 1 na
fiabilidade intra-observador e inter-observador, respectivamente.
APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS
Análise descritiva
Sistema de accountability
Na Tabela 3 são apresentados os resultados relativos ao sistema de
accountability adoptado pelos treinadores no decorrer das sessões de treino.
Tabela 3. Resultados gerais do sistema de accountability utilizado pelos
treinadores.
Como se pode constatar, na maior parte das tarefas de aprendizagem (63,9%), os
treinadores não indicaram o agente de controlo e regulação das tarefas. Todavia
é convicção de 86.7% dos treinadores, patente nas entrevistas, que a aplicação
de sistemas de accountability é crucial e que a indicação do agente de controlo
e regulação das tarefas é determinante para a estabilização e qualificação do
envolvimento e desempenho.
Ainda na Tabela 3, é possível verificar que os indicadores de regulação de
tarefas privilegiados pelos treinadores nas sessões de treino assentaram no
tempo (57.1%), seguido dos critérios de êxito orientados para a eficiência
(20.2%). Com menor expressão surgiram os critérios de êxito orientados na
adaptação (14.3%) e, por fim, a eficácia (8.4%). Numa análise das
representações dos treinadores neste domínio, verificou-se que a sua grande
maioria advoga o uso sistemático de indicadores de regulação da tarefa (73.3%),
onde se denota a enfatização nos critérios de êxito orientados para a eficácia
e para a eficiência (66.7% e 60%, respectivamente).
Relativamente ao tipo de exigência apontado pelos treinadores para manterem os
praticantes empenhados ou para induzi-los a empenharem-se mais nas tarefas, a
categoria desempenho surgiu em mais de metade das tarefas de aprendizagem
(51.3%), seguida da participação/esforço (29.4%) e, por fim, da categoria sem
exigência (19.3%). Estes resultados encontram eco, em grande medida, nas
posições perfilhadas pelos treinadores, já que 60% referem colocar exigências
durante a prática para o cumprimento das tarefas de aprendizagem, tanto no que
concerne ao desempenho (53.3%), como à participação/esforço (46.7%).
Na reacção dos treinadores perante o cumprimento ou não das tarefas, decorrente
da observação sistemática, destaca-se claramente aindiferença (79.8%), sendo
que a punição e o elogio/encorajamento apresentam valores substancialmente
baixos (7.6% e 12.6% respectivamente). Estes resultados convergem com a posição
perfilhada pelos treinadores na entrevista, já que apenas 33.3% dos treinadores
referiram atender ao cumprimento ou não das tarefas de aprendizagem, onde
curiosamente é mais salientada a punição (26.7%) do que o encorajamento
(20.0%).
Autonomia conferida aos praticantes
A Tabela 4 apresenta os resultados relativos à autonomia conferida pelo
treinador aos praticantes no desenvolvimento das tarefas de aprendizagem.
Tabela 4. Resultados gerais da autonomia concedida aos praticantes.
No que concerne à autonomia conferida aos praticantes no controlo e regulação
das tarefas, verifica-se que os treinadores assumem maioritariamente esta
tarefa, aproximadamente três vezes mais do que os praticantes (75.6% e 24.4%
respectivamente).
Pela leitura da Tabela 4, é claramente evidenciado que aausência de
questionamento marca o comportamento dos treinadores durante a realização das
tarefas (99.6%). Destaca-se ainda que o recurso a questões directamente
relacionadas com os conteúdos substantivos de aprendizagem foi aproximado ao do
questionamento geral (2.8% e 2.2%, respectivamente). Paradoxalmente, a análise
das representações dos treinadores deixa perceber que grande parte dos
treinadores (80.0%) considera que a sua intervenção no treino é realizada com
recurso a estratégias menos directivas, especialmente com recurso ao
questionamento. Todavia, sublinham a importância de estratégias mais directivas
(73.3%), principalmente pelo recurso ao feedback prescritivo como estratégia
instrucional crucial para orientar os praticantes para os objectivos das
tarefas.
Análise comparativa em função do género os treinadores
Sistema de accountability
A Tabela 5 apresenta os resultados das características dos sistemas de
accountability aplicados nos treinos em função do género dos treinadores.
Tabela 5. Resultados do sistema de accountability adoptado em função do género
dos treinadores.
Como se pode verificar apenas na reacção do treinador pelo (in)cumprimento das
tarefas os treinadores não se distinguiram significativamente em função do
género. Relativamente ao agente de controlo e de regulação das tarefas é
patente que as treinadoras durante a prática indicaram significativamente mais
a quem caberia exercer esta função (Mann-Whitney U= 6.000; p=0.007, ES=.63),
enquanto os treinadores omitiram mais essa informação (Mann-Whitney U= 8.500;
p=0.022, ES=.60). Pelos resultados obtidos na entrevista, a utilização de
sistemas de accountability durante a prática das tarefas de aprendizagem, com
incidência do agente de controlo e de regulação das tarefas, foi sugerida por
ambos os grupos, embora com algum ascendente das treinadoras (100%) em relação
aos treinadores (75%).
No que concerne aosindicadores de regulação da tarefa, constatamos que as
treinadoras no decorrer do treino indicaram significativamente mais critérios
de êxito orientados para a eficiência (Mann-Whitney U= 6.000; p=0.005, ES=.51),
corroborando em certa medida o entendimento perfilhado na entrevista já que o
recurso a critérios de êxito orientados para a eficiência foi mais apontado
pelas treinadoras do que pelos treinadores (57.1% e 37.5%), como os excertos de
T3 e T4 pretendem ilustrar.
(…) por exemplo, no serviço, quero que lancem a bola alta de forma a cair à
frente do pé contrário” (T3, parágrafo 13).
Incido mais no trabalho técnico, especificamente no trabalho de posição base,
na posição dos pés, do pé mais avançado, da abertura dos apoios… (T4, parágrafo
17).
Quanto à utilização de tarefas reguladas por critérios de êxito orientados para
a eficácia, verificamos uma maior quantidade de referências nos treinadores do
que nas treinadoras (75.0% e 42.9%, respectivamente), aquando da entrevista,
tendência confirmada na observação sistemática do treino, embora sem
significado estatístico (Mann-Whitney U= 16.500; p=0.140). Os excertos do T9 e
do T10 evidenciam a operacionalização de alguns critérios de êxito centrados na
eficácia.
…nós costumamos fazer muito um exercício aqui no treino em que eles têm 5
possibilidades de side-out e têm que fazer 3 pontos de 1ª bola” (T9, parágrafo
15).
…têm que fazer auto passe e ataque para o bloco individual, em que só muda de
atleta quando fizerem 5 blocos, é esse o critério de êxito (T10, parágrafo 21).
Pela observação sistemática, verifica-se ainda que o tipo de exigênciacentrado
na participação/esforço é mais utilizado pelos treinadores (Mann-Whitney U=
8.500; p=0.022, ES=.58), o que vai ao encontro das representações evidenciadas
por este grupo na entrevista, já que advogam o recurso à participação/esforço
em mais larga escala (62.5%) do que as treinadoras (28.6%). O seguinte excerto
do T11 comprova este entendimento.
…sempre que possível tento dar muitos feedbacks, muito reforço positivo, para
que se sintam motivados. Às vezes acho que até é demais… (T11, parágrafo 19).
Por sua vez, as treinadoras mostraram recorrer mais no treino a exigências
centradas no desempenho, sendo esta diferença próxima do significado
estatístico (Mann-Whitney U=13.00; p=0.078). A importância do recurso ao
desempenho, enquanto exigência prioritária a realçar nas tarefas, é relevada
por ambos os grupos nas entrevistas (50.0% para os treinadores e 42.9% para as
treinadoras). O excerto que se segue do T12 evidencia este aspecto.
Vou tentar responsabilizar as atletas. Por exemplo se o 1º toque não sai a
colega não pode atacar. A atleta só sai da zona de ataque se pontuar ou se ela
própria errar e não pelo erro da colega. Se errar logo na recepção ela não vai
rodar…por isso vou responsabilizar a recebedora para que a atacante possa
atacar(T12, parágrafo 20).
Relativamente à reacção pelo cumprimento ou não da tarefa apesar de não se
verificar diferenças significativas no decorrer do treino em função do género,
e embora esta decisão instrucional não seja destacada na entrevista, os
treinadores advogam recorrer mais à punição que as treinadoras (37.5% e 14,3%,
respectivamente). Os excertos da T4 e da T1 denotam a relevância do castigo
físico como meio de punição.
Se não conseguirem elas vão ter uma punição para que se preocupem com aquilo,
que se preocupem que tem que sair direitinho porque senão não saem dali (T4,
parágrafo 17).
Se for um de recepção por cada falha têm um castigo físico, se for um exercício
de pontuação, quando falham ou retiro ponto ou têm um castigo físico (T1,
parágrafo 23).
O recurso ao elogio/encorajamento também é evidenciado pelos treinadores na
entrevista, com alguma supremacia (25.0%) em relação às treinadoras (14.3%),
embora não seja destacado em larga escala por nenhum dos grupos. Um excerto do
T14 invoca o recurso ao elogio/encorajamento perante praticantes com pouca
autonomia.
Este é um grupo que depende muito do feedback, têm muito pouca autonomia e por
isso depende do feedback constante, da correcção constante, parece que estão à
espera do feedback, seja positivo ou negativo (T14, parágrafo 20).
Autonomia conferida aos praticantes
A Tabela 6 apresenta os resultados relativos à autonomia conferida aos
praticantes na prática das tarefas de aprendizagem em função do género dos
treinadores.
Tabela 6. Resultados da autonomia concedida aos praticantes em função do género
dos treinadores
Considerando os agentes de controlo e da regulação da tarefa, verifica-se que,
quando o treinador é o agente de controlo e de regulação da tarefa, os grupos
não se distinguem (Mann-Whitney U= 13.500; p=0.091). Todavia, quando o agente
de controlo e de regulação da tarefa é o praticante, verifica-se que as
treinadoras concedem mais aos praticantes a responsabilidade de desempenhar
esta função (Mann-Whitney U= 10.500; p=0.0028, ES=.50).
No que concerne ao recurso do questionamento geral, esta estratégia
instrucional não se diferenciou em função do género dos treinadores (Mann-
Whitney U=19.500; p=0.275). Pela análise das representações, é claro em ambos
os géneros o recurso a estratégias instrucionais mais e menos directivas (85.7%
e 67.9%, respectivamente), consoante o momento didáctico a que se referenciam.
Daí emerge a ideia da importância da prescrição nos momentos iniciais antes da
realização da tarefa e do questionamento para fornecer pistas que conduzam os
praticantes para a interpretação dos cenários situacionais. Os excertos da T7 e
do T13 são elucidativos nesta matéria.
Acho que tanto a prescrição como o questionamento são importantes, porque há
alturas e há atletas que precisam mais de umas do que outras. Inicialmente uso
mais a prescrição, mas se começar a perceber que já não é por falta de saberem
o que se está a passar mas antes por esquecimento ou por habituação ao erro,
passo para o questionamento (T7, parágrafo 22).
Normalmente pergunto para ter a ideia se elas sabem porque erraram, porque elas
já estão na fase de pensar (T13, parágrafo 18).
Todavia, verifica-se uma certa prevalência, no discurso das treinadoras, da
valorização de estratégias mais directivas, comparativamente aos seus pares
masculinos (85.7% e 62.5% respectivamente), fundamentalmente através do recurso
à informação prescritiva. Interessante é o facto de reconhecerem o recurso em
excesso à prescrição em detrimento do questionamento, salientando a necessidade
de alterar este comportamento (exemplo do excerto da T1).
Ultimamente tenho optado mais pelo questionamento... tenho tentado mudar,
porque eu sei que é um erro meu, mas continuo com muita tendência para reagir,
corrigir, mais do que questionar, acho mesmo que é um erro meu, tenho noção
disso (T1, parágrafo 25).
A utilização do questionamento específico revelou-se diferenciadora em função
do género dos treinadores, sendo que as treinadoras recorreram mais a este tipo
de estratégia do que os treinadores (Mann-Whitney U= 16.000; p=0.047, ES=.95).
Esta estratégia promotora da autonomia funcional dos praticantes é valorizada
de sobremaneira por ambos os grupos, na entrevista, com alguma supremacia dos
treinadores (87.5%) relativamente às treinadoras (71.4%). Os excertos do T15 e
do T21 são ilustrativos das preocupações dos treinadores neste domínio.
Eu tento sempre antes de cada exercício falar com eles, corrigi-los
antecipadamente, o que eles têm de fazer, mas sinto-me sempre obrigado, durante
o exercício a perguntar se ele acha que está assim, como é que tem que estar
(T15, parágrafo 21).
Eu utilizo muito o questionamento. Pergunto-lhe o porquê para que elas também
percebam e não façam as coisas porque o treinador mandou, mas porque sabem que
aquilo realmente faz sentido. Utilizo muito o questionamento (T2, parágrafo
17).
DISCUSSÃO
Sistema de accountability adoptado pelos treinadores em geral
Apesar de os treinadores, de uma forma geral, considerarem importante
responsabilizarem os praticantes pelo controlo da actividade e pela regulação
da qualidade da prática, o sistema de accountability adoptado revelou
fragilidades em diferentes domínios.
O facto de os treinadores não referirem, na maioria das vezes, o agente de
controlo e regulação das tarefas de treino oferece condições para que as
tarefas praticadas se possam desviar substancialmente do prescrito.
Do mesmo modo, apesar de os treinadores valorizarem o recurso a indicadores
qualitativos da performance centrados na eficiência e na eficácia, evidencia-se
a prevalência no treino de indicadores de regulação da tarefa centrados no
tempo, o que mostra alguma precariedade no sistema de controlo e regulação da
actividade dos praticantes. De facto, este indicador apenas controla a
quantidade da actividade motora dos praticantes, não significando que a
qualidade de prática seja suficiente para que se verifique melhoria na
performance e que esteja assegurado o alinhamento entre a tarefa praticada e os
objectivos prescritos(32, 46). A necessidade de controlar a qualidade da
actividade motora dos praticantes, particularmente nas tarefas que remetem para
a prática dos conteúdos substantivos de aprendizagem, é realçada pela
investigação(21, 46). Particularmente nos jogos desportivos, onde a
coexistência de múltiplas soluções para os problemas correntes confere à
qualidade de prática importância acrescida(40), o recurso a indicadores de
regulação das tarefas centrados nas diferentes dimensões do desempenho
(eficiência, eficácia e adaptação) é determinante na orientação dos praticantes
para a consecução dos objectivos delineados para as tarefas de aprendizagem
(45). O Voleibol, por exigir a sustentação da bola no espaço aéreo como
prerrogativa de sucesso, evidencia que tomar o tempo de prática como indicador
de regulação e controlo da tarefa é deveras insuficiente, sendo determinante o
recurso a aspectos qualitativos da performance, no sentido de garantir a
qualidade de prática nas tarefas de aprendizagem(34).
Relativamente ao tipo de exigência colocado aos praticantes na prática de
tarefas de aprendizagem, é de realçar o facto de os treinadores frequentemente
incidirem no desempenho em detrimento da participação/esforço, corroborando a
importância salientada nas entrevistas da explicitação destes critérios, para
que sejam efectivos o desenvolvimento na tarefa e a prossecução dos objectivos.
A focalização da exigência no desempenho exige elevado conhecimento substantivo
sobre os conteúdos de ensino, como foi confirmado por Hastie e Vlaisavljevic
(25), ao compararem professores com domínios diferenciados de expertise na
matéria de ensino. Por seu turno, Pereira et al.(41), num estudo com jovens
treinadores de Voleibol com reduzida experiência de treino, verificaram a
prevalência de exigências centradas na participação/esforço relativamente ao
desempenho.
Um outro aspecto a realçar é o facto de a generalidade dos treinadores do
presente estudo não adoptar qualquer medida de contingência em resposta ao
envolvimento ou desempenho dos praticantes nas tarefas de aprendizagem. Tinning
e Siedentop(52) reforçam a necessidade de os sistemas de
accountabilitycomportarem aplicações de consequência, porquanto constituem
elementos reguladores e estabilizadores da actividade dos praticantes. Destaca-
se ainda, no presente estudo, que na presença de reacção de consequência pelo
cumprimento ou não das tarefas, a punição foi mais utilizada do que o elogio
(encorajamento), aspecto corroborado pelos treinadores na entrevista. Tal
remete para um estilo de intervenção que atribui ao o erro um sentido
pejorativo e se admite o recurso à actividade física como meio de punição, em
claro contraste com o evidenciado em estudos recentes com treinadores experts
de Futebol, quer em equipas de jovens(15), quer em equipas seniores(42, 43),
onde o elogio/encorajamento apresentou valores francamente superiores aos da
punição. O uso do exercício físico como forma de punição pelo incumprimento das
tarefas em última análise associa o exercício físico a algo que pretende ser
sentido como desagradável (punição) em vez de o valorizar como conteúdo e meio
de aprendizagem, que permite o desenvolvimento dos praticantes(39).
Autonomia conferida aos praticantes pelos treinadores em geral
No presente estudo, evidencia-se que, de uma forma geral, os treinadores não
conferiram autonomia aos praticantes na consecução das tarefas, sendo evidente
esta constatação em diferentes aspectos. Nomeadamente, no que se refere ao
agente de controlo e de regulação da tarefa, esta função foi maioritariamente
desempenhada pelos treinadores, o que sugere que os treinadores em estudo
afastam-se claramente do recurso a abordagens instrucionais que colocam os
praticantes no centro dos processos de aprendizagem e que incentivam atitudes
pró-activas e deliberadas, no sentido de os responsabilizar pela própria
aprendizagem(18, 23, 36).
No presente estudo, embora os treinadores apontem para a necessidade de
recorrer ao questionamento, porquanto promove liberdade processual na
interpretação das situações de aprendizagem e na compreensão do erro(13), o uso
que deles fizeram no treino foi deveras reduzido, e quando existiu não se
remeteu aos conteúdos substantivos de aprendizagem. Diferentes estudos
aplicados no contexto do treino desportivo, tanto ao nível do desporto juvenil
(15, 37), como em equipas seniores de nível profissional(7, 42, 43) evidenciam
um recurso precário ao questionamento no decorrer das sessões de treino,
denotando a prevalência de estilos directivos no contexto do treino.
Abordagens instrucionais prevalecentes em função do género dos treinadores
No presente estudo, o género dos treinadores revelou-se diferenciador, não só
nos sistemas de accountability adoptados, como na autonomia concedida aos
praticantes no decorrer da prática.
Ao nível do sistema de accountability, apenas na categoria reacção de
consequência pelo in(cumprimento) das tarefas os treinadores não se
distinguiram das treinadoras, sendo relevante o facto de, nas restantes
categorias, as treinadoras adoptarem sistemas de accountability mais precisos e
exigentes do que os treinadores. Tal é evidente na indicação do agente de
controlo e da regulação da tarefa; na prescrição de indicadores orientados para
a eficiência; e na exigência de desempenho em detrimento da participação/
esforço, corroborando em traços gerais a valorização conferida pelas
treinadoras nas entrevistas ao recurso a estratégias instrucionais promotoras
da responsabilização do praticante no cumprimento das tarefas. Estes resultados
sugerem uma maior preocupação por parte das treinadoras em especificar mais a
informação e serem mais exigentes ao nível do desempenho, em oposição aos
treinadores, que reforçam mais os aspectos volitivos, ao colocarem a ênfase na
participação/esforço, e ao especificarem menos os indicadores de controlo e de
regulação da tarefa. Diferentes estudos(5, 8, 14, 24) realçam que, quando são
sujeitos a sistemas deaccountability, os praticantes tendem a agir de acordo
com os critérios estabelecidos, o que reforça a importância da sua qualidade em
referência aos propósitos das tarefas de aprendizagem.
As diferenças encontradas nos sistemas de accountability implementados
justificaram, em grande medida, distintas decisões instrucionais ao nível da
autonomia concedida aos praticantes. O facto de as treinadoras atribuírem maior
responsabilização aos praticantes no controlo e regulação das tarefas pode, em
parte, dever-se ao recurso a sistemas de accountability mais precisos e
exigentes. A indicação do controlo e da regulação das tarefas por parte das
treinadoras, a enfatização de indicadores de eficiência e a colocação de
exigências centradas no desempenho garantem, logo à partida, um maior
comprometimento dos praticantes com os objectivos a perseguir, criando-se
condições para que eles próprios possam controlar e regular a prática, ou seja,
serem os principais agentes reguladores e estabilizadores da aprendizagem.
Outro aspecto digno de destaque prende-se com o recurso mais frequente, por
parte das treinadoras, ao questionamento específico. De novo, estamos em crer
que o maior controlo dos procedimentos de realização da tarefa, veiculados por
indicadores de eficiência, e a incidência no desempenho permitiram às
treinadoras recorrer mais ao questionamento específico, isto é, centrado nos
conteúdos de aprendizagem, porquanto os praticantes já possuíam informação
substantiva prévia que lhes permitia orientarem-se para a prossecução de
objectivos específicos em referência aos conteúdos de aprendizagem. Estes
resultados evidenciam, ainda, que as treinadoras recorreram mais vezes a
estratégias menos directivas do que os treinadores, o que vai ao encontro do
verificado no estudo realizado por Rosener(47). Todavia, há que realçar que
esta estratégia instrucional foi pouco utilizada por ambos os grupos, apesar de
expressarem, mais enfaticamente as treinadoras, a necessidade de a utilizar
mais no processo de ensino-aprendizagem em referência aos conteúdos
substantivos de aprendizagem. A este propósito, vários autores(18, 37) destacam
a importância do uso do questionamento, quando se foca em aspectos centrais dos
conteúdos de aprendizagem, nomeadamente ao nível da apreciação e compreensão
dos cenários de prática; como por exemplo, no caso particular dos jogos
desportivos, o questionamento focado sobre aspectos decisionais. A vantagem
pedagógica de tal questionamento deriva do facto de ser a partir da informação
implícita, veiculada nas questões, que os praticantes canalizam a atenção para
a percepção calibrada de variáveis especificadoras disponíveis nos
envolvimentos de aprendizagem(9, 33).
CONCLUSÕES
Os resultados do presente estudo apontam para um processo de ensino centrado no
treinador, ao que não foi alheio o facto de os praticantes serem pouco
responsabilizados na consecução das tarefas o que, consequentemente, criou
situações desfavoráveis para a adopção de estratégias instrucionais promotoras
da autonomia dos praticantes.
Os treinadores, de uma forma geral, adoptaram como exigência prioritária nas
tarefas propostas, a qualidade de desempenho, embora esta seja fundamentalmente
regulada pelo tempo de realização e sem indicação do agente de controlo e
regulação. Para além disso, não assumem frequentemente qualquer comportamento
de consequência pelo cumprimento ou não das tarefas de aprendizagem por parte
dos praticantes. Relativamente à autonomia concedida aos praticantes durante a
prática, esta foi praticamente inexistente, porquanto competiu ao treinador
grande parte do papel de controlo e regulação das tarefas. A este nível,
releva-se o parco recurso ao questionamento pelos treinadores, quando este se
afigura na actualidade como estratégia instrucional crucial, na promoção da
autonomia dos praticantes no decorrer da prática.
Tendo presente que os participantes deste estudo eram jovens treinadores com
pouca experiência profissional, o facto de ter sido nota dominante a adopção de
estilos de intervenção directivos pode dever-se, em grande medida, aos
conteúdos curriculares e estratégias de ensino e aprendizagem valorizadas na
sua formação inicial, enquanto treinadores. Se tomarmos por referência os
resultados provenientes da investigação empírica realizada em contextos reais
de prática no desporto juvenil, revelar-se-á particularmente importante
actualizar modelos e estratégias de formação de treinadores que possam
concorrer para a qualificação das práticas de treino.
Saliente-se, todavia, que a abordagem instrucional das treinadoras foi mais
responsabilizante, na medida em que estas recorreram com maior frequência a
sistemas de accountability orientados para a qualidade do desempenho; apontaram
mais critérios reguladores do desempenho, centrados na eficiência; e indicaram
mais o agente de controlo e regulação da tarefa. A adopção de sistemas de
accountability mais precisos e exigentes pelas treinadoras repercutiu-se na
adopção de um estilo de intervenção mais centrado no praticante, patente na
maior autonomia concedida ao nível do controlo e de regulação tarefas de
aprendizagem e no recurso mais frequente ao questionamento específico.
A diferenciação de estilos de intervenção pedagógicos em função do género
exige, contudo, confirmação em futuros estudos, porquanto o número de
participantes envolvidos no presente estudo é deveras reduzido, no sentido de
legitimar a sua generalização.