Conhecimento de resultados auto-controlado: efeitos na aprendizagem de
diferentes programas motores generalizados
INTRODUÇÃO
Uma variável considerada das mais importantes para a aprendizagem de
habilidades motoras é o feedback extrínseco. O feedback extrínseco, também
conhecido como conhecimento de resultados (CR), é uma informação fornecida por
uma fonte externa ao aprendiz, que pode informar sobre o resultado do movimento
em relação ao seu objetivo ambiental, assim como sobre as características do
padrão de movimento que acabou de realizar. O CR possui funções importantes na
aprendizagem de habilidades motoras, como a motivacional
(23, 27)
, a de orientar o aprendiz em direção à resposta apropriada
(1)
, assim como a relacional que possibilita estabelecer relações entre os
comandos motores e a resposta que levam ao fortalecimento de esquemas para a
produção de novos movimentos
(26)
.
Por algum o tempo entendeu-se que quanto mais freqüente, mais preciso e mais
imediato fosse o fornecimento de CR, maiores seriam os seus efeitos sobre a
aprendizagem de habilidades motoras
(1, 4, 5, 26)
. No entanto, esse entendimento foi contrariado por estudos(28, com CR sumário;
42, com feedback médio; 20 e 31, com faixa de amplitude de feedback; entre
outros) que utilizaram testes de aprendizagem (fase de retenção e/ou fase de
transferência) ao invés de analisarem somente o período de prática (fase de
aquisição). Tais estudos demonstraram que certas variações de CR, que podem
atuar de forma a prejudicar o desempenho durante a fase de aquisição,
manifestam um efeito benéfico em testes de retenção e transferência.
Uma dessas possíveis variações é a frequência de conhecimento de resultados.
Estudos utilizando testes de retenção e ou transferência, em que os efeitos
temporários da fase de aquisição já desapareceram, têm encontrado que
frequências menores de CR são melhores para aprendizagem
(3, 6, 7, 8, 17, 32, 33, 36, 39)
.
Entre as inúmeras variações da frequência de CR, uma delas tem sido
reconhecida, mais recentemente, como importante para a aprendizagem de
habilidades motoras: o CR auto-controlado. Na aprendizagem com CR auto-
controlado, o próprio sujeito é quem toma decisões relacionadas tanto à
quantidade quanto ao momento de solicitação das informações de feedback,
atuando mais ativamente e de acordo com as suas necessidades no decorrer das
tentativas de prática
(9,10)
.
Estudos recentes realizados com adultos
(9, 10, 19, 18)
, idosos
(2, 11)
e crianças
(12)
, têm demonstrado que frequências auto-controladas de CR levam a superior
aprendizagem quando comparadas a frequências similares, mas externamente
controladas.
Paralelamente às pesquisas sobre feedback observa-se, na área de comportamento
motor, uma ênfase à idéia de que a aprendizagem motora envolve a aquisição de
um programa motor generalizado (PMG) para uma classe de movimentos(27). Um PMG
é considerado uma representação na memória para uma classe de movimentos e
considera-se que certos movimentos são pertencentes a uma mesma classe e
governados por um mesmo PMG quando aspectos como timing relativo e força
relativa mantêm-se invariantes. Por outro lado, tempo total e força total são
considerados parâmetros, ou seja, aspectos variantes que são adicionados ao
PMG.
Alguns estudos procuraram verificar o efeito da frequência de CR na
aprendizagem de um PMG específico. Wulf e Schmidt(39) e Wulf, Lee e Schmidt
(41)
procuraram verificar se uma frequência relativa reduzida de CR, que tem
provado melhorar o desempenho em testes de transferência na aprendizagem de
movimentos simples, também possuía os mesmos efeitos na aquisição de classes de
movimentos representadas pelo PMG, utilizando três versões de uma mesma tarefa.
Como resultado, em ambos os estudos os autores encontraram que os grupos que
praticaram com frequências reduzidas de CR obtiveram melhores resultados em
testes de aprendizagem que os grupos que praticaram com 100% de CR. Esses
resultados corroboram aqueles obtidos em estudos anteriores sobre os efeitos da
frequência reduzida de CR sobre a aprendizagem de movimentos simples.
Os efeitos da frequência reduzida de CR também foram observados na aprendizagem
de movimentos governados por diferentes programas motores generalizados (PMGs),
utilizando arranjos de prática aleatória(8). Da mesma forma, vários estudos têm
observado uma maior eficiência da prática aleatória em relação à prática por
blocos para a aprendizagem de movimentos envolvendo diferentes programas
motores generalizados, demonstrando um efeito chamado de interferência
contextual. O termo interferência contextual é definido, segundo Magill e Hall
(24)
, como o grau de interferência funcional encontrado em uma situação de prática
onde várias tarefas (ou PMGs) devem ser aprendidas e praticadas em conjunto.
Grande parte dos estudos sobre os efeitos da interferência contextual em
aprendizagem motora tem demonstrado vantagem da prática aleatória em relação à
prática com pouca variabilidade quer nas tarefas realizadas em contexto
laboratorial
(13, 14, 15, 25, 29, 30, 34, 38)
, quer em tarefas mais próximas à situação real
(16, 37)
.
Especificamente em relação à frequência de CR, Chiviacowsky e Tani(8)
verificaram que a frequência reduzida do conhecimento de resultados pode ser
benéfica à aprendizagem de diferentes programas motores generalizados, em um
trabalho que relacionou as variáveis frequências de CR e interferência
contextual.
Entretanto nenhum estudo procurou ainda verificar os efeitos da frequência
auto-controlada de CR em contextos de prática aleatória. Tendo em vista a
importância dessa variável de aprendizagem motora e a ausência de estudos sobre
o tema, o objectivo deste estudo foi o de verificar os efeitos da frequência
auto-controlada de CR na aprendizagem de diferentes programas motores
generalizados, utilizando-se de um arranjo de prática aleatória.
MÉTODO
Amostra
A amostra foi constituída de 30 sujeitos, estudantes universitários, com idades
variando entre 19 e 24 anos (média = 20,6), equiparados em relação ao sexo,
distribuídos em dois grupos de 15 sujeitos de acordo com os diferentes tipos de
fornecimento de CR. Todos os sujeitos participaram como voluntários, assinaram
um termo de consentimento livre e esclarecido, tendo ainda o estudo sido
aprovado pelo Comité de Ética em Pesquisa da Escola Superior de Educação Física
da Universidade Federal de Pelotas, com o protocolo número 010/2008. Os
sujeitos não possuíam conhecimento sobre o objectivo específico do experimento
ou experiência anterior com a tarefa e não sofriam de incapacidades físicas ou
mentais.
Tarefa e equipamento
Foram utilizadas três tarefas sequenciais de pressionar teclas do teclado
numérico do computador. Para as duas fases do experimento - aquisição e
retenção - a sequência espacial das teclas foi a mesma para as três tarefas:
teclas 2, 4, 8 e 6, enquanto as estruturas de timing relativo e timing absoluto
foram diferentes (sequência 1: timing relativo de 25%, 50% e 25%, e timing
absoluto de 200, 400, 200; sequência 2: timing relativo de 50%, 25% e 25%, e
timing absoluto de 400, 200, 200; sequência 3: timing relativo de 25%, 25% e
50%, e timing absoluto de 200, 200, 400), apresentando, contudo, uma mesma
duração total (800 ms). Foi utilizado um "software" para controle das tarefas
do estudo. Para analisar o desempenho dos sujeitos foram gravados os resultados
dos tempos parciais e totais, em milissegundos, de cada tentativa. O programa
realizou o controle dos tempos pré-CR e de apresentação da informação de CR.
Foi utilizado um modelo para a apresentação gráfica das variações da tarefa,
composto das teclas que foram pressionadas na ordem específica, dos intervalos
de tempo entre as mesmas e do tempo total, informações essas que ficaram
expostas aos sujeitos durante todo o experimento.
Delineamento Experimental
No delineamento experimental os sujeitos foram distribuídos em 2 grupos: 15
sujeitos para o grupo que recebeu frequência de CR auto-controlada (grupo AC) e
15 sujeitos para o grupo que recebeu frequência de CR externamente controlada,
ou seja, pelo experimentador (grupo EC). Ambos os grupos receberam o mesmo
arranjo de prática randômica, com igual número de tentativas para cada tarefa
(36), totalizando 108 tentativas de prática. O grupo EC recebeu frequências de
CR equiparadas, sujeito a sujeito, com o grupo AC, de forma que o número de CRs
solicitados assim como o espaçamento entre as solicitações fossem os mesmos do
grupo AC. A fase de retenção foi realizada 24 horas após a fase de aquisição e
constou de 18 tentativas, seis de cada tarefa, apresentadas de forma aleatória,
sem fornecimento de CR. Durante a prática, os sujeitos deveriam sentar-se de
frente para uma mesa, em frente ao teclado numérico do computador e ao monitor.
Foi solicitado que ficassem com o braço direito no ar, ou seja, sem apoiar o
antebraço ou a mão, ou parte desta, na mesa durante a execução das tentativas.
Entre as tentativas eles podiam descansar o braço de forma conveniente. Certa
liberdade no posicionamento do teclado foi consentida, a fim de manter um maior
conforto e ajuste individual.
Cada participante recebeu instruções verbais e escritas sobre cada tarefa. Para
os sujeitos que receberam o regime de frequência auto-controlada, foi informado
que deveriam controlar a sua frequência de CR, ou seja, que não receberiam
informações de CR a não ser quando solicitassem. Também receberam a instrução
para só solicitarem o CR quando achassem que realmente precisariam do mesmo. Já
os sujeitos do grupo com frequência externamente controlada receberam a
informação de que às vezes receberiam a informação de CR e às vezes não, mas
que todas as tentativas eram importantes e seriam utilizadas para posterior
análise.
RESULTADOS
Na análise dos resultados, as curvas de desempenho foram traçadas em função dos
blocos de tentativas, tendo como variável dependente a média dos erros parciais
obtidos em cada bloco. Os dados utilizados para análise foram a diferença
absoluta entre o tempo de movimento global esperado e o tempo de movimento
global real (timing absoluto) e a soma das diferenças absolutas entre as
proporções temporais esperadas e as proporções temporais reais (timing
relativo) para cada segmento. Foram realizadas Análises de Variância (ANOVA)
para verificar as eventuais diferenças entre blocos e grupos para a fase de
aquisição e entre grupos para a fase de retenção, separadamente para cada fase.
Os dados foram analisados mediante o programa estatístico SPSS.
Fase de Aquisição
Percentual de tentativas com CR dentro dos blocos. Observou-se que o percentual
de solicitação de CR para o grupo AC foi, em média, de 20,9 %.
Precisão do desempenho. Para timing absoluto, pode ser observado (Figura 1,
blocos A1 a A6) que o grupo EC melhorou de forma constante o seu desempenho
durante toda a fase de aquisição, com piora do quarto para o quinto e sexto
blocos. No grupo AC houve melhora do primeiro até o quinto bloco e piora deste
para o sexto. De forma geral, ambos os grupos melhoraram seu desempenho se
comparados o primeiro e o último bloco. Por meio da ANOVA Two-Way, com medidas
repetidas no factor bloco, foram encontradas diferenças significativas entre os
blocos, F(5;140) = 5,09, p < 0,01, mas não entre os grupos F(1;28) = 2,09, p=
0,15, e na interacção entre blocos e grupos F(5;140) = 0,87, p= 0,50.
Figura_1. Médias dos grupos, em timing absoluto, nas fases de aquisição e
retenção.
Com relação à medida de timing relativo, pode ser observado (Figura 2, blocos
A1 a A6) que os dois grupos melhoraram seu desempenho, se comparados o primeiro
e o último bloco. Mais especificamente, observa-se que o grupo AC melhorou de
forma constante o seu desempenho durante toda a fase de aquisição, enquanto o
grupo EC demonstrou melhora do primeiro para o segundo bloco, uma pequena piora
do segundo para o terceiro, voltando a melhorar nos blocos seguintes. Mediante
a ANOVA Two-Way, com medidas repetidas no factor bloco, foram encontradas
diferenças significativas entre os blocos, F(5;140) = 15,36, p < 0,01, mas não
entre os grupos F(1;28) = 0,53, p= 0,47, e na interacção entre blocos e grupos
F(5;140) = 0,25, p= 0,93.
Figura 2. Médias dos grupos, em timing relativo, nas fases de aquisição e
retenção.
Fase de Retenção
Para a fase de retenção, pode-se constatar, por meio da ANOVA One-Way, a
inexistência de diferenças significativas entre os grupos, tanto na medida de
timing absoluto (Figura_1, bloco R), F(1;29)= 1,29, p=0,26, quanto na medida de
timing relativo (Figura 2, bloco R), F(1;29)= 0,41, p=0,52.
DISCUSSÃO E CONCLUSÕES
O objectivo do presente estudo foi o de investigar os efeitos da frequência
auto-controlada de CR na aprendizagem de movimentos pertencentes a diferentes
programas motores generalizados, em um arranjo de prática randômica. Embora
estudos tenham demonstrado que a variável CR, quando manipulada de forma auto-
controlada, tem sido significativamente mais efectiva na aprendizagem de
algumas habilidades motoras em adultos, crianças e idosos, quando comparada à
frequências externamente controladas, isto não foi comprovado na presente
pesquisa.
Os resultados obtidos demonstram que houve aprendizagem em ambos os grupos,
corroborando resultados de estudos anteriores que utilizaram frequências
reduzidas de conhecimento de resultados para a aprendizagem de diferentes
programas motores generalizados, por meio da prática aleatória.
Entretanto, os resultados obtidos na fase de retenção não demonstraram
diferenças significativas entre os grupos em nenhuma das medidas avaliadas,
diferindo de resultados de estudos prévios com frequência auto-controlada de CR
(2, 9, 11, 12, 18, 19), que utilizaram a aprendizagem de apenas uma tarefa ou
um PMG.
Alguns pesquisadores têm tentado explicar os resultados positivos alcançados
pelos grupos que recebem um arranjo de prática com auto-controle, encontrados
em estudos que utilizaram a aprendizagem de apenas uma tarefa motora, como
consequência do engajamento mais efectivo em actividades de processamento de
informações que pode, segundo Wulf e Toole
(40)
, beneficiar a aprendizagem em comparação aos grupos que praticam sem controle
dessa variável. Os sujeitos do grupo auto-controle podem testar estratégias
enquanto os outros podem ser desencorajados a fazer isto pela utilização
randômica da variável em questão.
Chiviacowsky e Wulf(9, 10) mediante resultados de questionários e análises de
tentativas com e sem CR, demonstraram que os aprendizes que praticam com
regimes auto-controlados não solicitam CR de forma aleatória, ao contrário,
utilizam uma estratégia, que geralmente consiste em utilizar o CR após
tentativas eficientes de prática, provavelmente para confirmar que o seu
desempenho foi (mais ou menos) no alvo. Arranjos de prática auto-controlados
estão, dessa forma, mais de acordo com as necessidades ou preferências dos
aprendizes do que arranjos externamente controlados, o que pode explicar os
benefícios desse tipo de prática observados na aprendizagem.
De forma geral, pode-se ressaltar que o maior efeito da frequência auto-
controlada de CR na aprendizagem de habilidades motoras, seja provavelmente a
individualização do processo de recebimento das informações relacionadas ao
movimento executado, já que elas são auto-gerenciadas de acordo com as
necessidades do aprendiz. Dessa forma, por meio da frequência auto-controlada
de CR, o aprendiz torna-se mais responsável pelo seu processo de
aprendizagem, mais capaz de testar estratégias, realizando constantes operações
de estimativa de erros, tornando-se mais sensível aos seus próprios erros e
tendo, dessa forma, a sua aprendizagem beneficiada.
Observa-se, entretanto, que tais argumentos não corroboram os resultados aqui
encontrados, já que no presente estudo nenhuma diferença significativa foi
encontrada. Deve-se ressaltar que o processo de aprendizagem ocorrido no
presente estudo pode ser considerado diferente dos ocorridos em estudos
anteriores(2, 9, 11, 12, 18, 19), visto que envolveu a aprendizagem de mais de
uma tarefa ao mesmo tempo, pertencentes a diferentes PMGs, em um contexto de
prática aleatória.
A aprendizagem de diferentes PMGs, mediante prática aleatória, tem se mostrado
mais efectiva que a prática em blocos porque, segundo Lee e Magill
(21, 22)
, proporciona a constante reconstrução dos planos de acção. O plano de acção
consiste em um PMG apropriado e em parâmetros que devem ser adicionados a ele.
Assim, a reconstrução do plano de acção inclui os processos de construção do
PMG assim como dos parâmetros necessários. Portanto, sob uma condição de alta
interferência contextual, como no caso do arranjo de prática aleatória, o
aprendiz é levado a um processamento mais esforçado do que num arranjo de
prática por blocos. Tal processamento mais esforçado é considerado um aspecto
importante para a retenção da tarefa e a adaptação da mesma a diferentes
contextos.
Vários processos distintos podem estar ocorrendo durante as tentativas de
prática em um contexto de prática aleatória com fornecimento de feedback
extrínseco. Antes de realizar cada tentativa, os aprendizes devem elaborar o
plano de acção da tarefa específica, sempre diferente da anterior. Logo após a
tentativa de prática, eles devem processar o feedback intrínseco e,
posteriormente, o feedback extrínseco, relacionando as informações nele
contidas com as anteriores. No contexto de CR auto-controlado, as demandas de
tomada de decisão são provavelmente ainda maiores, pois o aprendiz tem que
decidir, a cada tentativa, se quer ou não receber CR. A alta carga de
processamento utilizada nos processos decorrentes da prática aleatória pode
dificultar a testagem de estratégias relacionadas à melhora do desempenho, as
quais normalmente são utilizadas pelos sujeitos ao praticar com arranjos auto-
controlados de fornecimento de CR durante a aprendizagem de apenas uma tarefa
motora, diminuindo os benefícios desse tipo de arranjo nessa situação. Mesmo
que as estratégias tenham sido testadas pelos sujeitos do grupo auto-
controlado, estes podem ter tido dificuldades em lembrá-las e aplicá-las
novamente na tentativa seguinte com a tarefa específica, já que diferentes
tarefas são constantemente alternadas.
Os resultados permitem concluir que os arranjos de prática com frequência auto-
controlada podem ser tão benéficas quanto frequências externamente controladas
na aprendizagem de diferentes PMGs. A forma em que as variáveis frequência de
CR auto-controlado e tipo de prática interagem e os processos básicos que as
controlam ainda não estão completamente esclarecidos, o que levanta a
necessidade de outros estudos para que resultados mais conclusivos possam ser
alcançados.