Um resumo do estado da arte acerca da Síndrome Metabólica. Conceito,
operacionalização, estratégias de análise estatística e sua associação a níveis
distintos de actividade física
1.INTRODUÇÃO
Os tempos modernos estão intimamente associados a mudanças drásticas no estilo
de vida, comportamentos e hábitos nutricionais das populações à escala mundial.
Estas alterações, designadas de transições epidemiológicas, têm um forte
impacto na saúde pública, nomeadamente no que diz respeito ao aumento do risco
cardiovascular
(63)
. É do conhecimento geral que as doenças cardiovasculares representam um dos
mais graves problemas de saúde pública com consequências sérias para o doente,
para a família e para a economia dos povos.
Segundo a OMS (2007)
(58)
, as doenças cardiovasculares posicionam-se como a causa número um de
mortalidade global e estima-se que em 2015 cerca de 20 milhões de pessoas
sofram mortalmente destas doenças. Em Portugal os números são igualmente
preocupantes. Segundo a ACSS (Administração Central do Sistema de Saúde, em
Portugal)
(1)
, em 2006 o número de internamentos por enfarte agudo do miocárdio enfarte foi
de 11943 dos quais 11,4% resultaram em óbito. Se se alargar a pesquisa para
todas as patologias cardiovasculares (além do enfarte) verifica-se que de todos
os óbitos registados em 2006, cerca 36% foram de causa cardiovascular
(28)
. Se estes valores são preocupantes na perspectiva da saúde pública e da taxa
de mortalidade, não se deve esquecer nunca o impacto económico que estas
patologias implicam (para o doente, a família e o estado). Por exemplo, foi
estimado que os recursos económicos gastos com as doenças cardiovasculares em
2003 em diferentes países europeus ascenderam a cerca de 169 biliões de euros
em procedimentos de emergência, internamentos, recursos humanos, medicamentos e
outros relacionados com estas doenças
(33)
.
A tarefa de prevenir e combater as doenças cardiovasculares e diminuir os seus
factores de risco, tem vindo a ser dificultada pelo facto de alguns desses
factores se manifestarem de forma agrupada, isto é, em clusters. Isto acontece
em alguns distúrbios de várias origens, especialmente nos metabólicos como é o
caso da Síndrome Metabólica (SM)
(45)
. Esta síndrome tem impactos significativos a vários níveis, já que é notória a
relação entre a SM e as doenças cardiovasculares implicadas com a morte precoce
(15, 21, 30)
. Além disso, a sua prevalência afecta diferentes estratos etários, sendo
elevada tanto em adultos(36, 43), quanto em crianças e adolescentes
(10, 20, 40, 49, 53)
.
Estes números reforçam a necessidade de tomar medidas urgentes direccionadas à
prevenção e tratamento destas doenças assim como a redução dos seus factores de
risco. Face ao quadro traçado e dada a relevância emergente da SM, o objectivo
do presente estudo passa por apresentar a definição, actualização e
clarificação de aspectos fundamentais da síndrome metabólica de que destacamos:
- Revelar o trajecto histórico da definição desta síndrome, desde a sua
primeira sinalização até aos dias de hoje.
- Identificar os critérios de classificação mais actuais da SM e os problemas
decorrentes da diversidade de critérios.
- Apresentar os principais procedimentos de análise estatística da SM.
- Descrever a associação de níveis distintos da actividade física com o valor
contínuo de SM
2. A NOÇÃO DE SÍNDROME (METABÓLICA)
A síndrome metabólica, o seu conceito, operacionalização, relevância enquanto
entidade clínica e impacto na saúde das populações, são assuntos de forte
debate
(62)
. Contudo, antes de abordarmos os aspectos fundamentais da sua definição
operacional e formas de análise estatística dos resultados de diferentes
pesquisas, é importante relembrar o sentido etimológico da expressão “síndrome
metabólica”. O significado do termo síndrome é ele próprio fonte de
controvérsia, sugerindo diversos questionamentos sobre seu significado
clínico.
Síndrome é uma palavra de origem grega que assume várias formas geradas de
pequenas alterações da própria palavra inicial – syndromé – que queria designar
conjunto
(47)
. De acordo com este autor, o termo terá sido usado pela primeira vez na Grécia
no século XVI, e terá assumido o significado de um conjunto de sintomas sem
relação obrigatória com determinada doença.
Em inglês, a palavra “syndrome” terá entrado para o vocabulário médico em
meados de 1541, após uma tradução das obras de Galeno. A grafia terá sido
mantida com acentuação na antepenúltima sílaba tal como na língua castelhana e
italiana. Já na língua Portuguesa, surgiram cinco variações desta mesma
palavra, “síndrome”, “sindroma”, “síndromo”, “sindromo” e “síndroma”, todas
elas com o mesmo significado. Actualmente, ficou estabelecido que a forma
“síndrome” (pela aproximação à origem grega syndromé) ou mesmo “síndroma”,
acentuadas na antepenúltima sílaba, e de género feminino, são as formas
correctas e aceites em linguagem médica Portuguesa
(22)
.
No que concerne ao seu significado clínico, a SM é um cluster de factores de
risco de variáveis somáticas, fisiológicas e bioquímicas, associados à
processos mórbidos, como diabetes tipo II e doenças cardiovasculares, que
juntos formam o quadro clínico dessa síndrome(21).
3. ASPECTOS HISTÓRICOS
Foi nos anos 20 que se começou a atribuir maior importância à associação de
alguns factores de risco cardiovascular com a resistência à insulina. No
entanto, teríamos que esperar até 1988 para entender com maior clareza a
entidade hoje conhecida por síndrome metabólica (SM). Foi Gerald Reaven
(44)
que nas Banting Lectures reclamou atenção para o facto de alguns factores de
risco cardiovasculares, nomeadamente resistência à insulina, obesidade
abdominal, baixos valores de lipoproteínas de alta intensidade (C-HDL),
triglicerídeos e hipertensão arterial, aparecerem com frequência de forma
agrupada em alguns indivíduos. Esta condição foi denominada por síndrome de
resistência à insulina, pois todos os indivíduos que possuíam este estranho
“cluster” de diferentes factores de risco, tinham baixa sensibilidade à
insulina. Esta síndrome tem sido fértil em derivações: Síndrome X, síndrome X
de Reaven, Síndrome plurimetabólica, quarteto mortal, síndrome X metabólica,
síndrome X plus, hipertrigliceridemia abdominal
(17, 31, 42)
.
É consensual que a síndrome está associada ao aumento de risco cardiovascular a
longo prazo, diabetes tipo II, patologia hepática (não alcoólica), que varia de
esteatose macrovesicular simples, esteatoepatite, fibrose avançada e cirrose,
patologia renal, glomerulopatia, e alguns tipos de cancro(15, 22, 28). Esses
factores de risco são maioritariamente de origem metabólica. No entanto,
existem outros factores associados que potenciam o aumento e a severidade dos
indicadores metabólicos de que destacamos a inactividade física, a obesidade, a
idade, e ainda os hábitos nutricionais inadequados
(23)
.
A etiologia da SM não é ainda totalmente conhecida, bem como todos os
mecanismos de sua fisiopatologia(45). Contudo, é consensual que resulta da
interacção entre factores metabólicos, genéticos e ambientais
(6, 7, 12, 17, 24, 34, 37, 38, 39, 46, 51, 52)
. Exactamente por este motivo, não existe ainda uma definição universal a que
se associem indicadores e valores de corte únicos.
Muitos autores avançaram com definições que foram sendo completadas/corrigidas
ao longo dos anos. Várias organizações académicas e profissionais, e grupos de
estudo apresentaram as suas posições oficiais acerca da SM de que destacamos a
OMS (1998)
(2)
, a EGIR (1999)
(8)
, a NCEP-ATP III (2001)
(19)
, a AACE/ACE (2003)
(4)
e mais recentemente a IDF (2005)
(3)
.
A OMS (1998) foi a primeira organização a avançar com uma definição oficial da
síndrome metabólica, e a reunir um conjunto de critérios de diagnóstico muito
específicos. O pressuposto principal centra-se no facto da resistência à
insulina ou a presença de um qualquer distúrbio do metabolismo da glicose ser
um dos maiores contribuintes para a SM. Assim, a resistência à insulina foi
considerada pela OMS (1998) como o factor principal para o diagnóstico. Além
disso, seriam necessários a coexistência de, pelo menos, mais dois factores de
risco (ver Tabela 1) para que o diagnóstico fosse feito. Esses factores de
risco têm valores de corte muito específicos, que em 1999 foram sujeitos a
alguns ajustes nomeadamente no que diz respeito aos valores da pressão arterial
(56)
. Todos os restantes aspectos foram mantidos. Incluíram ainda um outro
parâmetro como componente de diagnóstico – a micro albuminúria – que gerou
imediatamente controvérsia por parte de várias outras organizações.
Tabela_1. Indicadores e critérios para a definição da SM (adultos).
Em 1999 a EGIR – The European Group for the Study of Insulin Resistence(8)
propôs uma versão modificada da anterior que poderia ser usada em indivíduos
não diabéticos. Defendiam a denominação de Síndrome de Resistência à Insulina
em vez de SM pois, tal como a OMS, também assumiam que a resistência à insulina
fosse a causa mais relevante para o diagnóstico. Tal como a OMS, além da
resistência à insulina, deveria ser integrado no diagnóstico a presença de mais
dois factores de risco. De todos os indicadores na Tabela 1, deram particular
atenção à obesidade abdominal. Para estimar a resistência à insulina, sugeriram
o uso dos níveis de insulina plasmática e/ou glucose em jejum. Além disso, eram
considerados outros factores como o facto dos sujeitos estarem a ser tratados a
dislipidemias ou a hipertensão, por evidências da associação de tais desordens
com as doenças cardiovasculares.
Uma terceira entidade, a National Cholesterol Education Program’s Adult
Treatment Panel III (NCEP-ATPIII, 2001)(19) propôs uma nova definição da SM e
reformulando os critérios de avaliação dos diferentes indicadores, com o
objectivo de facilitar o diagnóstico e a prática clínica. Diferia das
anteriores em dois grandes pontos: em primeiro lugar não via a resistência à
insulina como factor principal e exclusivo, com a possibilidade de não ser
representativa do estilo de vida do indivíduo); em segundo lugar não se
atribuía uma grande ênfase aos valores da glicose, tratando-os de igual forma
em relação a todos os outros componentes. Referiu a agregação de pelo menos
três dos cinco factores de risco, com valores de corte muito específicos
(Tabela 1). Além disso, era tida em conta a análise cuidada e acompanhamento
clínico de indivíduos com apenas dois factores de risco, uma vez que alguns
indivíduos pareciam ser igualmente insulino-resistentes tais como os indivíduos
com três ou mais factores. Este aspecto permitia estender o diagnóstico de SM a
outros sujeitos que não tivessem exclusivamente os três ou mais factores de
risco, mas a todos os que tivessem apenas dois factores e uma história clínica
compatível com a SM.
Em 2003, a American Association of Clinical Endocrinology (AACE) juntamente com
a American College of Endocrinology (ACE)(4) manifestaram-se igualmente sobre
este assunto. As atenções foram redireccionadas para a resistência à insulina
como principal factor de risco cardiovascular e redefiniu-a como Síndrome de
Resistência à insulina (tal como a EGIR). Integraram no seu documento, vários
outros factores que iriam identificar este síndrome mas não definiu nenhum
número mínimo para que o diagnóstico fosse realizado. A grande diferença reside
na ênfase dada ao diagnóstico baseado na história clínica, história familiar e
anamnese, não havendo uma nova definição para a SM, mas sim maior importância à
resistência à insulina.
A última entidade a pronunciar-se acerca da definição e critérios de
caracterização da síndrome metabólica foi a International Diabetes Foundation
(IDF) que publicou a sua posição em Dezembro de 2005(3). As grandes diferenças
para as entidades anteriores residiram no facto de considerarem o perímetro
abdominal (obesidade abdominal) como critério fundamental, cujos valores
situam-se entre ≥85 a 94 cm para homens e ≥80 a 90 cm para mulheres, sendo
específicos a diversas etnias, para o diagnóstico da síndrome metabólica, uma
vez que esta medida era considerada altamente correlacionada com a resistência
à insulina. Assim sendo, as medidas laboratoriais da resistência à insulina
tornam-se desnecessárias. Além do perímetro abdominal, é condição
imprescindível para a realização do diagnóstico, a presença de mais dois
factores de risco. A definição da IDF chama ainda à atenção para o facto dos
valores do perímetro abdominal necessitarem de ser ajustados a indivíduos de
nacionalidades e etnias diferentes. Assim, para esses casos, é aconselhado o
uso de dados de estudos já realizados em populações específicas.
Além dos factores anteriores, muitos outros foram relacionados com a síndrome
metabólica. Pela escassez de estudos sobre os mesmos, a maioria não é incluída
nos critérios de definição da síndrome. Grundy(23) e Terán-Garcia(51)
salientaram:
− Distribuição anormal de massa gorda (geral, central, biomarcadores de tecido
adiposo, índice de gordura hepática, gordura miocelular)
− Dislipidemia, além dos valores elevados de colesterol total, lipoproteínas de
baixa densidade (LDL) e triglicerídeos (Apoliproteina B, LDL, rácio
Triglicerídeos/HDL)
− Resistência à insulina, além dos valores da glicose em jejum (Insulina em
jejum, HOMA - IR: Homeostasis Model Assessment for Insuline Resistance, Bergman
Minimal Model, valores elevados de ácidos gordos livres.)
− Desregulação vascular
− Estado Pró-Infamatório (Proteína reactiva C de elevada sensibilidade,
concentrações elevadas e valores baixos de citocinas
− Estado pró-trombótico (factores coagulantes, factores fibrinolíticos)
− Outros factores hormonais (eixo corticoesteróide, síndrome do ovário
policístico).
4. DEFINIÇÃO E VALORES DE CORTE
A Tabela_1 resume os indicadores e critérios para a definição da SM segundo
várias organizações mundiais.
Como se verifica, as cinco organizações descrevem minuciosamente os critérios
de classificação assim como os valores de corte. No entanto, apenas duas delas
se manifestaram relativamente à SM em crianças e jovens: OMS e NCEP ATPIII,
cujas propostas estão referidas na Tabela 2.
>
>Tabela 2. Indicadores e critérios para a definição da SM (crianças e jovens).
Comparação entre a OMS, NCEP ATPIII e IDF.
>
>
>Outros autores também se pronunciaram acerca da SM em crianças e jovens. A
Tabela 3 resume as referências mais actuais.
>Tabela 3. Critérios de Classificação da síndrome metabólica em crianças e
jovens. Diferenças entre os vários autores.
>
>
>
>5. DISCREPÂNCIA E VARIABILIDADE DOS CRITÉRIOS DE CLASSIFICAÇÃO
A variabilidade associada aos valores de corte nos indicadores da SM conduz a
resultados não consensuais quando se utilizam critérios distintos. Basta
existirem indivíduos que, em função de uma classificação ou outra possam ser
classificados como portadores ou não desta síndrome. Por exemplo, Dekker et al
(15) realizou um estudo numa mesma população em que aplicou os critérios de
definição operacional da NCEP, ATPIII, OMS, EGIR e ACE. Os resultados revelaram
que, segundo os critérios da NCAP ATPIII, os indivíduos apresentavam um risco
ligeiramente mais elevado quando comparado com os restantes. Isto poderá dever-
se ao facto dos valores de corte impostos pela NCEP ATPIII implicarem um
intervalo mais alargado de possibilidades, podendo eventualmente incluir um
maior número de indivíduos.
Wijndaele
(55)
reforça esta dificuldade e demonstra as diferenças encontradas após um estudo
de prevalência numa população Australiana usando os critérios da OMS, ATP III e
EGIR. Os resultados foram igualmente desconcertantes.
Prevalência da Síndrome Metabólica numa População Australiana não Diabética
(2005)
>Gráfico 1. Prevalência da Síndrome Metabólica de acordo com as 3 definições
(55)
>
Verifica-se uma grande discrepância entre os valores das prevalências, sendo
que a maior diferença chega aos 4,9% (OMS e EGIR). Adicionam-se ainda outros
aspectos que dificultam a comparação de dados de diferentes estudos, que geram
confusão em termos epidemiológicos. Pesquisas com diferentes delineamentos,
populações com características físicas muito específicas, o ano de recolha dos
dados e os critérios usados, a distribuição da amostra nomeadamente no que diz
respeito a idade, “raça” e sexo geram problemas acrescidos na comparação de
resultados.
Verifica-se, por exemplo, que em estudos de prevalências encontram-se
resultados distintos, mas ao mesmo tempo interessantes quando analisamos
diferentes populações. Por exemplo, em pesquisas cuja amostra é constituída por
indivíduos entre os 20 e os 25 anos de idade e mais velhos, as prevalências
variam desde os 8% (Índia) até aos 24% (EUA) nos homens, e desde 7% (França)
aos 43% (Irão) nas mulheres. Na mesma população os resultados são diferentes se
se distinguir grupos de raça/etnia diferente. Além disso, encontram-se
variações a nível do sexo pois se numa população com ajuste à idade a
prevalência de SM é mais elevada nas mulheres, noutras populações já é mais
elevada nos homens(31).
A falta de homogeneidade na definição, nos critérios, características da
amostra e tipo de estudo realizado, gera alguma confusão, tornando a
investigação e comparação mais problemática. Alguns autores, tal como Yang
(59)
tentam contornar esta dificuldade usando no mesmo estudo, as três diferentes
classificações e apresentam os resultados em função de cada uma delas.
Além deste problema, que implica um desacordo entre ter ou não ter síndrome
metabólica, maior ou menor risco cardiovascular, existe um factor comum a todas
as variações dos critérios de definição. Todos possuem valores de corte muito
específicos, reduzindo a distribuição dos valores de todas as variáveis
contínuas a uma dicotomização básica com perda de poder interpretativo cujas
implicações clínicas e significado estatístico em termos epidemiológicos podem
não ser as mais adequadas
(54)
.
Esta caracterização em “ter ou não ter” é muito redutora e limitativa uma vez
que, se estamos a falar de uma doença progressiva que associa vários factores
de risco agrupados e que se manifestam de forma diferente em função da presença
uns dos outros, torna obviamente esta classificação muito pobre e sem
aplicabilidade clínica. Não se percebe o verdadeiro risco que determinado
indivíduo apresenta, nem a sua evolução/regressão face a um tratamento, por
exemplo, nem se consegue distinguir grupos de indivíduos face a determinadas
características físicas porque todos eles apenas “têm ou não têm” Síndrome
Metabólica.
>6. Métodos de Análise Estatística e Tratamento dos dados da SM
A análise estatística dos diferentes indicadores da SM tem conduzido os
investigadores a visões distintas da mesma informação. Neste sentido parece
haver quatro estratégias de análise de dados:
1. Centrada nos valores contínuos dos indicadores da SM, com importância na
fase inicial dos estudos onde se realiza uma forte análise exploratória e
descritiva dos valores, com o propósito de providenciar informação
epidemiológica básica relevante.
2. Centrada nos pontos de corte propostos reduzindo os valores contínuos das
variáveis a entidades discretas, isto é a valores binários de grande utilidade
em pesquisa epidemiológica, sobretudo no cálculo de prevalências, de grande
relevância em termos clínicos.
3. Centrada na transformação de valores contínuos em scores Z, que depois de
somados, permitem obter um score contínuo que tenta expressar a magnitude do
valor da SM. Com base neste resultado é possível associá-lo a quartis e quintis
de actividade física e capacidade cardio-respiratória.
4. Centrada na análise factorial (AF) e análise de componentes principais (ACP)
com o objectivo de identificar as componentes ou factores principais que melhor
descrevem as relações, isto é, a covariação entre os indicadores da SM.
A Tabela 4 apresenta um sumário brevíssimo de alguns estudos que recorrem às
três principais formas de análise estatística da SM.
Tabela 4. Sumário de alguns estudos relativos às diferentes estratégias de
análise da SM
A primeira opção (de dicotomização de valores contínuos) tal como foi referido
anteriormente, apresenta alguma insuficiência no que concerne ao poder
estatístico dos resultados, bem como ao seu significado clínico
(35)
. A este último respeito, o risco de desenvolver uma patologia cardiovascular
ou apresentar síndrome metabólica apresenta-se sempre de modo progressivo(31).
Ora esta progressão não implica, necessariamente, um aumento do número de
factores de risco, mas sim alteração nos resultados, isto é, aumento dos
valores relativamente às referências, dos factores de risco
(32)
. Daqui que, a análise da síndrome metabólica considerada como uma simples
questão de “ter ou não ter” pode revelar-se redutora e simplista.
A segunda opção de análise surgiu na tentativa de ultrapassar o problema do
reduzido poder estatístico da dicotomização das variáveis. A ideia base é
construir um score(contínuo) de síndrome metabólica, calculado através da soma
dos scores z dos diferentes indicadores. Este score contínuo, é
estatisticamente mais sensível na sua globalidade para expressar a SM do que as
variáveis dicotómicas(54). Este procedimento foi utilizado por diversos
autores, como uma forma de ultrapassar a “simplicidade” do recurso a variáveis
binárias
(5, 9, 21, 48)
. Contudo, a simples soma dos valores z não considerava a circunstância dos
indicadores poderem ser pesados de modo distinto. Uma forma de resolver este
problema foi sugerida por Wijndaele e colaboradores(54), recorrendo à inclusão
do valor da variância explicada pelas componentes principais que “aglutinam” os
diferentes indicadores da síndrome.
Uma terceira forma lidar com os indicadores da síndrome metabólica recorre à
análise factorial (AF) ou análise em componentes principais (ACP). O objectivo
deste procedimento é identificar as associações e independência das diversas
variáveis assim como verificar quais delas melhor explicam a covariância
existente. Esta abordagem permite retirar informação complementar face às
anteriores, uma vez que as características inerentes aos procedimentos
estatísticos específicos que estão implicados são igualmente diferentes.
As diferentes formas de avaliar e interpretar os dados da SM são utilizadas em
função dos objectivos de cada estudo. No entanto, esta variedade de
procedimentos de análises acarreta uma multiplicidade de respostas que, se por
um lado podem resultar numa agregação e compilação de conclusões interessantes,
por outro poderá gerar controvérsia ou não responder à questão central de cada
pesquisa. Além disso, e após analisar diversos estudos, começam a surgir novas
questões, que pela sua complexidade não são bem esclarecidas com os modelos de
análise anteriormente descritos. Atentemos no seguinte: os critérios de
definição da síndrome metabólica têm, em geral, quatro ou cinco componentes. A
maioria dos autores (ou entidades) selecciona um deles (como específico) e mais
dois ou três para ser realizado o diagnóstico da síndrome metabólica. Será de
pensar que todas as combinações possíveis (com 5 componentes temos 32
combinações, com 6 temos 64 combinações) entre esses mesmos componentes têm o
mesmo peso clínico(31). Ou seja, será que existem combinações com mais
significado que outras? Será que cada um dos factores revela um valor preditivo
diferente se estiver igualmente agrupado com diferentes factores? Será que
esses mesmos factores agrupados, aumentam o risco de doença cardiovascular em
comparação com a soma do seu risco isoladamente? Quais os procedimentos
estatísticos a utilizar para tentar responder a estas questões?
>A estas dúvidas, somam-se outras às quais urge a necessidade de resposta
permitindo assim a adaptação de conhecimentos à prática clínica em benefício do
doente.
>
>
7. Relação entre a (in)Actividade Física e Continuum de Risco Metabólico
É do conhecimento geral que a população mundial é cada vez mais sedentária e
adopta estilos de vida cada vez menos saudáveis. Esta é uma preocupação que
atinge principalmente os países desenvolvidos que continuamente se esforçam por
divulgar e alertar as populações para o benefício do exercício físico, de uma
alimentação equilibrada e para a adopção de estilos de vida saudáveis.
Infelizmente os resultados dos inúmeros estudos nem sempre têm o impacto
desejado uma vez que existe ainda um conjunto muito alargado de pessoas em
vários países, que, além de não adoptarem estilos de vida saudáveis, têm
valores de actividade física abaixo do recomendado
(9, 39, 50,55, 57, 58)
.
A relação entre os níveis de actividade física e a prevalência da SM em adultos
tem sido alvo de pesquisas intensivas. A maioria dos estudos encontrados
identifica uma associação inversa entre os níveis de actividade física e a
prevalência ou incidência desta enfermidade
(5, 9, 18, 25, 41, 48, 49, 50, 54,59)
. Esta associação inversa sustenta promoção da prática de exercício físico
regular (com nível moderado a intenso) como uma estratégia de eleição para
prevenção e tratamento da SM(23).
A afinidade entre a (in)actividade física e a síndrome metabólica é igualmente
encontrada quando nos referimos a populações pediátricas (ver Tabela 5). Alguns
estudos relatam o impacto que níveis diferenciados de actividade física têm no
valor compósito da agregação dos factores de risco metabólico, sobretudo a sua
importância como factor protector da doença
(16,41, 50, 59)
. Contudo, os resultados encontrados variam em função de ajustamentos
estatísticos a factores aditivos ou de confundimento. Características pessoais
como idade, sexo, etnia e estilo de vida são elementos que poderão interferir
nos resultados das análises estatísticas e, por isso mesmo, não devem ser
esquecidos. Além disso, o IMC, a aptidão cardio-respiratória e o exercício
físico deverão ser igualmente descritos em detalhe, de forma isolada ou
conjuntamente, para que os resultados não sejam “contaminados” pela sua
covariação com os níveis de actividade física. Alguns dos estudos encontrados,
resumidos na Tabela 5, fazem essa análise e em alguns casos os resultados são
ligeiramente diferentes quando se efectuam ajustamentos para confundidores. Se
umas vezes a relação AF e SM é enriquecida quando se adicionam covariáveis como
aptidão cardio-respiratória, também poderá perder significado quando se ajustam
para outras como idade ou o IMC.
Tabela 5. Sumário de estudos recentes, em crianças e adultos, sobre a relação
entre a actividade física e a SM assim como a influência de possíveis factores
confundidores
>
>Tal como demonstra a tabela anterior, a relação inversa entre a AF e a SM foi
encontrada em diversos estudos em vários países. Os mesmos achados são
encontrados em Portugal. Recentemente foi realizado um estudo na Região
Autónoma dos Açores por Campos
(11)
com o objectivo de avaliar a importância da actividade física regular na
manifestação das componentes da síndrome metabólica. Os dados obtidos foram
coerentes com a maioria das pesquisas realizadas a nível mundial, revelando
que, tanto em adultos como em crianças, existe uma associação significativa e
negativa entre a actividade física e as componentes da SM. As crianças e jovens
menos activos possuem maior prevalência nos indicadores desta enfermidade e
revelam uma propensão superior para a manifestação de risco metabólico. Assim,
a agregação de factores de risco metabólico está associado aos níveis distintos
de actividade física. Daqui que os níveis moderados a elevados de actividade
física tenham um efeito protector da doença.
Além disso, é de reforçar que, o exercício físico é actualmente considerado um
dos meios de eleição para a prevenção de evento cardiovascular. O Colégio
Americano de Medicina Desportiva considera o exercício físico como um
“medicamento”, ao ponto do seu slogan actual ser – exercise is medicine.
Salienta-se a necessidade de assumir o exercício físico como um fármaco
(profilático ou terapêutico), que deve ser prescrito na dosagem precisa com a
frequência adequada e própria para cada indivíduo.
8. Conclusão
As pesquisas referenciadas mostram a relevância que esta síndrome apresenta no
que diz respeito aos impactos para o doente, família e para a própria economia
(familiar e do país). A definição da síndrome metabólica passou por várias
etapas ao longo do tempo, até ao formato actual. É consensual o facto de
resultar de um agrupamento (clusters) de vários factores de risco
cardiovascular, mostrando em termos populacionais um aumento quase exponencial
do risco cardiovascular e prevalência de patologia.
A aplicabilidade clínica dos critérios da SM nem sempre é clara, porque na
maioria dos casos a própria definição desta síndrome incita à sua redução a um
diagnóstico binário: “ter” ou “não ter”. É através da dicotomização das
variáveis e da conjugação combinatória de factores de risco com valores de
corte rígidos, que é feito o diagnóstico. Este procedimento básico pode limitar
a análise da magnitude risco em função das múltiplas configurações de
diferentes factores do risco, em função do peso que cada um representa
isoladamente ou agrupado a outros, em função dos valores quantitativos de cada
um dos factores. Torna-se pois desejável o recurso a vários métodos de análise
estatística para melhor perceber a magnitude e a relevância distinta da
influência dos diversos factores genéticos e ambientais nos valores desta
síndrome.
É hoje claro o papel claro que a actividade física desempenha na manutenção da
saúde. O efeito protector que níveis moderados a elevados de actividade física
regular exercem nos factores de risco metabólico é óbvio e demonstrado por
vários autores. Da mesma forma, a inactividade física e o sedentarismo revelam
uma forte associação com a síndrome metabólica assim como potencia o aumento do
risco cardiovascular.
Desta forma torna-se mais uma vez evidente a importância fulcral que o
exercício físico tem na prevenção e como adjuvante no tratamento da síndrome
metabólica.
Agradecimento
Ao editor da RPCD pelas críticas e sugestões que permitiram melhorar
substancialmente o trabalho. Este texto decorre de um projecto de pesquisa
financiado pela FCT sob o número PTDC/DES/67569/2006 designado actividade
física, aptidão física associada à saúde, somatótipo e síndrome metabólica. Um
estudo longitudinal em famílias nucleares.