Produtividade, Sociedade, Ciência e Política
Produtividade, Sociedade, Ciência e Política
Provavelmente, uma das actividades mais nobres da intervenção dos
investigadores experimentados é o contributo que estes dão para a formação das
novas gerações de pesquisadores. Com o presente texto iremos abordar um dos
aspectos associados à responsabilidade colectiva dos pesquisadores mais
experientes, nomeadamente no que se refere ao apoio que devem proporcionar aos
que se iniciam no processo de investigação e divulgação do conhecimento
adquirido.
Presentemente, são muitos os livros disponíveis para assistir os mais novos no
processo de preparação dos manuscritos, para posteriormente serem submetidos à
revisão de pares e, consequentemente, serem publicados. A participação dos
avaliadores mantém-se, tal como sempre, uma das componentes mais importantes
para a garantia de publicações de qualidade. Na realidade, a qualidade
científica das revistas está mais dependente da acção dos avaliadores do que
propriamente da política editorial. No entanto, este é um processo que nos
tempos que correm tende a evidenciar algumas fragilidades, uma vez que nem
sempre os mais experimentados se comportam como verdadeiras referências para os
mais novos, deixando mesmo, por vezes, transparecer a ideia de um certo
facilitismo no que se refere aos processos de divulgação dos conhecimentos.
Em parte, os pesquisadores, assim como aqueles que desenvolvem as suas práticas
profissionais como docentes no ensino superior, estão, mais do que nunca,
sujeitos a mecanismos de pressão para que apresentem índices elevados de
produtividade científica. É do conhecimento geral que as instituições,
independentemente do estrato sociopolítico em causa (Universidade ou Governo)
exigem produção, mas em contrapartida não se preocupam em proporcionar as
condições, físicas e financeiras, necessárias para que essa possa efectivamente
acontecer, tanto em termos quantitativos como, fundamentalmente, em termos
qualitativos.
Na sociedade contemporânea a actividade profissional de investigador, em muito,
ultrapassa a mera realização das tarefas inerentes à concepção, execução e
divulgação dos resultados obtidos com os estudos. A prática científica é algo
que resulta de um processo de aquisição de competências e que se caracteriza
por ser razoavelmente lento. A qualidade da relação que os mais experientes
estabelecem com os mais novos, de algum modo influencia e determina a qualidade
que se deseja melhorada em cada geração que se segue.
Presentemente, a nível global, na academia, vive-se um momento conturbado no
que se refere ao grau de exigência no domínio da produção científica. Foram
introduzidos parâmetros de competitividade na academia e na comunidade
científica, em geral, e que, eventualmente, tiveram alguns efeitos nefastos,
como por exemplo, uma ênfase no número de publicações, independentemente da sua
qualidade, mas que estejam, preferencialmente, em bases de indexação. Tal facto
conduziu à emergência do negócio das publicações, uma vez que as revistas
cobram verbas para publicar os estudos e, posteriormente, esses mesmos
trabalhos podem ser vendidos pelas empresas, normalmente multinacionais, que
ficam detentoras dos direitos autorais dos trabalhos submetidos. Em suma as
multinacionais ganham ou capitalizam duplamente: 1) num primeiro momento ao
cobrarem aos autores para publicarem os seus trabalhos e; 2) ao venderem esses
trabalhos a outros estudiosos interessados em consultar esses textos. No
entanto, em momento algum partilham as receitas geradas com as vendas.
Em ciência, o grande objectivo é o aprofundamento teórico nas mais diversas
áreas de intervenção. Presentemente, assistimos a um aumento expressivo no
número de trabalhos científicos publicados, mas que, infelizmente, não vão
encontro dos propósitos mais nobres da prática científica. A literatura dita
científica tende a evidenciar um empobrecimento teórico e uma tendência para a
mecanização da produção de trabalhos. Como exemplo, podemos referir o facto de
os autores procurarem de uma forma quase sistemática explorar múltiplas
alternativas de potenciar as suas bases de dados através de várias publicações.
Para isso recorrem à fragmentação dos dados de tal maneira que, por vezes, para
além do rigor da aplicação das técnicas estatísticas e da elegância dos textos
apresentados, em nada contribuem para o enriquecimento do conhecimento quer em
geral quer específico. Isto é feito introduzindo pequenas alterações ao texto,
mantendo o grosso da revisão bibliográfica para assim garantirem mais uma
publicação. Esta estratégia é complementada com a submissão a revistas
diferentes com pequenas e subtis versões dos mesmos trabalhos e que acabam
sendo publicados em revistas diferentes. A falta de organização por parte dos
editores das revistas torna este tipo de prática viável.
Há também a tendência de fazer e refazer os mesmos trabalhos, com amostras
diferentes, mas respondendo às mesmas perguntas e encontrando repetidamente as
mesmas respostas, com as diferenças que inevitavelmente resultam do facto de os
indivíduos estudados serem diferentes. Mas no geral, os mesmos autores
perpetuam a sua actividade nas questões de carácter geral, sem evidenciarem
predisposição para aprofundar as questões que emergem dos estudos previamente
realizados por si. Esta forma mecânica de produzir ciência é na sua essência
evidência de debilidades teóricas, mas fundamentalmente representam mudanças na
ética da prática científica.
É urgente que os editores e directores de revistas assumam um papel activo e
estudem formas de se adaptarem às novas realidades impostas aos investigadores.
O que vem a ser praticado resulta das condições de trabalho e produtividade
científica impostas a quem faz da prática científica a sua forma de vida.
Talvez seja tempo de, uma vez por todas, entendermos que a ciência e a sua
viabilização são, na sua essência, actos políticos, e por esta razão é de todo
relevante que os cientistas se organizem e intervenham, activamente, na
política para assim poderem ter uma voz na definição dos critérios a serem
aplicados na promoção de boas práticas científicas.
José Vasconcelos Raposo
Professor Catedrático