Efeito da fisioterapia convencional e do feedback eletromiográfico associados
ao treino de tarefas específicas na recuperação motora de membro superior após
acidente vascular encefálico
Nos últimos anos, tem ocorrido um significante aumento da expectativa de vida,
com consequente aumento da população mundial de idosos. No entanto,
concomitante ao aumento da expectativa de vida, observa-se um aumento das co-
morbidades relacionadas ao envelhecimento. Entre estas co-morbidades, destaca-
se o acidente vascular encefálico (AVE). O AVE é resultado de um dano celular,
devido à isquemia ou hemorragia no tecido encefálico, podendo causar déficits
de várias funções sensório-motoras (Rathore, Hinn, Cooper, Tyroler, &
Rosamond, 2002).
Estudos recentes relataram uma prevalência de 200 a 300 novos casos de AVE em
cada 100.000 habitantes por ano, nos Estados Unidos e na Europa (Muntner,
Garret, Klag, & Coresh, 2002), contabilizando atualmente no mundo um grande
número de indivíduos que sobrevivem ao AVE e que convivem com alguma
incapacidade funcional (Feigin, 2005).
Convencionalmente, programas de reabilitação têm sido conduzidos por
fisioterapeutas em hospitais ou centros de reabilitação ao longo da história.
Estes programas são caracterizados pela aplicação de técnicas e exercícios
terapêuticos que estimulam o reaprendizado motor e que têm por objetivo
aumentar a independência funcional (Levy, Nichols, Schmalbrock, Keller, &
Chakeres, 2001; Liepert et al., 2000; Schaechter et al., 2002). No entanto,
cerca de 30-66% dos pacientes avaliados seis meses após o AVE não apresentaram
função do membro superior do lado afetado e somente 5% demonstraram completa
recuperação das atividades funcionais (Gowland, 1982; Kwakkel, Kollen, &
Wagenaar, 1999). Diante dos resultados limitados no processo de reabilitação da
função motora do membro superior, pesquisas recentes têm investigado a
implementação de outras técnicas terapêuticas, dentre essas se destaca o
feedback eletromiográfico (feedback EMG).
O feedback EMG pode ser descrito como um método que possibilita a captação dos
potenciais de ação do músculo, por meio de eletrodos de superfície, e a
conversão desses potenciais em informações visuais e/ou sonoras. Essas
informações permitem ao paciente controlar e regular a atividade muscular
(Hurrel, 1980; Moreland & Thomson, 1994).
Em geral, se encontra na literatura resultados positivos do uso do feedback EMG
na reabilitação da marcha (Aiello et al., 2005; Bradley et al., 1998) e da
função motora do membro superior em pacientes com sequelas do AVE (Armagan,
Tascioglu, & Oner, 2003; Crow, Lincoln, Nouri, & Weerdt, 1989; Hurd,
Pegram, & Nepomuceno, 1980; Inglis, Donald, Monga, Sproule, & Young,
1984). Entretanto, revisões sistemáticas recentes mostraram existir
controvérsias acerca da efetividade e da superioridade do feedback EMG em
relação ao tratamento convencional, no que diz respeito à reabilitação motora
do membro superior (Moreland & Thomson, 1994). Segundo os autores, os
resultados presentes na literatura devem ser interpretados com cautela, pois
vieses metodológicos referentes à duração da intervenção, bem como os métodos
utilizados para avaliação, podem ter influenciado os resultados.
Outro problema importante que estaria relacionado à dificuldade de se
evidenciar os efeitos benéficos do uso do feedback EMG no processo de
reabilitação motora é o modo de aplicação da técnica. Embora seja amplamente
reconhecida a importância da inserção de atividades funcionais orientadas no
programa de reabilitação, o feedback EMG tem sido frequentemente aplicado em
posturas estáticas e em movimentos que não fazem parte de uma atividade
funcional (Jonsdottir et al., 2010). Segundo os mesmos autores, a associação do
feedback EMG à tarefas funcionais orientadas poderia maximizar os resultados da
terapia e facilitar o processo de aprendizagem motora. Considerando estas
informações, o objetivo deste estudo foi avaliar o treinamento funcional
associado ao feedback EMG e compará-lo com um programa fisioterapêutico, na
reabilitação motora do membro superior de pacientes vítimas do AVE.
MÉTODO
Amostra
O estudo foi realizado com doze pacientes de ambos os sexos (10 homens e 2
mulheres) e que apresentavam com diagnóstico clínico de AVE primário de causa
isquêmica ou hemorrágica há pelo menos três meses. Foram incluídos pacientes
destros, que não apresentaram déficits de compreensão e que apresentaram
comprometimento motor do membro superior direito. Foram excluídos os pacientes
que apresentaram sequelas motoras bilaterais ou no hemicorpo esquerdo e que
tivessem histórico de dois ou mais acidentes vasculares encefálicos.
Voluntários que apresentaram espasticidade severa (valores superiores a três na
escala modificada de Ashworth) e que não tenham conseguido realizar qualquer
uma das tarefas dos teste TEMPA também foram excluídos da amostra. Esse estudo
foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade de Pernambuco,
registro CEP-UPE 041/09.
Instrumentos e Procedimentos
Inicialmente, foi realizada uma avaliação física, na qual foram colhidos os
dados pessoais e antropométricos dos sujeitos, além do histórico e questões
relacionadas ao AVE. Em seguida os voluntários foram submetidos a uma avaliação
funcional, na qual foi realizado o teste de Fugl-Meyer (FMA) (Fulg-Meyer,
Jaasko, Leyman, Olsson, & Steglind, 1975) para avaliação do comprometimento
motor do membro superior. A escala de avaliação motora de membro superior do
teste FMA, utilizada neste estudo, inclui um sistema de pontuação numérica
acumulativa que avalia os movimentos de ombro, cotovelo, antebraço, punho e
mão. O escore total da escala de membro superior varia entre 0 e 66 pontos,
sendo que escores entre 50 a 65 pontos significam comprometimento motor leve,
entre 30 e 49 pontos refletem comprometimento moderado e valores abaixo de 30
demonstram comprometimento motor grave (Michaelsen & Levin, 2004;
Michaelsen, Dannenbaum, & Levin, 2006). A versão brasileira do FMA
utilizada nesse estudo apresenta excelente confiabilidade (ICC > 0.98) para o
escore total de avaliação do membro superior (Michaelsen, Rocha, Knabben,
Rodrigues, & Fernandes, 2011).
A avaliação da espasticidade muscular dos flexores de cotovelo, punho e dedos
foi realizada por meio da Escada Modificada de Ashworth, que possui uma escala
numérica variando de 0 a 5 pontos (Brashear et al., 2002). A funcionalidade e
destreza manual foram avaliadas por meio do teste TEMPA (Test D'Évaluation dês
Membres Supérieurs de Personnes Âgeés) versão brasileira (Michaelsen, Natalio,
Silva, & Pagnussat, 2008). O TEMPA é um teste para avaliação do desempenho
do membro superior e é composto por quatro tarefas bilaterais (Abrir um pote e
tirar uma colher cheia de café; Destrancar uma fechadura, pegar e abrir um pote
contendo pílulas; Escrever um envelope e colar um selo; Embaralhar e distribuir
cartas de um baralho) e quatro tarefas unilaterais (Alcançar e mover um pote;
Manusear uma jarra e servir água em um copo; Manusear moedas; Manusear pequenos
objetos).
Os escores obtidos são baseados em três critérios: velocidade de execução,
graduação funcional e análise das tarefas. Na avaliação da velocidade, a tarefa
é cronometrada desde o início até o seu término. A graduação funcional refere-
se à autonomia do sujeito durante a realização de cada tarefa, sendo graduada
em quatro níveis: (0) tarefa completada com sucesso sem hesitação e
dificuldade, (-1) tarefa completada com alguma dificuldade, (-2) tarefa
parcialmente executada ou certas etapas são realizadas com dificuldade e (-3)
não consegue completar a tarefa mesmo com auxílio.
A análise das tarefas avalia as dificuldades encontradas pelos sujeitos de
acordo com cinco itens relacionados com as habilidade sensório-motoras: força,
amplitude de movimento, precisão de movimentos amplos, precisão de movimentos
finos e preensão.
O escore da graduação funcional é determinado pela adição dos escores obtidos
nas tarefas unilaterais à direita (0 a -12), à esquerda (0 a -12) e nas tarefas
bilaterais (0 a -12), totalizando escores entre 0 e -36. Realiza-se também a
avaliação das cinco dimensões da sessão análise das tarefas. Considerando que
precisão dos movimentos finos' não é mensurada nas tarefas pegar e
transportar um pote' e pegar uma jarra e servir água' e força' não é avaliada
nas tarefas 'escrever e colar um selo', pegar e transportar objetos pequenos',
manusear moedas' e embaralhar cartas', a pontuação da análise de tarefas pode
variar de 0 a -150.
O escore total (0 a -186) representa a soma da graduação funcional e da análise
das tarefas. Respeitando as dimensões avaliadas em cada tarefa, é possível se
obter os seguintes escores: Tarefa 1 (Abrir um pote e tirar uma colher cheia de
café): 0 a -18; Tarefa 2 (Destrancar uma fechadura, pegar e abrir um pote
contendo pílulas): 0 a -18; Tarefa 3 (Escrever um envelope e colar um selo): 0
a -15; Tarefa 4 (Embaralhar e distribuir cartas de um baralho): 0 a -15; Tarefa
5 (Alcançar e mover um pote): 0 a -30;
Tarefa 6 (Manusear uma jarra e servir água em um copo): 0 a -30; Tarefa 7
(Manusear moedas): 0 a -30; Tarefa 8 (Manusear pequenos objetos): 0 a -30. As
tarefas unilaterais apresentam escores variando de 0 a -30, pois nesse caso
somam-se os escores obtidos na avaliação dos dois membros. Entretanto, neste
estudo não foi considerado o tempo de execução das tarefas unilaterais
realizadas com o membro sadio. Essa medida foi adotada com o objetivo de evitar
possíveis influências do membro sadio na análise do tempo total de execução das
tarefas (Platz et al., 2009).
Apesar da escala original propor uma cotação negativa, no qual zero é
indicativo de ausência de incapacidade e os valores negativos são indicativos
de maior incapacidade, para fins de análise estatística foram utilizados os
valores independente do sinal. Desta forma, para este estudo, valores maiores
correspondem à maior incapacidade.
Em estudo prévio (Michaelsen et al., 2008) foi demonstrada adequada
confiabilidade intra e inter-examinadores (ICC 0.70 ' 1.00) dos escores da
versão brasileira do TEMPA aplicados em pacientes com déficits motores
moderados (FMA < 50).
Após a realização da avaliação funcional, os pacientes foram divididos de forma
aleatória em dois grupos: Grupo 1 ' seis pacientes (5 homens e 1 mulher)
submetidos a um programa de reabilitação fisioterapêutica convencional
associada ao treinamento funcional; Grupo 2 ' seis pacientes (5 homens e 1
mulher) submetidos a um treino funcional associado ao feedback
eletromiográfico. Para a alocação dos voluntários em ambos os grupos foi
utilizado o programa Winpepi versão 10.8, no qual foi realizado a randomização
simples (não-estratificada).
Programa de reabilitação Fisioterapêutica: O treinamento foi constituído de
vinte e quatro sessões, realizadas três vezes por semana durante oito semanas.
O programa de reabilitação dos pacientes deste grupo foi conduzido pelo mesmo
fisioterapeuta em todas as sessões. Cada sessão teve a duração de 50 minutos e
o tratamento aplicado aos pacientes teve como base os princípios do
desenvolvimento neuromotor, sendo trabalhado o controle e equilíbrio postural,
mobilização escapular, exercícios de descarga de peso para membros superiores e
principalmente o treino funcional do hemicorpo comprometido, evoluindo de
tarefas simples para padrões de movimentos mais avançados. Em cada sessão de
fisioterapia foi realizada aproximadamente 10 minutos de exercícios e
orientações de correção da postura de tronco e cintura escapular.
Posteriormente, foram treinadas atividades de auto-cuidado (pentear os cabelos,
vestir, alimentação e escovar os dentes) e tarefas funcionais (alcance e
preensão de diferentes objetos, bem como a movimentação desses objetos sobre
uma mesa) de membros superiores, nas quais os voluntários precisavam mostrar
habilidade de desempenhar tarefas funcionais simples, antes de progredir para
padrões funcionais mais avançados. O treino dessas atividades apresentou
duração média de 20 minutos, e a para progressão de cada tarefa, foi
implementado o aumento do número de repetições e o aumento da massa dos objetos
que deveriam ser segurados pelos pacientes. Nos últimos 20 minutos foram
realizados várias repetições dos movimentos de flexão e extensão das
articulações do cotovelo, punho e mão. Inicialmente foram implementados
exercícios ativo-assistido, progredindo para ativo-resistido, conforme evolução
de cada paciente.
Programa de reabilitação EMG feedback: Assim como no grupo 1, o protocolo de
treinamento com feedback eletromiográfico também foi realizado três vezes por
semana durante oito semanas, totalizando 24 sessões de 50 minutos de duração.
Para o registro dos sinais miolétricos foram utilizados seis canais do sistema
Myosystem BrI (Datahominis Ltda., Uberlândia ' Brasil), com aquisição
simultânea, aterramento comum a todos os canais, filtros de baixa passagem de
10 HZ a 5 KHz, três estágios de amplificação, ganho total de 1000 vezes,
impedância dos canais de 10 G? em modo diferencial, 16 bits de faixa de
resolução dinâmica, faixa de amplitude de '10V a +10Ve frequência de amostragem
por canal de 4 KHz. Para a visualização e processamento dos sinais foi
utilizado o programa Myosystem BrI versão 2.12.
Os sinais mioelétricos dos músculos bíceps braquial, tríceps braquial, flexor
radial do carpo, extensor radial do carpo, flexor superficial dos dedos e
extensor comum dos dedos foram captados por meio da colocação de eletrodos de
superfície simple-diferencial de ganho de 20 vezes, composto por duas barras
retangulares paralelas (Datahominis Ltda, Uberlândia- Brasil). Antes da
colocação dos eletrodos, foram realizadas a tricotomia e a limpeza da pele. Os
eletrodos dos músculos bíceps do braço, e tríceps do braço foram posicionados
conforme recomendações da European Recommendations for Surface Electromyography
do Projeto SENIAN (Hermes et al., 1999). No entanto, os eletrodos do músculo
flexor radial do carpo, extensor radial do carpo, flexor superficial dos dedos
e extensor comum dos dedos foram posicionados seguindo orientações descritas no
estudo de Hu et al. (2009). A fixação dos eletrodos foi feita com tiras de
esparadrapo, permitindo o melhor acoplamento entre as barras de captação e a
pele do voluntário. O eletrodo de referência foi posicionado na região do
manúbrio esternal, interposto com gel condutor.
Durante cada sessão os voluntários realizaram, por 25 minutos, várias
repetições dos movimentos de flexão e extensão das articulações do cotovelo,
punho e mão, evoluindo de terapia ativo-assistida para ativa-resistida
(resistência manual). Para cada movimento foi definido uma faixa de ativação
específica que fosse capaz de disparar o feedback sonoro, e cada voluntário foi
orientado a manter o som, sustentando o nível do sinal eletromiográfico. Além
disso, os voluntários puderam acompanhar a atividade EMG pela tela do
computador, sendo assim utilizado o feedback sonoro simultaneamente ao visual.
Na segunda metade das sessões, os voluntários foram orientados a realizar
tarefas de alcançar e transportar diferentes objetos colocados sobre uma mesa,
encorajando-os ao treino dos movimentos de alcance e preensão manual. Para
realização dessas tarefas, os voluntários foram posicionados sentados em frente
a uma mesa onde se encontravam diferentes objetos que deveriam ser alcançados e
transferidos de local. Além disso, sobre a mesa foi posicionado o computador,
no qual os voluntários deveriam visualizar a atividade EMG e tentariam
coordenar a ação muscular.
Para a adaptação dos pacientes ao sistema, foram realizados várias repetições
do movimento de alcance de objetos, nas quais os voluntários deveriam observar
a atividade do músculo tríceps braquial durante a extensão do cotovelo e a
atividade dos músculos extensores de punho e dedos para abertura da mão.
Posteriormente, foi solicitado o movimento de preensão manual, no qual deveria
ser observado a atividade dos músculos flexores de punho e dedos.
Após adaptação e realização correta das tarefas de alcance e preensão, foi
solicitado aos voluntários levar o objeto próximo à boca ou face, observando a
atividade EMG do músculo bíceps braquial. Por fim, os voluntários deveriam
retornar o objeto à mesa, observando e controlando a atividade do músculo
tríceps braquial. Os objetos utilizados foram copos e bolas pequenas de
diferentes materiais e pesos.
Após completar todo o treinamento, os pacientes foram reavaliados pelo mesmo
fisioterapeuta. Esse fisioterapeuta ficou responsável somente pelas avaliações,
não participando dos programas de reabilitação de ambos os grupos.
Análise Estatística
As análises estatísticas foram realizadas no programa SPSS versão 16.0. Antes
da análise de cada variável, a normalidade na distribuição dos dados foi
verificada por meio do teste de Shapiro-Wilk. Por se tratar de um estudo com
amostra reduzida, optou-se pelo uso de testes não-paramétricos. As comparações
intergrupos dos dados antropométricos e demográficos foram avaliadas com o
teste Mann-Whitney U (dados ordinais), e teste Qui-Quadrado (dados nominais).
Para as comparações pré e pós-treinamento dos escores registrados nos testes
clínicos foi utilizado o teste de Wilcoxon (Fugl-Meyer, TEMPA e Ashworth). Já a
análise inter-grupos foi realizada por meio do teste Mann-Whitney U. Em todas
as situações foi utilizado um nível de significância de p ≤ .05.
RESULTADOS
Quatorze pacientes foram incluídos no presente estudo. No entanto, dois
pacientes, sendo um do grupo fisioterapia e outro do grupo feedback EMG
desistiram do estudo durante o período de treinamento. Nenhuma diferença
estatisticamente significativa foi encontrada entre os grupos com respeito à
idade, sexo, tempo de AVE, escores dos testes aplicados na avaliação funcional
pré-treinamento. Entretanto, o grupo 2 apresentou valores maiores de índice de
massa corpórea, em comparação ao grupo 1 (Tabela_1).
Tabela_1
Na Tabela_2 são apresentados a comparação intra-grupo dos escores obtidos na
primeira avaliação (pré-treinamento) e segunda avaliação (pós-treinamento) no
teste Fugl-Meyer e escala modificada de Ashworth. Foi possível observar que
ambos os grupos apresentaram melhora na função motora do membro superior, visto
que ocorreu aumento dos escores do teste Fugl-Meyer nos pacientes do grupo 1 (p
= .03) e do grupo 2 (p = .03). Em relação ao quadro de espasticidade muscular,
apesar da tendência de diminuição, não houve diferença estatística nos escores
da escala modificada de Ashworth (p ≥ .12). Além disso, não foram observadas
diferenças estatísticas nas comparações inter-grupos pré e pós-treinamento ( p
≥ .58)
Tabela_2
Os resultados do teste TEMPA demonstraram que grupo de pacientes submetidos à
fisioterapia convencional não apresentou evolução, enquanto que o grupo de
pacientes submetido ao protocolo de treinamento com feedback EMG apresentou
aumento nos escores de cinco tarefas e também a diminuição no tempo de execução
de três tarefas, indicando assim melhora da funcionalidade em seis das oito
tarefas avaliadas. Além disso, foi possível observar no grupo 2 uma melhora
significativa do escore total e do tempo total de execução das tarefas (Tabela
3).
No entanto, a análise inter-grupos demonstrou que não houve diferença
estatística nos ganhos médios dos escores do teste Fugl-Meyer (p = .31) e do
teste de Ashworth (p ≥ .37). Em relação aos ganhos médios dos escores do teste
TEMPA, a análise estatística revelou que somente nas tarefas 5 (p = .03) e 8 (p
= .04) foi possível observar maior eficiência do programa de reabilitação com
feedback EMG. Nas demais tarefas e na soma total do TEMPA não foram observadas
diferenças significativas inter-grupos (p ≥ .38) (Tabela_4).
DISCUSSÃO
O presente estudo teve como objetivo avaliar e comparar o efeito de dois
diferentes programas de treinamento (feedback EMG X Fisioterapia convencional)
para a reabilitação física de pacientes com sequelas motoras no membro superior
em consequência ao AVE.
Os valores inicias do teste de Fugl-Meyer revelaram que os voluntários de ambos
os grupos apresentavam comprometimento motor do membro superior classificado
entre moderado e grave, com valores variando entre 23 e 44 pontos (Michaelsen
& Levin, 2004; Michaelsen et al., 2006). Após os treinamentos, foi possível
confirmar que ambas as terapias aplicadas foram eficazes para a recuperação da
função motora do membro superior, visto que ocorreu um aumento médio nos
escores da escala de FMA de aproximadamente 10 pontos no grupo submetido ao
protocolo de fisioterapia convencional e 14 pontos no grupo treinado com
feedback EMG.
O aumento nos valores absolutos do teste FMA além serem considerados
estatisticamente significativos, revelam que o grau do comprometimento motor do
membro superior dos voluntários até então considerados entre moderado e grave,
com os treinamentos, evoluíram para moderado a leve (valores variando entre 30
e 58 pontos) segundo escala descrita por Michaelsen e Levin (2004). Além disso,
uma análise com valores relativos indicaram aumentos superiores a 30% nos
escores do teste FMA, comprovando a melhora da função motora do membro
superior, pois mudanças superiores a 10% são consideradas clinicamente
importantes (Gladstone, Danells, & Black, 2002; Stein, Narendran, McBean,
Krebs, & Hughes, 2007; Van der Lee et al., 1999). Na análise inter-grupos,
nenhuma diferença estatística foi encontrada nos ganhos dos escores do teste
FMA, demonstrando até então, evoluções similares na função motora do membro
superior.
Ao se avaliar a função motora do membro superior com ênfase em aspectos como
funcionalidade e destreza manual, os resultados do teste TEMPA revelaram que o
grupo submetido à técnica de feedback EMG obteve evolução significativa em seis
das oito tarefas testadas e também no escore total. O grupo submetido à
fisioterapia convencional não apresentou diferenças significativas pós-
treinamento nos escores do teste TEMPA.
Em uma análise inicial é possível observar que o treinamento com o feedback EMG
proporcionou resultados positivos na melhora da função motora do membro
superior, visto que foi identificado melhora dos escores de seis tarefas e do
escore total. Entretanto, ao comparar a média dos ganhos obtidos no teste
TEMPA, se observou maiores ganhos do grupo feedback EMG em apenas duas tarefas
(tarefas 5 e 8), não existindo diferenças entre os grupos no escore total e nas
demais tarefas.
Diferente do valores do FMA, não se encontra descrito na literatura, para o
teste TEMPA aplicado à pacientes com AVE, valores de referência que indicam
melhora clínica. No entanto, considerando que estudo prévio (Michaelsen et al.,
2008) demonstrou que os resultados do teste TEMPA tem alta correlação com os
resultados do FMA quando aplicados à pacientes com AVE, é possível considerar
que ganhos superiores à 10 % no TEMPA também sejam clinicamente significativos.
No presente estudo o grupo fisioterapia apresentou evolução média de 20 % no
escore total, enquanto que o grupo feedback EMG apresentou 30 %. Esses
resultados sugerem que ambas as técnicas foram eficazes, do ponto de vista
clínico, na reabilitação motora do membro superior.
As possíveis explicações para os diferentes resultados das comparações intra e
inter-grupos podem estar relacionadas à especificidade do treinamento e ao
nível da função motora dos voluntários no pré-treinamento. Com relação à
especificidade, o fato do grupo feedback EMG ter realizado por sessão cerca de
25 minutos de treino das tarefas de alcance e preensão, atividades essas
incluídas nas oito tarefas do teste TEMPA, pode explicar o melhor desempenho
dos voluntários desse grupo em relação ao grupo fisioterapia. Os voluntários do
grupo fisioterapia praticaram por sessão aproximadamente 20 minutos de
treinamento de tarefas de auto-cuidado, alcance e preensão, sendo esse tempo
dividido igualmente para cada tarefa, o que totalizou um tempo aproximado de 15
minutos para a tarefa de alcance e preensão.
Considerando a diferença de 10 minutos entre os grupos em cada sessão, é
possível observar que o grupo feedback EMG obteve ao final do treinamento, seis
horas a mais de treino de atividades de alcance e preensão. Esse fato corrobora
os resultados de Platz et al. (2001) e Platz et al. (2009) que demonstraram que
além da intensidade, o fator mais importante para o ganho da destreza manual é
a especificidade do treinamento.
Outro aspecto importante que pode ter contribuído para os resultados entre as
análises intra e intergrupos, principalmente no que diz respeito as diferenças
ínfimas que foram observadas nos ganhos de cada grupo, é o nível da função
motora dos voluntários no pré-treinamento. Embora não tenha sido observada
diferença estatística dos valores iniciais do FMA entre os dois grupos, é
importante considerar que existia uma diferença de aproximadamente 20 % nos
valores médios do FMA, sendo esta clinicamente relevante.
Michaelsen, Dannenbaum e Mindy (2006) demonstraram que pacientes crônicos com
maior nível de comprometimento motor do membro superior, quando submetidos à
treinos de tarefas específicas e funcionais apresentam maiores ganhos
funcionais, em comparação aos indivíduos com comprometimento motor leve. Esse
achado corrobora os resultados do presente estudo, no qual foram observados
ganhos significativos do grupo feedback EMG, grupo esse que apresentou menor
nível inicial da função motora do membro superior.
Apesar de existir na literatura científica um considerável número de estudos
que avaliam os benefícios do uso do feedback EMG na reabilitação de pacientes
com hemiparesia, observa-se uma grande dificuldade para a comparação entre os
resultados, pois grande parte dos trabalhos têm utilizado o feedback EMG como
ferramenta para treino da marcha (Aiello et al., 2005; Bradley et al., 1998;
Jonsdottir et al., 2007). Além disso, os estudos que avaliam a eficácia do uso
do feedback EMG na reabilitação do membro superior em pacientes com hemiparesia
são em menor número, mais antigos (Armagam, Tascioglu, & Oner, 2003;
Basmajian, Gowland, Brandstater, Swanson, & Trotter, 1982; Crow et al.,
1989; Hemmen & Seelen, 2007; Hurd et al., 1980; Inglis et al., 1984) e tem
utilizado diferentes ferramentas e escalas de avaliação, o que segundo Woodford
e Price (2007) dificulta comparações com outras técnicas e conclusões sobre sua
superioridade.
Estudos prévios (Hurd et al., 1980; Inglis et al., 1984) sugerem que o
treinamento com feedback EMG associado à fisioterapia apresenta melhores
resultados que a fisioterapia realizada isoladamente. Divergindo desses
resultados, vários estudos demonstraram não existir superioridade da técnica de
feedback EMG em relação à fisioterapia na reabilitação do membro superior em
pacientes com hemiparesia (Lee, Hill, Johnston, & Smiehorowski, 1976;
Mroczek, Halpern, & McHugh, 1978; Wolf et al., 1994). Entretanto, a função
motora dos pacientes, de todos estudos supracitados, foi apenas avaliada por
meio da atividade eletromiográfica de músculos superficiais e pela análise da
amplitude de movimento articular (ADM) do membro superior, limitando qualquer
conclusão sobre esses resultados. Principalmente, porque a função motora não
pode ser resumida somente na ADM, sendo influenciada por outros vários aspectos
não avaliados, inviabilizando assim a discussão e comparação com os resultados
do presente estudo.
Basmajian et al. (1987), após quinze sessões de treinamento, assim como Armagam
et al. (2003) após vinte sessões de treinamento, observaram resultados
similares entre o grupo de pacientes submetidos à fisioterapia convencional e
grupo que realizou o tratamento com a associação da fisioterapia e o feedback
EMG, tanto para as escalas de análise de comprometimento motor, corroborando
com os resultados do presente estudo; quanto para os testes funcionais, o que
diverge dos nossos resultados. Em divergência, Crow et al. (1989) com base nos
resultados encontrados após vinte sessões de treinamento, sugeriu em seu estudo
que a associação da fisioterapia ao feedback EMG proporcionou resultados
superiores no teste de FMA do grupo que recebeu o protocolo convencional de
reabilitação.
Como possíveis explicações para as divergências encontradas entre o presente
estudo e os estudos supracitados, estão especialmente as diferenças
metodológicas. Primeiramente, os estudos prévios compararam a fisioterapia
convencional e a sua associação com o feedback EMG em treinamentos que variaram
entre 15 e 20 sessões com duração média de 30 minutos, enquanto que no presente
estudo foram avaliadas as técnicas separadamente por número de sessões maior e
com duração de 50 minutos para cada técnica. Esses fatores podem explicar o
melhor desempenho, pois é demonstrado na literatura que a realização de tarefas
específicas repetidas vezes, por períodos mais prolongados e de forma regular,
é considerada fator determinante para a facilitação da reorganização cortical,
com concomitante aumento da habilidade motora e melhora do desempenho das
atividades funcionais (Liepert, Uhde, Graf, Leidner, & Weiller, 2001).
Outro fator importante que pode ter colaborado para os diferentes resultados,
foi a seleção e inclusão dos voluntários nos estudos. Os estudos prévios
(Armagam et al., 2003; Basmajian et al., 1982; Basmajian et al., 1987; Crow et
al., 1989) incluíram pacientes com hemiparesia nos lados direito ou esquerdo
sem considerar a dominância funcional, diferentemente, o presente estudo
incluiu somente pacientes destros com hemiparesia a direita, ou seja, somente
foram incluídos pacientes com comprometimento do lado dominante. O
comprometimento de diferentes hemisférios cerebrais podem causar não somente
características comportamentais e intelectuais distintas, mas também podem
influenciar no processo de recuperação da função motora. Pacientes com lesão no
hemisfério direito, podem apresentar dificuldade com início, sequência e
direção do movimento, enquanto pacientes com lesão do hemisfério esquerdo tem
tendência a apresentar distúrbios visuais, diminuição da atenção e dificuldades
com discriminação de tamanho e distâncias de objetos (Yekutiel & Guttman,
1993).
Byl et al (2003) compararam a evolução da função motora de pacientes com
hemiparesia após serem submetidos a um protocolo de reabilitação embasado nos
princípios da neuroplasticidade, os autores observaram que não houve diferença
no controle motor fino e na performance muscular entre pacientes com
hemiparesia a direita e a esquerda. No entanto, os pacientes com hemiparesia à
direita apresentaram ganhos significativos comparados aos pacientes com
hemiparesia à esquerda, em relação a velocidade da marcha, discriminação
sensorial e principalmente na independência funcional. Além disso, o
comprometimento do lado dominante, pode ter proporcionado uma maior motivação
nos pacientes, afim de recuperar o lado afetado para realização das atividades
de vida diária.
Os valores encontrados por meio da escala modificada de Ashworth revelaram uma
tendência de diminuição da espasticidade na comparação pré e pós-treinamento.
Contudo, nenhuma diferença significativa foi observada entre os voluntários
submetidos aos dois tipos de treinamento, concordando com resultados prévios
(Bourbonnais et al., 2002; Stein et al., 2007). Assim como na avaliação intra-
grupo, a comparação inter-grupos mostrou não existir diferenças estatísticas
nas avaliações pré e pós-treinamento, sugerindo que a espasticidade não foi
fator predisponente à melhora de um grupo em relação ao outro.
Apesar de não ser observado diferença estatística, a tendência à diminuição da
espasticidade pode ter influenciado positivamente a melhora funcional dos
voluntários de ambos os grupos. Esses resultados corroboram as observações
feitas por outros pesquisadores (Fasoli et al., 2004), de que treinamentos
funcionais combinados com aplicação de tarefas resistidas seja de forma manual
ou mecânica, não fazem com que exacerbe a espasticidade em pacientes com
hemiparesia decorrente do AVE.
Mais estudos são necessários para compreender os diferentes mecanismos e
aspectos envolvidos no processo de reabilitação de pacientes hemiparéticos.
Devem ser realizados novos estudos clínicos com amostras maiores, pois assim
será possível obter evidências sobre os benefícios e a viabilidade da inserção
e associação do feedback EMG nos programas convencionais de reabilitação dos
pacientes vítimas do AVE.
CONCLUSÕES
Os resultados do presente estudo mostraram que treinamento de tarefas
funcionais associado ao feedback EMG se mostrou uma técnica viável e que pode
apresentar resultados positivos na melhora da função motora do membro superior.
Por outro lado, considerando os ganhos, do ponto de vista estatístico e
clínico, foi possível observar que ambas as técnicas são eficazes na
reabilitação motora do membro superior, não existindo evidências de
superioridade de uma técnica em relação à outra.