Artroplastia de resurfacing
INTRODUÇÃO
A artroplastia de resurfacing é um tipo de artroplastia conservadora de osso em
que a cabeça femoral é preservada sendo recoberta por uma superfície metálica
que articula com um componente acetabular. Vários desenhos de implantes foram
utilizados desde os anos trinta tendo caído em desuso nos anos setenta por
taxas elevadas de osteólise e descolamento em próteses com interfacemetal-
polietileno[ 1-3].
Com o aparecimento de novos implantes e o resurgimento da interface metal-
metal, um novo entusiasmo surge na sua utilização. Os seus defensores alegam
uma maior preservação de osso, uma transferência de carga mais fisiológica para
o fémur proximal[4], uma menor taxa de luxação[5-7] assim como uma melhor
propriocepção (8,9). Ainda, os materiais actualmente utilizados permitem uma
taxas de desgaste mínimas (10). Por outro lado, numa eventual revisão, esta
também seria de execução técnica mais fácil[5].
Como desvantagens, são citadas na literatura, a falta de modularidade assim
como não ser apropriada para perda de reserva óssea da cabeça e colo femurais.
A fractura do colo do fémur é uma complicação típica da prótese de superfície
presente em 0-4% dos casos[5-7,11-13] e parece estar relacionada com a selecção
de doentes e técnica cirúrgica[11].
O presente estudo faz a revisão das primeiras 486 próteses de superfície
implantadas pela mesma equipa cirúrgica.
MATERIAL E MÉTODOS
Um cohort de 486 ancas em 450 doentes operados no Institut Universitari Dexeus
(Barcelona, Espanha) pelo cirurgião sénior (M. Ribas) entre Julho de 2003 a
Setembro de 2008 foi avaliado retrospectivamente.
O tempo de seguimento médio foi de 5,2 anos (2-7,14 anos). 314 doentes (69,8)
foram do sexo masculino, enquanto que 226 doentes (30,2%) foram do sexo
feminino.
A média de idades foi de 46,6 anos (16-69 anos).
Como indicações, foram consideradas as mesmas indicações para artroplastia
total da anca. Doentes mais idosos que 70 anos foram submetidos a artroplastia
total da anca. Não houve exclusão de pacientes com base em sexo, IMC ou
etiologia desde que tecnicamente o procedimento pudesse ser realizado. Todos
doentes do sexo masculino >60 anos e do sexo feminino >40 anos foram submetidos
a densitometria óssea antes da cirurgia para avaliação da qualidade óssea (Dexa
scan inferior a zero foi considerado contra-indicação). Nenhuma das
artroplastias planeadas foi abortada.
Um grande número de implantes (454) foi colocado através de uma abordagem
postero-lateral (Moore) enquanto que nos casos restantes (32) foi utilizada uma
via de Smith-Peterson modificada (Hauter) - o critérios de selecção incluiram o
sexo feminino e baixa percentagem de gordura corporal,
Vários implantes foram utilizados, aleatoriamente - Conserve plus (Wright
Medical) em 463 ancas, BHR® 9 casos, ASR® 2 casos, ESKA® 2 casos, ADEPT® 2
casos, CORIN® 3 casos and Mitch Peer (Stryker, Howmedica) 1 caso. O componente
acetabular foi não cimentado em todos os doentes enquanto que o componente
femoral foi cimentado. Todos os doentes receberam profilaxia antibiótica por
48h e profilaxia de TVP (enoxaparina 40mg/SC) por 4 semanas após o
procedimento.
Descrição sumária do procedimento (via postero-lateral)
O doente é posicionado em decúbito lateral com atenção à perpendicularidade da
crista ilíaca posterior em relação à mesa operatória.
A incisão é curvilínea desde 5cm proximal até 5cm distal ao grande trocanter. É
realizada abertura da fáscia lata e dissecção romba do glúteo máximo em linha
com a incisão. O tendão do piriforme, assim como o gémeo superior, obturador
interno, gémeo inferior e quadrado da coxa são referenciados e seccionados. A
capsulotomia é feita verticalmente (Figura_1).
Figura_1
A cabeça femoral é preparada de acordo com a técnica de Amstutz[14]. É feita a
preparação acetabular de acordo com a técnica standard e com o planeamento pre-
operatória. Segue-se o terminar da a preparação femoral e a colocação do
componente definitivo. É feito o encerramento da cápsula, piriforme, tricep da
coxa e quadrado femoral. Os doentes retomam deambulação às 48 horas mantendo
apóio de canadianas durante 3 semanas.
Foram anotados os dados cirúrgicos (tempo cirúrgico, sangramento operatório),
orientação de componentes assim como o cálculo dos scores funcionais Merle
d'Aubigné-Postel, WOMAC e Harris Hip Score.
A análise estatística foi realizada através do teste de chi-quadrado e teste
paramétrico de wilcoxon (software SPSS 13)
RESULTADOS
O tempo cirúrgico médio foi de 1h50 minutos (1h15-2h30). Foi detectado um maior
tempo cirúrgico por via anterior (p>0,001). O sangramento intra-operatório foi,
em média de 273cc (210-360), 185cc por via anterior e 290 por via posterior. A
drenagem pos operatória foi de 224cc(180-380), 215 por via anterior e 240 por
via posterior. A estadia hospitalar foi de 4,6 (4-8) dias na via de abordagem
anterior e 5,5 dias (4-12) na via de abordagem posterior (p>0,05). O tempo de
reabilitação não diferiu entre os dois grupos.
Houve uma clara evolução a nível clinico-funcional. Assim, verificou-se uma
melhoria significativa na avaliação através de scores funcionais com uma
evolução de 12,9 (11-14) para 17,4 (15-18) (p<0,001) no score de Merle
D'Aubigné Postal, de 52,3 (42-60) para 96,7 (79-100) (p<0,001) no Harris
Hip Score e de 46,2 (42-60) para 93,2 (89-98) (p<0,001) no score de WOMAC
(Figura_2).
Figura_2
O ângulo de inclinação acetabular médio obtido foi de 43,4º (35-65) com um
ângulo componente cefálico diáfise de 137,9º (127-150).
Foram revistas nove próteses - 2 fracturas de colo femural, 4 descolamentos
assépticos do componente femural, 2 recoloções de componente femoral por mau-
posicionamento, e uma infecção periprotésica. Nos primeiros seis casos, foi
feita implantação de prótese total não cimentada. No último, foi realizada
revisão em dois tempos por uma prótese total não cimentada. Outras complicações
relacionadas com a cirurgia estão sumarizadas no Quadro_I.
Por outro lado, são seguidas com especial atenção 9 componentes acetabulares
considerados "em risco" (ângulo de inclinação acetabular entre 50º
e 60º), sendo submetidos a medição de iões (Cr e Co) no sangue e não estando
excluída a sua eventual revisão.
A taxa de sobrevida aos 5,2 anos situa-se nos 98%.
Não tendo sido efectuada uma avaliação precisa, foi detectada uma elevada
prevalência de doentes com actividade desportiva. A maioria dos doentes (95%)
refere que seria submetida ao mesmo procedimento novamente (Figura_3).
Figura_3
DISCUSSÃO
Este estudo vem confirmar os resultados de estudos anteriores[15] que
demonstram que é possível obter boas taxas de sobrevida em doentes jovens e
activos operados por cirurgiões de "alto volume".
O presente estudo manifesta algumas limitações. Desde logo, é um estudo
retrospectivo. Neste, é incluído o início da curva de aprendizagem do cirurgião
sénior sendo que, desde o início, a sua técnica sofreu evoluções e
modificações. Também, o tipo de implante variou embora a vasta maioria seja
conserve plus (Wright medical).
Em geral, os resultados de artroplastia de resurfacing híbrido metal-metal têm
sido favoráveis[5,7,12,16] com excepção de taxas variáveis de fracturas do colo
do fémur[9,11,17,18]. Há, contudo, a preocupação que a taxa de falência irá
aumentar tal como sucedeu com os implantes de primeira geração com sobrevidas
aos dez anos de entre 35 e 48%[3,20]. A sobrevida obtida de 98% aos 5,2 anos é
extremamente elevada ainda que o tempo de seguimento médio seja é insuficiente.
Contudo, confirma a elevada sobrevida dos componentes actuais tendo,
inclusivamente melhores resultados que a artroplastia total da anca para
doentes com menos de 50 anos[15,20]. A sobrevida registada aos 8 anos deste
tipo de procedimentos pelo Australian National Joint Replacemente Registry é de
95%[21]. Contudo, não há na literatura estudos que comparem os dois
procedimentos para uma população comparável. A prótese de superficie tem sido
implantada sobretudo em homens e jovens e a prótese total em mulheres e mais
velhas.
A evolução dos componentes femorais da artroplastia total da anca antevê um
aumento da sobrevida desta em doentes jovens. Contudo, convém notar que a
prótese de superficie é um procedimento poupador de osso[22] com uma fácil
conversão para artroplastia total da anca[23] como também se verificou no
presente estudo.
A orientação dos componente é de extrema importância na obtenção de bons
resultados a longo prazo, sendo que componentes acetabulares com inclinação
superior a 55º têm maior desgaste[24]. A orientação acetabular obtida foi
excelente o que justifica os bons resultados. Na verdade, nos componentes que
tiveram de ser revistos por descolamento asséptico, a causa provável parece ser
sobretudo a sua má orientação.
O descolamento asséptico no presente estudo 0,0082% está abaixo do referido
pela literatura[21,25] embora com um menor tempo de avaliação. O motivo de
revisão por fractura foi de 22,2%. No caso do registo australiano, este situou-
se em 41,1% e, no registo inglês em 25%. A probabilidade de revisão parece ser
superior em hospitais com baixo volume de doentes operados (Australiano).
A participação em actividades desportivas não parece afectar o resultado, tal
como é verificado pela literatura [26]. Não temos conhecimento de estudos na
literatura que avaliem o impacto da actividade de vida diária com o resultado
final. Na verdade, a própria idade do doente não parece afectar a sobrevida do
implante[27,28] enquanto que o peso aparece como factor positivo ou negativo de
acordo com os estudos[28,29]. Estes parâmetros não foram avaliados no estudo
presente.
Não houve diferenças significativamente estatísticas em relação às duas vías
utilizadas com excepção do tempo cirúrgico o que é justificável por uma maior
inexperiência para este tipo de procedimento do cirurgião sénior.
O grau de satisfação dos doentes foi de 95% comparável com o descrito na
literatura[30].
CONCLUSÃO
A artroplastia de resurfacing apresenta-se como uma solução no tratamento da
osteoartrose da anca em doentes jovens e activos que queiram manter o seu
estilo de vida com taxas de falência relativamente baixas e preservando osso
para uma eventual cirurgia de revisão.