Home   |   Structure   |   Research   |   Resources   |   Members   |   Training   |   Activities   |   Contact

EN | PT

EuPTCVHe1646-21222013000100011

EuPTCVHe1646-21222013000100011

variedadeEu
ano2013
fonteScielo

O script do Java parece estar desligado, ou então houve um erro de comunicação. Ligue o script do Java para mais opções de representação.

Fratura supracondiliana do úmero complicada de lesão vascular

INTRODUÇÃO A fratura supracondiliana do úmero é frequente na idade pediátrica, constituindo cerca de 60-75% das fraturas do membro superior nesta faixa etária. O pico de incidência ocorre entre os cinco e os oito anos de idade, com predomínio no género masculino, com uma relação de três para dois [ 1-4, 10, 11].Dependente do mecanismo de lesão, as fraturas supracondilianas do úmero podem ser em extensão, constituindo 97,5% dos casos, ou em flexão representando apenas 2,5%. De acordo com os critérios de Gartland, estas fraturas são classificadas em três tipos de acordo com o grau de descoaptação[6]. Wilkins recentemente propôs dois novos subtipos dentro do tipo II e III, respetivamente, de acordo com o grau de desvio rotacional[ 10].

A lesão neurológica surge em 12 a 24% dos casos, dos quais 2 a 6% correspondem a lesão neurológica iatrogénica. A lesão vascular, menos comum, pode estar presente em aproximadamente 10% destas fraturas, pelo que se torna imperativo a identificação precoce de sinais de compromisso vascular para um tratamento adequado a fim de prevenir futuras sequelas[1, 5, 11].

A abordagem desta complicação é ainda controversa. As indicações para exploração cirúrgica em casos de ausência de pulso, com mão fria e pálida são claros. Todavia, o tratamento de doentes com ausência de pulso mas com perfusão distal permanece controverso[ 2, 18].

Os autores relatam um caso de uma fratura supracondiliana numa criança, apos traumatismo em extensão complicada de lesão vascular. Este caso pretende demonstrar a excelente evolução clínica perante uma atitude inicialmente expectante sem complicação vascular.

CASO CLÍNICO Criança de nove anos de idade, sexo feminino, que sofreu acidente escolar com queda, da qual resultou traumatismo do membro superior esquerdo, com deformidade marcada ao nível do cotovelo esquerdo, dor e limitação funcional. À entrada constatou-se ausência de pulso radial confirmado por eco doppler, contudo a mão apresentava-se quente e rosada, com um atraso do preenchimento capilar e sem sinais de compromisso neurológico. Radiograficamente apresentava uma fratura supracondiliana tipo III de Gartland, descoaptada e com desvio postero-lateral do fragmento distal (Figura_1).

Figura_1

Tratando-se de uma fratura com indicação cirúrgica, e dado o compromisso vascular, procedeu-se de imediato à realização de intervenção cirúrgica, com redução incruenta e fixação percutânea medial e lateral com fios de Kirschner.

Por não se ter verificado o restabelecimento do fluxo arterial após a redução da fratura foi efetuada arteriografia intra-operatoriamente, excluindo-se encarceramento da artéria no foco de fratura, com evidência de  interrupção do fluxo arterial compatível com dissecção traumática e trombose da artéria umeral, com reabitação nas artérias do antebraço por circulação colateral (Figura_2).

Conciliando os achados clínicos de uma mão corada e quente, com preenchimento capilar presente, e os achados da arteriografia, optou-se por uma atitude expectante, sem qualquer intervenção do ponto de vista vascular. O membro foi imobilizado com tala gessada posterior a 30º de flexão e iniciou por indicação da Cirurgia Vascular heparina de baixo peso molecular. Perante a boa perfusão distal no período de vigilância refez-se a tala às 72h com imobilização do cotovelo a 70º de flexão, removendo-se os fios de Kirschner às 4 semanas (Figura_3).

Figura_3

Aos dois anos de follow-up, apresentava excelente mobilidade do membro superior, pulso radial palpável e fratura consolidada sem compromisso dos núcleos epifisários, sem evidência de qualquer sinal clínico de insuficiência vascular.

DISCUSSÃO As fraturas supracondilianas são frequentes na idade pediátrica, correspondendo a 17% das fraturas, com pico de incidência entre os 5 e os 8 anos [1-4, 10, 15]. A lesão vascular é uma das complicações decorrentes deste tipo de traumatismo, correspondendo a 5 a 13,6% [1, 7, 8, 9, 12], frequentemente no contexto de fraturas tipo III de Gartland, particularmente fraturas com grande descoaptação e desvio postero-lateral do fragmento distal, estimando-se uma incidência nestes casos de 10 a 20%  [5, 23]. Estas situações são consideradas uma urgência ortopédica, pelo que o seu diagnóstico é primordial, e o fator tempo crucial, estando definido como período máximo as 12h no qual o doente com aparente lesão vascular deve ser intervencionado. Caso contrário, a lesão vascular e o edema concomitante condicionam um risco aumentado de síndrome compartimental, que pode evoluir para uma contratura isquémica de Volkmann [1, 7, 8, 9, 10, 12]. Esta situação está descrita em cerca de 0.5% dos casos, sendo caracterizada por uma flexão fixa da articulação do cotovelo, pronação do antebraço, flexão da articulação do punho e extensão das articulações metacarpo-falângicas [10, 11, 14]. O tratamento é difícil, passando por libertação dos tecidos retraídos, reinserções tendinosas e fisioterapia prolongada. Assim, a melhor forma de o evitar passa pela prevenção ativa, procurando restabelecer o mais depressa possível a circulação, e, nos casos de síndrome compartimental, atuar atempadamente com a realização de fasciotomias dos compartimentos envolvidos de forma a reduzir a pressão intracompartimental  [19, 20, 21].

Várias são as causas para o compromisso da vascularização, desde o espasmo arterial até à sua secção completa com posterior evolução para trombose, como ocorreu no caso descrito. Sendo que a maioria destas lesões vasculares ocorrem por compressão extrínseca da artéria pelos fragmentos ósseos, que resolve espontaneamente após a redução da fratura, daí a importância em avaliar o estado de perfusão do membro após a redução e estabilização da mesma.

A reperfusão do membro após a redução da fratura ocorre em cerca de 66.7% dos casos, sobretudo à custa do tronco arterial, ou através de uma rede de colaterais, proximais à lesão ou a jusante desta [12]. No entanto, deveremos adotar uma atitude vigilante, com uma reavaliação clínica periódica, dando ênfase ao aparecimento de dor intensa refratária aos analgésicos, ou sinais de palidez, cianose, parestesia ou paralisia[12, 18, 19, 22, 23].

Na ausência de revascularização, e na perspetiva de se tratar de um espasmo da artéria umeral, vários autores recomendam a realização de um bloqueio ao nível do gânglio estrelado de forma a reverter o espasmo[2, 17]. Nos casos em que a revascularização não foi conseguida quer pela redução da fratura quer pelo bloqueio das vias simpáticas deverão ser considerados estudos complementares, tais como Ecografia com Doppler, Angio-TC, Angio-Ressonância, ou mesmo exames mais clássicos como a arteriografia[5].

O papel deste último exame é algo discutível, na medida em que nos vem confirmar o esperado perante a ausência de pulso após redução da fratura, mesmo com o bloqueio simpático [17]. Na presença de uma mão rosada embora sem pulso, opta-se por uma atitude inicialmente expectante, pelo que o exame não altera, na maioria dos casos, a conduta terapêutica [2, 9, 11, 18].

No caso relatado, verificou-se que após a redução da fractura a mão permaneceu rosada e quente, no entanto ainda sem pulso palpável. Dada a suspeita de lesão vascular foi efetuada uma abordagem interna do braço, a fim de realizar arteriografia, que confirmou a lesão da artéria umeral proximal ao foco de fratura. Este exame, no entanto, acabou por não alterar a conduta terapêutica, pelo que concordamos que nestas situações seja discutível a realização da arteriografia, como vem referido na literatura[2, 17]. Perante os achados de ausência de pulso e boa perfusão distal ("pink hand") as opiniões são díspares no que diz respeito à melhor conduta terapêutica. White et al  [14] referem que a ausência de pulso é um indicador de lesão arterial, e mesmo na presença de uma boa perfusão distal, sugerem a necessidade de exploração vascular, enquanto Ramesh et al[ 15] ao avaliar sete fraturas supracondilianas sem pulso e boa perfusão distal, optou pelo tratamento conservador tendo verificado a existência de pulso entre as três e seis semanas de follow up, concluindo que se deve ter uma atitude expectante, na presença de uma boa perfusão distal apesar da ausência de pulso, estando a exploração cirúrgica indicada nos casos de dor intensa ou sinais de deteriorização neurológica e/ou insuficiência vascular.

Numa avaliação sistematizada, Flynn et al, estratificaram qual a melhor conduta terapêutica a tomar nos casos de fraturas supracondilianas com lesão vascular onde podem constatar a recomendação para uma atitude expectante na presença de uma mão rosada e quente, com ausência de pulso radial sendo este caso um bom exemplo do bom resultado desta conduta (Figura_4)  [23].

CONCLUSÕES A lesão neurovascular no contexto de fratura supracondiliana do cotovelo da criança representa um desafio importante para o ortopedista e cirurgião vascular. Perante a documentação de uma lesão de ordem vascular dois cenários poderão ocorrer, merecendo da nossa parte uma conduta diferente. Na presença de perfusão distal em mão rosada, o tratamento imediato da fratura seguida de uma atitude expectante em relação à lesão vascular, com o cuidado de manter uma imobilização inicial a 30º, constitui uma boa opção terapêutica.


transferir texto