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EuPTCVHe1646-21222013000300002

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variedadeEu
ano2013
fonteScielo

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Avaliação numérica e experimental da transferência de carga na articulação da anca com e sem prótese total

INTRODUÇÃO Desde que Sir. John Charnley em 1958, baseandose em princípios biomecânicos, abordou a temática da articulação artificial da anca, que o tema da artroplastia da anca veio a sofrer constantes alterações e avanços, sendo nos dias de hoje uma das intervenções cirúrgicas mais realizadas e bem-sucedidas em todo o mundo [1].

As forças que atuam na articulação da anca tornam-na numa das articulações mais solicitadas do corpo humano, sendo por isso natural que com o passar dos anos apresente alguns sintomas de desgaste na cartilagem, causando dor e desconforto, levando posteriormente a uma intervenção cirúrgica[2].

Após a realização da artroplastia total da anca (ATA), o comportamento biomecânico da articulação sofre alterações devido à substituição da articulação natural por uma artificial, uma vez que, mecanicamente, a artificial apresentam características bastante diferentes do osso humano.

De forma a proporcionar um conhecimento biomecânico mais efetivo relativamente a esta temática, têm sido realizados estudos que combinam técnicas numéricas com modelos experimentais, permitindo avaliar o comportamento ao nível das tensões e deformações presentes nas estruturas ósseas[3-7]. O compromisso entre ambas as técnicas é de grande importância, sendo bastante utilizadas em diversos estudos biomecânicos uma vez que permitem a validação experimental dos modelos numéricos, permitindo assim aferir a qualidade dos resultados numéricos obtidos[4, 8].

É frequente em estudos biomecânicos recorrerse à simplificação do objeto em estudo de forma a facilitar a computação. Imensos estudos utilizam uma simplificação da articulação da anca, ou seja, apenas usam o ilíaco ou o fémur separadamente[6]. Phillips et al[9] por exemplo, embora inclua as ações musculares presentes na articulação da anca, apenas utiliza como objeto de estudo o ilíaco. Em Simões et al[10], os autores apenas consideram uma reação na cabeça do fémur. Este estudo foi realizado com o intuito de analisar a totalidade da articulação (fémur, ilíaco e cartilagem) por forma a aferir como o mecanismo da distribuição de carga na articulação se processa quando o modelo inclui todas as estruturas anatómicas da articulação.

É frequente considerar a cartilagem como sendo um componente. Embora esta simplificação possa causar algumas alterações nos resultados obtidos, acreditamos que não sejam relevantes. Diversos estudos como este consideram a cartilagem como um único componente[11]. Contudo, existem outros que consideram a articulação da anca sem cartilagem. Desta forma, foram comparados experimental e numericamente as deformações principais com dois modelos da articulação da anca, sendo um natural e outro com implante. Foi também analisado numericamente a influência que o componente acetabular pode provocar na distribuição das deformações no osso envolvente.

Desta forma, foram comparados experimental e numericamente as deformações principais com dois modelos da articulação da anca, sendo um natural e outro com implante. Foi também analisado numericamente a influência que o componente acetabular pode provocar na distribuição das deformações no osso envolvente.

MATERIAL E MÉTODOS Foram usados dois modelos da articulação da anca, um no seu estado natural (intacto) e outro com um implante total da anca.

Modelo Natural Na construção dos modelos experimentais foram usados ossos compósitos de um fémur (ref. 3406) e de um ilíaco (ref. 3405) esquerdos, comercializados pela empresa Sawbones Pacific Research Labs, Vashon Island, WA, U.S.A. Este tipo de material é bastante usado em ensaios experimentais, não por serem capazes de reproduzir o comportamento mecânico do osso, mas também porque são invariáveis ao género e não se degradam tão facilmente como o osso real, garantindo também as respetivas semelhanças geométricas[12-14]. Estas estruturas ósseas foram escolhidas por permitirem a comparação entre as duas situações (intacto e implantado).

Para simular a cartilagem foi desenhado um componente em silicone (Figura_1).

Este foi desenvolvido com base na geometria da cabeça do fémur e da cavidade acetabular. A espessura desta camada foi obtida através de um TAC, sendo posteriormente criado um molde em poliuretano e usada a técnica de RTV (Room Temperature Vacuum) para o vazamento do silicone e obtenção da cartilagem.

Neste processo foi usado um silicone VT750 com o CAT 750 como catalisador misturados na proporção de 10:1 usando MCP HEK Tooling GmbH[15-17].

Modelo Implantado No modelo com implante foi utilizado um conjunto press-fit Laffit® com haste femoral de 174 mm de comprimento e cabeça de alumina de 28mm (Figura_2). Este conjunto articula sobre um componente acetabular de polietileno de 60mm encaixado numa cúpula em titânio com fixação através de 3 parafusos. Estes modelos foram implantados experimentalmente por um cirurgião experimente em laboratório com instrumental adequado.

Medições experimentais Em ambos os modelos utilizou-se como sistema de medição das deformações através de um conjunto de rosetas. Baseando-se na condutividade elétrica dos materiais, este sistema de medição é bastante utilizado em ensaios experimentais [4, 7, 18]. Assim sendo, foram utilizadas 6 rosetas, 4 com Φ3mm de referência KFG-3- 120-D17-11 L3M2S e 2 com Φ1mm com a referência KFG-1-120-D17-11 L3M2S comercializadas pela Kywoa Electronic Instruments CoTM aplicadas em cada um dos modelos experimentais.

Nos modelos usados, foram colocadas 4 rosetas em torno da cavidade acetabular, nos alinhamentos anterior - posterior e superior e duas delas no pescoço do fémur. A figura_3 mostra a posição de cada sensor colocado no fémur e no ilíaco.

Condições fronteira Os modelos experimentais foram colocados na sua posição natural, respeitando a inclinação sagital e frontal do fémur, e respetivamente. Foi desenvolvido um sistema de fixação aplicado em cada um dos modelos que restringia o conjunto na asa do ilíaco (na superfície glútea) e no ramo do ísquio.

A fixação permitia a rotação do fémur na sua zona mais distal, garantindo um sistema equivalente de transferência de carga (Figura_4).

Em ambos os modelos foram realizados 5 repetições de ensaios experimentais, tendo sido aplicada uma carga vertical no sentido descendente de 2300 N, que é uma carga aproximadamente equivalente ao momento de descida de escadas para um paciente com 70kg [19] e é uma das situações de carga mais críticas.

Modelo de elementos finitos A modelação dos componentes da articulação da anca natural foi baseada nos modelos sintéticos da Sawbones® referidos anteriormente. Na articulação com implante foram modelados todos os seus componentes, a haste femoral e o componente acetabular. Para tal, foi utilizado o conjunto da articulação artificial da anca press-fit da Laffit®.

Utilizou-se o software de CAD Catia V5R19 Dassault Systems e ambos os modelos foram colocados nas suas posições naturais, tendo sido respeitado o posicionamento natural do implante como na cirurgia in vitro.

Os materiais de cada componente da articulação da anca foram considerados homogéneos, isotrópicos e com comportamento linear elásticos, propriedades apresentadas no quadro_I e com um total de 345546 graus de liberdade em cada modelo.

No modelo intacto foi considerada a interface colada entre o osso cortical e o osso esponjoso, nos componentes do ilíaco e do fémur. Na interface da cartilagem com cabeça do fémur e cavidade do ilíaco foi considerada uma condição de contacto com atrito com a cabeça do fémur de 0,001[19].

No modelo implantado com a prótese pressfit, os constituintes foram considerados colados, contudo, foi considerada uma condição de contacto entre o componente de polietileno e o metálico do componente acetabular e entre a haste femoral e a esfera cerâmica. Foi considerado um coeficiente de atrito de 0,2 entre a esfera cerâmica e o polietileno [20]. Em ambos os modelos de elementos finitos foram aplicadas mesmas restrições e casos de carga aplicados previamente nos modelos experimentais.

RESULTADOS Validação do modelo numérico Em ambos os modelos foram realizadas 5 repetições com o intuito de validar os modelos (natural e com implante). O quadro_II apresenta os resultados das deformações principais dos modelos experimentais obtidos através das leituras das rosetas de extensómetros.

Quadro_II

A regressão linear permitiu avaliar a correlação entre os resultados obtidos numéricos e os experimentais. Em ambos os modelos observou-se um valor de R2 de 0,94 para o modelo natural e 0,93 para o modelo implantado. Verificou-se também os valores de 0,92 e 0,99 para os declives das retas de regressão linear do modelo natural e implantado respetivamente.

Estes resultados indicam uma boa correlação entre os modelos numéricos e experimentais, uma vez que os valores estão próximos de 1. Este facto permite estudar o comportamento biomecânico do conjunto de forma mais completa recorrendo ao modelo numérico validado.

No gráfico da figura_6 verificamos que existem alguns pontos relativamente afastados da linha de regressão linear. Esses pontos dizem respeito aos valores medidos na roseta 4 e podem resultar da geometria irregular da superfície onde a roseta foi colocada, provocando alguns desvios na leitura e consequente afastamento da linha de regressão linear (Figura_7).

Modelo intacto No modelo intacto foi analisada a influência da cartilagem na distribuição das deformações, quer no ilíaco quer no fémur segundo as direções anterior - posterior e medial - lateral. Na figura abaixo pode-se observar a diferença entre as deformações principais mínimas na cabeça do fémur e na cavidade acetabular no seu alinhamento anterior - posterior. Como se pode ver, esta diferença é mais acentuada no centro da articulação, fruto do efeito de absorção da carga por parte da cartilagem (Figura_8).

No fémur, verificou-se um aumento das deformações de cerca de 20% quando não consideramos a cartilagem. Este aumento das deformações pode em parte explicar a dor sentida nesta articulação por parte dos pacientes quando ocorre contacto osso-osso (Figura_9).

Verificou-se, como esperado, um aumento das deformações no fémur no modelo com cartilagem (Figura_10). Este comportamento foi observado quer no aspeto medial quer no aspeto anterior. Tal pode resultar do facto de com cartilagem existir uma maior área para a transferência de carga do ilíaco para o fémur e desta forma aumentar a solicitação mecânica deste[21].

Intacto V.S. Implantado A cavidade acetabular foi dividida em 4 secções, a inferior (I), posterior (P), superior (S) e anterior (A) tal como referido anteriormente.

Comparando as deformações principais ao longo da cavidade acetabular dos dois modelos, verificamos que as deformações principais máximas diminuem cerca de 15% (Figura_11).

Neste sentido, verificou-se que onde a diminuição é mais acentuada é entre a posição P e S, registandose diminuições na ordem dos 60%. Existe também um pico de diferença perto da posição A, onde se registam diminuições das deformações da ordem dos 80% (Figura_11).

Em relação às deformações principais mínimas observou-se que a principal diferença ocorreu na zona anterior A, mas também entre a posição P e S.

Outra das formas de avaliar a estabilidade de um implante é através da análise dos micromovimentos entre o implante e o osso. Neste caso foi feita a avaliação dos micromovimentos nos alinhamentos anterior - posterior e inferior - superior (Figuras_12 e 13).

Verificou-se que os micromovimentos no alinhamento inferior - superior apresentam valores mais elevados na região inferior. Esta observação pode ser devido ao facto desta região conter um menor suporte por parte do osso envolvente.

No alinhamento anterior - posterior verificaram-se valores mais baixos no centro da cavidade acetabular. Neste caso, quer na região anterior quer na região posterior a amplitude de micromovimentos é bastante semelhante, registando-se assim uma discrepância para os micromovimentos observados no centro da articulação.

DISCUSSÃO Foi possível verificar em ambos os modelos, intacto e modelo com implante, uma boa correlação entre os modelos numéricos e os modelos experimentais, sendo que em ambos os casos os valores de R2 e do declive da reta são próximos de 1.

Adicionalmente, e como forma de complementar estes indicadores, foi calculado o RMSE para ambos os modelos. Usando este indicador, expresso em percentagem, foi possível observar uma correlação entre modelos numéricos e experimentais com uma diferença de cerca de 5% para o modelo intacto e de 9% para o modelo com implante. Estes valores mais uma vez, corroboram o previamente afirmado, garantindo assim uma boa correlação entre modelos numéricos e modelos experimentais, permitindo validar os modelos numéricos.

Este resultado é bastante satisfatório, uma vez que Rajesh et al[22] também obteve uma correlação entre modelos numéricos e experimentais bastante semelhantes aos valores por nós observados.

A boa correlação entre ambos os modelos é de grande importância porque desta forma é possível utilizar os modelos numéricos para estudar o comportamento biomecânico das estruturas envolvidas, o que em alguns casos seria impossível de ser feito através de técnicas experimentais.

Verificou-se neste estudo, tal como publicado por Dastra e Huiskes, que a as maiores deformações na articulação natural da anca são na região superior - anterior da cavidade acetabular[23]. Este resultado, dada a posição anatómica da articulação confirma o expectável.

Deve ser referido o papel importante que a cartilagem desempenha na articulação. Embora neste estudo não tenha sido muito aprofundado o comportamento mecânico da cartilagem, foi possível verificar a importância da mesma na biomecânica da articulação e na sua contribuição para a distribuição das cargas. Neste estudo verificouse que uma articulação sem cartilagem apresenta um comportamento mecânico completamente diferente do obervado com a articulação saudável, sendo que os níveis de deformação presentes no osso são completamente alterados pela ausência desta, e que podem em parte justificar a dor sentida na articulação por parte dos pacientes.

Aquando da necessidade de colocação de implante na articulação da anca é importante garantir que este seja colocado na posição correta para assegurar a sua estabilidade primária. É de fácil compreensão que uma articulação natural (sem implante) não tem o mesmo comportamento mecânico que uma articulação com implante. Tal está de acordo com alguns estudos realizados para avaliar as deformações que ocorrem em torno da cavidade acetabular/implante[24,25].

Com este estudo foi possível avaliar as diferenças ao nível as deformações principais entre um modelo natural e um modelo com implante.

Verificou-se que a distribuição das deformações principais apresenta valores mais baixos no modelo implantado do que no modelo natural. É principalmente na região posterior P e superior S que esta diminuição é mais evidente. Isto significa que esta região pode ser mais afetada com a colocação do implante, induzindo o efeito de stress-shielding devido à pouca solicitação do tecido ósseo. Contudo, na restante superfície, embora se registem deformações inferiores às do modelo intacto, as diferenças não são significativas[26, 27].

Outro fator importante para garantir a estabilidade do implante é a amplitude dos micromovimentos presentes entre a superfície do implante e o osso. Os micromovimentos observados no nosso estudo centram-se abaixo dos 100 μm o que segundo Pillar et al [28, 29] promove o crescimento ósseo e evita o deslocamento do implante, que é um dos problemas mais observados clinicamente na revisão da artroplastia da anca.

Os valores mais elevados de micromovimentos foram registados na região anterior e superior. Comparando os resultados com outros estudos previamente realizados, quer por Spears et al [30] quer por Bergman et. al [3], verificamos que os resultados obtidos no nosso estudo são consistentes com os publicados.

CONCLUSÃO Com base nos resultados obtidos neste estudo podemos concluir que os modelos numéricos replicam os modelos experimentais com uma diferença de 5% e 9% para o modelo natural e com implante respetivamente.Este resultado dá-nos confiança necessária para usar os modelos numéricos na analise da problemática da artroplastia total da anca e consequentemente o comportamento mecânico do osso.

Através da análise deste estudo foi também possível verificar a importância da cartilagem na distribuição das deformações e na absorção do impacto das cargas que se exercem na articulação da anca.

Com base na distribuição das deformações principais é possível afirmar que o risco de remodelação óssea desfavorável é mais provável de ocorrer na região posterior - superior do acetábulo devido ao efeito de strain-shielding.

A região posterior do acetábulo é a mais suscetível de perda óssea por ser menos solicitada. Por outro lado, neste estudo verificou-se que a região onde existiam os valores mais elevados de micromovimentos é na região anterior - superior, o que provoca uma maior instabilidade ou o risco de laxação do implante nessa região.


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