Escoliose degenerativa
INTRODUÇÃO
A escoliose é uma deformidade rotacional tridimensional complexa envolvendo a
coluna nos planos coronal, sagital e axial.
A escoliose degenerativa tem uma prevalência estimada até 64%, e é causa de
dor, incapacidade, défices neurológicos e alterações cosméticas significativas,
particularmente na população mais idosa[1-5].
Recentemente, tem-se vindo a constatar um interesse crescente pela patologia,
com o aparecimento de classificações alternativas, e incorporação de novos
dados clínicos e imagiológicos na avaliação inicial, com implicações no
diagnóstico, tratamento e seguimento destes pacientes. Paralelamente, o avanço
das técnicas cirúrgicas e anestésicas tem levado a um aumento nas indicações e
complexidade das cirurgias. Com o envelhecimento da população, a atenção à
qualidade de vida e aos custos associados com os tratamentos, a escoliose
degenerativa torna-se uma preocupação central de saúde pública.
O objetivo deste trabalho é apresentar uma revisão da literatura atualizada
sobre escoliose degenerativa, incluindo os mais recentes avanços no que diz
respeito à epidemiologia, fisiopatologia, clínica e intervenção terapêutica.
FONTE DE DADOS
Foi conduzida uma pesquisa na base de dados Pubmed, usando como termos-chave
"degenerative scoliosis" e "adult scoliosis", limitada
aos últimos 10 anos. Foram selecionados artigos originais e de revisão que se
debruçassem sobre o estudo da escoliose degenerativa, de acordo com a
relevância para o trabalho. Outros artigos foram pesquisados a partir de
referências dos anteriores.
DEFINIÇÃO
A escoliose do adulto, seja a Escoliose Idiopática do Adulto (EIA) ou a
Escoliose Degenerativa do Adulto (EDA), é uma deformidade que ocorre numa
coluna vertebral após total maturação e que apresenta uma curvatura maior que
10º no plano coronal quando medida pelo método de Cobb[6-8].
A EIA surge como uma progressão de uma escoliose com origem na infância ou
adolescência, enquanto a EDA surge na vida adulta devido à degeneração de
segmentos da coluna sendo por isso também designada por escoliose "de
novo"[9]. A única prova de que uma escoliose acontece "de
novo" é a existência de exames radiológicos e relatórios médicos durante
a infância e adolescência que mostrem curvaturas normais. Sendo assim, é fácil
compreender que a distinção entre os dois tipos de escoliose do adulto se torna
muitas vezes impossível[10].
PREVALÊNCIA
Apesar de ser difícil estimar a prevalência da patologia, foram feitas
estimativas de acordo com o grau da curvatura. A prevalência da EDA varia
inversamente com a gravidade da curvatura, pelo que para curvaturas de 10º, 10-
20º e >20º as prevalências são de 64, 44 e 24% respetivamente. Acontece com a
mesma frequência em homens e mulheres (1:1) e o diagnóstico é geralmente feito
após os 40 anos, com a média de idade a rondar os 70,5 anos. Devido aos
contínuos progressos na medicina e melhoria da qualidade de vida das
populações, tem-se verificado um aumento da esperança média de vida, com
envelhecimento populacional e consequente aumento na prevalência desta
patologia[10, 11].
ETIOLOGIA
A escoliose degenerativa ocorre sobretudo a nível lombar. O ápice da curvatura
lombar ocorre em L2/ L3 e a sua amplitude raramente excede os 60º. As
alterações degenerativas que ocorrem na EDA afetam as facetas articulares e
discos intervertebrais lombares levando a uma perda ou atenuação da lordose
lombar associada muitas vezes a alterações compensatórias pélvicas e ao nível
da coluna torácica[10].
Alguns fatores etiológicos foram identificados como estando envolvidos no
desenvolvimento e progressão da escoliose degenerativa, sendo os mais comuns a
doença degenerativa discal, a osteoporose, a osteoartrose, fraturas de
compressão, estenose do canal vertebral, anomalias endocondrais e tropismos nas
facetas articulares[10].
CLASSIFICAÇÃO
O objetivo de um sistema de classificação para a escoliose no adulto é o de
permitir a categorização sistemática da deformidade, oferecer um prognóstico
sobre a história natural da deformidade, e fornecer um guia para o tratamento
ótimo e adequado da mesma[12].
A maioria das classificações são para escoliose no adolescente e até
recentemente não existia nenhum sistema de classificação globalmente aceite
para a EDA[13]. As classificações de King e Lenke são utilizadas para
classificação da escoliose no adolescente. Contudo, estas não podem ser usadas
no seguimento e tratamento dos pacientes com EDA dado que no adulto é
necessário ter em conta outros padrões da deformidade como o alinhamento
global, a compensação pélvica e problemas locais (estenoses, subluxações,
degeneração), que não são considerados no adolescente e portanto, falham neste
sistema de classificação[1, 12, 14].
A forma mais fácil de classificar uma deformidade no adulto é através da sua
localização: cervicotorácica, torácica, toracolombar, lombar, etc. Esta é
contudo uma forma demasiado simplista, sendo bastante limitada na classificação
da curvatura e na escolha da estratégia terapêutica[12].
Aebi et al., em 2005, classificaram a escoliose do adulto em três tipos
principais[4]:
Tipo I: Escoliose degenerativa primária ou "de novo" -
localizada sobretudo na região toracolombar ou lombar. Esta desenvolve-se após
total maturação do esqueleto, durante a vida adulta. Caracterizase por uma
degeneração assimétrica dos discos intervertebrais e facetas articulares. O
aparecimento da escoliose "de novo" pode ser confirmado por
observação de radiografias anteriores do doente. A estenose vertebral é
observada mais frequentemente nesta do que na escoliose secundária. O ápice da
curvatura encontra-se frequentemente entre L2/L3 ou L3/L4[4, 15].
Tipo II: Escoliose idiopática progressiva. Ocorre sobretudo ao nível da coluna
torácica, toracolombar e/ou lombar. Deformidade que se desenvolve antes da
total maturação do esqueleto mas só se torna sintomática durante a vida adulta
por razões mecânicas, ósseas e/ou degenerativas[4, 15]
Tipo III: Escoliose degenerativa secundária.
a) Escoliose que ocorre no contexto de uma obliquidade pélvica devido a
discrepância no comprimento dos membros inferiores, patologia da anca ou uma
anomalia na transição lombossagrada; localiza-se principalmente na coluna
lombar, ou lombossagrada.
b) Escoliose secundária a doença metabólica óssea, sobretudo osteoporose,
combinada com doença artrítica assimétrica e/ou fraturas vertebrais[4, 15].
Mais recentemente foi desenvolvido o sistema de classificação da Scoliosis
Research Society (SRS - Schwab) que fornece uma estrutura para a abordagem do
paciente com deformidade degenerativa, baseada na evidência [16, 17]. O
objetivo foi obter um sistema universalmente aceite, fiável e baseado em dados
radiográficos para as deformidades vertebrais no adulto, seja na EDA, na
deformidade sagital isolada, ou em associação[12].
Este sistema de classificação usa radiografias vertebrais totais no plano
sagital e coronal de modo a aferir o equilíbrio sagital e coronal, padrão
regional da deformidade e alterações degenerativas focais da mesma. Neste
sistema de classificação são identificados 6 tipos de curvaturas
"major" no plano coronal: 1- torácica única; 2- torácica dupla; 3-
dupla major; 4- tripla major; 5- toracolombar; 6- lombar (idiopática ou
"de novo"). Os critérios para se considerar uma curvatura torácica
primária incluem magnitude maior ou igual a 40º e fio de prumo a partir de C7
que cai lateralmente ao corpo vertebral no ápice da curvatura. Os critérios
para curvaturas toracolombares e lombares incluem magnitude da curva maior ou
igual a 30º e linha vertical sagrada central que cai lateralmente ao corpo da
vértebra apical da curvatura.
Para além dos 6 padrões principais de curvaturas coronais, este sistema de
classificação inclui a deformidade simples no plano sagital sem deformidade
torácica ou lombar no plano coronal associada. Os critérios para deformidade
sagital "major" incluem cifose aumentada em uma ou mais das
medições sagitais regionais, tais como: 1- cifose torácica proximal (T2-T5) = +
20°, cifose torácica principal (T5-T12) = + 50°, cifose toracolombar (T10-L2) =
+ 20°, e lordose lombar (T12-S1) = - 40°. Como a deformidade no adulto
compreende tipicamente deformidades coronal e sagital conjugadas, as medições
sagitais regionais podem ser usado como modificadores regionais sagitais para
descrever uma deformidade coronal com mau alinhamento no plano sagital
associado.
Este sistema inclui também modificadores degenerativos lombares: 1- doença
degenerativa discal com diminuição da altura do disco e artropatia das facetas
identificados nas radiografias incluindo o nível mais baixo entre L1 e S1; 2-
listese (rotacional, lateral, anterior ou posterior) = 3 mm incluindo o nível
inferior L1 a L5; 3- curvatura juncional L5-S1 = 10º.
Em caso de desequilíbrio coronal ou sagital é incluído um outro modificador. A
perda de equilíbriosagital é considerada significativa se o fio de prumo da
vértebra de C7 cai 5 cm ou mais anterior ou posteriormente ao promontório
sagrado. A perda de equilíbrio coronal é significativa, e incluída no sistema
de classificação, quando o fio de prumo da vértebra de C7 cai 3 cm ou mais
lateralmente à linha sagrada central vertical.
A grande limitação deste sistema de classificação deve-se ao facto de não levar
em conta os fatores clínicos do doente, como a sua sintomatologia, idade e co
morbilidades.
Apesar disso, este sistema dá-nos uma classificação radiográfica que permite
categorizar as diferentes deformidades e, eventualmente, oferecer um guia para
o tratamento da mesma[9, 12, 16, 17].
PATOFISIOLOGIA
A escoliose degenerativa, sobretudo a que acontece a nível lombar, tem uma
patogénese mais ou menos constante[4].
Considera-se que seja sobretudo causada pela degeneração assimétrica dos discos
intervertebrais e facetas articulares, sendo esta característica que a
distingue dos outros tipos de escoliose[4, 18, 19]. A degeneração assimétrica
que ocorre ao nível dos discos intervertebrais e/ou facetas articulares das
vértebras leva a que nesse segmento passe a existir uma distribuição
assimétrica das cargas e consequentemente uma distribuição assimétrica das
forças por toda a coluna vertebral[12]. Esta distribuição anormal vai levar ao
desenvolvimento de uma deformação assimétrica na coluna, que, por sua vez, vai
conduzir a um agravamento da degeneração e distribuição de cargas assimétricas,
criando-se assim o ciclo vicioso que leva à progressão da curvatura vertebral.
A degeneração assimétrica dos discos intervertebrais, que é o principal
mecanismo que leva à progressão da curvatura, pode ser acelerada por outros
fatores como a presença de osteopenia, osteoporose, ou outros distúrbios
metabólicos ósseos, sobretudo em mulheres pós-menopausa, pelas alterações que
ocorrem nesta altura na densidade óssea com maior fragilidade que predispõe ao
colapso, degeneração e progressão da curvatura[1, 4, 12].
A degeneração e destruição dos elementos estruturais da coluna vertebral como
os discos intervertebrais, facetas e cápsula articulares são responsáveis pelo
agravamento da curvatura no plano coronal, e com isto, uma deformidade no plano
sagital pode ocorrer em simultâneo[12]. Podem surgir espondilolistese,
translação ou rotação dos elementos vertebrais. Esta instabilidade também é
responsável por uma reação biológica que leva nos segmentos instáveis à
formação de osteófitos nas facetas articulares (espondilartrose) e nas
plataformas vertebrais (espondilose). Estas alterações em combinação com
hipertrofia e calcificação do ligamento amarelo e da cápsula articular
contribuem para o desenvolvimento de estenose central, do recesso lateral e
foraminal, responsáveis por alguns dos sintomas nestes pacientes[20].
AVALIAÇÃO CLÍNICA
A avaliação clínica do paciente deve iniciar-se pela elaboração de uma história
clínica detalhada.
Na avaliação de uma escoliose, é importante em primeiro lugar procurar excluir
a possibilidade de uma escoliose idiopática progressiva, ou seja, com origem
antes do final da maturação da coluna vertebral.
O doente deve ser inquirido acerca de alterações que tenha notado em si nos
últimos tempos, como mudança postural, na forma como assenta a roupa, na
marcha, ou outras. É importante ter especial atenção às curvaturas rapidamente
progressivas pois podem ser devidas a problemas neurológicos de base.
Deve ser identificada a principal queixa ou queixas do doente, sejam elas a
dor, claudicação, deformidade, défices neurológicos ou outras[10].
O principal sintoma da escoliose degenerativa é a dor, estando esta presente no
diagnóstico em 90% dos pacientes[15, 17, 18, 21]. Esta pode apresentar-se de
diversas formas e ser acompanhada de outros sintomas. Todos os detalhes acerca
da dor do paciente devem ser questionados: localização, intensidade,
irradiação, fatores de alívio e agravamento, duração e sintomas relacionados.
Estudos revelaram que a intensidade da dor não se correlaciona com a magnitude
da curvatura no plano coronal[3, 22].
Deve questionar-se o doente para a existência de dor noturna dado que esta pode
ter uma fonte neurogénica, como um tumor da medula espinhal. É ainda importante
avaliar se a dor que o doente apresenta é puramente axial ou radicular. A dor
axial está mais provavelmente associada com o grau de subluxação lateral
radiográfico e desequilíbrio sagital e, consequentemente, pode necessitar de
tratamento cirúrgico, incluindo realinhamento sagital extenso. Também é
importante descartar outras fontes de dor axial, como fraturas patológicas ou
infeção[9].
Dor ao nível da convexidade é geralmente causada pela fadiga dos músculos
paravertebrais ou provem das facetas articulares[15, 18, 23]. Dor ao nível da
concavidade da curvatura pensa-se ser causada pela destruição das facetas
articulares e alterações degenerativas nos espaços discais[15, 23].
Frequentemente esta dor é difusa e ocorre sobretudo ao nível da parte inferior
da curvatura lombar. É comum a existência de pontos de dor acentuada
("trigger points") nos locais de inserção dos músculos ao nível da
crista ilíaca, sacro e cóccix, e a dor piorar em posição sentada ou ortostática
devido ao aumento da carga sobre a coluna, sendo portanto fácil de compreender
que os doentes refiram melhorias na posição deitada[4].
A dor pode fazer acompanhar-se por dor radicular na perna e/ou claudicação
neurogénica sendo este o segundo principal sintoma desta patologia e ocorre
quando o doente se encontra em posição ortostática ou durante a marcha, podendo
ser muito debilitante[4].
O paciente pode ter uma verdadeira dor radicular devido a compressão ou tração
da raiz nervosa. Em geral, os sintomas radiculares são unilaterais e quando
ocorrem na concavidade da deformidade geralmente devem-se ao estreitamento dos
buracos intervertebrais, com compressão nervosa mais severa ao nível do ápice
da concavidade da curvatura, ou à rutura dos discos causando radiculopatia[10,
15, 18, 20, 23].
O terceiro principal sintoma são os défices neurológicos que podem incluir
raízes individuais, diversas raízes ou até a totalidade da cauda equina ou do
cordão medular, resultando em distúrbios dos esfíncteres. Contudo, e
felizmente, estes distúrbios neurológicos são raros.
A progressão e agravamento da curvatura revelase o quarto sintoma de relevância
da doença podendo ser um importante indicador para a necessidade de tratamento
cirúrgico.
A deformidade estética causada pela escoliose degenerativa é geralmente bem
tolerada pelo idoso, embora possa fazer parte das suas queixas. Contudo, a
apresentação estética da deformidade pode ter um papel significativo, em
especial nos pacientes mais jovens, com menos de quarenta anos de idade[4].
Nesta fase da avaliação devem-se também determinar os fatores de risco,
antecedentes pessoais e familiares do paciente, que nos podem ajudar a prever o
risco cirúrgico e ajudar na decisão terapêutica. A história social, familiar e
as co morbilidades são de grande relevância dado que depressão e uso de
nicotina, bem como história de asma, doença pulmonar obstrutiva cronica, doença
cerebrovascular, doença cardíaca, diabetes, mal nutrição e stress estão
correlacionados com piores resultados[10, 18]. A escoliose no adulto pode
limitar de forma significativa a sua qualidade de vida[24].
Um estudo recente propôs a hipótese da existência de uma relação entre a
diminuição da duração do sono, que se observa cada vez mais nos nossos dias, e
a diminuição da densidade mineral óssea e aumento da expressão das citoquinas
inflamatórias IL-1, sendo portanto um fator de risco para a progressão da
escoliose degenerativa[25].
O exame físico de um paciente com escoliose pode ser praticamente normal. Os
pacientes devem ser examinados em roupa interior. Devem ser avaliados em
primeiro lugar de pé com os joelhos totalmente estendidos para avaliar o
equilíbrio global coronal e sagital. Qualquer assimetria nos ombros ou pélvica
deve ser registada. Manobras de flexão anteriores e laterais ajudam a avaliar a
rigidez da curvatura, o que pode ser importante para o prognóstico. O
comprimento dos membros e as obliquidades pélvicas devem ser avaliados. A
discrepância no comprimento dos membros é uma das possíveis causas de
deformidade que pode ser corrigida com sapatos ortopédicos, caso a curvatura
não seja muito rígida[10].
Um exame neurológico sumário deve ser realizado, incluindo avaliação dos pares
cranianos, avaliação do tónus muscular, reflexos e marcha. Um exame
cardiovascular e pulmonar bem como avaliação do estado geral do doente são
necessários para determinar a possibilidade de tratamento cirúrgico[8].
É ainda preciso ter em atenção que muitos pacientes com deformidades de longa
duração desenvolveram contraturas pélvicas em flexão, e que, mesmo após a
correção do problema de base, essas contraturas manter-se-ão. Pode ser
necessário proceder ao tratamento prévio destas antes de se optar pelo
tratamento cirúrgico do problema da coluna[9].
ESTUDO IMAGIOLÓGICO
Radiografia, tomografia axial computorizada (TAC), mielografia, ressonância
magnética nuclear (RMN) e determinação da densidade mineral óssea, são alguns
dos exames que podem ser úteis no diagnóstico e avaliação da escoliose
degenerativa.
As radiografias simples da coluna total, anteroposteriores e laterais, devem
ser obtidas de forma estandardizada, com o paciente em pé, ancas e joelhos em
extensão, para avaliar o equilíbrio global da coluna vertebral no plano coronal
e sagital. Devem ser feitas periodicamente e comparadas com radiografias
prévias do doente para avaliação da progressão da doença[9, 10].
A partir da radiografia A-P deve ser medido o ângulo de Cobb traçando duas
linhas perpendiculares às plataformas das vértebras superior e inferior da
angulação, e que nos dá o desvio no plano coronal. O alinhamento sagital
avalia-se através da visualização numa radiografia lateral da colocação de um
fio de prumo através do centro do corpo vertebral de C7 que deve passar através
do promontório sagrado, embora uma linha de até 5 centímetros anterior possa
ser considerada normal[26]. Se a linha passar mais anteriormente considera-se
que o paciente tem um balanço sagital positivo, e se pelo contrário passar
posteriormente, o paciente tem um balanço sagital negativo.
A avaliação radiográfica da coluna deve-se estender até à pelve. Quatro
parâmetros pélvicos sagitais são reconhecidos: incidência pélvica (PI), versão
pélvica (PT), declive sagrado (SS) e eixo sagital vertical (SVA). Os três
primeiros parâmetros relacionam-se pela equação matemática PI = PT + SS, onde a
PI é um parâmetro morfológico relativamente constante próprio de cada indivíduo
e o PT e SS variam de acordo com a posição pélvica. As variações nestes dois
últimos parâmetros geralmente ocorrem por mecanismos compensatórios do doente
na tentativa de manter o alinhamento sagital. O SVA é a distância em
centímetros entre o fio de prumo de C7 ao ângulo póstero superior promontório
sagrado. A escoliose degenerativa está associada a uma progressiva perda da
lordose lombar, que por si só é responsável pela dor e disfunção, mesmo nos
casos em que os mecanismos compensatórios mantêm o alinhamento sagital global
[23, 27]. A perda da lordose lombar inicia um desequilíbrio sagital passando o
fio de prumo de C7 a cair mais à frente. Por mecanismos compensatórios, há uma
retroversão da pelve, com aumento do PT e diminuição do SS, de modo a ser
possível manter o alinhamento sagital. Com a evolução da doença, o doente
tenderá a começar a fletir os joelhos, quando os mecanismos anteriores já não
se mostram suficientes[14, 28-31].
Para pesquisa do equilíbrio sagital é importante então medir: a lordose lombar
(LL), a versão pélvica (PT) e o eixo sagital vertical (SVA) parâmetros
descritos por Schwab et al. como estando intimamente relacionados com a dor e
disfunção. Um balanço sagital ideal é definido quando o fio de prumo de C7
passa até 5 cm anterior ao promontório sagrado e PT < 25º. Estudos iniciais
indicavam LL < 40º e SVA > 95 mm como fatores pejorativos[32, 33]. Uma análise
de 492 doentes consecutivamente tratados por deformidade do adulto (cirúrgica
ou conservadoramente) mostrou uma associação entre incapacidade severa (ODI >
40) e PT > 22º, SVA > 47 mm ou PI - LL > 11º[34].
Caso a cirurgia esteja a ser considerada, devem realizar-se radiografias
dinâmicas em flexão/extensão e flexão lateral a fim de determinar a
flexibilidade da curvatura bem como instabilidades e espondilolistese[1, 9].
Mais informação acerca da anatomia óssea, estenose central, do recesso ou
foraminal, podem ser obtidas por TAC com ou sem mielografia. A RMN pode
fornecer maior informação acerca dos elementos neurais, vasculares, partes
moles e hidratação dos discos. É muito útil na identificação e localização da
estenose vertebral[10, 15].
As discografias podem ser necessárias na identificação do segmento doloroso,
como teste provocatório, particularmente quando este se encontra no segmento
lombar (L1-S1) podendo ajudar na decisão acerca de que níveis incluir na fusão
aquando da cirurgia, embora sejam cada vez menos realizadas, e o seu uso muito
controverso[2, 4].
HISTÓRIA NATURAL
A história natural da evolução da escoliose degenerativa é igual nos homens e
nas mulheres [8]. Em cerca de dois terços dos casos verifica-se um agravamento
progressivo de aproximadamente 1 a 6º (em média 3º) por ano, mais acentuado nas
curvaturas lombares e menos nas curvaturas combinadas[8, 10]. Esta lenta
progressão implica uma vigilância regular, aconselhada a cada 5 anos, que
poderá ser ainda mais apertada a partir do aparecimento de sinais francos de
agravamento. Alguns estudos revelaram que certas curvaturas, com determinadas
características, tinham uma progressão maior: ângulo de Cobb superior a 30º,
rotação apical significativa, listese lateral maior que 6 mm, linha bi-ilíaca
ao nível do disco intervertebral L4-L5 ou abaixo deste nível[8, 10].
TRATAMENTO
A decisão acerca do tratamento a ser realizado em cada doente, a favor ou
contra a cirurgia e mais especificamente, qual o tipo de cirurgia a realizar é
bastante complexa. O modo de apresentação da patologia, sintomas, e outros
fatores como co morbilidades do paciente têm influência no resultado do
tratamento e são necessários ter em conta na altura da escolha do mesmo. Os
fatores psicológicos e espectativas do doente devem ser igualmente considerados
[1]. Ao contrário da escoliose do adolescente onde é a apresentação
radiográfica que guia o tratamento, no caso do adulto a decisão do tratamento
deve basear-se nos achados clínicos em conjunto com os achados radiográficos
[35].
Um estudo feito por Glassman et al [36] identificou alguns parâmetros que
influenciam a escolha do tratamento não cirúrgico versus cirúrgico por parte
dos cirurgiões e pacientes. O estudo revelou preferência pelo tratamento
conservador em doentes com muitos fatores de risco pré operatórios devido ao
aumento das complicações cirúrgicas. O tratamento cirúrgico foi preferido por
pacientes com mais sintomas, dores mais intensas e incapacitantes, com duração
superior a seis meses e dor irradiada. A magnitude da curvatura no plano
coronal não se relaciona diretamente com a intensidade da dor, mas a existência
de deformidade no plano sagital é responsável por maior sintomatologia[22, 36].
A aparência estética e o modo como o paciente se sente em relação à mesma é
outro fator que influencia a escolha do tratamento.
TRATAMENTO NÃO CIRÚRGICO
Por vezes, o diagnóstico de escoliose é feito acidentalmente através de exames
imagiológicos pedidos por outro motivo. Nesses casos, e em pacientes
assintomáticos, o tratamento não está indicado, recomendando-se apenas um
seguimento do paciente e da evolução da curvatura[1].
Apesar de geralmente ser escolhido empiricamente, a eficácia do tratamento não
cirúrgico a longo prazo não está bem suportada na literatura[10, 15, 37]. No
entanto este deve ser tentado inicialmente, podendo mesmo melhorar os
resultados de uma cirurgia subsequente[20].
As opções não cirúrgicas para os pacientes sintomáticos com escoliose
degenerativa incluem o uso de agentes farmacológicos (como os anti-
inflamatórios não esteroides, analgésicos, antidepressivos tricíclicos para a
dor noturna, gabapentina ou prégabalina em casos de dor neuropática e
relaxantes musculares), fisioterapia, hidroterapia e exercícios de
fortalecimento muscular[10, 15].
O uso de ortóteses pode aliviar temporariamente a dor mas o seu uso prolongado
resulta em fraqueza dos músculos vertebrais e não impede a progressão da
curvatura[8, 15].
A estimulação elétrica nervosa transcutânea foi prescrita para alívio da dor
crónica e radicular em pacientes sintomáticos[1].
Outros métodos mais invasivos para controlo da dor e auxílio no diagnóstico
tais como infiltrações esteroides epidurais, bloqueios radiculares,
infiltrações nas facetas articulares bem como nos pontos gatilho, podem ser
usados com resultados variáveis, mas muitas vezes satisfatórios[4, 8, 15].
O tratamento da osteoporose e a prevenção de perda de massa óssea são
encorajados em todos os doentes, especialmente em pacientes do sexo feminino[1,
10].
TRATAMENTO CIRÚRGICO
Estudos revelaram um impacto positivo da cirurgia na melhoria das dores nas
costas e na perna em doentes seguidos por 2 anos quando comparados com doentes
submetidos ao tratamento conservador[38, 39].
Indivíduos mais idosos geralmente apresentam mais co morbilidades e maior risco
de complicações cirúrgicas, mas, apesar do que se poderia pensar, têm um ganho
desproporcionalmente superior com o tratamento cirúrgico, com diminuição da
sintomatologia mais marcada e melhoria na qualidade de vida quando comparados
com os indivíduos mais jovens[40].
Não existe um consenso global acerca das indicações e plano cirúrgico. As
indicações comuns para cirurgia são dor intratável apesar da terapia
conservadora, que afeta severamente a vida do paciente, radiculopatia, défices
neurológicos e raramente a aparência estética[1, 9, 10, 15]. Curvaturas
lombares com mais de 30-40º no plano coronal e/ ou listese à apresentação de
mais de 6 mm devem ser consideradas para cirurgia[8]. Outro fator a ter em
conta é a progressão da curvatura e dos défices neurológicos, principalmente em
pacientes em que esta progressão é maior que 10º e/ou há um aumento da
subluxação maior que 3 mm com agravamento da sintomatologia[9].
As técnicas cirúrgicas possíveis incluem abordagens posterior, anterior ou
combinada. Nestas abordagens pode-se proceder a descompressão, estabilização ou
ambas [4, 21]. Em alguns casos estão indicados procedimentos adicionais de
fusão, incluindo instrumentação de segmentos ou osteotomias (Figuras_1 e 2),
tendo estas particular interesse em deformidades sagital-coronais rígidas [4,
11, 17].
Os procedimentos de descompressão isolada (laminectomia, laminotomia, e
foraminotomia) estão raramente indicados, embora possam ser uma opção atrativa
em pacientes idosos com outras co morbilidades, dado serem procedimentos com
morbilidade mais reduzida e promoverem o alívio sintomático a curto prazo.
Estes estão indicados em casos de claudicação neurogénica no contexto de
estenose central e do recesso lateral sem dor axial ou instabilidade, dado não
terem efeito sobre estas e sobre a progressão da curvatura, podendo mesmo
agravá-las e levar o doente a necessitar de uma nova cirurgia[4, 15, 18].
A história natural da escoliose degenerativa envolve a progressão da curvatura,
instabilidade e descompensação devido à degeneração progressiva dos elementos
estruturais da coluna vertebral. No sentido de tentar travar o avanço da doença
e diminuir as sequelas incapacitantes, a fusão dos segmentos afetados da coluna
vertebral é uma opção cirúrgica, com ou sem descompressão. Quando a dor axial,
com ou sem dor irradiada, é o principal sintoma, a artrodese está geralmente
indicada. Na literatura mais recentemente publicada, a combinação de
descompressão e fusão usando dispositivos de fixação dá bons resultados em
termos de alívio da dor, capacidade de marcha, e satisfação do paciente[7, 15,
17, 18, 20, 41, 42].
Em debate mantem-se quais os níveis vertebrais a incluir na fusão e
instrumentação. Ao determinar a extensão da fusão a realizar, o alinhamento
deve ser avaliado em ambos os planos coronal e sagital. Idealmente a fusão deve
incluir todos os segmentos da deformidade coronal, podendo terminar
superiormente ao nível da vértebra horizontal. No plano sagital, a fusão deve
restaurar de modo ótimo a lordose lombar e corrigir a cifose toracolombar.
Apesar de ser um assunto pouco consensual, a maioria dos cirurgiões considera
que o nível superior da artrodese deve ser uma vértebra estável, ou seja, uma
vértebra intersetada pela linha sagrada vertical central. Outra regra
globalmente aceite é que a fusão nunca deve terminar ao nível do ápice de uma
cifose focal ou regional[14, 43-47].
Mais controversa é a necessidade de incluir ou não a charneira lombossagrada na
fusão [48]. Parar a fusão em L5 reduz a magnitude do procedimento e evita
complicações associadas. Em contrapartida este benefício pode perder-se no
tempo, com descompensação do segmento inferior e eventual necessidade de
cirurgia de revisão, além de que a fusão mais longa permite uma melhor correção
no plano sagital. Numa coorte de pacientes submetidos a fusão proximal a L5,
Edwards et al. demostraram uma progressão da degenerescência L5S1 de 61% em 5,6
anos em média, com 4 em 19 doentes a necessitarem de cirurgia de revisão[49].
Contudo, numa comparação posterior desta coorte com outra de pacientes
submetidos a fusão incluindo a charneira verificou-se não haver diferenças
clínicas significativas entre os dois grupos, e uma mais alta taxa de
complicações e de cirurgia de revisão no segundo grupo[50]. Indicações mais
consensuais para extensão à charneira lombossagrada são degenerescência
significativa de L5-S1, obliquidade L5-S1 > 15º, estenose descompressão prévia
ou espondilolistese L5-S1[51].
Schwab et al [52] mostraram que o alinhamento sagital é decisivo no resultado
final e estabeleceram limiares para o alinhamento ideal pós-operatório em que
SVA < 50 mm, PT < 25º e LL proporcional ao PI: PI - LL = +/- 10º.
COMPLICAÇÕES
Com o desenvolvimento dos sistemas de instrumentação, das técnicas cirúrgicas e
anestésicas, atualmente obtêm-se melhores resultados. A incidência de
complicações no pós-cirúrgico depende da abordagem, nível da deformidade, idade
e co morbilidades do paciente bem como da experiência do cirurgião. Os
resultados clínicos parecem superar os riscos em pacientes adequadamente
selecionados[9, 18].
Alguns fatores estão indicados como sendo responsáveis por piores resultados e
aumento das complicações pós-cirúrgicas: depressão e ansiedade, hábitos
tabágicos, uso de narcóticos, índice de massa corporal elevado e elevada
severidade da dor préoperatória. Contudo, estes não devem ser vistos como
contraindicações ou impedimentos à cirurgia[53-57].
As complicações rondam os 20 a 40%[1]. As mais comuns são a infeção,
pseudartroses, fístulas de líquido cefalorraquidiano, falência do material
implantado, cifose juncional e lesão neurológica. As complicações sistémicas
incluem enfarte do miocárdio, pneumonia, íleo paralítico, infeção do trato
urinário, trombose venosa profunda, síndrome da artéria mesentérica superior e
cegueira[9, 11, 15, 58].
O risco de pseudartroses aumenta se a fusão for estendida ao sacro e pode
necessitar de revisão cirúrgica se sintomática[50, 59].
As complicações relacionadas com a instrumentação são um desafio difícil. Os
dois mecanismos mais comuns de fracasso são falência tardia do parafuso
proximal ou cifose progressiva acima da fixação.
Uma das mais temidas complicações é a cifose juncional. Dependendo do timing e
da causa, pode causar desde dores ligeiras a perda do equilíbrio sagital, dor
severa e sintomas neurológicos. Nestes casos inevitavelmente a fusão deve ser
alargada superiormente, e uma correção extensa do desequilíbrio pode estar
indicada[14, 60].
Embora possam ocorrer complicações importantes, felizmente, lesões neurológicas
surgem em menos de 1 a 5% dos casos. Fatores de risco para grandes lesões
neurológicas intraoperatórias incluem hipercifose e cirurgia combinada. Foi
descrita paraplegia várias horas após a cirurgia. Entre as causas de isquemia
da medula espinhal que levam à paraplegia pósoperatória estão a hipovolémia e
tensão mecânica nos vasos espinhais ao longo da concavidade. É por isso
importante manter o volume adequado e pressão arterial nos pacientes durante o
período perioperatório[61].
A cegueira no pós-operatório é outra complicação rara, mas devastadora, com um
risco estimado de 0,05% e 1%[18, 61, 62]. Os fatores de risco implicados são
hipotensão, hematócrito e doenças oculares ou da retina. Ao contrário de
paraplegia pós-operatória tardia, que pode ser resolvida com medidas de suporte
de volume adequadas, as perdas visuais foram permanente na maioria dos
pacientes.
CONCLUSÃO
Devido ao progressivo envelhecimento da população, a escoliose degenerativa
tem-se tornado cada vez mais frequente limitando de forma marcada a qualidade
de vida dos pacientes atingidos.
Nos últimos anos verificaram-se avanços significativos na compreensão da
patologia, com implicações ao nível da sua classificação e tratamento.
Muita controvérsia existe ainda acerca das indicações e opções do tratamento
cirúrgico.
Diversas complicações podem advir da cirurgia, mas em pacientes apropriadamente
selecionados os benefícios mostraram-se superiores aos riscos.