Artroplastia de interposição tendinosa no tratamento da rizartrose pela
modificação da técnica Burton-Pellegrini
INTRODUÇÃO
A especialização da mão, definida pela oponência do polegar, constitui uma das
características mais diferenciadas do Homem. Sendo a artrose
trapéziometacarpiana (rizartrose) a causa mais frequente de incapacidade
funcional, é fácil de compreender o impacto que condiciona quer na execução das
atividades de vida diárias assim como nas tarefas laborais.
A osteoartrose da articulação trapézio-metacarpiana (rizartrose) é uma entidade
frequente[1] e por vezes bilateral. Em 2002, Strauch e Rosenwasser verificaram-
se que a sua prevalência aumenta com a idade e a afeta predominantemente o sexo
feminino (6:1). Ocorre principalmente em mulheres na pósmenopausa; no entanto,
também é observada em homens com história de uso repetitivo da articulação e em
mulheres jovens com quadro de frouxidão ligamentar [1,2].
Apesar da etiologia [2] não estar totalmente clarificada, são vários os fatores
que parecem contribuir para o desenvolvimento da rizartrose: anatómicos
(anatomia do trapézio e superfícies articulares), hereditários (displasia
articular) e hormonais (laxidez ligamentar). Pode dever-se à sobrecarga na
região da faceta esferoidal, que apresenta reduzida área de contato nos
movimentos de pinça lateral ou oposição. Este processo pode ser acelerado se
houver associação de frouxidão ligamentar primária ou secundária a trauma ou
alterações hormonais[2,3].
O diagnóstico[23] baseia-se em achados clínicos como a dor, edema,
instabilidade, limitação da amplitude e deformação articular. O doente típico
inclui a mulher em idade pós-menopausa com dor incapacitante na base do polegar
com irradiação para região tenar, o homem com história de trabalho repetitivo
ou trauma e ainda a mulher jovem com história de hiperlaxidez articular
generalizada. Ao exame físico, podemos observar uma proeminência na região
dorso-radial devido à subluxação e osteófitos e uma metacarpo-falângica
compensatória[9]. À palpação a articulação TMC é geralmente dolorosa e
articulação escafotrapeziana (ST) e trapeziotrapezoidal (TT) deve ser sempre
avaliada na identificação de artrose pantrapeziana.
A manifestação clínica inicial é a dor localizada na base do polegar,
exacerbada por stress e por vezes acompanhada de derrame articular[5,23]. Os
pacientes referem incapacidade para a execução das atividades de vida diária,
como tarefas domésticas, desporto e atividades de lazer. São vários os testes
provocativos de dor descritos incluindo o de compressão axial em adução ou
rotação (grind test) e o de distração[3].
A rizartrose aparece muitas vezes associada a outras patologias que necessitam
ser identificadas devido ao seu impacto no tratamento[23]. Melone et al (1987)
identificaram os vários problemas coexistentes: artrose da escafo-trapeziana
(ST), síndrome do túnel cárpico, dedos em mola e tenossinovite De Quervain.
Historicamente, foram várias as classificações para correlacionar a evidência
radiográfica de rizartrose com os achados clínicos. Em 1987, Eaton e Glickel
[4] apresentaram uma classificação radiológica (originalmente descrita em 1973
por Eaton e Littler) em quatro estádios e que é amplamente utilizada para
definir a gravidade da doença (Quadro_I). O estadiamento baseado nos dados
radiológicos é útil, permitindo orientar a conduta terapêutica. O seu real
valor não é a correlação com a clínica ou propriamente o envolvimento
anatómico, mas sim o reconhecimento da presença de laxidez articular ou
envolvimento da articulação escafo-trapeziana.
O tratamento inicial da rizartrose deverá ser sempre conservador e inclui
repouso, uso de ortótese imobilizadora do polegar, anti-inflamatórios não
esteroides, infiltração com corticoide ou ácido hialurónico e fisioterapia[6].
A dor gerada pela articulação trapézio-metacarpiana degenerativa é um problema
frequente e a cirurgia torna-se a opção quando os sintomas são refratários ao
tratamento conservador tentado corretamente.
Existem várias modalidades de tratamento cirúrgico publicadas na literatura que
apresentam bons resultados, sendo muitos sobreponíveis[2,4-5,7-11,16-24]. As
intervenções cirúrgicas variam desde a reconstrução ligamentar à osteotomia
para a laxidez dolorosa inicial, até à trapezectomia, artrodese e artroplastias
para a osteoartrose mais severa. Nos últimos anos, assistimos a uma mudança
significativa nas orientações terapêuticas no tratamento da rizartrose.
Seguindo o ideal reconstrutivo da Ortopedia Moderna, a artroplastia da TMC está
a conquistar cada vez mais espaço, numa tentativa de reproduzir a articulação
da forma mais fisiológica possível. No entanto, a potenciação da artrose
escafotrapeziana por aumento da pressão articular, a fragilidade e
instabilidade da montagem articular com grande curva de aprendizagem, bem como
a durabilidade frequentemente reduzida, associada a um custo benefício
duvidoso, prenunciam ainda uma necessidade de grande evolução na morfologia dos
implantes para que possam ser colocados como a melhor opção cirúrgica para o
tratamento da rizartrose.
Em suma: um algoritmo de tratamento da rizartrose deve ter em conta não só o
estádio da doença mas também ter em consideração as particularidades do doente
(idade, sexo, grau de atividade) para ajustar a terapêutica às necessidades
individuais.
MATERIAL E MÉTODOS
O objetivo do presente estudo centra-se na divulgação de uma modificação de uma
técnica cirúrgica e subsequente avaliação dos resultados funcionais de uma
série retrospetiva de 42 pacientes operados no período de 2008 a 2013 no nosso
hospital (Quadro_I). Todos os doentes foram submetidos à mesma técnica
cirúrgica que consiste sumariamente na ressecção total do trapézio associada à
interposição de um novelo/ anchova de hemi-tendão do flexor carpi radialis,
sendo suspensa e ancorada à base do polegar. Esta modificação da técnica
clássica de Burton-Pellegrini foi desenvolvida pelo Dr. Nuno Fachada,
coordenador da Unidade de Cirurgia da Mão do Hospital Ortopédico
Sant'Iago do Outão.
Neste estudo restrospectivo foram incluídos todos os pacientes com o
diagnóstico de osteoartrose da articulação trapézio-metacarpiana associada a
dor persistente, refratária ao tratamento conservador tentado em média por 6
meses. Com o objetivo de uma revisão sistemática dos doentes foi criado um
protocolo específico para a consulta com os seguintes itens: género, idade,
profissão, etiologia, classificação de Eaton-Littler, força de preensão manual
(lado operado/contralateral), força de pinça polegar-indicador (lado operado/
contralateral), medição de amplitudes articulares com goniómetro -
abdução radial, abdução palmar, oponência - índice de Kapandji, avaliação da
dor no pré e pós-operatório pela escala visual analgésica (EVA), pontuação
QuickDASH, escala de Buck-Gramcko, grau de satisfação (5(excelente) - 1
(Mau)), avaliação radiológica com enfoque na migração do 1º metacarpiano e, por
último, p registo de complicações ocorridas.
Para avaliação da intensidade da dor, foi aplicada a escala visual analógica
(EVA) no sentido de avaliar a efetiva redução deste indicador e subsequente
melhoria clínica. Importa ressalvar que este instrumento foi aplicado
previamente à cirurgia e nas consultas de follow-up.
Para a avaliação dos resultados funcionais subjetivos foi aplicado o
questionário QuickDASH (Disabilities of the Arm, Shoulder and Hand)[12]
validado para a população portuguesa. Foi ainda aplicada a escala de Buck-
Gramcko[14], que utiliza dados objetivos (forças de pinça polpa a polpa e
abduções palmar e radial) e subjetivos (questionário sobre dor, força,
atividades diárias, destreza, aparência cosmética, satisfação com o
procedimento e uma avaliação geral), que são pontuados e somados, resultando na
seguinte classificação: excelente; de 49 a 56 pontos; bom, de 40 a 48 pontos;
satisfatório, de 28 a 39 pontos; e mau, menor que 28 pontos.
Foram realizadas radiografias no pré-operatório para avaliação da gravidade da
osteoartrose e para futuro termo de comparação após a trapezectomia e
interposição tendinosa, permitindo o cálculo do índice do espaço trapezoidal no
pós-operatório. Na avaliação final, calculou-se o índice de migração do
primeiro metacarpiano em repouso, aplicando o método de Yang e Weiland que
consiste em dividir a distância entre o pólo distal do escafoide e a base do
primeiro metacarpiano pelo comprimento do primeiro metacarpiano[15].
TÉCNICA CIRÚRGICA - Descrição da Modificação da Técnica de Burton [Fachada]
Todos os pacientes da presente amostra foram operados sob bloqueio do plexo
braquial, anestesia regional endovenosa ou anestesia geral, utilizando sempre
garrote pneumático. A abordagem inicia-se por uma incisão volar centrada sobre
a articulação TMC, do tipo Wagner modificada (Figura_1A), sendo necessárias
mais três pequenas incisões transversais sobre o trajeto do tendão dador -
flexor carpi radialis (FCR) para a sua colheita tunelizada.
Subsequente à incisão cutânea, a cápsula da articulação trapézio-metacarpiana é
aberta longitudinalmente em dois retalhos, que serão utilizados no ulterior
encerramento. Após adequada exposição, procede-se à ressecção do osso trapézio
na sua totalidade (Figura_1B), com recurso a osteótomo e goiva. De seguida,
preconiza-se a colheita tunelizada da metade cubital do tendão FCR,
necessitando de três pequenas incisões transversais (Figura_1C). Após a
colheita tunelizada de hemitendão, realiza-se
a sua transposição para o espaço anteriormente ocupado pelo trapézio (Figura
1D). É então que se procede à tenodese do tendão dador sobre a base do
residual, ancorando com um ou dois pontos de ácido poligliólico (Vycril(R)) 2/
0 (Figura_1E).
De seguida, procede-se à escolha do ponto de ancoragem do arpão (variável mas
sempre na vertente externa e garantindo um bom posicionamento funcional do
polegar em abdução) na base do primeiro metacarpiano, após sua adequada limpeza
(Figura_1F). Sem dúvida, o ponto crucial da cirurgia, é a substituição da
foragem da base do metacarpiano, tal como descrito, na técnica clássica de
Burton, pela ancoragem com um ou dois mini-arpões. É essencial evitar
hiperextensão da metacárpico-falângica (MCP) e aductus do polegar (Figura_1G).
Após introdução do mini-arpão ou âncora reabsorvível no ponto de maior
eficácia, procede-se à sutura da tira de tendão colhida, tendo em atenção
sempre um bom posicionamento funcional do polegar, devendo para tal interpor um
rolo de compressas para garantir abertura do 1º espaço interdigital (Figura
1H).
Com o remanescente do tendão colhido confeciona-se uma espécie de
"anchova" ou "novelo", interpondo-a no espaço
correspondente ao trapézio ressecado (Figura_1I). Por fim, realiza-se o
encerramento da cápsula articular com fio absorvível 3.0 e esvaziamento do
garrote para uma eficaz hemostase. Sutura-se a pele com fio não reabsorvível de
nylon 4.0 (Figura_1J) e imobiliza-se com ligaduras e algodão e, posteriormente,
com imobilização gessada tipo escafoide, num total de 4 a 6 semanas (Figura
1K).
A existência de sintomatologia de compressão do território mediano, foi
suficiente para a descompressão do túnel cárpico no mesmo tempo cirúrgico, com
o intuito de prevenir o seu agravamento pós-operatório e prevenção de processos
de algoneurodistrofia.
Após a remoção da imobilização o doente é referenciado ao serviço de Medicina
Física e Reabilitação, iniciado exercícios de fisiatria para ganho de
amplitudes, redução do edema e ganho de força, no essencial reeducação
funcional da mão.
RESULTADOS
No período de janeiro de 2008 a março de 2013 foram operados 42 pacientes com
rizartrose sintomática pela técnica descrita, correspondendo a 47 polegares
intervencionados, todos pela mesma técnica e, na sua maioria, em contexto de
cirurgia de ambulatório. Os pacientes foram revistos em consulta (Quadros_II e
III), apresentando um seguimento médio de 26,55 meses (mínimo de 4 meses e
máximo de 62 meses). Da amostra estudada 39 eram mulheres e 3 eram homens, com
idades compreendidas entre 48 e 83 anos, com uma idade média de 64,79 anos. O
lado mais atingido foi o esquerdo em 26 doentes (61,9%), sendo o lado dominante
o direito em 34 doentes (80,9%). Registou-se bilateralidade do atingimento
degenerativo da TMC em 16 casos, mas apenas se sinalizou a bilateralidade
quando intervencionada, seja pela mesma técnica ou outra, o que se reporta a um
total de 6 doentes, dos quais cinco doentes (paciente nº 7, 15, 25, 38 e 42)
operados pela modificação da técnica descrita, em tempos operatórios diferentes
e um caso (nº 20) apresentando artroplastia ELEKTRA no membro contralateral.
Nos pacientes nº 15 e 33 procedeu-se à remoção do espaçador ARTELON(R),
previamente colocado, por rigidez e persistência de dor no pós-operatório,
tendo procedido a conversão em artroplastia de interposição pela técnica
descrita. Regista-se ainda dois casos (nº 2 e 37) de falência de artroplastia
da TMC com prótese ELEKTRA(R) e sua conversão em artroplastia de interposição
tendinosa. Outro dado não menos importante, em cerca de metade dos doentes
realizou-se no mesmo tempo operatório a descompressão cirúrgico do nervo
mediano, com secção do ligamento anular do carpo.
Relativamente à etiopatogenia (Gráfico_I), foi possível identificar que na
maioria dos casos da nossa amostra (83%) se tratava de uma artrose primária sem
evento traumático major antecedente, sendo apenas atribuível associação
traumatológica em 3 casos.
Aplicando a classificação de Eaton & Littler (Quadro_I), surgem 14 doentes
no Grau II, 23 doentes no Grau III e 5 doentes no grau IV (Gráfico_II). Sendo
instituído, tratamento conservador em todos os doentes, avançado apenas para o
tratamento cirúrgico ou após agravamento do quadro clínico ou quando se
verifica falência das medidas conservadoras (analgésicos, ortóteses e
viscosuplementação com ácido hialurónico).
A pontuação do QuickDASH obtida após realização deste tipo de cirurgia revela
bons resultados na generalidade dos pacientes, sendo o seu valor médio de
19,21, a melhor pontuação de 9,1 e a pior de 38,6 (Quadro_IV). Ressalva-se a
aplicação apenas retrospetiva, não sendo possível assim apurar a efetiva
melhoria no score, comparando os scores no pré e o pós-operatório.
Da aplicação da Escala Visual Analógica de dor (Gráfico_III) resulta que os
resultados obtidos, na análise estatística, foram significantes comparandose o
pré e o pós-operatório (p < 0,0001), regista-se uma melhoria substancial, sendo
o valor médio antes da cirurgia de 6,7, passando a 1,2 após cirurgia e
fisioterapia.
Quanto aos dados objetivos, comparou-se os dados do lado operado com o lado
contralateral (Quadro_IV). A força de preensão manual registada em média foi
menor no lado operado, representando 70,8% da força verificada no lado
contralateral, com significância estatística (p < 0,0001 ), sendo o valor médio
do lado operado de 11,1 Kgf contra 15,7 Kgf do lado contralateral. O mesmo se
verificou relativamente à força de pinça polegar-indicador, uma redução na
força de cerca de 30,6 %, sendo o valor médio no lado operado de cerca de 3,0
kgf +/- 1,026 comparativamente ao lado contralateral que apresenta em média
4,32 kgf +/- 1,093, apresentando significância estatística (p < 0,0001).
Da aplicação da escala funcional de Buck-Gramcko à nossa amostra obtivemos os
seguintes resultados expressos na Quadro_V e no Gráfico_IV: obtivemos 13
doentes com resultados excelentes [49-56 pontos], o que representa 30,95% da
amostra; 19 com resultados Bons [40-48 pontos], equivalente a 45,24%; 8 doentes
com resultados satisfatórios [28-39 pontos], correspondendo a 19,05% e apenas
dois com resultados fracos [< 28 pontos], simbolizando um insucesso de cerca de
4,76%. Assim, a soma de resultados excelentes e bons totaliza 76,19% da
amostra.
Regista-se migração proximal do primeiro metacarpiano em todos os doentes
(Gráfico_V) da amostra estudada, sem contudo que se verifique a anulação do
espaço trapezoidal. Radiografias polegar padrão foram utilizadas para calcular
a relação de espaço trapezoidal antes da cirurgia e na consulta de revisão pós-
operatório. A relação de espaço trapezoidal diminuiu significativamente de uma
média pré-operatória de 0,27 (intervalo 0,18 a 0,35) para uma média de 0,14
(intervalo 0,11-0,24) após trapeziectomia e interposição tendinosa, registando-
se, assim, em média uma redução de 0,113 no índice de migração do primeiro
metacarpiano (método de Yang-Weiland[15]), sendo a redução máxima de
0,177 e mínima de 0,0032. Em termos práticos, não se registou qualquer
repercussão funcional relacionável com este facto. A redução do espaço
trapezoidal após a sua resseção parece-nos estar na dependência entre outros
fatores do volume variável de anchova produzido, este, por sua vez, dependente
do comprimento/volume do tendão remanescente e consequente variabilidade no seu
efeito de espaçador substituto do osso trapézio.
As complicações (Quadro_VI) major registadas na série apresentada foram: um
caso de algoneurodistrofia, resolvida após 8 meses de fisioterapia intensiva, 3
casos de infeção superficial da incisão sobre a TMC, 3 casos de parestesias
transitórias do ramo sensitivo radial, 2 casos de recorrência/persistência de
síndrome do túnel cárpico e o mais significativo 7 doentes com dor residual ao
nível do trapezoide, traduzindo o provável envolvimento artrósico deste osso.
Em suma e tendo em consideração os dados publicados na Quadro_VII podemos
afirmar que a maioria dos doentes se mostra satisfeita com o resultado da
cirurgia, repetindo de novo o procedimento. A satisfação é tradutora da
melhoria funcional com retorno as atividades antes interditas pela incapacidade
e dor.
DISCUSSÃO
A inúmera variabilidade de técnicas cirúrgicas descritas na literatura para o
tratamento cirúrgico da rizartrose apresenta resultados díspares e
controversos, embora em muitos casos sobreponíveis[5-11, 16-23]. Foi em 1949
que Gervis[7] descreveu a excisão do trapézio para os pacientes em que
tratamento clínico conservador não resultou e observou bons resultados no
alívio da dor. Todavia, subsequentes relatos da trapeziectomia simples
realizados por Murley e Iyer, observaram fraqueza considerável, podendo, em sua
opinião, ser atribuída à instabilidade da base do metacarpiano. Esta
constatação conduziu ao desenvolvimento do conceito de reconstrução ligamentar
para estabilizar a base do polegar, idealizada por Eaton e Littler em 1973[5].
Em 1986, Burton e Pellegrini[9] popularizaram o procedimento de acrônimo LRTI
(reconstrução ligamentar e interposição de tendão), tendo relatado bons
resultados com esta técnica. Na verdade, a LRTI inclui diferentes
possibilidades para estabilizar a base do metacarpiano, sendo: 1) a
reconstrução ligamentar, utilizando uma tira do tendão flexor radial do carpo;
2) interposição de tendão no espaço da trapeziectomia; 3) fixação temporária
com fio de Kirschner e adicionada, imobilização do polegar após a cirurgia[9].
Com o passar dos anos, vários investigadores (Froimson, Muniz) colocaram de
lado a noção, amplamente divulgada, de que todas as formas de estabilização
deveriam ser usadas em conjunto, defendendo que a interposição de tendão sem
reconstrução ligamentar ou sem fixação temporária com fio de Kirschner seria
suficiente. No mesmo sentido, Gerwin[18] demonstrou que os resultados da
reconstrução ligamentar não eram afetados pela interposição de tendão. Mais
recentemente, Kuhns[19], defendeu que a estabilização da base do polegar com
fio de Kirschner era suficiente, desde que por um período de 3 a 4 semanas.
Em termos objetivos, podemos inferir que os pacientes da nossa amostra
configuram a população tipicamente afetada pela rizartrose, no que se refere à
idade, sexo e profissão, em conformidade com os dados relatados na literatura
mundial[1,2,8,9,10,12].
No que se refere ao alívio da dor, assim como em outros trabalhos publicados[2,
7-10, 21-24], regista-se uma assinalável redução da intensidade da dor em
relação ao nível pré-operatório, como é reconhecida pelos próprios doentes,
cuja esmagadora maioria repetiria o procedimento cirúrgico.
Na análise do impacto do tratamento cirúrgico na melhoria funcional,
encontramos na literatura[16-17] diferentes trabalhos que utilizam dados
subjetivos, que envolvem atividades de vida diárias que provocam dor e causam
limitação funcional como: virar uma chave, contar dinheiro, escrever, uso de
utensílios como faca ou tesouras, abotoar roupa, escovar os dentes, pegar
pequenos objetos, entre outros; no entanto, sem uma padronização que facilite a
comparação dos resultados. Existem múltiplas escalas funcionais disponíveis
para avaliação funcional, tendo sido aplicadas neste estudo: a escala funcional
de Buck-Gramcko[14] e o questionário QuickDASH[12], validada para a população
portuguesa.
Encontramos na literatura inúmeros métodos de avaliação global do paciente[12,
13, 14, 15, 24], como por exemplo: medidas de força (preensão palmar, pinças
polpa a polpa, pinça chave), goniometria (abduções palmar e radial) e
oponência, que demonstram melhoria dos resultados quando comparados ao
préoperatório com seguimento mínimo de dois anos. No nosso estudo, observou-se
ligeira a moderada perda da força de preensão palmar e de força pinça polpa a
polpa, ficando em média com 70% quando comparado com o lado contralateral.
Observou-se, ainda, na nossa amostra que as amplitudes articulares obtidas -
abduções palmar e radial e oponência, permitem a realização das tarefas do
quotidiano, dado condizente com a literatura.
Para obter um resultado funcional do procedimento utilizámos a escala funcional
de Buck-Gramcko[14], procurando associar dados objetivos e subjetivos. Importa
ressalvar que, na escala de Buck-Gramcko, os dados objetivos são responsáveis
por um total máximo de 18 pontos (32%), enquanto os dados subjetivos totalizam
no máximo 38 pontos (68%), do total de 56 pontos. Salienta-se ainda que nos
dados objetivos a força de pinça polpa a polpa foi comparada ao lado
contralateral, não sendo consideradas a dominância e a bilateralidade. O mínimo
necessário para a obtenção de um resultado excelente é de 49 pontos. No nosso
estudo, da sua aplicação resulta que um total de 32 doentes apresenta
resultados bons e/ou excelentes, o que equivale a 76,19% da amostra.
No que concerne à interposição tendinosa, apesar de alguns trabalhos não
mostrarem diferença nos resultados clínicos[16-19, 22], é nossa convicção que a
utilização de uma tira do flexor radial do carpo na suspensão e interposição
reduz as forças deformantes que atuam na base do primeiro metacarpiano, traduz
um efeito biológico, induzindo a fibrose, produzindo, assim, efeito de
espaçador entre as superfícies incongruentes da base do metacarpiano e a distal
do escafoide.
Preconizamos como imobilização no pósoperatório uma contenção espessa com
ligaduras elásticas e algodão durante duas semanas, passando, após remoção de
pontos a gesso ou delta-cast tipo escafoide mais 4 semanas, para permitir a
cicatrização de partes moles para que se possa iniciar a reabilitação já com
alguma estabilidade adquirida. Na literatura, o tempo de imobilização no pós-
operatório varia de quatro a seis semanas[5,7,8,10,11,20,22-24]. Todos os
trabalhos que demonstraram resultados tão satisfatórios quanto os descritos por
Burton e Pellegrini[11], optaram por imobilizar, através de gesso ou em alguns
casos ortótese por três a quatro semanas após a cirurgia. Existe um especial
cuidado em não deixar a articulação metacarpo-falângica em extensão, bem como
manter a abertura do primeiro espaço, mediante pressão sobre a área dos
sesamoides e discreta manobra tractiva do polegar.
Da análise radiológica dos pacientes registase uma moderada migração proximal
do primeiro metacarpiano em praticamente todos os pacientes, embora sem
tradução de repercussão funcional. Assim, a migração proximal do primeiro
metacarpo e consequente perda do comprimento do polegar, não parece ter afetado
o resultado funcional na nossa amostra, facto em consonância com a literatura
[8,17]. No que concerne aos valores obtidos para a abdução radial, tradutora
indireta do ângulo intermetacárpico do 1º espaço verifica-se que para
amplitudes menores de abdução radial, em que este fica diminuído, em geral,
observa-se um compromisso dos resultados de força/destreza e da própria
oponência.
Podemos ainda observar que atendendo ao tempo de seguimento decorrido
verificamos que os doentes cujo período de seguimento é maior apresentam
resultados mais consistentes, refletindo, em média, melhores dados objetivos e
subjetivos. Assim, se compreenderá que os doentes com menor tempo de seguimento
apresentam, em média, piores scores na força/destreza e amplitudes, alertando
para a importância da fisioterapia, obtendo em média uma estabilização
funcional por volta dos 6 meses.
CONCLUSÃO
A escolha do tratamento para a rizartrose deve ter em conta não só o estádio da
doença mas também as especificidades do doente (idade, sexo, grau de atividade)
para ajustar a terapêutica às reais necessidades individuais.
O tratamento conservador deve ser sempre a primeira escolha, ficando a cirurgia
reservada aos casos refratários ao tratamento conservador, em que já se regista
limitação na realização das atividades de vida diárias. Apesar dos recentes
avanços na artroscopia da articulação TMC e do aparecimento de novos implantes
com maior biocompatibilidade, resistência e forma mais ajustados, a
trapeziectomia com ligamentoplastia e interposição continua a ser a técnica de
eleição nos estádios III e IV, apresentando bons resultados a longo prazo. É
uma técnica barata e não tem complicações relacionadas com o implante.
A trapeziectomia com interposição de uma tira do flexor carpi radialis mostrou-
se uma técnica de execução relativamente simples, com menor tempo cirúrgico que
a técnica clássica de Burton. Na verdade, a ancoragem tendinosa à base do
polegar mostrou-se um método eficaz de suspensão, sendo mais fácil a sua
execução e menor a fragilidade óssea e tendinosa, quando comparada com a
técnica clássica.
Os resultados mostram que a técnica é igualmente eficaz no alívio da dor e na
melhora clínica e funcional na maioria dos pacientes, melhoria essa que
estabiliza em termos objetivos após 6 meses de pós-operatório e concluídos um
ou dois ciclos de fisioterapia. Esta técnica apresenta bons resultados a médio
prazo com recuperação funcional da mão, sendo de fácil realização e baixo
custo, sem complicações relacionadas com o implante.
Consideramos, no entanto, necessários mais estudos para avaliação dos
resultados a longo prazo desta técnica, sobretudo randomizados e prospetivos,
comparativos com outras técnicas.