Home   |   Structure   |   Research   |   Resources   |   Members   |   Training   |   Activities   |   Contact

EN | PT

EuPTCVHe1646-69182013000300006

EuPTCVHe1646-69182013000300006

variedadeEu
ano2013
fonteScielo

O script do Java parece estar desligado, ou então houve um erro de comunicação. Ligue o script do Java para mais opções de representação.

Hérnia de Amyand: a propósito de um caso clínico

INTRODUÇÃO A hérnia inguinal é um diagnóstico frequente, encontrando-se provavelmente encarcerada/estrangulada num doente com tumefacção inguinal dolorosa e não reductível. A nível inguinal, o saco herniário, habitualmente, contém ansas de intestino delgado, grande epíploon, bexiga ou cólon, contudo, divertículo de Meckel, apêndice ileocecal, ovário, entre outras estruturas, podem raramente encontrar-se (1).

Claudius Amyand, francês, cirurgião em Londres, descreveu, em 1735, uma hérnia inguinal encarcerada com fístula estercoral, num jovem de 11 anos, que apresentava apêndice ileocecal perfurado, no interior do saco herniário (2).

Teve lugar a primeira apendicectomia de que reza a história (3, 4). Assim, ficou conhecida com este epónimo, toda e qualquer hérnia inguinal cujo saco contenha apêndice ileocecal com ou sem doença.

A hérnia de Amyand constitui cerca de 1% de todas as hérnias da parede abdominal (5), tornando-se, pela raridade, numa entidade desconhecida, ou esquecida, por muitos.

A apendicite aguda encontra-se, 0.13% das vezes, dentro de um saco herniário inguinal (3).

CASO CLÍNICO A propósito do tema, os autores apresentam o caso de um homem de 38 anos de idade, sem antecedentes conhecidos, que recorre ao Serviço de Urgência (SU) do Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/Espinho (CHVNG/E) por dor e tumefacção inguinal direita, com dois dias de evolução, sem outra sintomatologia associada.

Objectivamente constatou-se a presença de abdómen plano, pouco depressível, doloroso, com defesa e sinais de irritação peritoneal, à palpação dos quadrantes inferiores, associado a hérnia inguinal direita irreductível e com sinais inflamatórios cutâneos exuberantes.

Perante o diagnóstico de hérnia inguinal estrangulada, propôs-se tratamento cirúrgico que o doente aceitou.

Intra-operatoriamente, observou-se, saco herniário contendo apêndice ileocecal supurado e perfurado por espinha de peixe (Figs.1 e 2). Procedeu-se a apendicectomia por via inguinal, exérese do saco herniário e correcção da parede abdominal sem prótese (técnica de Shouldice).

O pós-operatório foi favorável e desprovido de complicações. O doente teve alta, assintomático, ao terceiro dia.

DISCUSSÃO A hérnia de Amyand, embora contemple duas entidades nosológicas frequentes na população portuguesa, é rara, com manifestação clínica variável, directamente dependente da gravidade/evolução do processo apendicular (6). Sem faixa etária preferencial, atinge com ligeiro predomínio o sexo masculino e, quando nas mulheres, a incidência é maior no período pós-menopausa (5, 7).

A hérnia inguinal encarcerada/estrangulada, por si, requer tratamento cirúrgico urgente, pelo que, na grande maioria das situações, não se recorre a exames imagiológicos abdominais no pré-operatório (7, 8). O diagnóstico assertivo de hérnia de Amyand é, maioritariamente, intra-operatório (6, 7, 8).

Contudo, tornar-se-ia facilitado ou pré-operatório se, por rotina, se realizassem exames imagiológicos abdominais (radiografia, ecografia, tomografia computorizada (TC)) no estudo das admissões urgentes por tumefacção inguinal irreductível, o que, por questões de relação custo-benefício não é a realidade portuguesa. A ecografia de partes moles ou a TC abdomino-pélvica são exames capazes de caracterizar o conteúdo do saco herniário, diagnosticar a presença de abcesso pélvico ou peritonite e até excluir patologia síncrona, o mesmo não acontecendo com a radiografia abdominal convencional, útil apenas no caso de pneumoperitoneu ou pneumoescroto (7).

No que diz respeito ao tratamento, são as características do apêndice ileocecal, a infecção local e a idade do doente que o determinam (7, 8, 9).

Losanoff e Basson descrevem uma classificação em 4 tipos, com abordagens cirúrgicas distintas: Tipo I - hérnia de Amyand com apêndice ileocecal normal; Tipo II - hérnia de Amyand com apendicite aguda e infecção contida ao saco herniário; Tipo III - hérnia de Amyand com apendicite aguda e peritonite; Tipo IV - hérnia de Amyand com apendicite aguda e com patologia extraapendicular síncrona.

Recomendando, para o tipo I, apenas correcção herniária com prótese após redução do conteúdo herniário, excepção preconizada para indivíduos muito jovens onde é lícito, pelo risco de apendicite aguda ao longo da vida, ponderar a apendicectomia por via inguinal. Para o tipo II, apendicectomia por via inguinal e herniorrafia (contra-indicando a utilização de prótese pelo risco acrescido de complicações infecciosas). Herniorrafia e apendicectomia por outra incisão, nos casos de peritonite ou abcesso pélvico (tipo III). Quanto às hérnias de Amyand tipo IV, o procedimento deverá ser de herniorrafia e apendicectomia transinguinal ou por laparotomia mediana, de acordo com a necssidade de exploração da restante cavidade peritoneal (9).

Outras classificações têm surgido, nomeadamente a de Fernando e Leelaratre (10), que dividiram esta patologia em 3 categorias: Tipo a - hérnia de Amyand com apêndice normal; Tipo b - hérnia de Amyand com apêndice inflamado; Tipo c - hérnia de Amyand com apêndice perfurado.

Defendendo a hernioplastia sem abordagem do apêndice nas tipo a, diminuindo o risco de infecção, rejeição da prótese e, consequentemente, de recidiva herniária (7). As tipo b e c deveriam ser submetidas a apendicectomia e herniorrafia, por incisões diferentes no caso de abcesso pélvico ou peritonite concomitante (7, 8, 10).

No caso apresentado pelos autores, a apendicectomia por via inguinal (1) e a herniorrafia (e não hernioplastia), minimizando os riscos de exacerbação de resposta inflamatória, infecção cirúrgica e fístula do coto apendicular, constituem o tratamento mais consensual na literatura.

Outras abordagens cirúrgicas estão descritas, mas ainda pouco consensuais (dada a escassez de pacientes descritos), tais como a laparoscopia (11) e a abordagem pré-peritoneal (12).

Este caso visa alertar os cirurgiões para esta patologia, seu diagnóstico e tratamento atempados e correctos. Sempre que perante um indivíduo com hérnia inguinal direita encarcerada/estrangulada, o cirurgião não pode deixar de considerar este diagnóstico diferencial.


transferir texto