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EuPTCVHe1646-69182014000200007

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variedadeEu
ano2014
fonteScielo

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Gastrite Fleimonosa Necrotizante: caso clínico

INTRODUÇÃO A gastrite aguda fleimonosa é uma infeção bacteriana supurativa da parede gástrica que foi descrita por Curveilhier em 1820(1). Pode ser localizada, muitas vezes envolvendo o antro gástrico, ou difusa envolvendo todo o estômago.

Alguns fatores de risco envolvidos foram identificados e parecem estar relacionados com a lesão da mucosa gástrica e a septicémia(2).

A variante gastrite aguda necrotizante é caracterizada por uma extensa trombose dos vasos submucosos(1) e está associada a elevada taxa de mortalidade, pelo que transformam o seu diagnóstico e terapêutica num grande desafio.

CASO CLÍNICO Mulher de 79 anos, antecedentes de hipertensão arterial, dislipidémia, com colecistectomia 20 anos por litíase vesicular, insuficiência venosa dos membros inferiores, medicada com olmesartan, furosemida, bioflavonoides, nimodipina, perindopril, amlodipina, atorvastatina, zolpidem, gabapentina, que é trazida ao SU, sem acompanhante, por ter sido encontrada em casa prostrada no solo com incontinência de esfíncteres e hipotonia dos membros inferiores, desconhecendo-se a hora e as circunstâncias da ocorrência.

A doente apresentava-se hipotensa, subfebril, vigil e colaborante, desorientada no tempo e desidratada. Não aparentava dismorfia da face, soluções de continuidade do couro cabeludo ou sinais de mordedura da língua. Tinha tônus muscular mantido em todos os membros, A auscultação cardíaca revelava S1 e S2 regular e rítmico, sem sopros aparentes e auscultação pulmonar com murmúrio vesicular mantido e simétrico. O abdómen apresentava-se globoso, depressível e indolor à palpação em todos os quadrantes.

Efetuou TAC crânio encefálico que não demonstrou alterações para o grupo etário.

Analiticamente revelava hemoglobina normal, leucocitose com neutrofilia, elevação da creatininémia com 2,7mg/dl (N:070-1.20 mg/dl), elevação da urémia, elevação das transaminases hepáticas, Creatinina Quinase 8351 ng/ml (N:20- 180ng/ml), proteína C reativa de 154 mg/L (N:<6,10mg/L), Procalcitonina 13,16 ng/ml (valor compatível com sépsis; N<0.05 ng/ml).

Realizou TAC abdominopélvica que revelou gás dissecando a parede do fundo gástrico e também da grande curvatura, associado a componente gasoso endoluminal nos plexos venosos de drenagem gástrica e aeroportia hepática, mais pronunciada no lobo esquerdo. - Estes achados foram considerados altamente suspeitos para quadro de isquémia da parede gástrica com evolução para necrose.

A seguir efetuou uma endoscopia digestiva alta (EDA) que referia na grande curvatura do estômago, ao nível da transição corpo-antro, uma área com solução de continuidade na mucosa, plana, de bordos irregulares, com o maior diâmetro longitudinal.

Tendo em conta estes achados, instituiu-se uma fluidoterapia agressiva e a doente iniciou antibioterapia empírica com Piperacilina/Tazobactam.

Apesar das medidas instituídas, houve um agravamento clínico pelo que foi repetida EDA, 12 horas após o primeiro exame, que referia extensa necrose da mucosa gástrica desde a transição corpo/antro até ao fundo gástrico.

Foi decidida conjuntamente com equipa de medicina intensiva, laparotomia de urgência.

Durante o procedimento cirúrgico verificou-se boa vascularização gástrica sem evidência de peritonite, tendo-se procedido a gastrectomia total com reconstrução em Y de Roux.

Houve necessidade de permanência em Unidade de Cuidado Intensivos, onde permaneceu com ventilação mecânica invasiva até ao dia de PO com necessidade de aminas vasoativas. Iniciou dieta entérica ao dia de PO.

Foi transferida para o Serviço de Cirurgia ao dia de pós-operatório.

Durante internamento não foram registadas quaisquer intercorrências, sendo que a doente teve alta do serviço ao 17º dia de internamento após a admissão hospitalar.

O estudo histopatológico da peça operatória revelou peça de gastrectomia total com intensa necrose hemorrágica de todas as camadas ao nível do fundo e corpo gástrico.

DISCUSSÃO A gastrite fleimonosa ocorre devido infeção bacteriana local ou hematogénea da parede gástrica. Tem várias formas de apresentação clínica como gastrite fleimonosa aguda, gastrite necrotizante aguda, abcesso gástrico (forma localizada), e gastrite enfisematosa (por bactérias produtoras de gás). As características clínicas comuns devem-se a infeção bacteriana principalmente na submucosa gástrica(2).

A variante necrotizante é a forma mais rara e grave de gastrite fleimonosa com uma alta taxa de mortalidade e geralmente tem extensão para outros segmentos do trato digestivo(3).

O mecanismo exato da gastrite fleimonosa é desconhecido(2). A sua etiologia encontra-se relacionada com lesão da mucosa ou septicémia. A lesão da mucosa pode estar associada a consumo marcado de álcool, gastrite crónica, trauma, ingestão de químicos, drogas ou toxinas. O cancro gástrico e úlcera gástrica também estão associados com gastrite fleimonosa em vários casos. A septicemia relaciona-se com endocardite bacteriana, erisipelas, osteomielite e entre outros(2). Em cerca de 40% dos casos não são identificados fatores predisponentes para GF(1).

O alfa hemolitico streptococusé o agente causal mais frequentemente isolado sendo que as infeções polimicrobianas contribuem para cerca de 30% dos casos (1). Neste caso específico, não existiu factor predisponente identificável, apesar de as circunstâncias da ocorrência não permitirem negar a ingestão de produtos tóxicos. Não foram realizadas colheitas para estudo microbiológico, pelo que não foi identificado agente causal.

Histologicamente, a gastrite necrotizante é caracterizada por infiltração da submucosa gástrica por neutrófilos e hemorragia intramural, necrose com trombose dos vasos submucosos(3).

Os doentes apresentam-se tipicamente com quadro clínico pouco específico com dor abdominal intensa, náuseas, vómitos, febre, arrepios e hematemeses (1,2,4,5). O exame objetivo pode revelar defesa abdominal embora seja raro (apenas nos caso de doença avançada).

Não existem dados analíticos específicos para a gastrite fleimonosa, embora a presença de leucocitose suporte o diagnóstico. A radiografia do abdómen pode demonstrar ileus paralítico, pregas gástricas edematosas, elevação da hemicúpula esquerda e gás livre subdiafragmático.

A TAC abdominal pode visualizar uma parede gástrica espessada com gás intramural, e gás nos vasos gástricos.

Os achados endoscópicos demonstram uma mucosa gástrica arroxeada coberta com material necrótico.

O exame histopatológico revela submucosa espessada devida a infiltração por neutrófilos e plasmócitos e nos casos mais avançados, hemorragia intramural, necrose e trombose dos vasos gástricos submucosos. Se a inflamação é localizada, a formação de abcesso é possível.

O tratamento da gastrite fleimonosa depende da condição clínica do paciente e dos achados imagiológicos(4). Dado o atraso no diagnóstico e rápida progressão para peritonite, está associada a mortalidade 70%(3). Nos pacientes tratados conservadoramente com tratamento médico, a mortalidade varia entre os 10 e os 17% com gastrite fleimonosa localizada; e perto dos 60% para aqueles com a doença difusa e tipo enfisematoso(1). A antibioterapia de largo espetro está recomendada, até porque 30% dos casos a infeção é polimicrobiana. A ressecção cirúrgica poderá ser necessária. A combinação de tratamento médico e cirúrgico está associada a menor mortalidade (50%) que o tratamento conservador.

Em conclusão, este paciente apresentava-se com gastrite aguda necrotizante, variante rara e potencialmente fatal de gastrite fleimonosa, aparentemente sem fatores de risco identificados, que foi tratada com sucesso com cirurgia e antibioterapia com excelente resultado.


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