Falso Aneurisma Femoral Iatrogénico: Ainda uma indicação para a Cirurgia
Convencional?
Falso Aneurisma Femoral Iatrogénico ' Ainda uma indicação para a Cirurgia
Convencional?*
Nelson Oliveira*, Emanuel Dias**, Lisa Borges***, Ricardo Lima****, Fernando
Oliveira*****, Isabel Cássio******
Hospital do Divino Espírito Santo, EPE
Serviço de Angiologia e Cirurgia Vascular
(Directora: Dra. Isabel Cássio)
* 3ºAno do Internato Médico em Angiologia e Cirurgia Vascular
** 6º Ano do Internato Médico em Angiologia e Cirurgia Vascular
*** 2º Ano do Internato Médico em Angiologia e Cirurgia Vascular
**** Assistente Hospitalar de Angiologia e Cirurgia Vascular
***** Assistente Graduado de Angiologia e Cirurgia Vascular
****** Chefe de Serviço de Angiologia e Cirurgia Vascular
|RESUMO|
Introdução: Os Falsos Aneurismas (FA) são uma das complicações mais
frequentemente associadas à punção femoral diagnóstica e de intervenção
cardíaca. A sua abordagem terapêutica tem evoluído no sentido da preponderância
das técnicas não invasivas sendo a Cirurgia Convencional cada vez menos
frequentemente praticada.
Objectivos: Os autores propõem a propósito de um caso clínico, e através de uma
revisão da literatura discutir a abordagem terapêutica dos FA e as indicações
da Cirurgia Convencional.
Caso clínico: Doente de sessenta e um anos, sexo masculino, com antecedentes de
hipertensão arterial, doença coronária com enfarte agudo do miocárdio prévio,
miocardiopatia dilatada, fibrilhação auricular paroxística sendo portador de
cardiodesfibrilhador. Foi submetido a cateterismo cardíaco por via femoral
direita para ablação do Feixe de His, tendo sido referenciado ao Serviço de
Angiologia e Cirurgia Vascular por desenvolvimento progressivo de massa
pulsátil dolorosa acompanhada de hipostesia da face anterior da coxa. A
Angiodinografia confirmou a presença de falso aneurisma da artéria femoral
profunda direita com 3cm de maior diâmetro e a presença de uma fístula entre a
artéria e a veia femorais superficiais direitas. Por abordagem cirúrgica
aberta, foi realizada a exclusão do falso aneurisma e rafia da artéria e veia
femorais superficiais.
Conclusão: A abordagem de primeira linha dos falsos aneurismas iatrogénicos pós
cateterismo cardíaco é não invasiva mas a Cirurgia Convencional detém ainda um
lugar primordial para um grupo restrito de doentes.
Palavras-chave: Falso aneurisma iatrogénico femoral, Cirurgia convencional
Iatrogenic femoral pseudoaneurysm ' still an indication for conventional
surgery?
|ABSTRACT|
Introduction: Pseudoaneurysms (PAN) are one of the most common complications of
cardiac catheterization. Treatment has evolved towards a less invasive
approach, reducing the number of Open repairs.
Objectives: The authors propose to discuss the contemporary management of PAN
and the remaining indications for Conventional Surgical Repair based upon a
case report.
Case Report: Sixty-one year old Caucasian male, with personal history of
Hypertension, previous myocardial infarct, dilated myocardiopathy, paroxistic
auricular fibrillation, with an implanted cardiodefibrillator, was submitted to
His Bundle ablation by right femoral catheterization. He was referred because
of the presence of a painful pulsating mass at the catheterization site. A
color-Doppler confirmed the diagnosis of Pseudoaneurysm of the right Deep
Femoral Artery with 3cm of diameter and the presence of an Arteriovenous
Fistula between the superficial femoral vessels. The patient was treated in a
Classic fashion, with exclusion of the pseudoaneurysm and repair of the
superficial artery and vein.
Conclusion: First-line treatment for PAN remains non-invasive but Open Surgical
repair is still an important alternative in the management of a restrict group
of patients.
Key words: Iatrogenic femoral pseudoaneurysm, Open Surgical Repair
INTRODUÇÃO
Desde a introdução da angioplastia coronária transluminal percutânea (PTCA) em
1977 por Gruentzig et al. que se tem assistido a um aumento no número e na
complexidade dos procedimentos percutâneos guiados por cateter[1].
Os Falsos aneurismas femorais (FA) são uma das complicações mais frequentemente
associadas a essas intervenções. Definidos como uma ruptura contida, formando
uma solução de continuidade entre o lúmen vascular e os tecidos envolventes com
disrupção das três camadas da parede arterial, os FA ocorrem em circunstâncias
restritas: após um cateterismo, associados a uma anastomose vascular entre a
artéria nativa e um enxerto, associados a um traumatismo e por fim associados a
infecção mural (FA micótico)[2].
Actualmente, a abordagem terapêutica de primeira linha dos FA associados à
punção femoral é reconhecidamente não invasiva. Contudo, a Cirurgia
Convencional detém ainda algumas indicações.
Os autores procuram a propósito de um caso clínico discutir a sua abordagem
terapêutica e as indicações para Cirurgia Convencional.
CASO CLÍNICO
Doente de 61 anos, sexo masculino, com antecedentes pessoais de hipertensão
arterial, tabagismo, dislipidémia, doença coronária com enfarte agudo do
miocárdio há 20 anos, miocardiopatia dilatada, bloqueio de ramo esquerdo,
fibrilhação auricular paroxística, portador de cardiodesfibrilhador e estando
hipocoagulado com um antagonista da Vitamina K com INR alvo de 2-3. Foi
submetido a cateterismo cardíaco para ablação do Feixe de His por via
transfemoral direita tendo sido referenciado ao Serviço de Angiologia e
Cirurgia Vascular por aparecimento de massa pulsátil dolorosa na região
inguinal direita 10 dias após o procedimento. A acompanhar as queixas álgicas,
o doente referia hipostesia da face anterior da coxa.
À inspecção, observou-se uma massa inguinal direita com cerca de 4cm de maior
diâmetro com área de hiperémia cutânea, sendo à palpação detectada a presença
de pulsatilidade e expansibilidade, mas sem a presença de frémito. À
auscultação, foi detectado um sopro holossitólico. O restante exame vascular
dos membros confirmou a presença de todos os pulsos dos membros inferiores
normais em amplitude, frequência e simetria. Ao exame neurológico foi
constatada a presença de hipostesia da face anterior e interna da coxa direita.
A Angiodinografia revelou uma área hipoecogéncia de contorno ovóide com um
diâmetro longitudinal de 30.4 mm por 21.8 mm de diâmetro sagital, sendo o seu
contorno regular mas não sendo distinto um limite estrutural com o espaço
tecidular circundante | FIGURA 1 |. Foi comprovado a presença de fluxo
turbulento bidireccional no interior deste espaço sacular que se originava na
artéria femoral profunda subjacente, relação esta feita por um colo curto e
largo com 8mm de diâmetro.
|FIGURA 1 |
A) A Angiodinografia revelou uma área hipoecogéncia de contorno ovóide com um
diâmetro longitudinal de 30.4 mm por 21.8 mm de diâmetro sagital, sendo o seu
contorno regular mas não sendo distinto um limite estrutural com o espaço
tecidular circundante.
B) "Yin-Yang signal".
C) Colo de FAN de 8 mm de diâmetro com origem na artéria femoral profunda
subjacente.
D) E) Fluxo bidireccional equivalente ("to-and-fro").
F) Identificação de componente arterial no fluxo venoso femoral superficial
proximal em relação com FAV.
Com o diagnóstico de FA da artéria femoral profunda direita associado a fístula
entre a artéria e a veia femorais superficiais direitas, o doente foi submetido
electivamente a uma abordagem cirúrgica clássica onde foi realizada a exclusão
do falso aneurisma e rafia das lesões da artéria e veia femorais superficiais.
A evolução clínica foi favorável tendo o doente tido alta melhorado às 48 horas
de internamento. Ao 30º dia após a intervenção, o doente encontrava-se
assintomático, sem défices sensitivos, com todos os pulsos dos membros
inferiores palpáveis, sem sopros audíveis e com a cicatriz cirúrgica encerrada.
DISCUSSÃO
O FA é uma das complicações mais frequentes dos cateterismos cardíacos, sendo a
sua incidência de até 8%[3]. Contudo, diferenciando os cateterismos entre
procedimentos diagnósticos e procedimentos terapêuticos, são reportadas
incidências de 0,05 a 2% e de 2 a 6% respectivamente[2, 4]. Esta distinção
reflecte as diferenças entre estes, no que diz respeito à duração e
complexidade da intervenção. Além disso, nos procedimentos terapêuticos são
utilizadas bainhas de maior perfil (8-12 Fr), cateterização arterial e venosa
simultânea assim como se realiza uma hipocoagulação mais prolongada,
sublinhando assim a importância destes factores no desenvolvimento dos FA. Um
estudo revelou que a incidência de complicações vasculares nas cateterizações
intervencionais era 5.2 vezes superior do que em cateterismos diagnósticos[5].
Contudo, o principal factor de risco é o erro técnico na punção (local de
punção proximal ou distal à artéria femoral comum, múltiplas tentativas de
punção) ou compressão pós-procedimento inadequada. Outros factores de risco
identificados na literatura incluem a obesidade, hipertensão arterial,
insuficiência renal crónica em hemodiálise, presença de doença aterosclerótica
no local de punção com maior ou menor calcificação associada[6], a punção
repetida no mesmo local, a idade acima dos 65 anos[7] ou ainda o género
feminino[8].
O diagnóstico clínico baseia-se na identificação de uma massa pulsátil em
relação com o local de punção e que se pode fazer acompanhar de um sopro
audível ou frémito palpável. A sua distinção de um simples hematoma pode nem
sempre ser feita clinicamente pelo que a ultrassonografia com Doppler colorido
ocupa uma posição fulcral no algoritmo diagnóstico dos FA, apresentando uma
sensibilidade e especificidade de 94 e 97% respectivamente[9]. A identificação
ultrassonográfica de uma imagem hipoecogénica com presença de fluxo
bidireccional ("to-and-fro") é conclusiva [2]. Qualquer doente que
se apresente com queixas álgicas desproporcionais ao expectável após o
cateterismo deverá ser submetido a uma angiodinografia[2].
A apresentação clínica dos FA pelas suas complicações é comum, nomeadamente com
a presença de sinais inflamatórios indiciando uma infecção subjacente, a
presença de dor e perda sensitiva por compressão do nervo femoral, edema
ipsilateral do membro por compressão e trombose venosa profunda e ainda mais
raramente como síndrome compartimental, necrose cutânea e ruptura.
Alguns estudos procuraram clarificar a história natural dos FA através de um
seguimento clínico e angiodinográfico. Kresowik et al verificaram que em 7
casos de FA com diâmetros de 1.3 a 3.5 cm todos apresentaram trombose
espontânea às 4 semanas[10]. Outro estudo encontrou 89% de tromboses
espontâneas em 72 doentes (n=82) com FA com um diâmetro inferior a 3cm, tendo o
tempo médio decorrido até à trombose do FA sido de 23 dias[2, 17].
Baseando-se nestes resultados, muitos autores preconizam actualmente uma
atitude inicialmente conservadora na abordagem dos FA de pequenas dimensões,
definindo como limiar interventivo os 3 cm de diâmetro. Esta abordagem não é no
entanto consensual e outros elementos devem também ser tidos em conta no
processo decisivo. A angiodinografia permite uma caracterização do colo do FA
no que diz respeito ao comprimento e largura assim como a caracterização
velocimétrica do fluxo no seu interior. FA com colos curtos, com mais de 5 mm
de diâmetro ou com fluxo com velocidades registadas acima de 100 cm/segundo têm
uma menor taxa de trombose espontânea [11]. Para além das propriedades
intrínsecas ao FA, outros factores interferem nesta evolução, sendo que a
história natural dos FA na presença de terapêutica hipocoagulante ou de
antiagregação plaquetária está associada a uma menor probabilidade de trombose
espontânea[12].
A Cirurgia Convencional precoce foi o tratamento "gold-standard"
até ao início dos anos 90[13]. Embora os pequenos FA pudessem ser apenas
vigiados, a intervenção não era protelada além de alguns dias em FA de maiores
dimensões e em doentes hipocoagulados[14]. As complicações potencialmente
fatais dos FA eram tidas como justificação suficiente para esta abordagem
invasiva[15]. Skillman et al especularam que perante o crescimento exponencial
no número de cateterizações realizadas, o Cirurgião Vascular ver-se-ia
certamente confrontado também com um incremento no número de reparações
convencionais de FA[16]. Da estratégia cirúrgica constavam os mesmos princípios
que regem a conduta habitual na Cirurgia Vascular Convencional com a obtenção
de controlo proximal, (se necessário ao nível da artéria ilíaca externa) e
controlo distal fazendo-se depois a abordagem directa do FA com reparação da
lesão vascular (por intermédio de sutura primária, encerramento com
"patch" ou com interposição de enxerto)[14, 16]. Lumsden et al[15]
descreveram uma modificação minimizando a exposição anatómica ao abdicarem de
um controlo vascular à distância, sendo este obtido por pressão digital directa
sobre o ponto de ruptura da parede, procurando reduzir a morbilidade associada
à intervenção.
A reparação cirúrgica convencional pode ser executada sob qualquer uma das
modalidades anestésicas (local, locorregional ou geral). A opção por uma ou
outra tem em conta a situação hemodinâmica do doente, a experiência
institucional e a estratégia cirúrgica delineada, sem que a opção por um método
anestésico local possa estar associado a uma redução do risco anestésico
perioperatório.
No FA infectado, o objectivo passa por eliminar o foco de infecção assim como
preservar a circulação distal. Assim, a estratégia terapêutica associa a
antibioterapia prolongada (6 semanas, dirigida contra Staphylococcus aureus e
Salmonella spp) à excisão do saco aneurismático. Perante a necessidade de
reconstrução dos eixos vasculares com uma interposição de enxerto, este deve
ser de material autólogo sempre que disponível e deverá ter um trajecto por
tecidos não infectados[9].
O reconhecimento de que a Cirurgia Convencional não é desprovida de riscos num
grupo de doentes com múltiplas comorbilidades levou ao longo das últimas duas
décadas, a uma evolução na abordagem terapêutica dos FA no sentido da maior
preponderância dos métodos menos invasivos. Apesar desta evolução do tratamento
dos FA, restam ainda algumas indicações para a Cirurgia Convencional que
incluem contraindicações absolutas para a utilização de métodos não cirúrgicos
para o tratamento dos FA | TABELA 1 |.
|TABELA 1 | Indicações para a Abordagem Cirúrgica Convencional dos FA
Na literatura são reportadas como complicações mais frequentes da Cirurgia
Convencional o hematoma / hemorragia da cicatriz cirúrgica, e a nevralgia
femoral em até 30% das reparações[17]. Outras complicações menos frequentes
incluem hemorragia retroperitoneal, infecção local ou sistémica, linforragia,
edema do membro inferior, enfarte do miocárdio e raramente morte[15]. Lumsden
reportou uma taxa global de complicações de 21%[15]. Garcia et al[18] estudaram
a evolução de FA submetidos a correcção cirúrgica, tendo reportado uma
incidência de 71% de complicações entre os doentes intervencionados. Contudo,
estes autores incluíram entre as complicações a necessidade de suporte
transfusional, o que permite obter uma incidência de 46% de complicações pós
operatórias ao excluir este de entre as complicações cirúrgicas[18].
As incidências elevadas reportadas de complicações da Cirurgia Convencional
estão relacionadas por um lado com as próprias indicações para este tipo de
abordagem (FA com complicação na sua apresentação). Por outro lado, factores
como a idade acima dos 70 anos, a utilização de terapêutica hipocoagulante ou
antiagregante ou fibrinolítica, hipertensão arterial e fibrilhação auricular
foram associados a morbilidade perioperatória[17], sendo a sua presença neste
grupo de doentes frequente.
O tratamento actual dos FA evoluiu para uma supremacia das abordagens não
cirúrgicas.
Fellmeth et al reportaram em 1991 a compressão guiada por ultrassonografia para
tratamento dos FA[19]. Embora com taxas de sucesso técnico inicialmente
reportadas de 75% a 98%, alguns estudos verificaram que em doentes sob
terapêutica hipocoagulante, a taxa de trombose induzida era significativamente
menor, na ordem dos 30 a 73%. Outro factor preditivo de insucesso desta técnica
inclui a dimensão do FA sendo que para FA com 2cm de diâmetro máximo o sucesso
técnico foi de 100%, comparativamente aos 67% para diâmetros acima dos 4 cm.
Outra das desvantagens deste método refere-se a execução técnica que além de
demorada, necessitando por vezes de vários ciclos de compressão que podem
ultrapassar os 60 minutos ao todo, pode facilmente ultrapassar o limiar de
tolerabilidade de dor do doente, podendo ser necessária a associação de uma
sedação endovenosa ou outro tipo de anestesia durante o procedimento[2]. As
principais vantagens incluem os custos reduzidos e a duração de internamento
curta. As suas complicações são raras, e incluem a reacção vasovagal, necrose
da pele, ruptura do FA e trombose venosa ou arterial. A taxa de recidiva
reportada num estudo foi de 12.5%[2] o que combinado com uma taxa de sucesso
modesta poderá não justificar o tempo dispendido e o desconforto provocado ao
doente pelo procedimento[9]. Outras formas de compressão mecânica com eficácia
similar à compressão manual ecoguiada foram propostas e que têm a
particularidade de dispensar a intervenção do técnico ao longo da maior parte
do procedimento[9].
A injecção de trombina guiada por ultrassonografia foi descrita em 1986 por
Cope e Zeit[20], sendo actualmente a abordagem de escolha na prática clínica
para o tratamento dos FA[2]. Comparativamente à compressão guiada por
ultrassonografia, a injecção de trombina apresenta várias vantagens. A maior
tolerabilidade pelo doente, uma demora média de alguns segundos até à trombose
do FA (a formação de trombo é instantânea à medida que a trombina é injectada)
e a possibilidade de se poder tratar FA acima do ligamento inguinal são os
pontos mais atractivos deste método. A sua eficácia está documentada em
múltiplos estudos, apresentando um sucesso técnico superior à compressão
ecoguiada[21] que varia entre os 91 e 100%, mesmo em doentes sob terapêutica
hipocoagulante[2, 21 - 25]. A taxa reportada de recorrência do FA nas 24-48
horas seguintes situa-se nos 2%[22] sendo a realização de um Ecodoppler de
controlo indispensável. Estes FA recidivados são susceptíveis à repetição da
injecção, o que não está associado a mais complicações e apresenta uma eficácia
elevada[26]. As complicações de maior importância dizem respeito à libertação
para o fluxo da artéria nativa de trombina, com trombose localizada consequente
responsável por oclusão arterial, ou embolia distal. Estas complicações são
mais frequentes em FA com colos curtos e largos[27]. Num conjunto de 1329 FA
tratados por injecção de trombina, ocorreram 17 complicações das quais 7
embólicas.
Uma actualização de uma metanálise publicada pela Cochrane Collaboration de
2009 concluiu não haver ainda evidências suficientes para suportar a
superioridade da injecção de trombina ecoguiada comparativamente à compressão
guiada por ecografia[3]. Baseando-se em apenas 2 estudos controlados
randomizados comparando ambos os métodos, os autores concluem que a compressão
ecoguiada deve ser de primeira linha estando a injecção de trombina reservada
aos casos de falência da compressão ecoguiada.
O envolvimento da Cirurgia Endovascular é mais recente no tratamento dos FA. A
embolização por coils permite obliterar o interior do FA lentificando o fluxo
sanguíneo e portanto promovendo a sua trombose. O acesso pode ser obtido por
punção directa ou através do eixo femoral contralateral. As principais
desvantagens apontadas a este método incluem a possibilidade dos coils poderem
actuar como um foco infeccioso ou ainda provocar a ruptura de uma estrutura que
é desprovida de uma verdadeira parede pelo aumento de pressão no seu interior
ou ainda poder impedir a regressão natural de uma cavidade por estar preenchida
de material inerte. A embolização distal pode ser prevenida através da oclusão
do colo do FA por balão[9]. A utilização de próteses endovasculares cobertas
tem sido proposta por alguns autores de forma cautelosa. As principais
contraindicações são a presença de tortuosidade extrema do eixo ilíaco assim
como o envolvimento da bifurcação femoral. Num estudo com 29 doentes, foram
tratados com sucesso 26 (16 FA, 9 Fístulas arteriovenosas e 1 lesão combinada).
Foram verificadas 2 intercorrências major precoces (o desenvolvimento de um 2º
FA no local de punção e a trombose precoce de um stent com necessidade de
trombólise que provocou uma hemorragia subdural). Ao final de 1 ano de
seguimento, foram reportadas 4 oclusões (17%) (3 da Artéria Femoral Superficial
e 1 da Artéria Femoral Profunda)[28]. As principais desvantagens deste método
dizem respeito ao impedimento da utilização daquele eixo femoral em futuros
cateterismos se necessário assim como não serem conhecidos os resultados a
longo prazo[28]. Adicionalmente, a relação anatómica da Artéria Femoral Comum
com uma articulação com grande amplitude de movimentos e por outro lado a
necessidade de preservação da Artéria Femoral Profunda constituem as principais
adversidades à generalização desta modalidade terapêutica[9], podendo contudo
ter um papel em casos seleccionados.
Outros métodos de tratamento foram também reportados. A compressão ecoguiada de
um coil Inconel (parcialmente inserido no FA por punção ecoguiada) foi
associado a uma redução do tempo de compressão, sendo que o coil é removido
após a trombose do FA[29]. A injecção percutânea de colagénio por via femoral
contralateral apresenta como principal vantagem um menor risco de migração do
colagénio pelo colo do FA em comparação com a injecção de trombina ecoguiada.
Este facto é devido às suas propriedades físicas que lhe conferem uma maior
estabilidade. Contudo, não dispensa a cateterização femoral contralateral, o
que não acontece com a injecção de trombina. A injecção para-aneurismática de
solução salina provocando a trombose do FA por compressão do volume de soro foi
eficaz em 6 casos, sendo a principal vantagem a atribur a este método a total
reabsorção subsequente da solução salina[17]. Contudo, a pouca experiência e
reprodutibilidade em comparação com os restantes métodos não permite ainda
enquadrar estas técnicas fora do campo da investigação clínica.
Vários algoritmos de tratamento foram propostos ao longo do tempo tendo
evoluído no sentido da maior preponderância dos métodos menos invasivos de
acordo com as últimas evidências. Da reunião destas, é possível elaborar um
algoritmo terapêutico actualizado | FIGURA 2 |. Contudo, perante o reduzido
número de estudos controlados randomizados, não foi obtido ainda um consenso,
quer no que diz respeito ao tratamento de primeira linha, quer ao seguimento
destes doentes. No entanto, alguns princípios podem ser adoptados: FA com menos
de 2 cm de diâmetro ou 6 cm3 de volume podem ser tratados conservadoramente,
com uma vigilância clínica e angiodinográfica regular. O insucesso repetido da
injecção de trombina guiada por ecografia deve levantar obrigatoriamente a
suspeita de que a lesão vascular é mais extensa, estando indicado o tratamento
cirúrgico convencional. O tratamento cirúrgico convencional de um FA com um
colo largo (superior a 8 mm) ou associado a fístula arteriovenosa deverá ser
preferencialmente por Cirurgia Convencional[30].
| FIGURA 2 | Algoritmo terapêutico.
CONCLUSÃO
O incremento exponencial no número de cateterismos torna o FA uma entidade com
que o Cirurgião Vascular se confrontará com uma frequência crescente no futuro.
As evidências apontam para que a injecção ecoguiada de trombina se venha a
tornar como a abordagem de primeira linha dos FA. Contudo, a Cirurgia
Convencional é ainda uma importante e necessária estratégia terapêutica para um
grupo restrito de doentes.