Home   |   Structure   |   Research   |   Resources   |   Members   |   Training   |   Activities   |   Contact

EN | PT

EuPTCVHe1646-706X2012000300004

EuPTCVHe1646-706X2012000300004

variedadeEu
ano2012
fonteScielo

O script do Java parece estar desligado, ou então houve um erro de comunicação. Ligue o script do Java para mais opções de representação.

Transposição da Veia Basílica: um contributo para a melhoria da técnica cirúrgica

INTRODUÇÃO O elevado número de doentes em hemodiálise (HD) abrange uma população de idosos, com grande incidência de diabéticos e com progressiva deterioração das veias utilizáveis para acessos vasculares. Assim, o esgotamento de acessos primários e o uso crescente de cateteres venosos centrais[1] levam a um esforço contínuo para melhorar a realização de acessos autólogos. Esta orientação motivou o nosso interesse na Transposição da Veia Basílica (TVB) como um dos últimos redutos de acesso autólogo.

O acesso autólogo apresenta maior patência, menor taxa de trombose, menor necessidade de reintervenção, menor taxa de infecção, menor custo na manutenção e menor taxa de hospitalização em comparação com a prótese. [2,3] Além disso, em caso de falência não impede a realização de pontagem no mesmo braço. [4,5] A veia basílica, dada a sua localização anatomicamente mais profunda, raramente é lesada por punções e é geralmente de bom calibre. [6] A primeira descrição de TVB é de Dagher et al, com patência de 70% aos 8 anos.7 Tem sido utilizada na última década com patências descritas de 47 a 93% |TABELA 1|.

| TABELA_1 | Estudos publicados sobre transposição da veia basílica

Com a TVB não parece haver aumento na morbilidade, embora as incisões cirúrgicas sejam mais longas e o tempo cirúrgico alargado. [4] Procurámos melhorar a técnica cirúrgica descrita na literatura usando 3 incisões de 2-3cm e uma média de 75 minutos de tempo cirúrgico.

Os estudos científicos que comparam TVB e acessos protésicos descrevem patências semelhantes para as duas técnicas, mas taxa de complicações inferior com a TVB, o que compensa o facto de as próteses poderem ser utilizadas mais rapidamente, sem período de maturação. [4,13-15] Este artigo tem como objectivo descrever a técnica cirúrgica por nós utilizada (NM, CN) e a nossa posição actual, após a curva de aprendizagem. Pretende-se também avaliar as especificidades desta técnica em termos de patência a longo prazo, impacto dos factores de risco cardiovascular (FRCV) na patência e taxa de complicações.

MATERIAL E MÉTODOS A Consulta de Acessos Vasculares do CHP-HSA é efectuada por um Cirurgião Vascular e um Nefrologista em presença, com colheita de história clínica, exame físico e realização de ecodoppler dos membros superiores para um correcto mapeamento vascular. A venografia é efectuada em casos seleccionados, nomeadamente, em doentes com antecedentes de cateterismo da veia subclávia e história de falência de múltiplas fístulas arteriovenosas (FAVs).

Opta-se pela TVB quando os acessos autólogos primários se esgotaram em ambos os membros superiores e o doente apresenta uma veia basílica com diâmetro superior a 4mm na avaliação ao ecodoppler, com torniquete colocado.

Efectuámos um estudo prospectivo de todos os doentes submetidos a TVB no CHP - HSA entre Setembro 2005 e Setembro de 2009.

A colheita de dados foi efectuada em 2 momentos. Na altura da TVB, com colheita da informação clínica do Centro HD, dados demográficos e FRCV (hipertensão arterial, diabetes, tabagismo, doença arterial obstrutiva periférica, doença coronária, obesidade). Posteriormente, a partir do Processo Clínico Electrónico registou-se o número prévio de acessos de HD e o intervalo de tempo entre a construção da FAV úmero-basílica e a TVB. O seguimento das TVB, com conhecimento da sua evolução, início de utilização, complicações e reintervenções foi obtido a partir dos registos clínicos dos Centros HD e Nefrologistas responsáveis.

Os conceitos de patência primária, primária assistida e secundária utilizados são os recomendados pela SVS/American Association for Vascular Surgery para os acessos vasculares de HD. [16] A análise estatística foi efectuada com recurso ao PASW Statistics 18.

TÉCNICA CIRÚRGICA Praticamos sempre a cirurgia em dois tempos: a arterialização da veia basílica por um período de 8 a 10 semanas melhora o seu calibre e comprimento, permitindo afastá-la das incisões e reduzir o tempo de maturação após a transposição.

No primeiro tempo cria-se a FAV úmero-basílica na prega do cotovelo, sob anestesia local. O segundo tempo é efectuado com um intervalo mínimo de 8 semanas, sob anestesia local e sedação. Após marcação pré-operatória do trajecto da veia basílica arterializada | FIGURA 1 | efectuam-se 3 pequenas incisões no braço, de 2-3cm, que permitem o isolamento e a colheita da veia basílica em toda a sua extensão, com mobilização completa da mesma.

| FIGURA 1 | Marcação pré-operatória de veia basílica arterializada.

De seguida, secciona-se a veia basílica, cerca de 1 cm proximal à anastomose úmero-basílica prévia e efectua-se botoeira invertida dos dois topos | FIGURA 2 |.

| FIGURA 2 | Veia basílica isolada e seccionada

O túnel subcutâneo é efectuado o mais afastado possível das incisões de colheita de veia basílica | FIGURA 3 |. Utilizamos um tunelizador que consiste num segmento de metal maleável recoberto por um tubo de plástico que protege a veia basílica durante a manobra de tunelização. Por fim, testa-se a veia basílica para prevenir torções e efectua-se a reanastomose veno-venosa, restabelecendo a fístula | FIGURA 4 |.

| FIGURA 3 | a)Tunelização subcutânea, b) Tunelizador

| FIGURA 4 | a)Pós-operatório imediato, b) TVB pós-maturação

Não foi efectuada profilaxia antibiótica nem antiagregação no pós-operatório.

A primeira canulação é efectuada 6 a 8 semanas após o procedimento.

RESULTADOS A amostra compreendeu 74 doentes, com uma idade média de 58,9±16,7 anos e com predomínio do sexo masculino (65%).

Os doentes apresentavam, em média, 2,0 FAV prévias (P25=1,0; P75=3,0). A TVB foi o primeiro acesso em 20,3% dos casos.

As co-morbilidades são apresentadas na TABELA 2.

| TABELA 2 | Dados demográficos

O intervalo de tempo mais frequente entre o primeiro e o segundo tempo do procedimento foi 12 semanas | FIGURA 5 |. A distribuição pouco uniforme que se observa no gráfico deve-se ao facto de a FAV úmero-basílica ser efectuada em latero-lateral, o que arterializa simultaneamente as veias basílica e cefálica.

No entanto, a TVB se efectua quando a veia cefálica não se encontra adequada para a realização de HD.

| FIGURA 5 | Distribuição do intervalo de tempo entre 1o e 2o tempos cirúrgicos

O intervalo de tempo entre a TVB e a 1a punção também foi muito variável | FIGURA 6 |, no entanto, o mais frequente foi um intervalo de 6 semanas.

| FIGURA 6 | Distribuição do intervalo de tempo entre TVB e 1a punção

O tempo médio de seguimento das TVB foi de 14,5 meses. Ocorreram dois casos de falência primária (aos 30 dias). A patência primária, primária assistida e secundária foi de 83%, 95,7% e 95,7% aos 3 meses; 65,4%, 85,1% e 85,1% aos 12 meses e 39,4%, 62,2% e 62,2% aos 24 meses | FIGURA 7 |. No nosso estudo as patências primárias assistidas e as secundárias são sobreponíveis, pois nenhuma trombose de TVB foi recuperada.

| FIGURA 7A | Transposição de veia basílica: patência primária

| FIGURA 7B | Transposição de veia basílica: patência primária

| FIGURA 7C | Taxas de patência

Avaliando o impacto dos FRCV e dos dados demográficos dos doentes na patência das TVB concluímos que somente a DM se associou a uma pior taxa de patência, de um modo estatisticamente significativo | FIGURA 8 |.

| FIGURA 8 | Impacto dos factores de risco cardiovascular na patência da TVB

A taxa de complicações peri-operatórias (nos primeiros 30 dias) foi de 28,4%, sendo a infecção a complicação mais frequente, seguida do hematoma, hipertensão venosa e estenose venosa | TABELA 3 |.

| TABELA 3 | Complicações pós-operatórias

De entre as complicações tardias (> 30 dias) predominou a trombose, seguida da hipertensão venosa. Tivemos 3 casos de hematoma pós-punção, 1 síndrome de roubo, 1 rotura de FAV e 1 aneurisma arterial iatrogénico, pós-punção.

Em suma, 58,6% das TVB tiveram uma complicação, em algum momento, durante o período de seguimento. A trombose foi, sem dúvida, a complicação mais frequente (responsável por 33,3% de todas as complicações) e nenhuma foi recuperada. No entanto, 43,2% das outras complicações foram resolvidas / controladas apenas com tratamento conservador. As re-intervenções foram variadas e compreenderam procedimentos endovasculares e cirurgia clássica | TABELA 4 |.

| TABELA 4 | Reintervenções

A taxa de mortalidade peri-operatória foi de 1,35%, que corresponde a um doente que faleceu ao 17º dia pós-operatório com quadro de abdómen agudo, não relacionado com o procedimento. Durante o período de seguimento ocorreram 6 mortes (8,1%).

DISCUSSÃO A avaliação pré-operatória, com ecodoppler, da qualidade da veia basílica e do seu calibre melhora os resultados, particularmente no que diz respeito ao sucesso técnico.

A National Kidney Foundation recomenda que um acesso autólogo deve ter uma patência de 70% ao ano e 60% ao fim de dois anos. Os nossos resultados cumprem esse objectivo (patência secundária de 85.1% e 62,2% ao fim de 1 e 2 anos, respectivamente). Comparando com outros estudos de TVB, as nossas patências são bastante aceitáveis | TABELA_1 |.

A DM prejudica a maturação das FAVs e condiciona pior patência do acesso, como se constata no nosso estudo.

Após a análise dos resultados vamos introduzir uma modificação na nossa prática, isto é, fazer profilaxia antibiótica durante o tempo do procedimento cirúrgico.

É importante sensibilizar os profissionais de saúde para a sinalização precoce da trombose de TVB, de forma a intervir atempadamente. É essencial associar à trombectomia o estudo angiográfico da FAV, com o intuito de se identificar a causa da trombose e efectuar a sua adequada correcção por cirurgia clássica ou endovascular.

CONCLUSÃO A TVB pode ser realizada com baixa morbilidade e com tempos de maturação aceitáveis. Deve ser programada e tentada sempre que se esgotem os acessos autólogos primários e antes de ponderar o uso de prótese arterio-venosa.

A técnica cirúrgica desenvolvida reduziu o tempo cirúrgico, diminuiu a morbilidade operatória e apresentou resultados que cumprem as guidelines internacionalmente aceites (K-DOQI 2006).


transferir texto