Implicações Psicológicas da Experiência Informal de Cuidar
Implicações Psicológicas da Experiência Informal de Cuidar
Introdução
Os cuidadores, familiares ou não, são figuras centrais para a pessoa que padece
de demência e a sua importância relaciona-se com a globalidade da pessoa. O
papel por si desempenhado ultrapassa de sobremaneira a satisfação das
necessidades básicas e é encarado pelas equipas de saúde como pedra basilar no
esclarecimento do diagnóstico, no acompanhamento, na avaliação/intervenção e
consecução dos planos terapêuticos.
O conhecimento pela equipa de saúde dos mecanismos de coping (Au et al., 2010),
habitualmente usados pelo cuidador, potencia a intervenção partilhada e permite
identificar situações que reclamam intervenção atempada. Sabe- se que
estratégias de coping centradas no problema têm mais sucesso que as estratégias
centradas nas emoções (Tschanz et al., 2010). São múltiplas as formas de
demência o que se associa com maiores dificuldades de diagnóstico e maiores
dificuldades para assumir perante a pessoa ou o seu familiar o aparecimento
desta patologia com os riscos que este tipo de informação pode despoletar
(Draper, Peisah, Snowdon, & Brodaty, 2009). Consequentemente há também mais
necessidade de esclarecimento ao cuidador (Rocca et al., 2011). A experiência
de cuidar requer tarefas adaptativas pelas implicações psicológicas que
provoca. Habitualmente o diagnóstico é feito numa fase já avançada da doença
mas segundo Jansen et al. (2011), nem sempre é benéfico para o cuidador
conhecer precocemente o percurso da doença.
A reversibilidade de algumas demências leva a que as equipas de saúde
intervenham rapidamente com o cuidador para repor a normalidade da pessoa e
reduzir ao máximo os défices resultantes da presença de elementos responsáveis
pelas alterações. O conhecimento da irreversibilidade de outras demências, como
acontece, por exemplo, com as de origem vascular e que surgem na sequência de
AVCs, conduz a equipa de saúde às atitudes de formação que visam a prevenção
das potenciais demências integrando no acompanhamento de consultoria a
importância da vigilância de saúde em geral e, particularmente, nas pessoas
idosas. Perante processos demenciais de características não preveníveis, a
atitude que deve nortear as equipas de saúde é relevante para permitir melhor
qualidade de vida aos que deles possam padecer e àqueles que voluntariamente ou
por falta de opção assumiram o nobre papel de cuidar (Ducharme, Lévesque,
Lachance, Kergoat, & Coulombe, 2011). Sabe-se que no envelhecimento há
diferenças individuais marcadas, nos padrões de declínio cognitivo e de
identidade (Caddell & Clare, 2009), relacionados com aspectos
socioeconómicos, de escolaridade, de saúde física e outros, sendo necessário
cuidado na análise dos resultados individuais. A relevância da história
clínica, do exame clínico, da avaliação neuropsicológica e funcional indica o
cuidador principal como parceiro no diagnóstico e elemento fulcral para
viabilizar o plano de intervenção. O cuidador faz parte integrante do sucesso
das intervenções farmacológicas ou não farmacológicas (Sotto Mayor, 2009). A
escuta empática do cuidador permite identificar as suas dificuldades, reduzir
riscos (Douglas, Letts, & Richardson, 2011), reconhecer momentos de
satisfação, perceber o coping utilizado pelas famílias e potenciais alterações
psicológicas, sendo um meio privilegiado para prevenir o aparecimento de
sintomatologia depressiva. Todas as intervenções com a pessoa que padece de
demência exigem a atenção do cuidador. Diversos estudos demonstram que existe
correlação positiva entre os sintomas comportamentais e psicológicos na
demência e a redução da funcionalidade com sensação de sobrecarga por parte do
cuidador (Miyamoto, Tachimori, & Ito, 2010) e o sentimento de sobrecarga. A
equipa de saúde, na posse desta informação, para todos, inquestionável, deve
tomar consciência que da sua intervenção com os cuidadores resultará o sucesso
ou não, para todos os envolvidos. Com este trabalho, as autoras pretendem
produzir um texto em torno das implicações psicológicas associadas à actividade
de cuidar através de uma aproximação à revisão sistemática sobre "caregiving".
Métodos e Técnicas
Foi efectuada uma pesquisa na Elsevier e seleccionados da base de dados 9609
abstracts, referentes ao período de publicação compreendido entre 2002 e 2011,
tendo como condição de procura, em todas as fontes e em todas as ciências, a
temática de "caregiving". Seguiu-se uma procura mais específica considerando-se
apenas os abstracts alusivos a "caregiving dementia" num total de 1624 ficando
apenas com textos relacionados com cuidadores de doentes que padeciam de
demência. Com base numa análise qualitativa destes 1624 abstracts foram
seleccionados apenas 64 textos integrais, originais, tendo como critérios de
selecção uma abordagem multidisciplinar da actividade de cuidar e a assumpção
do acompanhamento dos cuidadores como condição inerente ao bem-estar da díade
cuidador-idoso. Depois desta primeira análise de conteúdo foram escolhidos
todos os textos que referiam "as implicações psicológicas do acto de cuidar".
Com referência a estas leituras e posteriores análises foi efectuada a produção
deste texto de revisão subdividindo-o em "implicações psicológicas da
experiencia informal de cuidar", "implicações psicológicas", "coping e cuidar"
e "estratégias de intervenção".
Resultados/Discussão
Subjacente à análise de conteúdo efectuada é assumida a posição pessoal das
autoras da investigação face à temática em estudo bem como dos seus percursos
profissionais de cuidadores formais e como investigadoras (Serrano, 1996). Este
trabalho, tendo a realidade como premissa orientadora, não abarca toda a
literatura publicada sobre o tema mas, obedece aos critérios predefinidos pelas
investigadoras. Teve em conta a diversidade metodológica usada nos diferentes
estudos, a solidez dos respectivos desenhos de investigação e o tipo e
características das populações em análise.
Os diversos estudos sobre cuidadores informais indicam que estes estão sujeitos
a grande sobrecarga (Garcés, Carretero, Ródenas, & Sanjosé, 2009). Para
alguns autores trata-se mesmo de uma situação que ultrapassa a sua capacidade
física e mental com vivência de grandes períodos de stress (Zarit, Charles,
& Irene, 2008). É uma actividade que tem custos directos e indirectos com
graves implicações sociais, problemas de saúde já devidamente identificados,
como depressão, ansiedade, distúrbios psicossomáticos, alterações imunológicas
e alterações cardiovasculares (Yee & Schulz, 2000; Lee et al., 2003).
Alguns autores mencionaram também o desconforto emocional vivido pelos
cuidadores e o impacto que esta vivência tem na pessoa alvo dos cuidados sendo
que muitas vezes sofre uma queda na assistência, estando também mais sujeita a
negligência e consequentemente à mercê de uma institucionalização precoce.
Por outro lado, a sobrecarga económica a que estas famílias estão sujeitas
aumenta também a sensação de impotência pessoal levando estes cuidadores a ser
consumidores do sistema de saúde, pondo em causa a sustentabilidade dos
sistemas de protecção social e de saúde das gerações vindouras (Garcés,
Carretero, Ródenas, & Alemán, 2010).
Implicações Psicológicas da Experiência Informal de Cuidar
São múltiplas as implicações psicológicas que resultam da experiência de
cuidar. O confronto com o diagnóstico de demência num familiar, requer da parte
da pessoa cuidadora algumas tarefas adaptativas entre elas as relacionadas
especificamente com a doença tais como: lidar com a dor, incapacidade e outros
sintomas do doente; lidar com o ambiente hospitalar e procedimentos especiais
de tratamento que têm de aprender; desenvolvimento e manutenção de um
relacionamento adequado com a equipa de saúde ' e tarefas mais gerais onde se
incluem: a preservação de um equilíbrio emocional razoável (Chang, Chiou, &
Chen, 2010), perante as perdas a enfrentar nomeadamente do familiar;
preservação de uma auto-imagem satisfatória e manutenção de um sentido de
competência e de mestria; manutenção dos relacionamentos com familiares e
amigos tendo em consideração a tendência para o isolamento e a preparação para
um futuro incerto, não esquecendo o carácter degenerativo e progressivo das
demências embora com apresentações diversificadas (Rocca et al., 2011). A
componente de informação é uma preciosa ajuda para auxiliar o cuidador a lidar
com a doença e com a progressiva incapacidade física e cognitiva associadas.
Para tal, o fornecimento de informação (acerca das "situações- problema"
resultantes das reacções dos doentes com esta patologia, já tipificadas,
organizadas e conhecidas dos técnicos), pode ser um elemento chave para gerir
com eficácia e eficiência a procura de assistência médica.
A prestação de cuidados a um familiar, tem um impacto negativo no bem-estar
físico e emocional do cuidador (Monin & Schulz, 2009), repercutindo-se em
múltiplas esferas da sua vida, quer no âmbito social e económico, quer no
âmbito da saúde física e mental. Neste contexto, e de acordo com Garcia (2010),
estas podem ser directas (e.g. dores nas costas) ou indirectas (e.g. perda de
oportunidades profissionais); explícitas (e.g. conflitos familiares), ou
implícitas (e.g. motivação), considerando-se que os efeitos sobre a saúde
mental são os mais significativos, comparativamente à saúde física do cuidador.
Do ponto de vista da saúde mental são vários os autores que referem, o stress
(Boerner, Schulz, & Horowitz, 2004; Garcia, 2010; Musil, Morris, Warner,
& Saeid, 2003) a ansiedade (Sala, 2002), e a depressão (Garcia, 2010; Loss,
Change & Grief, 2003) como as consequências directas mais prevalentes nos
cuidadores de familiares com demência.
Alguns autores (Baltar, Cerrato, Fernández de Trocóniz e González, 2006)
referem ainda os sentimentos de culpa, a raiva, o desamparo, a frustração, a
ira, a solidão e a negação de necessidade de ajuda, como os aspectos emocionais
e comportamentais relevantes, presentes nos cuidadores. A ira e a hostilidade
são ainda reforçadas por Marks, Lambert e Choi (2002).
Garcia (2010) também nos alerta para o facto de estar subjacente à prestação de
cuidados um conjunto de consequências (físicas, emocionais, económicas e
sociais) que interagem entre si, criando sinergias que podem ser negativas
(e.g. cansaço físico, stress e depressão, diminuição dos rendimentos e das
interacções sociais) ou positivas (e.g. aumento da actividade física,
reconhecimento social e familiar). Do ponto de vista psicológico, o
desenvolvimento da empatia (compreensão do sofrimento dos outros), satisfação e
sensação de controlo, representam os aspectos positivos essenciais, assim como
a "aprendizagem vital" (Crespo & López, 2004, citado por Garcia, 2010).
A sobrecarga, ou o stress, oriundos da prestação de cuidados não são
percepcionados igualmente por todos os cuidadores, estando dependentes das
características da personalidade, dos comportamentos do doente, do grau de
parentesco com o doente, do sexo do cuidador, do suporte social, e das
estratégias de coping utilizadas. Losada-Baltar & Montorio-Cerrato (2005),
referem ainda as crenças e pensamentos disfuncionais e Crespo, López, &
Zarit (2005) a auto-estima e o sentimento de auto-eficácia. A emissão de
comportamentos disruptivos por parte dos doentes (Mittelman, Roth, Haley, &
Zarit, 2004), a existência de um laço de familiaridade (Sala, 2002), e a
exposição constante ao sofrimento físico e psicológico da pessoa amada, podem
influenciar directamente a experiência emocional dos cuidadores (Monin &
Schulz, 2009). A comprovar a importância do apoio social como variável
preditiva da saúde mental, surgem-nos os resultados dos estudos desenvolvidos
por Leite, Guerra e Garrett (2007).
Crenças e pensamentos disfuncionais (e.g. "seria egoísta cuidar de mim mesma já
que é o meu familiar que está doente"; "não devo pedir ajuda aos meus
familiares, já que estes têm a sua vida própria e problemas"), podem
condicionar o desenvolvimento adequado de estratégias de coping, sendo
necessárias intervenções no sentido de promover o desenvolvimento de
comportamentos que facilitem a adaptação à prestação de cuidados, como por
exemplo, pedir ajuda (Losada-Baltar & Montorio-Cerrato, 2005).
Crespo López e López Martínez (2007) explicam que "recursos e estratégias
son elementos de los que el cuidador dispone para tratar de amortigar el
posible impacto de la situación de cuidado" (p. 48). No entanto, apesar
de Lazaun, Arrazola, & Arrazola (2001) considerarem o apoio social e as
estratégias de coping, como variáveis modeladoras e modificadoras do stress da
prestação de cuidados, advertem-nos para a inexistência de um padrão único de
adaptação e coping.
Coping e Cuidar
O apoio social e as estratégias de coping surgem na literatura como as
variáveis moduladoras e modificadoras do stress oriundo da prestação contínua
de cuidados (Lazaun, Arrazola, & Arrazola, 2001).
O coping define o conjunto de sentimentos, pensamentos e comportamentos que
permitem ao indivíduo manter um estado psicológico satisfatório quando ele é
ameaçado (Ramos, 2005).
Trata-se de um processo que é simultaneamente emocional e cognitivo e a partir
do qual o indivíduo avalia acerca dos potenciais efeitos dos acontecimentos no
seu bem-estar (R. S. Lazarus & Folkman, 1984). Envolve tarefas adaptativas
e, perante as exigências internas e externas, as pessoas são postas à prova. De
acordo com os autores, ao coping são geralmente atribuídas duas funções
primordiais: regular emoções desajustadas e alterar a situação ou o problema,
classificando as estratégias de coping, como centradas nas emoções ou centradas
no problema.
É assim que a pessoa centrada na emoção, e com referência aos esforços para
diminuir a tensão, pode auto punir-se, culpabilizar-se, distanciar-se ou
evidenciar fuga ao problema que a aflige, procurar ajuda na sua rede de
suporte, aceitar a responsabilidade e papéis, fazer uma reavaliação positiva da
situação ou problema, desvalorizar a situação que parece ameaçadora.
Outra hipótese, será centrar-se na resolução do problema e agir sobre a
natureza da perturbação, ter percepção alternativa sobre a situação-problema e,
no sentido de a alterar, ser por vezes mais pró-activo e agir ou usar de mais
racionalidade tendo como objectivo central a sua resolução.
Quando as situações-problema são susceptíveis de mudança, o coping, mais
frequentemente adoptado, centra- se na resolução de problemas. Quando estão em
causa situações avaliadas como sendo de difícil solução, como a inevitabilidade
de uma cirurgia, por exemplo, ou ter de cuidar até à morte de uma pessoa que
padece de demência, é mais usado o coping centrado nas emoções.
Relacionando os vários tipos de estratégias de coping com o sexo do cuidador,
verifica-se a utilização predominante de estratégias confrontativas por parte
das mulheres, comparativamente com os homens, que preferem estratégias de fuga
ou evitamento (Mackey, Diemer, & OメBrien, 2000).
López (2008) defende que o facto de os homens cuidadores encararem a prestação
de cuidados de uma forma "profissional", permite-lhes ter um maior domínio e
controlo das situações. Em situações de demência, as estratégias de confronto,
podem revelar-se contraproducentes, potenciar no doente um aumento
significativo do stress vivencial, podendo inclusive culminar com alterações de
comportamento. Estratégias de "validação" (mostrar-se cooperante com a atitude/
pensamento do doente, dominando e conduzindo a situação a seu favor) são mais
bem sucedidas.
Parece central a ideia do dinamismo subjacente à tomada de decisões, resultante
da avaliação que a pessoa faz da situação, dos obstáculos à resolução do mesmo,
e dos seus recursos (internos ou externos). Neste sentido, a inexistência de um
padrão único de coping, resulta da consciência de que, um acontecimento ou
situação poderá ser stressante para um determinado indivíduo mas não o ser para
outro, dependendo dos seus recursos internos, externos, valores culturais e
experiências vivenciais. Neste contexto, tanto o processo como as estratégias
de coping assumem uma natureza eminentemente transaccional, isto é, pessoa e
ambiente estão em permanente interacção, a qual se apresenta como dinâmica,
mútua, recíproca e bidireccional (Fonseca, 2005). Ainda segundo este autor o
aspecto contextual interfere na adopção de determinadas estratégias em
detrimento de outras.
Perante os problemas ou situações, a apreciação ou a avaliação cognitiva da
situação e as reacções do indivíduo para lhe fazer face constituem processos
mediadores entre a pessoa e o seu meio ambiente (Fonseca, 2005). Esta
apreciação cognitiva é um processo de julgamento em que a pessoa avalia se um
possível agente stressante é relevante, ou não, para o seu bem-estar e em caso
afirmativo, se é potencialmente bom ou mau (Ribeiro, 1998).
A apreciação de um acontecimento como benigno-positivo, por parte do cuidador,
ocorre se as consequências são valorizadas como positivas, o mesmo será dizer,
se preservam ou promovem o bem-estar, ou se parecem ajudar a consegui-lo. Estas
apreciações caracterizam-se por gerar emoções agradavéis, tais como, alegria,
amor, felicidade ou tranquilidade (R. Lazarus, 1991, 2000; R. S. Lazarus &
Folkman, 1984). Com esta avaliação a pessoa assegura que a auto-estima ou o
auto conceito, valores e objectivos, não serão postos em causa. Os
acontecimentos ameaçadores referem-se a danos ou perdas que, embora não tenham
ocorrido, são previsíveis. Mesmo que já tenham ocorrido, podem ser igualmente
considerados como ameaça pela carga de implicações negativas que essa perda
traz consigo (R. Lazarus, 1991). O dano significa que as exigências do meio
ultrapassam a capacidade da pessoa para lidar com elas: numa situação de dano,
é como se já tivéssemos perdido (Ramos, 2001, 2005).
Nestas apreciações reflectem-se traços de personalidade, locus de controlo,
expectativas de auto-eficácia, afectividade, auto-estima, estilos de coping,
suporte social, crenças e valores pessoais. Também tem influência, para a
avaliação das situações tidas como stressantes, o neuroticismo da pessoa e a
tendência para experimentar emoções negativas como resposta às situações
(Hooker, Monahan, Shifren, & Hutchinson, 1992). Predomina o foco da atenção
nas reacções internas e o recurso a estratégias de coping menos eficazes, sendo
o evitamento (Olshevski, Katz, & Kight, 1999), uma delas e com
consequências para o receptor de cuidados.
Reportando-nos à prestação de cuidados, a situação de doença e dependência
funcional de um familiar pode ser avaliada como uma ameaça, um desafio ou uma
perda.
Dependendo das características de cada pessoa, do seu projecto de vida, da fase
em que se encontra e da cultura em que está inserida (Helman, 2003), a situação
de cuidado (e.g. uma situação que ameaça o seu bem-estar) poderá assim,
apresentar-se como desafiante, ou ainda pode significar uma perda para a
pessoa. Como dissemos atrás, a avaliação que se faz está muito dependente dos
recursos internos e externos dos cuidadores, que se vão alterando ao longo da
vida, o que indica que cada caso terá os seus resultados e desfechos próprios.
Alguns autores (Moos, 1984; Paúl & Fonseca, 2005), que vêem no cuidado uma
actividade que gera sobrecarga, referem que a situação de doença prolongada de
um familiar pode ser interpretada como uma situação de crise geradora de
stress.
Alguns cuidadores, de fracos recursos pessoais e sociais, passam por processos
de doença e desequilíbrio emocional, na sequência de tempo prolongado de
cuidado, culpabilizando-se pela situação que vivem e por não poderem,
simultaneamente, alterar ou modificar as dificuldades do seu dia-a-dia. Perante
situações adversas, na ausência de mecanismos de resolução de problemas
imediatos, ficam sujeitos a situações de alguma gravidade, que podem conduzir a
um estado de desorganização psico-emocional e social, frequentemente
acompanhado de sentimentos negativos, como o medo, a ansiedade e a culpa.
A utilização de estratégias antecipatórias no cuidado às pessoas com demência
tem-se mostrado bastante eficaz para prevenir, situações de agitação ou de
confusão nos doentes nas diversas fases da sua patologia. Um exemplo que
reflecte a importância deste tipo de estratégias é retirar a chave da porta se
a pessoa a cuidar tem tendência para fuga. Esta atitude previne momentos de
sofrimento e de culpa para os cuidadores.
O coping orientado para as emoções (R. S. Lazarus & Folkman, 1984), no caso
dos cuidadores, também pode ser uma forma de viver a situação que dificilmente
se alterará. Cuidar, acreditando que a pessoa que está a cargo não tem nem
culpa da situação, nem dos comportamentos que assume, e relativizar a
experiência vivida (Nolan, Grant, & Keady, 1998), ajuda os cuidadores a
continuar a tarefa com esperança, uma vez que em termos cognitivos pode não
haver mais nada a fazer (Nolan et al., 1998). Tudo isto exige um reformular da
situação que culmina com a regulação da resposta emocional do indivíduo às
exigências (R. S. Lazarus & Folkman, 1984).
Estratégias de Intervenção
O seguimento sistemático do doente/família por uma equipa de saúde facilita o
relacionamento adequado entre cuidadores, doentes e técnicos tornando menos
problemática a procura de cuidados de saúde. Em relação às tarefas adaptativas
mais gerais, como a preservação do equilíbrio (perante as perdas que na
situação de demência são consecutivas), o sentido de competência e de mestria
(apesar dos repetidos insucessos), e a manutenção dos vínculos sócio-afectivos
(não obstante o elevado número de horas a cuidar), estão fortemente ligadas com
as características biológicas, sociais e culturais, e com os recursos internos
e externos de cada pessoa e o modo como habitualmente reage em situações de
desprazer. De qualquer modo, a experiência informal de cuidar contempla
implicações psicológicas que resultam da "perda da pessoa", com origem no
declínio cognitivo e funcional com danos irreparáveis nos aspectos relacionais
e, a "perda simbólica", que deriva da impossibilidade de projectar o futuro, de
realizar sonhos, em suma, da vivência em família (Mulligan, 2010). O não
reconhecimento do cuidador por parte do doente, primeiramente de modo
esporádico, depois de modo definitivo contribui decisivamente para esta "perda
simbólica" sob a forma de forte impacto psicológico.
Em algumas situações pode até significar a "perda do eu" como resultado da
aquisição ou alteração constante dos papéis desempenhados com risco de crise de
identidade. Há, como referiu Morton (2004), uma jornada psicológica a
percorrer. A fase da negação em que o cuidador assume uma atitude
recriminatória face aos défices do doente; a fase do diagnóstico com uma
avaliação médica especializada, e a vivência de períodos de angústia associada
a uma consciência da irreversibilidade da situação e a entrada na nova
situação, a fase da aceitação (procura incessante de informação e a delineação
de mudanças na tentativa de gestão dos novos papéis). Na sequência, surge a
fase de tentativa de controlo da situação sendo esta caracteristicamente uma
fase muito activa e de reestruturação (Lovell & Wetherell, 2011) inclusive
das relações familiares. São necessários muitos ajustes pessoais e familiares e
podem surgir conflitos. Com o passar do tempo progride para uma espécie de
rendição, sendo um processo habitualmente de grande stress, com avaliação da
própria vida, sentimentos de raiva e de desespero, algumas vezes deslocados
para familiares ou amigos. Dependendo do grau de parentesco (filhos cônjuges ou
outros), surge a necessidade de reaprender a individualidade em contraposição
ao "nós" com transformação na pessoa. A jornada psicológica termina com o
sentimento de que se está encurralado, é uma altura de tarefas intensas, de
cuidados e o momento em que o cuidador precisa de grande ajuda pois está
exausto física e psicologicamente. Necessita de reforços positivos para o
trabalho até aí desenvolvido. Precisa de se sentir em paz com o papel
desempenhado. Esta fase, normalmente evolui para outra que culmina com a
separação que pode ocorrer mesmo antes da morte do doente (transferência do
doente para instituições especializadas, ou contratação de serviços em casa).
Na vivência de Morton (2004), está expresso o turbilhão de sentimentos que pode
estar presente em muitos dos cuidadores que atendemos e estudamos. São visíveis
os esforços, progressos e retrocessos que qualquer cuidador pode experimentar
na procura do equilíbrio psicológico que lhe permita continuar a cuidar.
Conclusões
Dado o carácter vasto e geral do conteúdo de uma revisão, encerra-se com uma
recapitulação dos achados mais pertinentes e com algumas considerações e
propostas de intervenção.
Actualmente defendem-se as oportunidades de descanso, grupos de auto ajuda,
programas psicoeducativos e programas psicoterapêuticos (individualizados),
como as estratégias de intervenção mais eficazes na optimização dos recursos
(internos e externos) dos cuidadores, diminuindo o impacto psicológico e o
risco de morbilidade associada. No entanto, a sua eficácia implica a
participação activa dos cuidadores, sobretudo nos modelos de intervenção
baseados no stress e no desenvolvimento de estratégias de coping.
Para além disso, e na linha de pensamento de Carretero & Garcés (2011),
também nós reconhecemos a urgência na revisão das políticas globais que
suportam o bem-estar físico e psicológico dos cuidadores informais levando os
governos europeus a tomar medidas que visem o sucesso deste grupo de pessoas,
com vista a reduzir a sua fragilidade, a sobrecarga a que estão sujeitos sem
preparação prévia e sem possibilidade de escolha consciente, de modo a reduzir
os encargos com o sistema de saúde e a optimizar os recursos técnicos
disponíveis. Da maioria dos textos consultados e investigações realizadas é
quase unânime a ideia de que proporcionar temporariamente alívios associados
com períodos de formação pessoal tem efeitos benéficos na díade-cuidador idoso.
Neste contexto, revela-se crucial uma revisão cuidadosa e especializada dos
principais programas psicopedagógicos e sociais utilizados com estes cuidadores
com a finalidade de melhorar de forma substancial as práticas de apoio, reduzir
as implicações psicológicas e prevenir situações graves de negligência e
agravamento recorrente da saúde e bem-estar dos cuidadores informais de pessoas
que padecem de demência.