A Comunicação no Processo Terapêutico das Famílias de Doentes Mentais
A Comunicação no Processo Terapêutico das Famílias de Doentes Mentais
Introdução
É universalmente aceite que a família é a unidade básica do desenvolvimento
humano e onde se vivem as experiências de vida fundamentais para o
desenvolvimento da personalidade. É por isso que se considera a família como
uma estrutura social importante para o desenvolvimento da saúde do indivíduo
(OMS: 1998; 2002). Alguns estudos sobre a família procuram respostas sobre
processos extrafamiliares que influenciam as suas dinâmicas (Nunes, 1994;
McLoyd, 1998). Consideram estes autores que o sofrimento psicológico resultante
de um acumular de acontecimentos de vida negativos, nomeadamente a doença e,
dizemos nós, concretamente a doença psiquiátrica, são factores que influenciam
os processos intrafamiliares. Outros factores estranhos à família estão,
também, a acentuar as dificuldades deste grupo social. Cada vez mais os peritos
de saúde, nomeadamente da OMS, consideram que a saúde mental do século XXI
estará depende de quadros sócio-politicos que se desenvolverão a nível mundial.
A conjuntura económica que se verifica nos países considerados desenvolvidos,
trará repercussões para a saúde das populações, sendo estas, no entanto,
difíceis de prever. Verifica-se, também, cortes nos orçamentos da saúde para a
manutenção dos serviços e nos apoios directos aos doentes e famílias ficando
estas quase como único recurso para muitos doentes mentais.
Neste contexto é importante investir-se na saúde mental das famílias para que
estas sejam capazes de cuidar mais e melhor dos seus familiares doentes para
que sejam capazes de fazer as adaptações necessárias nos processos de transição
que as novas situações exigem e para que sejam capazes de responder às
exigências que a sociedade lhes faz enquanto responsáveis pela socialização dos
novos membros e equilíbrio de todos. Torna-se, por isso, necessário que os
técnicos de saúde, nomeadamente os enfermeiros, estejam atentos e disponíveis
para manterem um nível de comunicação eficaz, um saber ouvir peculiar na arte
de bem comunicar com os familiares de doentes mentais para obter ganhos
terapêuticos em todos os elementos do agregado familiar. Ao propormo-nos
encontrar respostas aos objectivos por nós traçados: i) identificar de que
forma o enfermeiro intervém junto das famílias para que estas se sintam
apoiadas quando necessitam de ajuda para lidarem com a situação de doença na
família; e ii) obter informação sobre os espaços de tempo que utilizam para
ouvir as famílias, estamos a valorizar a comunicação no processo terapêutico,
para que, e através do qual, se desenrolem as intervenções de enfermagem
necessárias para ajudar a resolver as dificuldades sentidas pelos familiares.
Torna-se cada vez mais importante que se envolvam as famílias no processo
terapêutico aumentando a quantidade e qualidade das estratégias de comunicação
entre elas e os enfermeiros para aumentar as hipóteses de sucesso no processo
terapêutico.
Uma comunicação eficaz também reforça na família a capacidade de fazer as
mudanças que as novas situações exigem para que sejam novamente capazes de
responder às exigências que a sociedade lhes faz enquanto responsáveis pela
socialização e integração dos membros doentes e equilíbrio de todos. Torna-se,
por isso, necessário que os enfermeiros, estejam atentos e disponíveis para um
saber ouvir peculiar na arte de bem comunicar com as familiares de doentes
mentais para obter ganhos terapêuticos para todos os elementos do agregado
familiar. Ao propormo-nos obter informação sobre a comunicação que se verifica,
durante o processo terapêutico, entre o enfermeiro e a família do doente
identificado estamos a procurar, sobretudo, valorizar a comunicação no processo
terapêutico, para que, através dele, se desenrolem as intervenções de
enfermagem necessárias para ajudar a resolver as dificuldades sentidas pelos
familiares.
A Comunicação com as Famílias de Doentes Mentais
Na década de noventa do século passado houve grande investimento nos serviços
de saúde no domínio da humanização dos cuidados de saúde. Nos programas
desenvolvidos neste contexto valorizou-se o reconhecimento do doente ou
familiar como pessoa única, com necessidades, valores, cultura e crenças
específicas. Este reconhecimento só é demonstrável se se reconhecer que há
processos de comunicação saudáveis que permitam boas relações interpessoais
para o sucesso do apoio que se espera das famílias.
No Plano Nacional de Saúde Mental 2007-2016 é reconhecido o pouco investimento
que tem havido a nível da saúde mental. No seguimento deste Plano, e para
tentar ultrapassar os atrasos que aí estão registados, várias directrizes foram
emanadas pela Direcção geral de saúde sendo algumas delas com cariz Legislativo
como o Decreto-Lei nº 8 de 28 de Janeiro de 2010, uma forma de reconhecer a
necessidade urgente de ultrapassar lacunas nesta área, criando um conjunto de
unidades e equipas de cuidados integrados de saúde mental. No entanto, quando
contactamos com a comunidade verificamos que os serviços continuam a funcionar
de forma muito semelhante. Pequenas e poucas excepções se vão notando e estas
quase sempre em regímen experimental (enquanto os subsídios que lhes foram
atribuídos se mantiverem).
Mesmo assim, a nossa experiencia permite-nos afirmar que, comparativamente a um
passado recente tem-se verificado uma maior participação das famílias na
prestação de cuidados aos doentes mentais. Com todas as dificuldades Hanson
(2005) considera que tem sido reconhecido o papel importante das famílias a
este nível. No entanto, é necessário que os enfermeiros se consciencializem que
este envolvimento tem um custo que pode ser avaliado pela sobrecarga dos
cuidadores, demonstrável através de verbalizações dos próprios cuidadores.
Também se tem verificado que os serviços de saúde mental, tanto os integrados
nos hospitais de cuidados gerais, como os de especialidade ou comunitários,
"não contribuem tanto como seria desejável para o alivio da sobrecarga das
famílias" (Guedes, 2008:46). A autora conclui que "a sobrecarga sentida pelos
familiares de pacientes psiquiátricos constitui uma dimensão importante que
deve ser reconhecida pelos serviços de saúde mental, através de programas de
orientação, informação e apoio, visando a diminuição do estigma e o
melhoramento da qualidade de vida da família" (Guedes, 2008: 67). Acreditamos
que havendo níveis de comunicação eficazes consegue atingir-se resultados mais
positivos. É, no entanto, necessário estar-se atento para o facto da
comunicação humana ter características que interferem nas relações
interpessoais. É um processo que implica emissão e recepção de mensagens
codificadas com significados para as pessoas intervenientes nas mensagens. É um
processo pelo qual uma pessoa afecta o comportamento ou estado de espírito do
outro (Fiske, 2002).
É pela comunicação que se consegue atingir resultado mais eficazes na
humanização dos cuidados. Toda a comunicação, inclusive na não-verbal, implica
afeto (Ribeiro, 2005) e é nesse afecto que o processo de comunicação que se
desenvolve entre o enfermeiro, o doente e a família permite demonstrar atitudes
de sensibilidade e de aceitação do outro, atitudes que permitem valorizar e
investir na saúde da família que possuem no seu agregado pessoas com doença
mental.
Ao escutar a família, os enfermeiros podem identificar quais as necessidades
que obrigam a uma intervenção mais imediata. Conseguem ter a percepção do
impacto da doença na família tanto no que se refere às percepções da doença
como das alterações que esta implica nas alterações das rotinas quotidianas
(Oriá; Moraes; e Victor, 2004). O enfermeiro especialista em saúde mental e
psiquiátrica ao mobilizar na prática os saberes e conhecimentos científicos,
técnicos e humanos, demonstrando competências clínicas especializadas, permite
que "a pessoa, durante o processo terapêutico, viva experiências gratificantes
quer na relação intrapessoal quer nas relações interpessoais" (Diário da
República, Regulamento nº 129/2011: 8670).
Sabemos que a família é um sistema amplo e complexo e ao enfermeiro é pedido
que saiba interagir tanto para obter resultados terapêuticos no doente
identificado mas também para que possa adoptar medidas de promoção de saúde,
"demonstrando níveis elevados de julgamento clínico e tomada de decisão"
(Diário da República, Regulamento nº 129/2011: 8670), junto de todos os
elementos que dela fazem parte. Também não nos podemos esquecer que as
politicas de saúde, sejam da OMS, da UE ou nacionais colocam a família como
foco de intervenção das medidas terapêuticas. Devemos considerar esta
centralidade ora pelo seu papel nos diferentes estádios do ciclo de vida da
família, ora enquanto receptora, de cuidados ou através de acções terapêuticas
que visem a promoção de saúde do grupo. Quando a família não é capaz de
encontrar formas de resolver os problemas que surgem no seu interior, pode
apresentar sinais de descompensação psíquica, tais como níveis de stress não
compatíveis com a capacidade de resolução desses problemas ou por sinais de
sobrecarga emocional ou física. Para reduzir essa possibilidade, os enfermeiros
devem adoptar processos de comunicação eficazes. Os momentos de interacção
permitem a "construção e manutenção do vínculo entre a equipe e família,
demonstrando que esses profissionais valorizam a participação da família e
entendam a importância dessa ser assistida em suas necessidades" (Mielke,
Kohlrausch, Olschowsky, e Schneider, 2010: 762). Na relação com a família tem
ainda a possibilidade de implementar medidas de educação para a saúde.
Os enfermeiros, ao estimularem o desenvolvimento de um ambiente terapêutico,
sabem que este ambiente irá favorecer as relações interpessoais e, por sua vez,
permitir um desenvolvimento pessoal e interpessoal criando condições para que
cada elemento da família possa desenvolver competências relacionais que
favoreçam a sua capacidade de adaptação em fases de transição.
Em suma, consideramos importante que o enfermeiro desenvolva competências
comunicacionais eficazes e explore a sua capacidade de escuta activa. É
importante ter presente que trazer a família para o centro dos cuidados é um
desafio para si mas é-o também para a família. Isto porque lhe reconhece o
papel importante que desempenha no equilíbrio do seu familiar reconhecendo,
simultaneamente, que ela própria pode precisar de ajuda nas fases mais
complexas do seu desenvolvimento e nos processos de transição saúde /doença.
Metodologia
O estudo que desenvolvemos seguiu os pressupostos de uma investigação do tipo
exploratória-descritiva. Em todo o percurso foram seguidos os procedimentos
éticos recomendados na investigação que envolve pessoas, tanto nas instituições
onde os enfermeiros trabalham como com os próprios enfermeiros, após os quais
fizemos a colheita de dados, sua análise e conclusões daí resultantes.
Participantes
O universo do nosso estudo integra enfermeiros que trabalham em hospitais
psiquiátricos e um serviço de psiquiatria de um hospital geral do distrito de
Braga. A amostra é constituída por sete enfermeiros, de idades compreendidas
entre os trinta e cinquenta anos. Quatro são do sexo feminino e três do sexo
masculino. Todos possuem o grau de licenciado ou equivalente legal. Um possui a
especialidade de enfermagem em saúde mental e psiquiátrica, outro possui o
curso de mestrado em enfermagem de saúde mental e psiquiátrica.
Instrumento de Colheita de Informação
A escolha de um instrumento de colheita de dados foi mediada pela informação
que pretendíamos obter. Nesse sentido o guião da entrevista foi elaborado por
nós. As questões colocadas aos enfermeiros visavam obter resposta às questões
que estavam implícitas nos objectivos previamente formulados.
Procedimentos
Iniciamos a colheita de dados após a autorização das Entidades Hospitalares que
recebem doentes com patologia mental em regímen de internamento completo. Como
consideramos que só possuidores de toda a informação podemos decidir livremente
sobre as opções a tomar, aos enfermeiros que aceitaram colaborar connosco foi-
lhes apresentado o projecto do estudo e foram informados dos procedimentos a
adoptar para a colheita de dados: i) apresentado o guião da entrevista; ii)
necessidade de gravar a entrevista; iii) sigilo sobre os dados colhidos;
possibilidade de desistirem da colaboração; iv) possibilidade de serem
novamente contactados se houvesse dúvida sobre a informação colhida. Após esta
informação foi assinado o documento de consentimento informado.
Sendo este um estudo qualitativo de tipo exploratório recorremos a analise de
conteúdo seguindo os procedimentos da teoria Fundamentada nos dados de Strauss
e Corbin (2008).
Numa primeira fase os dados foram analisados com o auxílio de um software
informático nvivo8.
Resultados
Na análise dos dados estiveram sempre subjacente os objectivos do estudo. Após
várias leituras flutuantes
emergiram algumas das dificuldades que os enfermeiros enfrentam para lidar com
a família dos doentes mentais. Estas dificuldades irão reflectir-se nas
intervenções de promoção de saúde que consideramos necessárias para que as
famílias possam lidar com a situação de doença do seu familiar com um nível de
equilíbrio que lhes permita manter a integração social e familiar sem conflitos
e de forma que possam sentir-se úteis e integrados no meio em que vivem.
Tornou-se evidente que um dos aspectos mais prejudicados no dia a dia do
enfermeiro na relação com os familiares dos doentes centra-se na comunicação.
Aparentemente os enfermeiros não demonstram uma atitude pró-activa, apenas
reactiva como podemos confirmar no seguinte extracto "À medida que a família
vem ter comigo tenho necessidade de introduzir com eles algum esclarecimento
para o apoio ao doente quando sair do internamento" (E1), ou "eu conheci a
senhora e por acaso a senhora aproximou-se de mim" (E1). Aparentemente os
enfermeiros manifestam alguma dificuldade de mobilizar para a clínica alguns
saberes e conhecimentos científicos, técnicos e humanos que lhe possibilitassem
fazer um julgamento e tomada de decisão consentânea com a situação. Parece-nos
ser eticamente que actue porque "por acaso a senhora aproximou-se de mim". Um
julgamento clínico para uma tomada de decisão adequada a cada caso implica uma
observação atenta, uma interpelação das pessoas, uma antecipação na
identificação das necessidades das pessoas.
Ao trabalhar com famílias o enfermeiro precisa conhecer os padrões de
interacção que se verificam entre os vários elementos. A família, enquanto
composta por vários elementos, tem de ser vista como vários membros em
interacção. Wright & Leahey (2002) consideram que os indivíduos são melhor
compreendidos no seu contexto social. Este contexto, sendo difícil de recriar,
pode ser observado na interacção entre os seus membros e através do impacto que
se observa nas expressões não-verbais quando se questiona um elemento da
família em presença dos restantes ou pelo menos, dos significativos. Será, por
isso, de todo conveniente ajustar-se tempo e espaço para que se possam realizar
encontros entre o familiar doente, outros familiares e o enfermeiro para
obtenção de informação importante sobre os padrões de comportamento da família,
ou seja, de expressões que manifestam por comportamentos verbais ou não-verbais
que possam contribuir para uma abordagem terapêutica com vista a uma melhor
qualidade de vida de todo o agregado. Na resposta a esta necessidade, ainda que
identificada "entendo que a família é um complemento importantíssimo e basilar
na compensação e no estadio do equilíbrio que o doente deve vivenciar fora do
contexto do internamento" (E3), dificilmente obtém os resultados desejados
porque "nós interagimos com a família e procuramos, senão com a presença física
pelo menos via telefone" (E3). Ao aceitar o contacto telefónico como uma via
salutar para promover a saúde dos elementos da família, corre-se o risco de
identificar as suas necessidades através de uma visão limitada e parecendo que
a única solução aceitável para aquela família é "A ajuda que eles pedem é para
prolongar os internamentos" (E3).
As consequências de uma alta indesejada por parte dos familiares poderia ser
melhorada se estivessem implantados na comunidade os cuidados integrados em
saúde mental para se evitar que "O doente quando está aqui internado e vai
embora, vai com acompanhamento familiar mas há muito pouco acompanhamento
domiciliário (E3). Outras vezes as famílias "nem sabem os recursos a que têm
direito"(E3). Este desconhecimento favorece a que "Muitas vezes nós temos cá um
doente um mês, dois meses, três, está equilibrado, vai para o exterior e
passado pouco tempo está cá novamente porque não tem os apoios devidos".
Atribuem-se responsabilidades para todos os lados "(...) é da família, da
comunidade, é em termos de psiquiatria, (...) nunca há respostas" (E4). O
regulamento de competências especificas do enfermeiro especialista em
enfermagem de saúde mental prevê que o enfermeiro forneça antecipadamente
orientações para promover a saúde mental e prevenir ou reduzir o risco de
perturbações mentais (RCEEEESM, 2010). Pode dizer-se que nem todos os
enfermeiros que trabalham nos serviços de saúde mental e psiquiatria sejam
especialistas. No entanto, os que existem devem fazer os planos adequados,
orientar os enfermeiros de cuidados gerais e acreditar que há competências que
se desenvolvem em contexto da clínica, essencialmente quando o processo de
cuidados se caracteriza pela mobilização de boas práticas.
A prática do enfermeiro está muitas vezes condicionada pela manutenção do
status quo. Encontramos expressões que nos lembram os escritos do meio do
século XX quando se começava a delinear a importância da família na recuperação
do doente mental "Nós tentamos ver o doente enquadrado no seu meio, daí que
tentamos sempre que possível, englobar a família, embora nesta unidade nem
sempre isso é possível (...) é parte integrante do doente e mesmo quando surgem
dúvidas nós telefonamos à família" (E6). Este nosso entender é reforçado quando
ouvimos "A minha relação com os familiares é mais na parte da alta (...)
Procuramos fazer ensinos, nomeadamente aquando da alta" (E6). Estas medidas de
intervenção são também confirmadas por outros enfermeiros.
Discussão dos Resultados
O enfermeiro tem necessidade de desenvolver habilidades que lhe permita fazer
observações relevantes quando trabalha com famílias (Wright e Leahey, 2002).
Segundo as autoras é importante que saiba reconhecer que as intervenções junto
da família podem estar condicionadas pela relação que existe entre os seus
membros. No entanto, independentemente dessa interrelação, é necessário
reconhecer que as famílias que passam por qualquer situação de doença precisam,
geralmente, de algum tipo de ajuda. Os desajustes às rotinas do dia-a-dia são
mais difíceis quando se trata de doença mental. Ao analisarmos o conteúdo das
entrevista emerge a noção de que não reconhecem os limites da sua intervenção,
como demonstram as palavras de E1: "a própria família às vezes tem... precisa
de apoios exteriores a eles. Daí, às vezes, têm algumas dificuldades e daí eles
pedem ajuda. Às vezes pedimos nós em documento oficial, para estudar o caso de
cada doente...". O enfermeiro não pode ficar apenas como mediador entre os
vários técnicos de saúde na ajuda à família. Pode e deve ser interventivo,
desenvolver competências de intervenção junto da família para que possa cuidar
a família neste processo de transição.
O enfermeiro é um mediador nos processos de intervenção terapêutica ajudando a
criar sinergias necessárias à adaptação dos membros da família à situação de
doença. Por isso, é-lhe pedido que acompanhe e execute projectos de
investigação que validem as suas intervenções e lhe proporcione um permanente
desenvolvimento das suas competências comunicacionais e intervenções baseadas
em evidências científicas.
Se são capazes de identificar algumas necessidades das famílias pois referem
que "Pedem ajuda, nomeadamente com o tipo de cuidados que precisam de prestar
ao doente" (E7), continuando "A maior necessidade que eles têm é de informação.
O que é que se pode fazer; o que é que se pode fazer; o que resulta o que não
resulta; que tipo de comportamento podem adoptar; às vezes aquele que parece
correcto é o menos terapêutico" (E7), não é deontologicamente correcto que se
afirme "Em termos práticos são cuidados dirigidos ao doente por falta de
recursos humanos e de tempo. Penso que há falta de tempo para nos sentarmos com
os familiares" (E7).
De acordo com o Decreto-Lei nº 8/2010, de 26 de Janeiro, o enfermeiro, enquanto
membro activo nas equipas de cuidados continuados integrados de saúde mental é
responsável pela promoção e reforço das capacidades das famílias, habilitando-
as a lidar com as situações decorrentes das incapacidades causadas pela doença.
Cabe ao enfermeiro avaliar a família e ajudá-la na procura de soluções e
estratégias para lidar com as duvidas, o preconceito, o estigma e toda a
incerteza que a doença mental pode implicar.
Conclusões
As actuais políticas económicas não são favoráveis à implantação das medidas
preconizadas na legislação vigente. Não encontramos cuidados continuados em
psiquiatria. O doente que é internado em situação aguda, ao ter alta do serviço
onde esteve internado vai directamente para o seu domicílio sem uma avaliação
adequada das condições do seu grupo familiar e das condições que o meio lhe
propicia. Os familiares vivem muitas vezes situações complicadas que passam
desde não aceitarem a doença, a sentirem o estigma social, por condições
estruturais da própria família que lhes dificulta a convivência (Gomes, Martins
e Amendoeira, 2011). Muitas vezes têm necessidade de se reorganizarem
relativamente às suas rotinas, às dificuldades financeiras, ao desgaste físico
e emocional causado pela convivência e pelos cuidados que vão prestando ao
doente. Aos enfermeiros é pedido que saibam identificar os momentos em que se
devem aproximar da família para que esta sinta abertura para colocarem estas ou
outras dificuldades e para que possam analisar cada situação per si pois cada
família tem necessidades e características específicas. As intervenções
planeadas para intervir na família devem considerar o fortalecimento das
relações familiares porque, além de facilitarem as abordagens ao doente,
nomeadamente a sua adesão terapêutica, permitem evitar novas possíveis crises
na família. Já noutros estudos feitos junto de famílias com doentes mentais
como os de Colvero (2004), confirmaram que as acções dirigidas à família
permitiram melhorar o relacionamento entre os familiares e os doentes,
aumentaram o nível de adesão ao tratamento e manifestaram atitudes mais
positivas perante a vida (Colvero, 2004). É neste sentido que se torna
importante desenvolver-se competências comunicacionais na área da saúde mental,
onde se valorize a comunicação não verbal, se saiba interpretar o não dito, se
saiba dar um significado às mensagens da família. A comunicação em saúde mental
não fica limitada à existência de um emissor e de um receptor. É um processo
interactivo que envolve sentimentos e do qual se espera que existam mudanças
nas pessoas envolvida.
Assim, face ao que observamos, e reportando-nos aos objectivos que
oportunamente enunciamos, cabe-nos dizer que é necessário fazer-se muito
trabalho a este nível nos serviços de psiquiatria para que as famílias recebam
a atenção que merecem e precisam. Identificamos que o enfermeiro só intervém
junto das famílias se estas se dirigem a eles. Se as famílias não os procuram,
a abordagem é feita quase exclusivamente no momento da alta e apenas para
entregar a carta dirigida ao médico que vai dar continuidade aos cuidados em
consultas de ambulatório e as receitas dos psicofármacos que irão continuar a
ser administrados ao doente no domicílio. Acreditamos que muitas vezes não o
fazem ora por vergonha ora por receio de lhes ser atribuída a responsabilidade
da doença do seu familiar e da não adesão terapêutica do doente. Recordamos que
noutro estudo feito por nós tínhamos observado que "as famílias revelam não
saber o que fazer porque não sabem nada sobre a doença ou sobre com o lidar com
o familiar" (Gomes, Martins e Amendoeira, 2011). Face ao primeiro objectivo
parece que o enfermeiro se esquece que investir na promoção da saúde mental das
famílias com pessoas doentes mentais, ajudando-as a fazer as adaptações
necessárias nos processos de transição que as novas situações exigem e a serem
capazes de responder às exigências que a sociedade lhes faz enquanto
responsáveis pela socialização dos novos membros e equilíbrio de todos pode ser
feito através de intervenções terapêuticas como disponibilizar-se para as
ouvir. Relativamente ao segundo objectivo averiguamos que são muito poucos os
momentos dedicados a esse fim. Para comunicar é preciso estar presente e os
enfermeiros manifestam alguma dificuldade na gestão do tempo para as
intervenções terapêuticas mais direccionadas aos familiares. Esta conclusão
surge de expressões como a de um enfermeiro: "Penso que há falta de tempo para
nos sentarmos com os familiares" (E7). Neste sentido também é importante
recorrer-se de outras estruturas, nomeadamente a rede de cuidados continuados
em saúde mental. Talvez não estejam ainda implantados como a legislação
preconiza mas também é verdade que se pode começar a implementar medidas desde
que haja vontade de quem está nos contextos da prática. É aqui, essencialmente,
que actuam os enfermeiros de família numa filosofia de enfermagem de família
que é "... o processo de cuidar das necessidades da saúde das famílias (...) e
tem por objectivo a família como contexto, a família como um todo, a família
como um sistema ou a família como uma componente da sociedade" (Hanson, 2005:
8).
Neste contexto o enfermeiro de saúde mental tem necessidade de se focar "na
promoção da saúde mental, na prevenção, no diagnóstico e na intervenção perante
respostas humanas desajustadas ou desadaptadas aos processos de transição,
geradores de sofrimento, alteração ou doença mental" (Regulamento nº 129/2011)
através de processos de comunicação eficazes.
Todo o investimento que é feito com a família em termos de saúde não é um
direito da família, é um recurso que vai ser útil para melhorar a sua qualidade
de vida e, por isso, a sua saúde mental.
Por isso os enfermeiros devem reflectir sobre os seus procedimentos junto deste
grupo de risco. Parece-nos importante, e necessário, investir na formação
contínua orientada para o conhecimento das famílias, das suas singularidades e
das novas políticas de saúde que propõem uma actuação onde a família é o centro
da atenção em saúde. Não é suficiente mobilizar recursos pessoais e do meio
para agir eficazmente.
É importante que as entidades de saúde se consciencializem que o ensino de
enfermagem nos cursos de licenciatura não é suficiente para munir os
enfermeiros das competências complexas para trabalhar nesta área. As equipas de
enfermagem devem ser constituídas por enfermeiros de cuidados gerais sem
prescindir de um número, que deve ser avaliado em cada serviço, de enfermeiros
com formação especializada em saúde mental e psiquiátrica, cursos que devem
privilegiar os cuidados às famílias contemplando a sua singularidade na
diversidade cultural.
No entanto, toda a formação que o enfermeiro possa adquirir só terá sentido se
conseguir fazer a sua transferibilidade para os contextos da prática, adaptados
a cada situação concreta.