Intervenções promotoras da literacia em saúde mental dos adolescentes: Uma
revisão sistemática da literatura
Introdução
O conceito de literacia em saúde mental foi definido pela primeira vez por Jorm
e colaboradores em 1997 como o conhecimento e as crenças sobre distúrbios
mentais que ajudam no seu reconhecimento, gestão ou prevenção (Jorm et al.,
1997) e em 2000 o autor definiu as componentes que integram esse conceito
(Jorm, 2000). Essas componentes foram sofrendo alterações ao longo dos anos,
sendo mais recentemente definidas como a) conhecimento sobre como prevenir as
perturbações mentais; b) reconhecimento de quando uma perturbação se está a
desenvolver; c) conhecimento sobre as opções de procura de ajuda e tratamentos
disponíveis; d) conhecimento sobre estratégias efetivas de auto-ajuda para os
problemas menos graves; e) competências para prestar a primeira ajuda a outras
pessoas que estão a desenvolver uma perturbação mental ou que estão numa
situação de crise (Jorm, 2011).
Os resultados preliminares do primeiro estudo nacional sobre a saúde mental
coordenado pelo psiquiatra Caldas de Almeida e integrado no projeto liderado
pela Universidade de Harvard e pela Organização Mundial de Saúde (OMS)
divulgados em 2010, revelaram que Portugal é o país da Europa com a maior
prevalência de doenças mentais na população, clarificando a prevalência anual
em Portugal das perturbações psiquiátricas era de 22,9%, sendo que as
perturbações de ansiedade e as perturbações depressivas representavam 16,5% e
7,9%, respetivamente (Observatório Português dos Sistemas de Saúde, 2012, p.
83). Atendendo ao aumento da prevalência de doenças mentais na população
portuguesa, torna-se imprescindível a promoção da literacia em saúde mental. Se
a literacia em saúde mental não for promovida pode resultar num entrave para a
população, na aceitação dos cuidados de saúde mental baseados na evidência e
que as pessoas portadoras de perturbação mental poderão ser menosprezadas e não
ter acesso aos cuidados de saúde, nem apoio por parte da comunidade (Jorm,
2000).
Desde o início do século XXI, a Literacia em Saúde Mental (LSM) tem sido
estudada por vários autores em várias faixas etárias, nomeadamente na
adolescência. A adolescência é considerada como a faixa etária compreendida
entre os 10 e os 19 anos (OMS, 1965). Por um lado, caracteriza-se pelo
desenvolvimento de uma grande capacidade de processar informação, de pensar de
forma abstracta e usar ao máximo a sua capacidade de raciocínio, sendo esta
etapa privilegiada para se realizarem intervenções na área da literacia em
saúde, uma vez que uma melhor literacia numa idade jovem tem um impacto directo
nas suas vidas mais tarde, uma vez que os adolescentes estão a adquirir
conhecimentos e a definir comportamentos que os acompanharão na sua vida adulta
(Manganello, 2007). Por outro lado, pelas suas características, a adolescência
constitui-se como uma fase de vida crítica para a saúde mental e são várias as
perturbações mentais que têm o seu pico de incidência nestas fases,
nomeadamente a depressão e tentativas de suicídio, uso de substâncias,
perturbações alimentares, ansiedade e psicoses (Rickwood, Deane, Wilson &
Ciarrochi, 2005; Sprintall & Collins, 2011), sendo mais comuns durante os
anos intermédios (idade do ensino secundário) e no final da adolescência
(quando entram para o ensino superior), do que no princípio deste período de
desenvolvimento (terceiro ciclo do ensino básico) (Sprintall & Collins,
2011, p. 511).
Políticas de saúde internacionais e nacionais têm enfatizado a emergência de
reconhecer a saúde mental dos adolescentes e jovens no contexto escolar como
uma área de intervenção prioritária.
De acordo com o Regulamento de Perfil de Competências do Enfermeiro de Cuidados
Gerais (OE, 2011), os enfermeiros no domínio da prestação e gestão de cuidados
contribuem para a promoção da saúde. Segundo o Regulamento das Competências
Específicas do Enfermeiro Especialista em Enfermagem de Saúde Mental,
Regulamento n.º 129/2011 de 18 de Fevereiro (2011), os enfermeiros
especialistas em enfermagem de saúde mental assistem a pessoa ao longo do ciclo
de vida, família, grupos e comunidade na otimização da saúde mental e
coordenam, implementam e desenvolvem projectos de promoção e protecção da saúde
mental e prevenção da perturbação mental na comunidade e grupos.
Internacionalmente, os estudos evidenciam uma reduzida LSM dos adolescentes e
jovens e a necessidade de serem desenvolvidas intervenções em contexto escolar
para aumentar o seu nível de LSM (Morgan & Jorm, 2009; Oh, Jorm &
Wright, 2009; Klineberg, Biddle, Donovan & Gunnell, 2010; Swords, Hennessy
& Heary, 2011).
Em Portugal, têm sido realizados estudos por Loureiro e colaboradores que
evidenciam que os maiores entraves à procura de ajuda profissional centram-se
no facto das doenças serem causa de estigma e descriminação social e
indicadores de fraqueza pessoal (Loureiro, Mateus & Mendes, 2009) e que o
nível de LSM dos adolescentes e jovens é reduzido para todas as perturbações,
tornando-se preocupante quando se sabe que grande parte das perturbações têm a
sua primeira ocorrência na adolescência e de que este grupo é de todos os
cidadãos, o que menos contato tem com o sistema de saúde, assim como grande
relutância em procurar ainda ajuda profissional especializada (Loureiro et
al., 2012, p. 405). Os dados destes estudos realizados em Portugal revelam, à
semelhança dos estudos internacionais, a necessidade de serem realizadas
intervenções promotoras da LSM nos adolescentes. Neste contexto, foi realizada
uma revisão sistemática da literatura com o objetivo de identificar a evidência
científica actual e disponível sobre as intervenções que promovem a LSM dos
adolescentes.
Metodologia
Foi formulada a questão de investigação e definidos os critérios de seleção dos
estudos primários (Quadro_1) segundo a mnemónica PICO (Participantes ou
População - Population [P]; Intervenções ' Intervention [I]; Comparação '
Comparator, caso exista [C]; Resultados ' Outcomes [O] (Joanna Briggs Institute
(JBI), 2011, p. 13): Que intervenções (I) promovem a literacia em saúde mental
(O) dos adolescentes (P)?.
Seguidamente foram selecionadas as palavras-chave que permitiram realizar a
pesquisa. Foi realizada uma pesquisa inicial através do motor de busca
EBSCOhost com acesso a duas bases de dados: CINAHL Plus with Full Text e
MEDLINE with Full Text. Foram consultados os descritores validados em CINAHL
Headings (adolescence; health education; health promotion; mental health;
literacy)e em Medical Subject Headings ' MeSH (adolescent; education; health
education; health promotion; mental health; health literacy). Foram efetuadas
as pesquisas em bases de dados electrónicas durante os meses de Abril e Maio de
2013, para resultados de 2008 a 2013., com os operadores boleanos OR e AND.
Resultaram 15 artigos em texto completo, os quais foram lidos na sua totalidade
e analisados à luz dos critérios de inclusão definidos. Foram excluídos 12
artigos: participantes de outras faixas etárias (4); intervenções de promoção e
educação noutras áreas da saúde (3); não existir desenvolvimento de
intervenções (2); resultados relativos a intervenções noutras áreas da
literacia em saúde (1) e revisões narrativas da literatura (2).
Foram incluídos 3 artigos: revisão sistemática da literatura com meta-análise
(1); desenho experimental, ensaio clínico randomizado (1) e desenho
experimental, com grupo de controlo e com pré-teste e pós-teste (1), submetidos
posteriormente à avaliação da sua qualidade metodológica, segundo os
instrumentos Critical apraisal tool for systematic reviews e MAStARI critical
apraisal tools randomised control/pseudo-randomised trial (JBI, 2011). De
acordo com estes instrumentos, estes 3 artigos apresentaram critérios de
avaliação superiores a 70%, sendo considerados com qualidade metodológica e por
isso foram incluídos, constituindo-se como a amostra nesta revisão sistemática
da literatura (Figura_1).
Resultados
Foram incluídos 3 artigos, dos quais foram extraídos os dados com recurso ao
instrumento Data extraction tools for systematic reviews e MAStARI data
extraction tools (JBI, 2011). Apresentam-se seguidamente os dados relativos à
caracterização dos estudos em função do objectivo e da questão de investigação
desta revisão sistemática da literatura (Quadro_2).
Discussão
Os estudos encontrados apresentam intervenções promotoras da LSM dos
adolescentes com diferentes métodos e estratégias.
Kavanagh et al. (2009) realizaram uma revisão sistemática da literatura (RSL),
na qual identificaram estudos que desenvolveram intervenções cognitivo-
comportamentais em contexto escolar. Todos os estudos incluídos nesta RSL
apresentaram intervenções desenvolvidas em grupo, variando de pequenos grupos a
turmas inteiras. Nenhum estudo referenciou o envolvimento de jovens em nenhum
momento da intervenção. Todos os estudos apresentaram algum nível de treino e
suporte para as pessoas que desenvolveram as intervenções, apesar desse variar
consideravelmente. Os níveis de treino e suporte foram idênticos tanto para o
pessoal da escola como para o pessoal externo. Intervenções desenvolvidas por
pessoal da comunidade escolar tiveram um mínimo de 6 horas de treino em torno
do manual ou protocolo da intervenção, sendo que o treino e suporte mais
intensivo incluiu uma semana de treino e supervisão e feed-back quinzenal.
Intervenções desenvolvidas por pessoal da escola foram eficazes até 3 meses
após a intervenção, enquanto aquelas que foram desenvolvidas por pessoal não
escolar como psicológos ou investigadores não se mostraram eficazes.
Intervenções de maior duração (10 ou mais sessões) foram eficazes até três
meses após a intervenção, enquanto intervenções de curto (até nove sessões)
foram eficazes apenas até quatro semanas após a intervenção. Intervenções
desenvolvidas durante o período escolar foram eficazes até quatro semanas após
a intervenção. Intervenções desenvolvidas fora do horário escolar mostraram-se
ineficazes.
O estudo de Fraser & Pakenham (2008) apresenta uma intervenção psico-
educativa dirigida a adolescentes, filhos de pais com doença mental denominada
Koping Adolescent Group Program - KAP e que consistiu em 3 sessões de grupo com
a duração de 6 horas quinzenalmente. As estratégias incluíram psico-educação;
treino; educação pelos pares; discussão em grupo; questionamento e outras
actividades como arte criativa, artesanato, vídeos e jogos. O KAP foi
implementado de acordo com um manual facilitador e teve a participação de dois
facilitadores profissionais de saúde mental, um deles foi o coordenador do
programa.
Chisholm, Patterson, Torgerson, Turner & Birchwood (2012) apresentam o
projeto de um estudo que prevê a implementação de uma intervenção de educação
para a saúde mental, em contexto escolar, denominada SchoolSpace e que consiste
em sessões de educação sobre o estigma da doença mental; a literacia em saúde
mental e a promoção da saúde mental. Esta intervenção inclui o contacto com uma
pessoa jovem com a experiência de doença mental que irá trabalhar com os
participantes como um dos dinamizadores e fará uma apresentação e discussão
interativa de 10 a 20 minutos sobre como viver com a doença mental. A
intervenção será desenvolvida por profissionais de saúde especializados em
saúde mental e pessoal do contexto escolar, que receberão treino e decorrerá no
período e contexto escolar habitual. Cada turma será dinamizada por 2 a 4
pessoas, incluindo um assistente em educação e um profissional de saúde
especializado em saúde mental que será o líder. Pelo menos um professor da
escola estará presente em cada turma.
Conclusões
Esta revisão sistemática da literatura permitiu identificar intervenções
promotoras da LSM dos adolescentes: intervenção cognitivo-comportamental em
contexto escolar; intervenção de psico-educação e intervenção de educação para
a saúde mental em contexto escolar. Identificou-se o contexto escolar como área
de intervenção. Os estudos incluídos clarificaram os métodos e as estratégias
desenvolvidas nas intervenções. Podem ser consideradas limitações desta RSL: a
dificuldade de acesso aos artigos em texto integral e as opções metodológicas
que determinaram os resultados. Propõe-se a realização de outras revisões
sistemáticas da literatura sobre esta temática.
Implicações para a Prática Clínica
Esta RSL apresenta implicações para a prática e para a investigação, na medida
em que os estudos incluídos reforçam a necessidade de serem desenvolvidas,
validadas e avaliadas intervenções que promovam a LSM dos adolescentes,
nomeadamente em contexto escolar. A complexidade das intervenções de promoção
da literacia em saúde mental dos adolescentes exige que estas sejam
investigadas através de um processo de desenvolvimento, viabilidade/pilotagem,
avaliação e implementação.