Avaliação das propriedades psicométricas do Questionário de Saúde Mental
Positiva em estudantes portugueses do ensino superior
Avaliação das propriedades psicométricas do Questionário de Saúde Mental
Positiva em estudantes portugueses do ensino superior
Introdução
A saúde é o bem mais precioso que as pessoas tentam preservar ao longo do seu
ciclo de vida. A saúde é, também, um fenómeno com forte componente social,
psicológico, mental, espiritual e físico. Numa perspetiva transcultural, é
quase impossível definir Saúde Mental de uma forma completa. Concorda-se quanto
ao facto de que Saúde Mental é algo mais do que a ausência de distúrbios
mentais. É importante compreender a Saúde Mental e, de modo mais geral, o
funcionamento mental, porque daí advém a base sobre a qual se formará uma
compreensão mais completa do desenvolvimento dos distúrbios mentais e
comportamentais. A Saúde Mental é determinada pela inter-relação de fatores
físicos, ambientais, sociais, psicológicos e espirituais, e é parte integrante
de todo o desenvolvimento humano. A maioria das abordagens da saúde mental, sob
o ponto de vista da investigação, tem privilegiado o estudo de psicopatologia,
com base na existência de sinais e sintomas, em vez do estudo das qualidades
que podem proteger as pessoas com problemas de Saúde Mental.
Na sociedade atual a maioria das pessoas vive sujeita a uma elevada sobrecarga
de stress quotidiano devido, em grande parte, ao estilo de vida adotado, no
qual a competição é por vezes o principal denominador. Esta semelhança é também
uma realidade nos estudantes do Ensino Superior, que são alvos de inúmeras
pressões, desde a separação física dos pais, à exigência do ensino, à adaptação
a uma nova etapa (amigos, meio físico, entre outros.), bem como à necessidade
de corresponder às expetativas depositadas sobre eles. A ansiedade constitui
uma variável que interfere com o desempenho dos estudantes que lidam com
situações stressantes que, em regra, maximiza os sentimentos de insegurança e
opressão intrínsecos ao papel do estudante. Estes fatores podem ser
percecionados de forma positiva (bem-estar psicológico) ou de forma negativa
(distress psicológico) quando não se verifica uma adequada adaptação (Sequeira,
2006).
O ingresso no Ensino Superior associa-se a um processo de transição que
necessita de ser bem nutrido, com conteúdos e apoios, de modo a contribuir para
o sucesso e a evitar a insatisfação/morbilidade. O período letivo está recheado
de fontes de stress (frequências, avaliações, ensinos clínicos,
competitividade, as notas para ingresso no mundo laboral, entre outros.) que
exigem dos estudantes a robustez necessária para transformar o possível
distress em eustress.
Em termos positivos, entende-se a Saúde Mental como um estado de funcionamento
ótimo do ser humano, no qual a promoção das qualidades da pessoa para otimizar
o seu potencial é fundamental (Lluch, 2002, 2003). Entende-se a Saúde Mental
Positiva como um estado de funcionamento ótimo do ser humano, o que salienta a
importância da promoção das qualidades da pessoa na otimização do seu
potencial. Desde esta perspetiva positiva, a Organização Mundial de Saúde (OMS)
tem definido a Saúde Mental como um estado de bem-estar, na qual os indivíduos
reco-nhecem as suas habilidades, são capazes de enfrentar o stress normal
do dia-a-dia, trabalhar de forma produtiva e contribuir para a sua
comu-nidade (Herman, Saxena, & Moodie, 2005).
A avaliação dos aspetos positivos da Saúde Mental constitui-se como um recurso
determinante para a promoção da saúde das pessoas, privilegiando-se um modelo
de Saúde Mental Positiva, em detrimento de um modelo centrado na doença (Barry,
2009; Lluch in Fornes y Gómez, 2008).
A Saúde Mental Positiva pode ser definida como um valor em si (sentir-se bem)
ou como uma capacidade para perceber, compreender e interpretar o meio, para se
adaptar e alterá-lo, se necessário, para pensar e comunicar com os outros
(Lehtinen, 2004). Os investigadores da área da Saúde Mental têm manifestado
muito interesse na forma como a saúde pode ser influenciada pelas dimensões
positivas das experiências (integração social, autoeficácia, controle percebido
entre outros). Nos últimos anos, os conceitos da Saúde Mental Positiva (efeito
positivo, bem-estar, benefício) têm tido uma valorização crescente na
investigação em saúde. Numa perspetiva salutogénica, as variáveis promotoras de
Saúde Mental assumem uma importância acrescida, na qual se entende a Saúde
Mental como indicador de integração e adaptação (Sequeira, 2006).
A necessidade deste estudo surgiu pela constatação da inexistência de
instrumentos validados na população portuguesa que avaliem o potencial humano
protetor no adoecer mental e a resiliência mental.
Este estudo tem como objetivo avaliar as propriedades psicométricas do
Questionário de Saúde Mental Positiva (QSM+) na população portuguesa. Pretende-
se que esta seja um instrumento de avaliação que permita identificar os
estudantes que apresentam um menor risco de morbilidade psiquiátrica.
Trata-se de um instrumento fundamental para que se possa intervir de forma
precoce, evitando o aparecimento de determinadas problemáticas como a depressão
e a ansiedade, ou minorando as suas complicações.
Metodologia
Procedimentos
O QSM+ foi desenvolvido por Lluch (2002, 2003), tendo sido construído sobre a
operacionalização dos critérios de Saúde Mental Positiva de Jahoda (1958). A
autora, através de uma investigação inicial (Lluch, 1999, 2002) propõe um
Modelo Multifatorial de Saúde Mental Positiva configurado por seis fatores,
algo diferentes dos critérios iniciais formulados por Jahoda. Os fatores
propostos por Lluch (1999, 2003) e que configuram a estrutura fatorial do QSM+
estão descritos na tabela_1.
O QSM+ foi traduzido para português (duas traduções independentes), a partir da
sua versão original espanhola, sendo criada uma versão de consenso, que
posteriormente foi alvo de um processo inverso (retroversão e avaliação da
retroversão. A retroversão do questionário foi feita por um enfermeiro
doutorado em Saúde Mental e por um professor de Inglês bilingue.Foram
analisados os aspetos convergentes/divergentes com cinco investigadores, dos
quais três são doutorados em Saúde Mental e dois em Psicologia. Este foi um
processo simples, uma vez que este instrumento se encontra validado em Espanha,
país com algumas semelhanças linguísticas e até mesmo culturais relativamente a
Portugal.
Seguidamente procedeu-se à análise do conteúdo dos itens, por um grupo de
peritos (três psiquiatras, três enfermeiros especialistas em Enfermagem de
Saúde Mental, um psicólogo clínico, e um antropólogo ' todos doutorados ' e um
professor de Inglês bilingue). Finalmente, foi realizado um pré-teste para
avaliar eventuais dificuldades na aplicação do instrumento, um estudo-piloto, e
a aplicação do mesmo num estudo de maior dimensão amostral, para avaliar as
suas propriedades psicométricas.
O QSM+ trata-se de um questionário que contém uma série de afirmações, sobre a
forma de pensar, sentir e agir, apresentando 39 questões agrupadas em seis
dimensões, de acordo com a tabela_1. O questionário está cotado numa escala de
Likert de 1 a 4 pontos, de acordo com as seguintes possibilidades de resposta:
sempre ou quase sempre (1 ponto), na maioria das vezes (2 pontos), algumas
vezes (3 pontos), raramente ou nunca (4 pontos).
Estudo-Piloto
O estudo-piloto teve por objetivo obter informação, de modo a fazer o
ajustamento da versão preliminar do QSM+ em função da população-alvo na qual
seria aplicado.
Este estudo incidiu numa amostra de 120 estudantes do ensino superior de uma
instituição de Ensino Superior de Portugal (Sequeira & Carvalho, 2009).
Em termos de propriedades psicométricas, os resultados preliminares sugerem um
instrumento com caraterísticas muito semelhantes à versão espanhola. Verificou-
se que o QSM+ apresenta uma boa consistência interna (α Cronbach=0,92). Através
da análise fatorial identificaram-se seis fatores, à semelhança da versão
original: satisfação pessoal; atitude pró-social; autocontrolo; autonomia;
capacidade de resolução de problemas e realização pessoal; habilidades de
relação interpessoal.
Posteriormente, colocou-se uma informação online, de modo a que os estudantes
que preencheram o QSM+ se pudessem inscrever para uma entrevista sobre o
instrumento, com o limite máximo de 10 inscritos. Daqui resultou uma subamostra
de 10 estudantes aos quais se efetuou uma entrevista, com o propósito de
avaliar a perceção dos mesmos sobre o QSM+. A opinião generalizada dos
estudantes foi de que se trata de um instrumento de fácil resposta, com
questões compreensivas e direcionadas para o contexto em estudo.
Participantes
A população em estudo foram os estudantes de uma instituição do ensino superior
de Portugal, a partir da qual se selecionou uma amostra não probabilística
acidental. A Amostra foi constituída por 942 estudantes (obtida a partir de uma
população de 4000 estudantes ' taxa de adesão de 24%). Foi enviado a cada
estudante um link com o questionário através do qual, após ler o consentimento
informado e validar a sua participação voluntária no estudo, procedeu ao seu
preenchimento. Os questionários dispunham de um texto introdutório, explicando
os objetivos e a finalidade do estudo, o consentimento informado e a aceitação
da participação no mesmo, sendo preenchidos numa base online, sem qualquer
possibilidade de identificação dos inquiridos, entre 2011 e 2012.
Instrumentos
O instrumento utlizado era constituído por três partes: a) Questionário com
questões sociodemográficas ' idade, género, ano de curso, atividades de lazer,
estilos de vida, consumo de substâncias psicoativas, incluindo tabaco, álcool,
drogas, e psicofármacos (hipnóticos, tranquilizantes e sedativos); b) QSM+
(Lluch, 2003) já descrito anteriormente; c) Inventário de Saúde Mental (ISM)
(Ribeiro, 2001) ' questionário de autopreenchimento que inclui 38 itens, com
cinco a seis possibilidades de resposta, que se distribuem por cinco
subescalas: ansiedade, com 10 itens; depressão, com cinco itens; perda de
controlo emocional, com nove itens; afeto positivo, com 11 itens; laços
emocionais, com três itens, Por sua vez, os itens compõem duas grandes
dimensões: o distress psicológico (ansiedade, depressão e perda de controlo
emocional) e o bem-estar psicológico (afeto positivo e laços emocionais). A
cotação final resulta do somatório dos valores de cada item, nos quais valores
mais elevados correspondem a uma melhor saúde mental.
Recolha de Dados
Os dados foram recolhidos através do questionário online e transferidos para um
ficheiro do SPSS, onde foram editados pelo investigador numa base
especificamente criada para o efeito no programa IBM SPSS Statistics 19. Apenas
foram validados os questionários preenchidos de forma correta. A duração média
de preenchimento do questionário era de cerca de 15 minutos.
Considerações Éticas
Foram cumpridos todos os princípios éticos, de acordo com a declaração de
Helsínquia, para uma investigação desta natureza. O estudo foi autorizado pela
instituição do Ensino Superior, após aprovação pela Comissão de Ética.
Obteve-se a devida autorização para a aplicação dos instrumentos de colheita de
dados. A participação foi voluntária, e obteve-se o consentimento informado dos
estudantes. Os questionários eram anónimos, sem qualquer possibilidade de
identificar os participantes, assegurando a confidencialidade dos dados. Foi
disponibilizado um e-mail, para o qual os estudantes podiam solicitar mais
esclarecimentos acerca do trabalho.
Análise de Dados
Para a análise da validade concetual realizou-se uma análise fatorial
exploratória, segundo o método de Componentes Principais, aplicando uma rotação
oblíqua (Direct Oblimin) que, segundo Nunnally e Bernstein (1995) pode conduzir
a uma definição fatorial mais precisa. Dado que o instrumento segue um modelo
teórico de Saúde Mental Positiva composto por seis fatores (Jahoda, 1958), o
número de fatores a extrair foi limitado a seis. Foi previamente definido que,
dada a dimensão da amostra, seriam consideradas aceitáveis cargas fatoriais
superiores a 0,30 (Hair, Anderson, Tatham & Black, 2007). Nos casos em que
um dado item apresentasse maior carga num dado fator, apresentando discordância
com a estrutura original do instrumento (Lluch, 2003), optou-se por manter-se
essa estrutura, sendo que, para a realização desta opção, foram adotados,
cumulativamente, os seguintes critérios: manter a estrutura original sempre que
as diferenças na carga fatorial fossem pouco significativas e sempre que a
carga fatorial do item fosse minimamente aceitável (superior a 0,30). Ao nível
da validade concetual, foi ainda realizada análise da validade convergente e
divergente, respetivamente, com as dimensões "Bem-Estar Psicológico" e
"Distress Psicológico" do Inventário de Saúde Mental (Ribeiro, 2001).
A fidelidade do instrumento foi calculada mediante: a consistência interna
(avaliada pelo alfa de Cronbach); a estabilidade (teste-reteste), para medir a
estabilidade temporal do instrumento. Para a avaliação do alfa de Cronbach foi
considerado como aceitável, para cada fator, um valor mínimo de 0,60, e para a
score global um valor mínimo de 0,80 (Fortin, Côté & Filion, 2009).
Foram ainda analisadas as correlações entre os fatores, assumindo-se como
aceitável um máximo de 0,70, valor limite, segundo Nunally e Bernstein (1995),
para se manter uma conceção multifatorial.
Resultados
A idade média dos estudantes foi de 22,7 anos (DP=3,13; idades entre 19-48
anos). A amostra foi, maioritariamente, do género feminino (89,3%). Quanto ao
ano do curso, a distribuição foi relativamente equitativa, com 24,5% dos
estudantes a frequentarem o primeiro ano, 27,8% o segundo, 20,2% o terceiro, e
27,5% a frequentarem o quarto ano.
Análise dos Itens
Verificou-se que apenas os itens 1 e 11 apresentavam uma correlação item/fator
inferior a 0,25. Optou-se pela manutenção dos mesmos visto que, em ambos os
casos, a sua eliminação não iria resultar num aumento substancial da
consistência interna dos fatores sendo que, no caso do item 1, a sua eliminação
iria, inclusivamente, reduzir a consistência interna do fator.
Validade
Antes da análise fatorial, a adequação dos dados foi estimada utilizando o
Kaiser-Meyer-Olkin (KMO) e o teste de esfericidade de Bartlett. Teste de
esfericidade de Bartlett foi de 278.606 (p<0,001), indicando alta correlação
entre os itens.
O valor de KMO foi de 0,80, indicando adequação da amostra para a análise
fatorial. Os resultados do teste de esfericidade e a medida de KMO de Bartlett
sugeriram que a análise de fator foi adequado para este conjunto de dados.
Na análise fatorial os seis fatores extraídos permitiram explicar 51,0% da
variância total do questionário. O fator 1 (satisfação pessoal) foi o que
explicou uma maior percentagem da variância (25,6%), enquanto os outros cinco
fatores explicaram uma percentagem muito menor, que foi desde os 8,1% do fator
6 até aos 3,1% do fator 3. Na matriz fatorial resultante (Tabela_2) os pesos de
cada item foram, em todos os casos, superiores a 0,30, pelo que se manteve a
estrutura do questionário com um total de 39 itens. Porém, os fatores
resultantes não correspondem, totalmente, à configuração proposta por Lluch
(2003). Assim: o item 24 passou do fator 6 para o fator 2; o item 35 passou do
fator 5 para o fator 4; o item 11 passou do fator 6 para o fator 5; os itens
23, 25 e 37 passaram do fator 2 para o fator 5.
No que respeita à validade convergente esta foi verificada, com uma correlação
do QSM+ com a dimensão "Bem-Estar Psicológico" do Inventário de Saúde Mental de
r=0,60 (p<0,001). A validade divergente foi igualmente verificada, com uma
correlação do QSM+ com a dimensão "Distress Psicológico" de r=-0,61 (p<0,001).
Correlações entre Fatores
As correlações entre os seis fatores estão apresentadas na Tabela_3. Pode
verificar-se que todos os fatores apresentaram uma correlação estatisticamente
significativa (p<0,05) com a questionário global. Todas as correlações entre
fatores foram inferiores a 0,70.
Fidelidade
Os resultados apresentados na Tabela_3 permitem verificar que a consistência
interna do instrumento foi muito boa (α Cronbach=0,92), e que todos os fatores,
exceto o 2 (Atitude Pró-social), obtiveram uma consistência interna superior a
0,60, com valores que oscilaram entre 0,77 e 0,84. Porém, optou-se pela não
eliminação do fator 2 considerando que a sua consistência interna é
compreensível, visto ser composto somente por três itens. A consistência
interna dos itens de cada fator foi boa mas, no caso dos itens 2, 6, 11 e 35, a
sua exclusão permitiria o aumento da consistência interna dos fatores em que se
enquadram. No entanto, optou-se pela não eliminação destes itens, visto que: os
fatores a que pertencem apresentam uma boa consistência interna; os ganhos
resultantes da eliminação dos itens são pouco expressivos.
Para testar este tipo de fiabilidade, o QSM+ foi administrado duas vezes a uma
amostra de 120 estudantes com o intervalo de dois meses. A fiabilidade do teste
depende do valor do coeficiente de correlação entre os dois momentos. Os
valores encontrados foram muito altos, conforme se pode ver na Tabela_4. Os
valores oscilaram entre 0,92 e os 0,98. Estes valores sugerem que o
questionário apresenta uma boa fiabilidade temporal.
Após o estudo das propriedades psicométricas do Questionário de Saúde Mental
Positiva para a população portuguesa, a estrutura final do mesmo pode ser
representada de acordo com o apresentado na Tabela_5.
Discussão
O processo de tradução do QSM+ foi sistemático e conduzido de forma rigorosa,
de modo a assegurar a equivalência concetual, dos itens, semântica,
operacional, de medida, e funcional, tal como preconizado por Herdman, Fox-
Rushby e Badia (1998). A análise fatorial confirmatória foi, de um modo geral,
de encontro ao que havia sido obtido por Lluch (2003) aquando do seu trabalho
de construção e análise psicométrica do QSM+. Porém, na análise fatorial
realizada foram definidas cargas fatoriais mínimas para os itens tendo em
consideração o tamanho da amostra, pelo que acabaram por ser realizadas algumas
alterações no que se refere às dimensões a que pertence cada item. Ainda assim,
optou-se por não alterar a nomeação das dimensões sugerida por Lluch (2003) na
medida em que, apesar de se terem verificado algumas alterações significativas,
sobretudo na dimensão 5, se considerar que era mantida a congruência entre a
designação das dimensões e os itens que nelas se encontravam incorporados.
Ainda ao nível da análise fatorial, verifica-se e destaca-se, como aspeto
positivo, o facto de os seis fatores extraídos terem permitido explicar uma
maior percentagem da variância total do Questionário (51,0%) do que no caso do
estudo realizado, em 2003, por Lluch (46,8%).
Passando à análise das propriedades psicométricas do QSM+, por comparação com o
trabalho de criação e validação inicial do instrumento (Lluch, 2003), verifica-
se que em ambos os casos se verificou uma correlação estatisticamente
significativa entre os seis fatores extraídos e o global, sendo que todas as
correlações foram inferiores a 0,70. Ao nível da consistência interna, os
valores foram muito semelhantes, sendo a consistência interna do instrumento
até ligeiramente superior à do instrumento na sua versão original (α=0,92
contra α=0,91). Quanto à consistência interna de cada fator, os resultados
foram também muito semelhantes aos do estudo de criação e validação inicial do
instrumento, apenas com o fator 2 a apresentar resultados menos positivos,
ainda assim explicáveis pelo reduzido número de itens que o integram.
Resultados extremamente positivos foram verificados ao nível da
reprodutibilidade (estabilidade), tendo a correlação teste-reteste atingido
valores de excelência (0,98), mesmo confrontando com os valores igualmente
positivos obtidos, em 2003, por Lluch (0,85). A reprodutibilidade de cada fator
também obteve valores superiores aos descritos no estudo de criação e validação
inicial do QSM+.
Confrontando o QSM+ com o instrumento que foi utilizado para aferição da
validade convergente e divergente (ISM) e, em particular, com o seu estudo de
adaptação à população portuguesa (Ribeiro, 2001), verifica-se que o ISM
apresenta uma maior consistência interna, com um α de Cronbach na ordem dos
0,96. Porém, a análise comparativa não pode ser realizada de forma tão
simplista. Ao analisar o ISM, verificamos que este apresenta duas dimensões:
Distress Psicológico e Bem Estar Psicológico. Considerando que o QSM+ é um
instrumento que apenas avalia dimensões de saúde mental positivas, será lógico
realizar a comparação apenas com a dimensão positiva do ISM: Bem Estar
Psicológico. Ao realizar essa análise os resultados mostram que esta dimensão
apresenta um α de Cronbach de 0,91, ligeiramente inferior ao apresentado pelo
QSM+.
Perante os dados obtidos, o presente estudo oferece uma nova visão acerca da
importância da avaliação da Saúde Mental Positiva, integrada numa lógica de
Promoção da Saúde Mental, defendida como prioritária, há vários anos, por
diversas organizações de renome internacional, entre as quais se conta a World
Health Organization (2004). Também ao nível da Enfermagem a promoção da saúde
mental parece constituir uma janela de oportunidade para o futuro (Woodhouse,
2010), sobretudo se considerarmos que, perante as atuais políticas de restrição
económica, e tendo os conta os crescentes custos associados ao aumento dos
casos de doença mental, a promoção da saúde mental começa a apresentar
resultados motivadores ao nível do custo-efetividade, sobretudo se as
intervenções ocorrerem de forma integrada em programas de desenvolvimento da
segunda infância (Zechmeister, Kilian, McDaid & MHEEN group, 2008).
Relativamente à comparação com a versão original (espanhola) do instrumento,
serão necessários estudos adicionais que permitam esclarecer algumas dúvidas
relativamente à estrutura do QSM+. A tabela_6 apresenta, de forma gráfica, a
estrutura resultante do QSM+ em ambas as versões (espanhola e portuguesa). Em
futuras investigações deverão realizar-se análises fatoriais confirmatórias e
análises de covariância com amostras mais amplas, para poder continuar a
explorar tanto a estrutura fatorial do QSM+ como o Modelo Multifatorial de
Saúde Mental Positiva que o suporta. Tal como referido inicialmente, Lluch
construiu o QSM+, inicialmente, seguindo os critérios de Saúde Mental Positiva
formulados por Jahoda. Posteriormente, Lluch formulou a sua própria formulação
concetual e métrica da Saúde Mental Positiva. Neste estudo realizou-se um novo
avanço para a validação do QSM+. O processo de construção e validação de
instrumentos psicométricos é um processo lento, que deve realizar-se com o
maior rigor possível. Neste sentido, acredita-se que tanto os resultados
obtidos na versão espanhola como na versão portuguesa do QSM+ devem ser
considerados exploratórios e, em futuros estudos, deverá continuar a explorar-
se tanto a estrutura de itens da versão original como a da versão portuguesa,
como forma de tentar melhorar a robustez do instrumento.
Conclusão
O Questionário de Saúde Mental Positiva revelou-se como instrumento fiável para
avaliar a saúde mental dos estudantes do Ensino Superior.
Verifica-se que as propriedades psicométricas do questionário e das suas
dimensões são boas, o que atesta sobre a validade do instrumento. As dimensões
que apresentam um menor consistência foram a F2 ' atitude pró-social e a F6 '
habilidades de relação pessoal.
Em termos da comparação dos itens que integram as dimensões sugeridas no estudo
original constata-se que as dimensões "Satisfação pessoal", "Autocontrolo",
"Autonomia" e "Habilidades de relação interpessoal" são muito similares. Na
dimensão "Atitude pró-social" e na dimensão "Resolução de problemas e
Realização pessoal" verificam-se algumas diferenças nos itens que as compõem
quando comparadas com a original.
Deste modo, consideramos ser muito importante desenvolver mais estudos que
permitam aferir as caraterísticas definidoras mais específicas para estas
dimensões.
Implicações para a Prática Clínica
O QSM+ trata-se de um instrumento de grande relevância para a prática clinica,
na medida em que permite avaliar o potencial das pessoas para lidar com as
adversidades e, por outro lado, permite identificar as pessoas com maior
vulnerabilidade mental. A questão da vulnerabilidade é muito importante para a
prevenção da morbilidade, uma vez que possibilita aos profissionais de saúde
uma intervenção mais precoce.
Um outro fator de relevância para a prática clinica está relacionado com o
facto de este instrumento possibilitar uma avaliação salutogénica da Saúde
Mental e permitir que os profissionais de saúde sejam agentes promotores de
saúde através da implementação de intervenções capazes de promover a
satisfação, atitude pró-social, autocontrolo a autonomia, capacidade de
resolução de problemas e habilidades de relação interpessoal.