Processo de luto dos familiares de idosos que se suicidaram
Introdução
A população acima dos 65 anos é a que mais cresce em Portugal e na maior parte
do mundo, o que justifica um olhar atento para os problemas sociais e de saúde
que a afetam. É importante destacar que o suicídio é um fenómeno complexo e é
uma das dimensões do comportamento suicidário que inclui um continuum de
comportamentos que vão desde, pensamentos de autolesão, passando por ameaças,
gestos, tentativas de suicídio até, ao desfecho fatal, qualquer que seja o grau
de intenção letal e de conhecimento do verdadeiro motivo desse ato (Werlang e
Botega, 2004).
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS, 2003), o suicídio é definido como
um ato de pôr termo à própria vida, com um resultado fatal, que foi
deliberadamente iniciado e preparado, com o prévio conhecimento do seu
resultado final e através do qual o indivíduo pensou fazer o que desejava.
O suicídio afeta todos os grupos etários mas alguns estão em maior risco do que
outros, tais como, pessoas com histórico de tentativas de suicídio ou
automutilação, com distúrbios psiquiátricos, assim como, o próprio medo das
doenças, constituem nas camadas mais envelhecidas fatores de risco. Por sua
vez, o isolamento e os próprios eventos de vida, também condicionam a
suicidalidade nos idosos (International Association for Suicide Prevention
[IASP], 2012).
A OMS (2001) estima que em 2020, aproximadamente 1.53 milhões de pessoas
morrerão por suicídio no mundo. O suicídio é, atualmente, uma das três
principais causas de morte entre os jovens e adultos dos 15 aos 34 anos, embora
a maioria dos casos aconteça entre pessoas com mais de 60 anos. Ainda segundo a
OMS, a média de suicídios aumentou 60% nos últimos 50 anos, em particular nos
países em desenvolvimento. O que se observa é que, com o aumento da idade,
aumenta também o risco depressivo e a tendência para o suicídio (OMS, 2001;
Werlang e Botega, 2004).
O objetivo geral do trabalho de investigação foi conhecer as vivências sentidas
pelos familiares no processo de luto dos idosos que se suicidaram e centrou-se
ao nível da pósvenção ' postvention.
A pósvenção é uma estratégia onde as ações são realizadas após um suicídio
naqueles que foram afetados por este fato (familiares, amigos, colegas, entre
outros). Elas estão direcionadas para a informação, o apoio, a assistência
imediata e o acompanhamento das pessoas que devem ser consideradas em risco.
Este risco deve ser entendido nas suas diversas graduações, onde o óbito por
suicídio é entendido como um fator precipitante de outros eventos deste tipo.
O suicídio tem repercussões a diversos níveis, na sociedade, nos familiares,
nos amigos, nos colegas, entre outras pessoas, causando um impacto psicológico
que permanece bastante intenso mesmo para aqueles que não têm ligação direta
com a pessoa que se suicidou.
Suicídio
O estudo do suicídio envolve e implica múltiplos aspetos, a nível individual,
familiar, social ou ideológico e exige o esforço e a cooperação entre
especialistas de diversas disciplinas e ramos científicos, de modo a que seja
alcançada uma visão ampla e não meramente parcelar da realidade (Sampaio,
1991).
Shneidman (1985) afirma ser fundamental a combinação dos seguintes elementos
para haver um suicídio: sentimento de dor intolerável - diretamente relacionada
com a frustração pelas necessidades psicológicas básicas não terem sido
satisfeitas; atitude de se autodesvalorizar (autodenegrir) - autoimagem que não
consegue aguentar a dor psicológica intensa; constrição marcada da mente e um
prejuízo das tarefas do dia-a-dia; sensação de isolamento ' um sentimento de
deserção e perda de suporte de pessoas significativas; intenso e desesperado
sentimento de desesperança ' a sensação de que já nada pode ser feito; decisão
consciente de fuga ' abandono, desaparecimento ou interrupção (cessação ou
paragem) da vida ' como a única (ou pelo menos a melhor possível) solução para
resolver o problema da dor intolerável.
No que diz respeito à epidemiologia do suicídio torna-se importante destacar
que as estatísticas oficiais são bastante subestimadas, uma vez que, ocorrem
subnotificações decorrentes, muitas vezes, de falhas na identificação e
classificação da causa de morte.
Em Portugal, é ainda um fenómeno que atinge maioritariamente os idosos, mas o
aumento dos anos de vida potencialmente perdidos diz-nos que algo está a mudar
e que, cada vez mais, suicidam-se mais pessoas em idade ativa (Ordem dos
Enfermeiros, 2012).
As taxas de suicídio, por 100.000 habitantes, em 2010, no grupo etário dos 65-
74 anos, e mais de 75 anos, são de 28.4 e 67.4 respetivamente, no género
masculino. Em relação ao género feminino e, falando do mesmo ano e dos mesmos
grupos etários, apresentam-se valores de 8.2 e 11.5 respetivamente, o que
traduzem diferenças significativas (Instituto Nacional de Estatística [INE],
2013). Portugal, encontra-se na 35.º posição com uma taxa de 10.4 suicídios,
por 100.000 habitantes, ou seja, quase o dobro do que ocorreu na última década
do século XX (Sociedade Portuguesa de Suicidologia [SPS], 2010).
No caso particular da Cova da Beira, trata-se de uma sub-região bastante
envelhecida, cujo índice de envelhecimento da Covilhã, Belmonte e Fundão são,
em 2011, de 195.0, 227.2 e 237.6, respetivamente. Importa salientar que o
índice de envelhecimento em Portugal, em 2011, é de 129.6 (INE, 2011; PORDATA,
2012).
O suicídio entre as pessoas idosas constitui-se um grave problema para as
sociedades das mais diversas partes do mundo (Minayo e Cavalcante, 2010). Tal
fato torna-se mais grave, se se considerar que as taxas de suicídio em países
industrializados têm aumentado com a idade, sobretudo em homens idosos, além
disso, o comportamento suicidário em pessoas idosas é mais efetivo, com maior
taxa de mortalidade do que em pessoas mais jovens (Cattell, 2000).O mesmo autor
acrescenta ainda que, apesar do suicídio e a sua prevenção serem uma área de
prioridade de assistência na Europa, o suicídio nas pessoas idosas permanece um
assunto negligenciado em todo o mundo, recebendo pouca atenção profilática e
interesse científico.
Pires et al. (2009) sumarizam os fatores que podem justificar o padrão de
suicidalidade no geral e, em particular, nos idosos, nomeadamente, a depressão
como um aspeto predisponente ao comportamento suicidário, a presença de doenças
físicas, sobretudo as doenças crónicas e incapacitantes como o cancro. Foram
citados ainda, como relevantes, o isolamento social, outras doenças
psiquiátricas (além da depressão), a viuvez, o divórcio ou nunca ter tido um
relacionamento marital, aspetos étnicos (como ser branco), fatores económicos
(como o desemprego e o nível de renda média/alta) e o falecimento de pessoas
significativas. O comportamento suicidário nos idosos, a demência, o consumo de
álcool ou o alcoolismo, as doenças cardíacas, a hipertensão arterial, a
disponibilidade de benzodiazepinas, os antidepressivos, os barbitúricos, os
antipsicóticos, os ansiolíticos ou tranquilizantes, ser do sexo masculino e ter
mais de 75 anos, morar em países industrializados, ter problemas de
relacionamento, perder o seu domicilio ou sociedade, possuir alguns traços de
personalidade (orgulho, rigidez, pessimismo, sentimento de desesperança,
negação do envelhecimento, comportamentos obsessivos), a perda de habilidades,
a diminuição da possibilidade de escolhas, a diminuição da qualidade de sono, a
ausência de alguém em que se possa confiar, a perda do papel tradicional na
família, a redução do número de cuidadores, a dependência de outras pessoas, o
histórico de internamento e a ocorrência de alguma tentativa de suicídio
anterior, também foram realçados como fatores de risco para o suicídio na faixa
etária de idosos.
Vivências dos Familiares no Processo de Luto
As perdas significativas ou traumáticas podem nunca chegar a ser totalmente
resolvidas. Para além disso, a adaptação não é equivalente a uma resolução no
sentido de ultrapassar completamente e, de uma vez por todas, a perda. O luto e
a adaptação não têm um tempo fixo ou uma sequência linear. A perda é um
acontecimento de vida universal podendo ser vivida de modo traumático
especialmente, quando os indivíduos se focam em aspetos ameaçadores da sua
experiência, revelando prejuízos funcionais a longo prazo, inerentes a
dificuldades de adaptação e de restabelecimento do estado pré-perda
(Kristjanson, Lobb, Aorun e Monterosso, 2006).
O luto é definido como um conjunto de reações emocionais, físicas,
comportamentais e sociais que aparecem como resposta a uma perda, seja real ou
imaginativa (perda de um ideal, de uma expetativa), seja uma perda por morte ou
pela cessação/diminuição de uma função, possibilidade ou oportunidade. O luto é
uma resposta natural à perda de um ente querido, sendo este um acontecimento
stressante que, a maioria das pessoas, terá que enfrentar ao longo da vida. Uma
grande perda é um processo de transição que obriga as pessoas a adaptarem às
suas conceções sobre o mundo e sobre si próprias (Parkes, 1998).
Por vezes, os casos de luto podem evoluir desfavoravelmente, resultando em
consequências severas que afetam a saúde mental e física dos enlutados. São as
formas de Luto Complicado (LC) em que a maior associação diz respeito a
problemas de saúde como depressão, ansiedade, abuso de álcool e/ou
medicamentos, risco de doenças e suicídios. Os sintomas de LC predizem, a longo
prazo, uma incapacidade funcional de adaptação (Prigerson et al. 1995).
Jordan e McIntosh (2011) propuseram vários níveis de reação ao luto por
suicídio, tais como: a tristeza e o desejo de se reunir com o falecido
(caraterísticas após mortes inesperadas), o choque, nomeadamente a sensação de
irrealidade sobre a morte e o trauma de encontrar um corpo mutilado e
destruído. Para além destas reações comuns, os sobreviventes de suicídio
vivenciam caraterísticas que parecem ser únicas do luto por suicídio como, a
raiva do falecido em "escolher" a morte sobreposta à vida e o sentimento de
abandono.
Sveen e Walby (2008) acrescentam ainda que as reações dos sobreviventes diferem
em consequência da história anterior de suicídio do falecido e a expetativa de
morte, ou seja, podem vivenciar depois do suicídio o sentimento de alívio
(muitas vezes, subjetivamente percebido como inaceitável e juntamente com
culpa), assim como, podem reagir com um choque acompanhado por entorpecimento e
descrença (naqueles para quem a morte do falecido aconteceu inesperadamente).
De fato, uma morte por suicídio pode afetar as pessoas nos mais variados tipos
de relacionamento e, alterar as relações entre os membros da família para com
os parentes mais distantes, amigos, vizinhos e empregadores. Já foram feitas
várias tentativas em avaliar o número de sobreviventes de suicídio. Por
exemplo, Shneidman sugeriu uma média de seis sobreviventes enlutados por
suicídio, por outro lado Wrobleski (2002), sugeriu que havia dez sobreviventes
deixados após a morte por suicídio. A primeira estimativa sistemática do número
de sobreviventes de suicídio foi feita numa pesquisa entre os membros de grupos
de apoio de sobrevivente de suicídio e, de acordo com Berman (2011), descobriu
que o número varia consideravelmente, dependendo do tipo da relação, da
frequência de contacto entre o falecido e os enlutados e da idade do falecido.
É importante consciencializar que o luto é um processo dinâmico, ativo, que
varia de pessoa para pessoa e que os sobreviventes experienciam inúmeras
vivências de luto.
Estudo Empírico: Metodologia
O estudo foi desenhado com a intenção de responder à seguinte questão de
investigação: Quais são as vivências sentidas pelos familiares no processo de
luto dos idosos que se suicidaram, na Cova da Beira?
No presente estudo, foi utilizada uma amostra não probabilística por
acessibilidade em sintonia com os critérios de inclusão, nomeadamente,
familiares de idosos residentes na Cova da Beira, que se suicidaram no período
compreendido entre 2005 a 2011.
A recolha da amostra foi feita através das seguintes formas:
Contacto com os Presidentes de Junta de Freguesia e população residente nas
freguesias, no sentido de referenciarem casos que se incluíssem no estudo;
Pedido de autorização ao Comando Territorial de Castelo Branco no sentido de
referenciar casos que integrassem o estudo. As respetivas autoridades entraram
em contacto com os familiares, solicitando autorização para a participação no
estudo. Após ter sido dada autorização por parte dos familiares foi feito
contacto prévio, pelo entrevistador, para agendamento da entrevista.
O período de colheita de dados realizou-se entre os meses de agosto e setembro
de 2012.
Como instrumento de colheita de dados foi utilizada a entrevista
semiestruturada, face a face, dada a sensibilidade da temática. O guião da
entrevista semiestruturada seguiu a seguinte estruturação: Partes A e B
referem-se aos dados de identificação que permitem fazer uma caraterização
pessoal e sociodemográfica do familiar do idoso que se suicidou. Integraram
também perguntas abertas, nomeadamente, a descrição de um dia tipo e de que
forma o suicídio o/a afetou. Para a análise destas duas perguntas foi realizada
análise de conteúdo.
Utilizaram-se como instrumentos de investigação de suporte ao estudo: o
Inventário de Luto Complicado de Prigerson et al. (1995) traduzido por Frade
(2010); a Escala de Depressão Geriátrica, GDS-30 de Yesavage et al.(1983)
traduzida por Barreto, Leuschner, Santos e Sobral (2008); a Escala de
Satisfação Social (ESSS) de Ribeiro (1999) e a Escala de Apgar Familiar de
Smilkstein (1978) versão portuguesa de Agostinho e Rebelo (1988).
Resultados
Nas tabelas seguintes são apresentados os dados do estudo no que diz respeito à
identificação e caraterização da amostra (Tabela_1), ao ano de ocorrência do
suicidio (Tabela_2) e às vivências dos familiares dos suicidas (Tabela_3).
Discussão
No que diz respeito à caraterização da amostra, é constituída por 17 familiares
enlutados de idosos que se suicidaram, no período compreendido entre 2005 a
2011. O ano com mais casos notificados foi 2010, com cinco casos, seguidamente
de 2005 com quatro casos, 2009 e 2011 com três casos, respetivamente, e 2006 e
2007 com um caso notificado.
Em termos da variável idade dos familiares enlutados, esta variou dos 35 aos
72 anos, cuja idade média foi de 59 anos. É uma amostra com predominância do
género feminino e do estado civil viúvo. Dos familiares viúvos, seis vivem
sozinhos, tendo ajuda do(s) filho(s) que, na maioria dos casos vive distante,
noutro distrito ou mesmo país. Ainda dos familiares viúvos, sete são mulheres,
ou seja, esposas do suicida. A idade, o género e o estado civil são
considerados fatores sociais e demográficos precipitantes dos comportamentos
suicidários(SPS, 2008). No que se refere ao género, como fator de
vulnerabilidade para o suicídio em idosos, os estudos identificam o sexo
masculino como tendo maior probabilidade para a manifestação desse
comportamento (Cattell, 2000; Quan, Arboleda-Flórez, Flick, Stuart, Love, 2002;
Lamprecht, Pakrasi; Gash; Swann, 2005).
Pode-se referir que, na amostra da Cova da Beira, houve uma maior
representatividade do meio rural com 11 familiares. De acordo com os dados
obtidos na revisão teórica a respeito da epidemiologia, verifica-se que na Cova
da Beira existe um predomínio do meio rural.
Quanto ao nível de escolaridade da amostra, o ensino primário é predominante em
seis casos, seguindo-se o nível secundário e universitário em três casos e,
dois casos cujo ensino é o preparatório. Duas pessoas não frequentaram a escola
e uma não completou o ensino primário.
No que se refere à presença de doenças, 10 familiares de suicidas têm doenças
crónicas. As doenças crónicas mais referidas foram a depressão, os problemas
osteoarticulares e cardíacos. Pires et al. (2009) consideram a depressão como
um aspeto predisponente ao comportamento suicidário, na faixa etária dos
idosos.
No que diz respeito à religiosidade, 15 familiares responderam ter religião,
sendo a religião católica a que predomina. Apenas um familiar é testemunha de
Jeová. Destaca-se a religião como fator protetor da amostra.
Na amostra, o método mais utilizado pelo idoso suicida foi o enforcamento,
ocorrendo em 12 casos, dos quais cinco ocorreram em casa. Em relação aos
restantes, houve dois casos por afogamento fora de casa e dois casos de
atropelamento na linha férrea. Estes dados vêm ao encontro do registado para a
população portuguesa onde o enforcamento é o método mais comum.
No que diz respeito à figura de referência quando os familiares dos suicidas
precisam de ajuda são os filhos os mais procurados (seis casos) contudo, outras
pessoas foram referidas tais como, o padre, linha de atendimento Saúde 24, o
psicólogo. Salienta-se aqui o papel preponderante da família na pósvenção. Os
técnicos de saúde são pouco referenciados pelos familiares que constituem a
amostra, o que enfatiza a importância da rede de suporte social.
Pode-se visualizar a importância de que se reveste cada variável para o
familiar enlutado num comportamento suicida. Verifica-se a predominância de
alguns fatores de proteção, nesta amostra, nomeadamente o suporte social e
familiar, crenças culturais e religiosas (Department of Health and Human
Services [DHHS], 1999).
Ainda no que diz respeito à caraterização da amostra, em termos de resultados
obtidos através dos instrumentos de investigação aplicados, chega-se à
conclusão que em relação ao LC existem 12 familiares num processo de LC, cujas
dificuldades mais sentidas são as dificuldades de separação, seguidas das
dificuldades de negação e revolta e das dificuldades traumáticas. As restantes
dimensões (depressivas e psicótica) estão presentes, contudo em menor
percentagem. Apesar das suas particulares caraterísticas vinculativas, laços
afetivos inatos criados unidirecionalmente, pela familiaridade e proximidade
com as figuras parentais é perante uma perda que um desequilíbrio pode, de
fato, acontecer (Bowlby 1980; Sanders, 1999). Encontramos as respostas para
este possível desequilíbrio na reação individual de cada membro, no seu modo
particular de reagir e lidar com a perda. Assim, não é só o impacto da perda,
normalmente intenso e prolongado, mas também as suas consequências não
reconhecidas pelo sistema familiar que podem levar à rutura no equilíbrio
familiar (Brown, 1989).
Prigerson et al., (1995) salientam que os sintomas de LC predizem, a longo
prazo, uma incapacidade funcional de adaptação. Existe um conjunto de fatores
que fazem com que o luto seja mais duradouro do que seria de esperar.
No caso da GDS-30, verifica-se a presença de depressão grave em quatro
familiares, e depressão ligeira noutros 4 familiares e nos restantes verifica-
se ausência de depressão.
Contrapondo com a literatura os resultados obtidos na amostra, há perdas tão
significativas ou traumáticas que podem nunca chegar a ser totalmente
resolvidas, resultando em processos de depressão grave (Prigerson et al.,
1995). Os resultados mostram, concomitantemente que, quanto maior é a
sintomatologia depressiva, maior era também a autoperceção de solidão e menor
era a autoperceção de saúde.
No que diz respeito à ESSS, ou seja, ao suporte social percebido para a saúde,
bem-estar, qualidade de vida e mal-estar, com várias dimensões SA (satisfação
com os amigos), IN (intimidade), SF (satisfação com a família), e AS
(atividades sociais), apenas cinco familiares apresentam uma perceção mais
baixa de suporte social, cujo resultado mínimo é de 31, apresentando as
restantes famílias maior suporte social, cujo resultado máximo é de 68. Fica a
dúvida se é devido ao meio rural, o que necessitaria de um estudo para se poder
correlacionar variáveis.
No que se refere à Escala de Apgar, ou seja, a funcionalidade familiar, nove
famílias apresentam-se altamente funcionais, seis com uma disfunção leve e duas
com uma disfunção severa. Os dados nesta escala encontram-se em consonância com
os dados obtidos através da aplicação da escala ESSS, pelo que pode-se afirmar
que não houve falsas respostas. Também se pode salientar, tal como é referido
na revisão teórica, a importância dos laços, da estrutura e do suporte social e
familiar.
No que diz respeito ao estudo qualitativo do agregado familiar, mais
particularmente em relação às vivências por parte dos familiares de idosos que
se suicidaram, verificou-se que a saudade foi a vivência referida pela
totalidade dos familiares suicidas. Seguidamente foram referidas vivências como
a tristeza, o choque, o abandono, a angústia, o desamparo, a solidão, o
evitamento, a revolta, a incredibilidade, a aceitação, a ansiedade, a dúvida e
a impotência. Estas vivências podem ser salientadas pelos seguintes relatos dos
familiares suicidas: "no geral afetou tudo, há momentos em que não acredito e
estou à espera que ele chegue"; "sinto-me cada vez pior, fiquei mais nervosa,
sinto-me angustiada, fiquei com a imagem dele enforcado, tenho pesadelos
durante a noite, não consegui ir ao funeral, não consigo ir a casa"; "não há
palavras que expliquem"; "reagi com tristeza"; "sinto muito a falta dele, foi
uma grande perda"; senti-me e sinto-me como se tivesse perdido muitos anos da
minha vida"; "o mundo parece que tinha desabado para mim"; "é algo que fica
para o resto da vida e que nunca se esquece, é uma revolta".
Os resultados da amostra focalizam alguns dos resultados pesquisados na revisão
teórica, nomeadamente em que, Jordan e McIntosh (2011), propuseram vários
níveis de reação ao luto, tais como a tristeza e o desejo de se reunir com o
falecido, o choque e a sensação de irrealidade sobre a morte. Para além destas
reações comuns, os sobreviventes de suicídio vivenciam caraterísticas que
parecem ser únicas do luto por suicídio como, a raiva do falecido em "escolher"
a morte sobreposta à vida (que na amostra traduziu-se pela vivência de revolta)
e o sentimento de abandono.
A análise de conteúdo realizada também vai ao encontro dos estudos que Boelen,
Bout e Hout (2003) realizaram a respeito da relação entre cognições negativas e
os problemas emocionais após o luto, com o intuito de adquirirem um maior
conhecimento acerca dos mecanismos psicológicos subjacentes que estão
envolvidos no desenvolvimento e persistência dos problemas emocionais em que,
apesar da perda de uma pessoa amada ser geralmente considerada como um dos
acontecimentos de vida mais stressantes que a pessoa pode experimentar, a
maioria dos indivíduos recuperam da perda sem ajuda profissional. Porém,
algumas pessoas não recuperam e experimentam alterações constantes na saúde
mental. Os problemas comummente observados incluem depressão, sintomas da
perturbação de pós-stresse traumático e outras perturbações ansiosas e
sentimentos de culpa.
Conclusões (Implicações para a Prática Clínica)
Indo ao encontro do objetivo inicialmente proposto, conhecer as vivências
sentidas pelos familiares no processo de luto dos idosos que se suicidaram,
pode-se referir que os familiares enlutados da amostra estudada vivenciaram
sentimentos de solidão, desamparo, incredibilidade, abandono, angústia,
tristeza, choque e saudade do falecido. A amostra apresentou alguns fatores de
proteção, nomeadamente o meio rural, a religião, a rede de suporte familiar e
social, a ausência de hábitos alcoólicos e outros consumos. Contudo, a amostra,
revelou também ter alguns fatores de risco, nomeadamente o isolamento, a
solidão, a angústia, a noção de abandono, assim como, apresentou níveis
elevados de LC e depressão.
O acompanhamento desta população de forma sistematizada, com proximidade e
promovendo a sua acessibilidade aos cuidados de saúde poderia prevenir
comportamentos suicidários no futuro. O reforço da rede de suporte social,
fator protetor identificado, poderia também ser ajustado para esta população.
Desta forma, é importante pensar e agir na promoção, intervenção e pósvenção e,
somente será possível, com um conhecimento profundo da sociedade e dos seus
eventos de vida.
O papel dos técnicos de saúde na identificação precoce de sinais de risco,
encaminhamento e intervenção terapêutica nos contextos comunitários e
hospitalares é determinante para a redução de suicídios. Assim, a resposta a
este problema implica interações multissetoriais, multiculturais e
multiprofissionais onde deve mobilizar técnicos a trabalhar em contextos de
saúde pública e hospitalar, com ações direcionadas para o indivíduo, família e
comunidade.
Torna-se fundamental definir um plano de prevenção do suicídio para cada região
de acordo com o padrão de suicidalidade, adequar os planos de intervenção,
nomeadamente na identificação de casos de risco, da desesperança, a formulação
de protocolos com as forças de segurança, assim como, se evidencia a
necessidade de existirem meios de diagnóstico adequados à faixa etária.