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EuPTCVHe1647-21602015000100002

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variedadeEu
ano2015
fonteScielo

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Perceção de autoeficácia do familiar cuidador após o regresso a casa do dependente: Estudo longitudinal

Introdução Eficácia refere-se à capacidade dos indivíduos em desenvolver competências cognitivas, sociais, emocionais e comportamentais. Deve ser organizada e instrumentalizada de forma eficaz para servir inúmeros propósitos. A autoeficácia percebida preocupa-se, não com o conjunto de habilidades que os indivíduos possuem, mas com o que estes acreditam que são capazes de fazer com aquilo que possuem em diferentes circunstâncias (Bandura, 1997; Gilliam & Steffen, 2006).

A autoeficácia é conceptualizada como uma crença do indivíduo na sua própria capacidade de realizar uma tarefa específica, onde é imperativo mobilizar a motivação, os recursos cognitivos e de ação, necessários para enfrentar e satisfazer as exigências específicas duma situação considerada desafiadora (Bandura, 1997). Portanto, a autoeficácia é um constructo psicológico individual e que se refere à confiança do indivíduo na realização de um determinado comportamento e ser capaz de superar os obstáculos na concretização desse comportamento. Sentimentos de autoeficácia resultam da interação dos comportamentos pessoais com os fatores ambientais necessários à realização desses mesmos comportamentos (Bandura, 1997; Weng, Dai, Wang, Huang, & Chiang, 2008). No contexto da prestação de cuidados, a autoeficácia percebida refere-se à crença de ser capaz de lidar, adequadamente, com problemas específicos de saúde/desenvolvimento, problemas estes que podem surgir num determinado momento do ciclo de vida (Pinquart & Sorensen, 2006).

No contexto das transições de vida potencialmente stressantes, como, por exemplo, a transição para o exercício do papel de cuidador, as crenças de autoeficácia podem servir como recurso pessoal ou um fator de vulnerabilidade (Bandura, 1997). A supervisão do papel exercido pelos familiares cuidadores (FC), após o regresso a casa do dependente, deve ser um aspeto central do exercício profissional dos enfermeiros. Assim, as terapêuticas de enfermagem visam facilitar o processo de aquisição do papel e passam por desenvolver a capacitação e dar suporte aos FC (Schumacher, Stewart, Archbold, Dodd, & Dibble, 2000; Shyu, 2000; Shyu, Chen, Chen, Wang, & Shao, 2008). Na transição para o exercício do papel de cuidador, é crucial que os enfermeiros sejam capazes de identificar as competências dos familiares acerca das necessidades de cada situação específica, às quais terão de dar resposta eficaz na assunção do papel. A natureza do envolvimento, os cuidados a assegurar, as mudanças a efetuar e o período de tempo de todo este processo, terão de ser foco de atenção dos enfermeiros. O elogio das competências dos FC reforça-lhes a autoeficácia e, assim, sentem-se mais competentes para poderem lidar com os desafios (Mok, Chan, Chan, & Yeung, 2002).

A construção de autoeficácia por parte dos indivíduos na execução das tarefas tem apelado, consideravelmente, a uma organização teórica e de investigação que permita o desenvolvimento de instrumentos de medida nesta área (Crncec, Barnett, & Matthey, 2008). Schumacher et al. (2000), através da concretização de estudos, identificaram nove "processos de cuidar" (competências), associados habilidade dos FC para assegurar os cuidados necessários ao dependente (Quadro_1). Assim, concetualmente, o papel de prestador de cuidados foi definido como a habilidade do familiar para se envolver eficaz e progressivamente nos nove "processos de cuidar" (Schumacher et al., 2000).

O FC torna-se competente quando consegue obter os melhores resultados possíveis dos cuidados que presta, como uma adequada gestão dos sinais e sintomas, a prevenção de lesões, a identificação precoce de problemas, entre outros.

Estudos referem a existência de diferentes fases na adaptação ao exercício do papel de prestador de cuidados ao longo do tempo, das quais, decorrem diferentes necessidades no processo de transição do hospital para o domicílio até o FC atingir um padrão estável de cuidar (Schumacher et al., 2000; Shyu, 2000). O estudo apresentado neste artigo teve como objetivo conhecer a evolução da perceção de autoeficácia dos familiares cuidadores (PAE FC) para tomar conta, nos primeiros três meses após o regresso a casa do dependente.

Metodologia Tipo de estudo: utilizando uma metodologia de perfil quantitativo, foi desenvolvido um estudo descritivo e exploratório, numa perspetiva longitudinal.

Amostra: partindo de uma população acessível de 273 pessoas dependentes internadas em seis hospitais da região norte de Portugal, a amostra deste estudo (de conveniência) é constituída por 117, 115 e 123 FC, avaliados, respetivamente, no (M1), (M2) e (M3) mês após a alta hospitalar da pessoa dependente.

Assim, apenas foram incluídos no presente estudo os FC dos dependentes que se encontravam no domicílio nos três momentos de avaliação, uma vez que o "destino" destes (273 casos) após a alta hospitalar ao longo dos três meses do estudo foram: 1) unidades de internamento da Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados, 2) domicílio, 3) lares, 4) famílias de acolhimento e, por último, 5) reinternamento hospitalar, quando se verificava o agravamento da sua condição de saúde. Instrumento de recolha de dados/Procedimento de recolha de dados: foi aplicado o formulário "Famílias que integram dependentes no autocuidado" nos três momentos de avaliação (M1, M2 e M3). Relativamente ao objeto de estudo reportado neste artigo, este instrumento de recolha de dados engloba subescalas de PAE FC, construídas por: ·         Domínios do autocuidado (International Council of Nursing [ICN], 2005), especificamente: "tomar banho", "vestir-se/despir-se", "alimentar-se", "usar o sanitário", "virar-se", "transferir-se", "andar" e "tomar a medicação" (oito subescalas); ·         Domínios dos "processos de cuidar" definidos por Schumacher et al.

(2000), especificamente: "monitorizar/interpretar", "decidir", "agir", "providenciar cuidados", "ajustar", "aceder a recursos", "trabalhar com a pessoa cuidada" e "negociar com o sistema de saúde" (oito subescalas).

Para cada momento de avaliação (M1, M2 e M3) foi computada uma variável intervalar para o cálculo da média de PAE FC para cada domínio de autocuidado e dos "processos de cuidar" da totalidade dos participantes. Após este cálculo esta variável intervalar foi reconvertida numa variável ordinal (PAE FC Global) de acordo com os quatro intervalos equidistantes definidos (1-1,75 = "incompetente"; de 1,75 a 2,5 = "pouco competente"; de 2,5 a 3,15 = "medianamente competente"; de 3,15 a 4 = "muito competente").

A recolha dos dados foi efetuada entre agosto de 2010 e março de 2011. Em M1 e M2 a recolha de dados foi realizada por entrevista telefónica entre o investigador e o FC. Em M3, a entrevista foi efetuada por contacto presencial em contexto domiciliar. Relativamente à escala global da PAE FC para tomar conta utilizada ficou demonstrada a sua boa consistência interna. O valor do Coeficiente Alfa de Cronbach apurados em M1 foi (α=0,861); em M2 (α=0,894) e, por último; em M3 (α=0,895). O tratamento estatístico dos dados foi realizado com recurso ao programa SPSS, versão 18,0. Considerações éticas: foram acautelados os procedimentos éticos necessários com vista à proteção dos direitos, da confidencialidade e da dignidade dos participantes.

Resultados O Gráfico_1 mostra-nos a evolução positiva na PAE FC Global, situando-se esta média entre "medianamente competente" (M1=3,03; M2=3,05) e "muito competente" (M3=3,21). No entanto, verifica-se que este ganho de PAE FC é mais visível entre o e o momento de avaliação (M2 e M3).

O Gráfico_2 mostra a evolução da média de PAE FC por domínios de autocuidado ao longo dos três momentos de avaliação. O domínio onde se constata uma evolução positiva mais acentuada na PAE FC entre M1 e M3 reporta-se ao "usar o sanitário" (M1=2,84 "medianamente competente" e M3=3,16 "muito competente").

No domínio "andar" os FC apresentam a média mais elevada de PAE nos três momentos de avaliação, acompanhado de "tomar banho", "vestir-se/despir-se" e "alimentar-se". Apesar de se verficar uma evolução positiva na PAE FC no autocuidado "virar-se", "usar o sanitário", "tomar a medicação" e "transferir- se", entre M1 e M3, são os domínios que apresentam os scores mais baixos de PAE FC.

Relativamente à média de PAE FC para tomar conta em função dos "processos de cuidar" (Gráfico_3), verificamos que aqueles em que se obteve uma evolução mais positiva ao longo dos três momentos de avaliação  foram "negociar com o sistema de saúde" (M1=2,95 "medianamente competente"; M3=3,27 "muito competente"); e "trabalhar com a pessoa cuidada" (M1=2,53 e M3=2,94 "medianamente competente").

A PAE FC para "agir", "monitorizar" e "providenciar cuidados", apresentam-se como os domínios em que os FC referem sentir-se, globalmente, mais competentes ao longo dos três meses em que ocorreu o estudo, comparando com os restantes "processos de cuidar". Em paralelo, "trabalhar com a pessoa cuidada", "ajustar" e "aceder a recursos", são os domínios onde se verifica ao longo do estudo as médias de PAE FC mais baixas.

Discussão No global, a análise dos resultados deste estudo revela uma evolução positiva na PAE FC quer nos domínios do autocuidado, quer nos domínios dos "processos de cuidar". Esta evolução positiva é mais acentuada entre M2 e M3. Vários estudos referem que após um período de maior indefinição e dificuldade na assunção do papel de cuidador, que coincide com o período imediato ao regresso a casa do dependente, segue-se uma fase de maior estabilidade, relacionado com maior aquisição de mestria por parte do FC, o que lhe permite percecionar maior sentido de competência para cuidar (Schumacher et al., 2000; Schumacher et al., 2008; Shyu, 2000; Shyu et al., 2008).

Os familiares cuidadores, quando questionados sobre a sua perceção de competência acerca das atividades necessárias para o exercício do papel, parecem focalizar-se, sobretudo, nos cuidados que, na sua perspetiva, são mais importantes de assegurar. Daí, resulta que uma construção mental da natureza do papel a exercer que determina a sua ação. Assim, parece-nos evidente que a maior atribuição de importância a determinados cuidados está associada uma maior PAE FC.

No presente estudo, parece-nos que os FC atribuem maior importância na assistência em atividades associadas a domínios do autocuidado como "andar", "vertir-se/despir-se", "alimentar-se" e "tomar banho", considerando-as fundamentais para a vida dos dependentes, assim como, as atividades associadas a "agir", "monitorizar" e "providenciar cuidados". Em paralelo, os resultados evidenciam menor perceção de competência por parte dos FC em domínios do autocuidado como, "virar-se", "usar o sanitário", tomar a medicação" e "transferir-se", assim como, em relação aos "processos de cuidar" nos domínios "aceder a recursos", "ajustar" e "trabalhar com a pessoa cuidada".

Assim, questionamos: 1) implicarão estas áreas pela sua natureza, onde os FC revelam menor PAE, um conjunto de atividades de maior intensidade e complexidade para a sua execução, exigindo maior aprendizagem dos FC e maior suporte profissional por parte das equipas de enfermagem no domicílio? 2) estes resultados estarão relacionados com um menor grau de importância atribuído pelos FC a estas atividades e, deste modo, menores implicações percecionadas relativamente à segurança, saúde e bem-estar dos dependentes, traduzindo-se, deste modo, num menor investimento da sua parte na aquisição de um nível mais elevado de competências? Neste sentido, Schumacher et al. (2000) referem-se ao "significado pessoal" atribuído ao cuidado por parte do FC, sendo determinante para a qualidade do exercício do papel.

Das médias mais baixas de PAE FC ao longo dos momentos de avaliação deste estudo, verifica-se no domínio "aceder a recursos". Parece demonstrar as dificuldades dos familiares na obtenção de informação que lhes possa facilitar a aquisição dos recursos necessários para a prestação de cuidados, incluindo as informações, os equipamentos, a assistência dos serviços da comunidade, a ajuda nas tarefas domésticas e a assistência nos cuidados pessoais (Schumacher et al., 2000). Advogar o acesso e a utilização dos recursos necessários aos FC é uma intervenção crucial dos enfermeiros na transição para o exercício do papel de prestadores de cuidados por parte dos familiares.

Conclusões Apesar das dificuldades com que se deparam no exercício do papel, de um modo geral, os FC atribuem importância aos desafios que se vão colocando  ao longo do tempo e vão desenvolvendo estratégias por forma a adaptarem-se com eficácia, demonstrando um sentido de competência positivo. Todavia, parte significativa dos cuidados que os dependentes necessitam e que são assegurados pelos FC revestem-se de grande complexidade e intensidade, apontando, deste modo, para a grande relevância do suporte em cuidados de enfermagem, facilitadores das transições saudáveis desta população-alvo.

Implicações para a Prática Clínica Os resultados deste estudo apontam para a necessidade e os benefícios da definição e implementação de programas de educação e apoio efetivo aos FC, tendo em conta o "significado pessoal" atribuído ao cuidado, as suas expectativas, as suas necessidades e os recursos disponíveis, promovendo progressivamente a sua capacitação, com ênfase no período imediato à alta hospitalar.


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