Planeamento da gravidez na adaptação à transição para a maternidade de grávidas
infectadas pelo VIH
Introdução
A transição para a maternidade/parentalidade constitui-se como um importante
marco na vida de uma mulher, bem como de um casal ou família, desafiando
equilíbrios previamente estabelecidos1 e comportando múltiplas exigências para
as novas mães, particularmente quando a gravidez não é planeada.2
A informação relativa à intenção de engravidar tem sido usada essencialmente
para estimar a prevalência das gravidezes não planeadas, com o objectivo de
implementar medidas de planeamento familiar.3 Estas gravidezes demonstraram
estar associadas a custos individuais e sociais,4 assim como a efeitos no
comportamento da mãe durante a gravidez, no resultado da gravidez e no
desenvolvimento do bebé.5-6 Assumindo que a percepção que uma mulher tem da sua
gravidez é um dos mais importantes factores com implicações na sua saúde e bem-
estar,7 alguns autores têm associado o planeamento da gravidez à adaptação
materna à gravidez8 e ao puerpério.9-11 De facto, a evidência demonstra que as
mulheres que não planearam a gravidez têm taxas mais elevadas de depressão,
ansiedade e outros quadros psicopatológicos,8,12-15 havendo embora estudos que
não encontraram qualquer associação16 ou que apresentaram resultados
inconclusivos.17 Os estudos, no entanto, têm sido principalmente conduzidos em
populações saudáveis, sendo escassos os estudos que associam a variável
infecção por vírus da imunodeficiência humana (VIH) à adaptação psicológica na
transição para a maternidade.16
No contexto da infecção VIH, o planeamento da gravidez, enquadrado no processo
de tomada de decisão reprodutiva mais alargado, tem sido bastante estudado,
ainda que essencialmente no contexto biomédico e, em concreto, reportando-se à
decisão de prosseguimento ou interrupção da gravidez. Do ponto de vista
psicossocial, uma vasta gama de estudos tem-se centrado na constelação de
factores determinantes na decisão de engravidar ou não engravidar ou de
prosseguir ou interromper a gravidez,18-22 embora poucos tenham avaliado a
forma como esta decisão influencia a adaptação na transição para a maternidade.
Os resultados de um estudo nacional exploratório conduzido por Pereira e
Canavarro23 sugerem uma influência significativa do planeamento da gravidez na
adaptação ao pós-parto das mães seropositivas, na dimensão psicopatológica da
depressão e nas emoções de ansiedade, culpa e tristeza. Concretamente, são as
mulheres cuja gravidez não foi planeada que apresentam valores mais elevados
nestes indicadores. Mais recentemente, um estudo conduzido no Canadá,24 com o
objectivo de analisar a prevalência e correlatos das gravidezes não planeadas
em mulheres infectadas pelo VIH, mostrou que estas se encontravam menos felizes
quando a gravidez não tinha sido planeada.
Face ao exposto, o objectivo deste estudo consistiu em avaliar a influência do
planeamento da gravidez na adaptação individual na transição para a maternidade
em grávidas infectadas pelo VIH, comparativamente a grávidas sem patologia
médica associada. No presente estudo estabelecemos como hipótese que as
mulheres que não planearam a gravidez (quer seropositivas, quer sem risco
médico associado) tenderão a manifestar maiores dificuldades de adaptação
durante o período da gravidez. Colocámos ainda a hipótese de que a associação
entre a ausência de planeamento da gravidez e as dificuldades de adaptação
seria mais forte nos dias subsequentes ao parto.
Métodos
O desenho do estudo foi observacional, transversal e analítico. O recrutamento
das participantes foi realizado entre Abril de 2003 e Maio de 2008, nos
serviços de Obstetrícia da Maternidade Doutor Daniel de Matos – Área de Gestão
Integrada de Saúde Materno-Fetal dos Hospitais da Universidade de Coimbra e na
Maternidade Doutor Alfredo da Costa (Lisboa). Foi usada uma técnica de
amostragem não probabilística, por conveniência: as grávidas VIH convidadas a
participar foram todas as inscritas na Consulta de Obstetrícia-Infecciosas; as
grávidas sem VIH foram consecutivamente recrutadas enquanto aguardavam pela
consulta de Obstetrícia na Maternidade.
As grávidas infectadas pelo VIH que constituem a amostra recrutada na
Maternidade Doutor Daniel de Matos foram avaliadas individualmente pelo
primeiro autor do presente estudo. O recrutamento da amostra na Maternidade
Alfredo da Costa foi efectuada por duas psicólogas clínicas do Departamento de
Psicologia da mesma maternidade e as grávidas sem VIH foram avaliadas por duas
psicólogas da Unidade de Intervenção Psicológica da Maternidade Doutor Daniel
de Matos. A recolha de dados em cada local obedeceu rigorosamente aos mesmos
procedimentos.
Para a recolha de dados, foi feito previamente um pedido de colaboração
voluntária no estudo, explicada a natureza e os objectivos do mesmo, garantida
a confidencialidade e o anonimato das respostas aos questionários e assinado o
consentimento informado, previamente aprovado pela Comissão de Ética do
Conselho de Administração dos Hospitais da Universidade de Coimbra e pela
Comissão de Ética da Maternidade Doutor Alfredo da Costa.
A recolha de dados foi realizada com base em duas entrevistas pessoais: uma no
2.o trimestre de gravidez e outra dois a quatro dias após o parto. Da primeira
entrevista faziam parte uma ficha de dados sociodemográficos, duas grelhas de
informação clínica e três questionários de auto-preenchimento relativos aos
indicadores de adaptação considerados. Da segunda entrevista fazia parte uma
grelha de informação clínica sendo os três questionários relativos aos
indicadores de adaptação aplicados uma segunda vez.
Relativamente às grelhas de informação clínica, uma primeira, de natureza
obstétrica, incidia sobre os antecedentes obstétricos e a actual gravidez; uma
segunda, aplicada apenas às grávidas VIH, dizia respeito à história médica da
infecção por VIH, compreendendo os seguintes dados: duração da infecção; tempo
de conhecimento; contexto de realização do teste VIH; categoria de transmissão;
condição serológica do companheiro; e, no caso de ter filhos anteriores à
actual gravidez, dados sobre o conhecimento da infecção no momento em que
engravidou e a situação médica actual do(s) filho(s). A ficha clínica usada no
segundo momento de avaliação incluía dados relativos ao parto e ao recém-
nascido.
Os questionários usados como indicadores de adaptação foram o Brief Symptom
Inventory, o Emotional Assessment Scale e o World Health Organization Quality
of Life. O Brief Symptom Inventory (BSI) é um inventário de avaliação de
sintomas psicopatológicos,25 no qual o indivíduo classifica o grau em que cada
problema o afectou durante a última semana. O BSI avalia sintomatologia
psicopatológica em termos de nove dimensões básicas de psicopatologia
(Somatização; Obsessões-compulsões; Sensibilidade interpessoal; Depressão;
Ansiedade; Hostilidade; Ansiedade fóbica; Ideação paranóide; e Psicoticismo) e
três índices globais (Índice Geral de Sintomas; Total de Sintomas Positivos; e
Índice de Sintomas Positivos). Este último índice é considerado por Canavarro26
como o melhor discriminador entre indivíduos da população geral e aqueles que
apresentam perturbações emocionais.
A Emotional Assessment Scale (EAS) tem como objectivo medir a reactividade
emocional.27-28 A EAS é constituída por 24 itens, que correspondem a descrições
de emoções consideradas fundamentais (Medo, Felicidade, Ansiedade, Culpa,
Cólera, Surpresa e Tristeza), sendo especialmente útil na medida de níveis
momentâneos e de mudança de emoções.
O World Health Organization Quality of Life, versão abreviada (WHOQOL-Bref) é
um instrumento de avaliação da qualidade de vida,29-30 composto por 26 itens e
organizado em quatro domínios: Físico, Psicológico, Relações sociais e
Ambiente.
Na análise estatística dos dados foi utilizado o programa estatístico SPSS
(Statistical Package for the Social Sciences– versão 17.0). Numa primeira fase,
para a caracterização sociodemográfica da amostra e dos diferentes grupos que a
compõem recorremos à estatística descritiva, incluindo frequências relativas,
médias (M) e desvios-padrão (DP). Com o objectivo de averiguar a existência de
diferenças entre os dois grupos de estudo relativamente aos indicadores de
adaptação mencionados, recorremos à estatística inferencial. Neste sentido, e
quando as comparações se baseavam nas nove dimensões do BSI, nas sete emoções
da EAS ou nos quatro domínios do WHOQOL-Bref, recorremos ao procedimento de
análise multivariada da variância (MANOVA), concretamente à 2 X 2 MANOVA, em
que as variáveis independentes foram a infecção VIH e o planeamento de gravidez
(planeada versus não planeada). Para análise da associação entre o planeamento
de gravidez (variável dicotómica e discreta) e os indicadores de adaptação no
pós-parto recorremos à correlação point biserial. Os testes estatísticos com
probabilidades inferiores a 0,05 foram considerados estatisticamente
significativos. A magnitude dos efeitos foi analisada através do d de Cohen e o
V de Cramer, adoptando as convenções seguintes: efeito pequeno: d de Cohen
≥0,20, V de Cramer ≥0,01; efeito médio: d de Cohen ≥0,50, V de Cramer ≥0,03;
efeito grande: d de Cohen ≥0,80, V de Cramer ≥0,05).31
Resultados
Um total de 105 grávidas (52 infectadas pelo VIH e 53 cuja gravidez não tinha
associada qualquer condição médica) foi inicialmente contactado e todas
aceitaram participar. Cinco grávidas VIH optaram pela interrupção da gravidez,
47 preencheram o protocolo de avaliação no 2.o trimestre de gravidez e, destas,
31 participaram na avaliação após o parto. Neste grupo com VIH, a razão mais
frequente para a não participação na avaliação após o parto foi a realização do
parto numa outra Maternidade. Do total de contactadas, 51 grávidas sem VIH
preencheram o protocolo de avaliação no 2.o trimestre de gravidez e 44 no pós-
parto.
As participantes tinham uma idade média de cerca de 29 anos e uma escolaridade
média de 11 anos. No que respeita às variáveis reprodutivas, a gravidez foi
planeada por 38,6% das mulheres seropositivas para o VIH e por 84,3% das
mulheres saudáveis. De assinalar ainda que os dois grupos se distinguiam
significativamente no que respeita ao planeamento da gravidez [χ2 (1) = 21,18;
p = 0,001, V de Cramer = 0,47]. No Quadro_I, apresentam-se as informações
relativas às características sociodemográficas e paridade dos dois grupos.
Na análise comparativa das grávidas com e sem VIH, verificou-se que os dois
grupos eram equivalentes em termos de idade, estado civil e paridade, mas
apresentavam diferenças estatisticamente significativas em termos de anos de
escolaridade, nível socioeconómico e situação profissional (cf. Quadro_I). Como
se pode verificar, as grávidas VIH tinham maior probabilidade de ter menos anos
de escolaridade (d de Cohen = – 0,70), estar desempregadas (V de Cramer = 0,40)
e pertencer a um nível socioeconómico mais baixo (V de Cramer = 0,32).
No que respeita às características associadas à infecção por VIH, apresentamos
alguns dados adicionais (cf. Quadro_II). Nas grávidas VIH a principal
circunstância conducente à realização do diagnóstico de infecção por VIH foi a
gravidez (actual ou anterior), tendo o diagnóstico ocorrido durante a rotina
pré-natal em 51,1% dos casos. No que se reporta às vias de transmissão, as
relações sexuais foram a principal causa de infecção para a maioria das
mulheres (63,8%). Por fim, em relação ao planeamento da gravidez face ao
conhecimento do estado serológico, a maioria não planeou a gravidez, ainda que
17,8% das mulheres tenha planeado a gravidez conhecendo o seu estado serológico
de seropositividade.
Adaptação individual à gravidez
Os valores médios nos indicadores de adaptação avaliados no primeiro momento de
avaliação constam do Quadro_III. Pela análise do Quadro_III podemos verificar
que as grávidas VIH obtêm, em todos os indicadores onde se registaram efeitos
estatisticamente significativos, resultados superiores aos das grávidas
saudáveis. No que se prende com o planeamento da gravidez, as mulheres que não
planearam a gravidez apresentam, em termos gerais, resultados mais elevados nos
indicadores de natureza negativa, sendo que apenas no domínio de qualidade de
vida «Relações sociais» se observou um efeito estatisticamente significativo,
tendo sido marginalmente significativo relativamente à emoção «Tristeza» (p =
0,051). Nesta emoção, a média foi superior entre as grávidas seropositivas para
o VIH [M = 35,71 versus M = 23,04]. Em relação às dimensões de sintomatologia
psicopatológica, nenhum efeito se mostrou estatisticamente significativo, com
excepção do efeito grupo no Índice de Sintomas Positivos, F (1, 89) = 4,91; p =
0,029. Neste índice, a média foi mais elevada entre as mulheres infectadas por
VIH [M = 1,67 versus M = 1,41].
Atendendo aos resultados expressos no Quadro_III, podemos observar a ausência
de efeitos de interacção significativos na maioria dos indicadores, o que
permite constatar que o padrão de associação destes indicadores com o
planeamento da gravidez é semelhante para as grávidas infectadas pelo VIH e
para as grávidas sem condições médicas associadas. Porém, podemos verificar a
existência um efeito de interacção estatisticamente significativo para a emoção
«Surpresa» [F (1, 89) = 4,16; p = 0,044]. Concretamente, as grávidas sem VIH
que não planearam a gravidez pontuam nesta emoção mais do que as que a
planearam, padrão que não se observou nas grávidas VIH, já que uma maior
pontuação nesta emoção se registou entre as mulheres que planearam a gravidez.
Adaptação individual ao pós-parto
Relativamente ao grupo de grávidas infectadas pelo VIH, foram encontradas duas
diferenças estatisticamente significativas: para a dimensão psicopatológica
«Depressão» (p = 0,010) e para a emoção «Tristeza», (p = 0,030). Concretamente,
as mulheres seropositivas para o VIH que não planearam a gravidez encontravam-
se mais tristes e deprimidas nos dias subsequentes ao parto. Em relação às
grávidas sem VIH não se registaram diferenças estatisticamente significativas,
com excepção da emoção «Culpa», mais elevada entre as mulheres que não
planearam a gravidez (p = 0,045).
Adicionalmente a estes resultados, procurámos verificar a existência de
associação entre o planeamento da gravidez e a adaptação ao nascimento do bebé.
Globalmente, os resultados mostram que o não planeamento da gravidez se associa
a maior sintomatologia psicopatológica, maior reactividade negativa e menor
percepção de qualidade de vida (cf. Quadro_IV).
Discussão
No presente estudo procurámos verificar a associação entre o planeamento de
gravidez e a adaptação à gravidez e ao nascimento de um filho em grávidas
seropositivas para o VIH comparativamente com grávidas sem patologia médica
associada.
Globalmente, os nossos resultados não nos permitiram confirmar a hipótese de
que uma gravidez não planeada influencia negativamente a adaptação materna à
gravidez. Com efeito, em relação a esta variável, foi apenas encontrado um
efeito deste factor, no domínio de qualidade de vida «Relações sociais». De
forma geral, as mulheres cuja gravidez foi planeada (de ambos os grupos de
estudo) reportam melhores índices de adaptação, ainda que nas grávidas VIH os
resultados não se tenham mostrado tão consistentes. No entanto, a inexistência
de efeitos significativos de interacção entre as variáveis grupo e planeamento
de gravidez mostra que o padrão de associações entre o planeamento da gravidez
e os indicadores de adaptação é independente da presença de infecção por VIH.
De assinalar, no entanto, que no total dos indicadores, na reactividade
emocional foi registado um efeito de interacção entre o planeamento de gravidez
e a existência de infecção VIH. Em particular, as grávidas seropositivas para o
VIH que planearam a gravidez apresentam valores mais elevados na emoção
«Surpresa», ainda que a diferença apenas tenha sido marginalmente
significativa. Numa tentativa de melhor compreender estes resultados, análises
adicionais mostraram que este resultado superior na emoção «Surpresa» se deve
ao momento do diagnóstico. Com efeito, maior «Surpresa» registou-se entre as
grávidas cujo diagnóstico ocorreu durante a actual gravidez, comparativamente
quer ao grupo de grávidas com diagnóstico anterior, quer ao grupo de grávidas
sem VIH. Nenhuma destas diferenças se mostrou estatisticamente significativa,
ainda que em comparação com as grávidas em VIH a diferença tenha sido
marginalmente significativa.
No segundo momento de avaliação, entre as mulheres infectadas por VIH, foram
encontradas diferenças na dimensão «Depressão» e na emoção «Tristeza», que se
revelaram mais elevadas entre as mulheres infectadas pelo VIH que não planearam
a gravidez. Este resultado está de acordo com o reportado recentemente por
Loutfy et al.,24 que verificaram menores valores na «Felicidade» quando a
gravidez não foi planeada. Ainda de acordo com a hipótese colocada, as
correlações encontradas em relação aos resultados de adaptação no pós-parto
revelam que o não planeamento da gravidez se encontra associado a maior
sintomatologia psicopatológica, menor percepção de qualidade de vida e, de
forma mais acentuada, a maior reactividade emocional negativa, em particular
«Ansiedade», «Culpa» e «Tristeza». Estes resultados estão globalmente em
consonância com os resultados apontados na meta-análise de Beck13 e nos estudos
de Cheng et al.14 e Najman, Morrison, Williams, Andersen e Keeping,12
nomeadamente de que o não planeamento da gravidez se encontra
significativamente associado a maior probabilidade de depressão pós-parto. São
ainda parcialmente consistentes com o estudo de Schawrz et al.,15 que
registaram menor qualidade de vida entre as mulheres que não planearam a
gravidez. São, no entanto, distintos de um estudo conduzido no Canadá,16 que
não demonstrou qualquer associação entre gravidez não planeada e distress
psicológico materno. Esta diferença poderá estar relacionada com diferenças
culturais da nossa amostra, mas também pelas opções metodológicas dos autores,
que analisaram a associação entre estas variáveis em função dos grupos etários
(idade inferior e superior a 30 anos).
No cômputo geral, estes dados corroboram a literatura científica que sublinha
que uma gravidez planeada, ao contrário de uma gravidez não planeada, pressupõe
uma motivação e uma decisão prévia pela maternidade.32 Donde, o desejo de
querer ter um filho pode conduzir a uma melhor adaptação às mudanças que este
período tem subjacente. Por outro lado, tendo em consideração que o nascimento
de um filho está associado a mudanças de variadas naturezas e, como mudança que
representa, pode implicar stresse,33 os dados obtidos podem de igual forma
significar um maior confronto com os desafios inerentes a esse mesmo
nascimento, nomeadamente pelas mudanças, reorganizações (por exemplo, a nível
individual, do casal e familiar) e responsabilidades que acarretam.
O presente estudo adiciona à literatura existente a importância de considerar
os determinantes reprodutivos na adaptação na transição para a maternidade, em
particular o planeamento da gravidez. No entanto, não se encontra isento de
limitações. Em primeiro lugar, as limitações impostas pela amostragem por
conveniência devem ser consideradas. Este procedimento pode implicar um viés na
selecção da amostra, ainda que a consulta da Maternidade Doutor Daniel de Matos
receba utentes de diversos pontos do país, embora predominantemente da região
Centro. Neste sentido, tal procedimento não permite assegurar a
representatividade da amostra, limitando, por conseguinte, a generalização dos
resultados. Uma segunda limitação diz respeito ao tamanho da amostra, que
limita as conclusões do presente estudo, mas também o poder para detectar
diferenças (efeitos pequenos). Adicionalmente, a baixa taxa de resposta na
avaliação após o parto, em particular nas grávidas VIH, e apesar dos nossos
esforços, é uma importante limitação a ter em consideração. Deste modo, grupos
de maiores dimensões (e mais semelhantes em termos de características
sociodemográficas) poderiam fornecer informações mais adequadas sobre a
adaptação na transição para a maternidade em circunstâncias diferentes, isto é,
em contextos normativos e contextos de risco, de forma a melhor compreender,
separadamente, as trajectórias de adaptação ao longo da gravidez.
Uma outra limitação a referir é o facto de ter sido usado um número
considerável de testes estatísticos sem terem sido definidas previamente
variáveis principais e secundárias nem ter sido feita qualquer correcção para
os múltiplos testes realizados. A realização de múltiplos testes, aumentando a
probabilidade de um ou mais dos resultados ser devido ao acaso, deixa de nos
permitir interpretar valores de p inferiores a 0,05 como necessariamente
significativos.
Dados os objectivos centrais do presente estudo, não podemos deixar de
responder à inevitável questão sobre as suas implicações práticas (clínicas)
dos resultados obtidos, bem como alertar para a premência que o planeamento
familiar e a vigilância pré-natal podem assumir no contexto particular da
infecção por VIH. Esta vigilância tem sido entendida como um componente
insubstituível da saúde materna e do desenvolvimento do bebé e é uma das áreas
de intervenção prioritária do Plano Nacional de Saúde.34 Neste contexto, é
ainda de grande importância que não se ignorem as mulheres não grávidas. Como
advogam o American College of Obstetrics and Gynecology e o Institute of
Medicine, todas as mulheres em idade reprodutiva devem receber aconselhamento
VIH pré-concepção e a todas as grávidas deve ser oferecido o teste VIH como
parte integrante da rotina médica primária, independentemente dos factores de
risco e da taxa de prevalência na comunidade. Nesta linha, os planos de
gravidez e maternidade devem também ser discutidos também com as mulheres não-
grávidas infectadas, para que estas possam tomar decisões informadas e
ponderadas.
Estudos futuros, com amostras de maior dimensão e com mais momentos de
avaliação (por exemplo, até seis meses após o parto) poderão contribuir para
uma compreensão mais clara do processo de adaptação na transição para a
maternidade subjacente a uma gravidez não planeada. Por fim, entendemos também
que outras variáveis poderiam ser consideradas neste estudo (e.g., gravidezes
não planeadas anteriores; história de interrupções; número de filhos;
planeamento individual ou do casal; condições socioeconómicas, etc.). Partindo
da noção de que os efeitos de uma gravidez não planeada podem variar
consideravelmente entre as mulheres, uma consideração ecológica, isto é, de
diferentes contextos de influência, poderá permitir uma melhor investigação
sobre esses mesmos efeitos em termos de ajustamento emocional e,
adicionalmente, providenciar medidas mais fiáveis e válidas, que possam ser
utilizadas para reforçar políticas e reforçar programas de planeamento
familiar.