Efetividade da vacina antigripal na época 2010-2011 em Portugal: resultados do
projeto EuroEVA
Introdução
Anualmente o vírus da gripe é responsável por epidemias que afetam as
populações humanas, originando infeções respiratórias normalmente benignas mas
que podem ter repercussões elevadas na saúde dos indivíduos. Em termos de
impacto, estima-se que as epidemias de gripe sejam responsáveis por excessos de
consultas em cuidados primários, que podem variar entre 0,4% (Portugal)1 e
1,4%2 (Holanda) da população geral. Igualmente de referir são os efeitos da
gripe no funcionamento dos serviços de saúde, no tratamento de complicações da
gripe, bem como o impacto económico decorrente de um grande número de casos com
diagnóstico leve a moderado que resulta em absentismo laboral e escolar e
consequente perda de produção.3
Em Portugal, o Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge (INSA) calculou,
com base na rede Médicos--Sentinela, que a percentagem de indivíduos da
população idosa que desenvolvem síndroma gripal por época variou entre 1,8% e
6,0%, no período de 1998-99 a 2006-07.4 Adicionalmente estima-se que as
epidemias de gripe sazonal estejam associadas a um excesso médio de anual de
24,7 óbitos por 100.000 habitantes, dos quais 90% correspondem a indivíduos com
65 ou mais anos de idade.5
Grupos específicos da população têm um risco elevado de complicações devidas à
infeção pelo vírus influenza. Pertencem ao grupo de alto risco os indivíduos
com 65 e mais anos de idade, bem como aqueles que sofrem de doenças crónicas,
nomeadamente de diabetes, doença cardiovascular, doença hepática crónica,
doença renal crónica, doença respiratória crónica e os imunocomprometidos. A
vacinação antigripal anual no Outono é recomendada para estes grupos na maioria
dos países da União Europeia, pois corresponde a uma das principais medidas de
mitigação da gripe, sendo reconhecido o seu papel na redução do risco de
contágio da doença e de ocorrência das respetivas complicações.6-8
A constante evolução dos vírus influenza obriga à reformulação da composição da
vacina em cada ano.9 A efetividade da vacina antigripal deve, assim, ser
estimada anualmente no início da época de vigilância da gripe e monitorizada ao
longo do período epidémico (ou eventual período pandémico).
A estimativa da efetividade da vacina antigripal reveste-se de grande
importância, pois pode influenciar decisões na recomendação da vacina,
identificar segmentos da população onde a efetividade é menor, identificar e
responder a casos de falha da vacina e ainda contribuir para a avaliação dos
efeitos adversos após vacinação.10
Neste contexto, o INSA tem participado desde 2008 no projecto europeu
multicêntrico (I-MOVE – “Monitoring influenza vaccine efectiveness during
influenza seasons and pandemics in the European Union”).11,12 Este projecto,
coordenado pela EpiConcept SARL e financiado pelo European Centre for Disease
Prevention and Control, tem como objetivo estimar a efectividade da vacina
antigripal sazonal e pandémica durante e após cada época de gripe. O projecto
I-MOVE é formado por um consórcio de 20 institutos de saúde pública europeus,
11 dos quais se encontram a desenvolver estudos de efetividade da vacina
antigripal.
No âmbito deste projeto europeu, foram implementados estudos com diferentes
delineamentos (coorte, caso-controlo e método screening).13 No que respeita aos
estudos caso-controlo, os países participantes desenvolveram e aplicaram
anualmente um protocolo de investigação comum14 permitindo, assim, no contexto
de um estudo multicêntrico, o cálculo de uma estimativa comum da efectividade
da vacina.
A componente portuguesa do estudo I-MOVE tomou a designação de “EuroEVA” e
iniciou-se na época 2008-09 com um estudo piloto que visava avaliar a
adequabilidade do desenho caso-controlo, com diferentes grupos de controlo, no
estudo da efetividade da vacina antigripal sazonal em individos com 65 e mais
anos.15 Os resultados obtidos demonstraram a exequibilidade do delineamento
utilizado embora a dimensão da amostra recrutada no âmbito do projecto EuroEVA
fosse reduzida e só permitisse obter estimativas da efetividade da vacina com
intervalos de confiança muito amplos.16,17 No entanto, a conjugação dos
resultados obtidos no contexto do estudo caso-controlo multicêntrico (Portugal,
Espanha, Dinamarca, Hungria e Roménia) permitiu estimar a EV antigripal nos
indivíduos com 65 ou mais anos de idade em 59% (IC95%, 15% a 80%), ajustada
para efeitos de confundimento.18
Durante a época de gripe de 2009-2010, o protocolo comum foi melhorado e
implementado em Portugal através do EuroEVA. O objetivo foi estimar não só a
efetividade da vacina contra a gripe sazonal mas também contra a gripe
pandémica, respetivamente, para os idosos (65 e mais anos) e para todas as
idades. Naquela época, no âmbito do projecto EuroEVA, não foi possível estimar
a EV pandémica ou sazonal em Portugal uma vez que no estudo não ocorreram
falhas da vacina.19 No entanto, no âmbito do estudo caso-controlo multicêntrico
(Portugal, Espanha, Irlanda, França, Itália, Hungria e Roménia) obteve-se uma
estimativa da EV pandémica de 72% (IC95%, 46% a 86%) contra a gripe confirmada
laboratorialmente.20
Para a época 2010-11, o projecto I-MOVE voltou a lançar o estudo caso-controlo
multicêntrico, contando com a participação de Portugal, Espanha, Itália,
França, Polónia, Hungria, Irlanda e Roménia. Pretendia-se, à semelhança dos
anos anteriores, estimar a efectividade da vacina sazonal.
No presente artigo descreve-se a componente portuguesa (EuroEVA) do estudo I-
MOVE na época 2010-11, que teve como objectivo estimar a efectividade da vacina
antigripal sazonal 2010-11 contra a gripe, na população geral e nos individuos
com 65 e mais anos.
Métodos
No estudo EuroEVA 2010-2011 foram utilizadas duas abordagens: caso-controlo,
onde casos de síndroma gripal confirmados laboratorialmente (SG+) para a
presença de vírus da gripe foram comparados com os casos de síndroma gripal com
resultado laboratorial negativo para o vírus da gripe e o método screening,
onde a cobertura da vacina antigripal nos casos SG+ foi comparada com a
cobertura da vacina na população geral. O estudo EuroEVA decorreu entre a 45.a
semana de 2010 e a 11.a semana de 2011.
Método caso-controlo teste negativo
A população em estudo correspondeu ao conjunto de indivíduos não
institucionalizados residentes em Portugal sem contra indicação para a toma da
vacina da gripe.
A dimensão total da amostra foi estabelecida tendo em conta o objetivo
principal do estudo, ou seja, estimar a EV antigripal. O número total de casos
de SG a selecionar era de 320, dos quais 130 seriam casos e 190 controlos
negativos. Estes valores foram calculados de forma a estimar uma EV antigripal
de 70% com um limite inferior do intervalo de confiança a 95% igual a 35%,
assumindo que a cobertura da vacina antigripal nos controlos seria de 20% e que
a proporção de casos de SG positivos para o vírus da gripe seria 40%. Para este
efeito utilizou-se uma adaptação da fórmula de Lemeshow, Hosmer and Klar
(1988).21
A seleção da amostra teve como base de amostragem inicial a Rede Médicos-
Sentinela (MS),22 que consiste numa rede de médicos de família (MF), cuja
atividade profissional se desenvolve em Centros de Saúde do Serviço Nacional de
Saúde (SNS) e que, voluntariamente, notificam casos ou episódios de doença e de
outras situações relacionadas com saúde dos indivíduos inscritos nas respetivas
listas de utentes. No ano de 2010 estavam inscritos nesta rede 152 MF,
colocados nos 18 distritos do Continente e nas Regiões Autónomas dos Açores e
da Madeira. A Rede MS foi escolhida para a base de amostragem devido à sua
longa experiência (desde 1989) na vigilância epidemiológica da gripe.
A amostra de casos de síndroma gripal foi selecionada em duas etapas:
1. Foram selecionados e contactados MF inscritos na base de dados da Rede MS
(participantes atuais e ex-participantes) e na base de dados de participantes
dos estudos EuroEVA anteriores. Aos médicos que aceitaram participar foi-lhes
pedido, também, que indicassem outros colegas interessados;
2. Cada médico participante selecionou, por semana, os primeiros dois casos de
síndroma gripal, com menos de 65 anos e ainda todos os casos de SG com 65 ou
mais anos de idade. A definição de caso de SG utilizada foi a da União
Europeia,23 que consiste na apresentação obrigatória de início súbito dos
sintomas (em menos de 24 horas) e pelo menos um sintoma sistémico (febre ou
febrícula, mal estar, debilidade ou prostração, cefaleias, mialgias ou dores
generalizadas) e pelo menos um sintoma respiratório (tosse, dor de garganta ou
inflamação da mucosa nasofaríngea sem outros sinais respiratórios relevantes ou
dificuldade respiratória);
3. Os MF participantes recebiam um sms semanal para efeito de recordatória para
a recolha de casos.
A cada utente com SG que aceitou participar no estudo e após obtenção do
consentimento informado, foi colhido um exsudado nasofaríngeo, enviado num
prazo de 24 horas para o Laboratório Nacional de Referência para o Vírus da
Gripe no INSA, para deteção do vírus da gripe através de métodos moleculares
(real-time reverse transcription-polymerase chain reaction, RT-rtPCR).
Adicionalmente, o MF recolheu, através de um breve questionário, informação
sobre a idade, sexo, características clínicas do SG, o estado vacinal na época
2010-11 e 2009-10 e potenciais fatores de confundimento (história tabágica,
presença de doenças crónicas, estado funcional, nível educacional, número de
consultas de MF nos últimos 12 meses). Esta informação era recolhida
perguntando diretamente ao doente ou por consulta do ficheiro clínico pelo MF.
Foram considerados como vacinados os indivíduos que receberam uma dose da
vacina trivalente 2010-11 pelo menos 14 dias antes do início de sintomas.
Os casos de SG com confirmação laboratorial de infeção pelo vírus da gripe
(casos) foram comparados com os casos de SG com resultado negativo para o vírus
da gripe (controlos). Para além desta comparação, foi ainda realizada
comparação entre os casos positivos para vírus do tipo B (Casos B), vírus do
tipo A(H1N1)pdm09 (Casos A(H1N1)pdm09) e os controlos negativos.
As características gerais foram comparadas entre casos e controlos utilizando
os testes de Qui-quadrado e Exato de Fisher (variáveis categóricas) e o teste
não paramétrico de Mann-Whitney (variáveis numéricas). A efetividade da vacina
foi estimada como 1-odds ratio (OR) de estar vacinado nos casos vs controlos.
Calcularam-se estimativas brutas e ajustadas para os fatores de confundimento
estudados através de regressão logística não condicional. No modelo de
regressão logística foram incluídos todos os fatores de confundimento que
alteraram o OR bruto em pelo menos 10% após ajustamento pelo método de Mantel
Haenszel.
Método screening
Nesta componente do estudo a efetividade da vacina antigripal sazonal foi
determinada através da comparação da cobertura da vacina nos casos de SG e SG+
com a cobertura da vacina na população geral, através da fórmula de
Orenstein.24 De referir que nesta componente também foi calculada a EV
antigripal contra o síndroma gripal, ou seja apenas com diagnóstico clínico.
A amostra de casos de SG e SG+ foi obtida através do estudo caso-controlo teste
negativo (descrito atrás). A cobertura da vacina na população geral foi
estimada com base na amostra ECOS (“Em Casa Observamos Saúde”), uma amostra
aleatória de unidades de alojamento do continente estratificada por região NUTS
II com alocação homogénea. Uma descrição mais detalhada da metodologia pode ser
encontrada em Nunes et al. (2004).25
A EV ajustada para fatores de confundimento foi determinada através do método
de Farrington.24 Para todos os testes estatísticos aplicados e intervalos de
confiança calculados foi estabelecido o nível de significância de 5%. Quando
necessário, o nível de significância foi corrigido para as comparações
múltiplas pelo método de Bonferroni. Todos os resultados apresentados foram
obtidos com o pacote de programas estatísticos STATA SE 11.26
O protocolo de investigação do estudo EuroEVA 2010-2011 foi submetido e
aprovado pela Comissão de Ética do INSA e pela Comissão Nacional de Proteção de
Dados.
Resultados
Nesta época 2010-2011, aceitaram participar no projeto EuroEVA 58 MF, dos quais
35 reportaram casos de SG, correspondendo a uma taxa de participação de 60%.
Durante o período de estudo, da semana 45/2010 à semana 11/2011, foram
recrutados 290 casos de SG. Na figura_1 encontra-se representado o esquema de
seleção.
A percentagem de SG positivos para o vírus da gripe foi de 57%. De entre os
casos positivos, 73 foram positivos para o vírus do tipo B, 69 para vírus do
tipo A(H1N1)pdm09 e 2 para o tipo A(H3N1). A distribuição temporal dos casos de
SG recrutados, de acordo com o respetivo resultado laboratorial, encontra-se
detalhada na figura_2.
Caso-controlo teste negativo
No quadro_I encontra-se a comparação das características gerais dos casos e
controlos, onde se observam algumas diferenças estatisticamente significativas,
nomeadamente: os casos SG+ e os Casos B são mais novos que os controlos em
análise; a cobertura da vacina sazonal 2009-10, a prevalência de doença
crónica, a percentagem de doentes pertencentes ao grupo alvo da vacinação e a
mediana do número de visitas ao MF nos últimos 12 meses foram inferiores nos
casos em comparação com os controlos; por outro lado, a mediana do número de
co-habitantes foi mais elevada nos casos do que nos controlos.
Em relação à exposição em estudo (toma da vacina sazonal 14 dias antes do
início dos sintomas de SG), verifica-se que a cobertura da vacina nos controlos
era significativamente mais elevada (17,4%) do que nos casos SG+ (4,2%), Casos
B (2,7%) e Casos A (H1N1)pdm09 (5,9%) (figura_3).
Relativamente ao objetivo principal deste estudo, foram calculadas as
estimativas brutas da EV antigripal, considerando como variável dependente os
casos SG+, e por tipo de vírus: Casos B e Casos A(H1N1)pdm09. Os resultados
obtidos situam a estimativa pontual da EV bruta entre os 74,2% (contra a
infeção por vírus A(H1N1)pdm09) e 86,7% (contra a infeção por vírus B), valores
estatisticamente significativos (quadro_II).
Para obter estimativas da EV ajustadas, procedeu-se à análise dos potenciais
fatores de confundimento que, após ajustamento pelo método de Mantel-Haenszel,
alteravam em pelo menos 10% o OR bruto da vacina sazonal antigripal 2010-11. O
resultado desta análise encontra-se na figura_4, verificando-se que o efeito de
confundimento dos fatores estudados varia de acordo com o tipo de vírus da
gripe associado à infeção. De uma forma geral, os factores que mais
contribuíram para alterar o OR bruto foram o grupo etário, ter pelo menos uma
doença crónica e pertencer ao grupo alvo da vacinação. O não ajustamento para
estes três fatores de confundimento levaria a uma sobre-estimação da EV
antigripal, podendo estes ser considerados como fatores de confundimento
positivos. Este resultado é transversal a todos os tipos de caso de gripe em
análise, i.e., caso SG+, Casos B e Casos A(H1N1)pdm09. Adicionalmente, outros
fatores, como a escolaridade e toma da vacina pandémica em 2009-10, surgiram
como potenciais fatores de confundimento para a associação com a infeção pelo
vírus da gripe do tipo B.
No quadro_II apresentam-se as estimativas da EV antigripal sazonal ajustadas
por regressão logística e respetivos intervalos de confiança a 95%. Nenhumas
das EV ajustadas podem ser consideradas estatisticamente significativas.
Método screening
Na amostra ECOS da época 2010-11 (na qual foram inquiridas 903 unidades de
alojamento, correspondendo a 2684 indivíduos), a cobertura da vacina foi de
17,5% (IC95%, 15,1% a 20,3%).27 Tendo em conta esta abordagem e para todos os
indivíduos, mais uma vez se verificou que a cobertura da vacina nos controlos
(na população geral) foi superior à cobertura nos casos SG e SG+ (quadro_III).
Tendo em conta os resultados anteriores, foram determinadas estimativas da EV
(valores brutos e ajustados) para casos de SG e casos SG+. Os resultados
(quadro_IV) indicam que, após ajustamento para fatores de confundimento (idade
e ter pelo menos uma doença crónica), as estimativas da EV decresceram de forma
considerável. Dada a reduzida dimensão da amostra de SG e SG+, não foi possível
calcular as EV para os indivíduos do grupo alvo da vacinação, os idosos e os
que tinham, pelo menos, uma doença crónica.
Discussão
Após ajustamento para potenciais fatores de confundimento, a estimativa da
efetividade da vacina trivalente 2010-2011 contra a gripe, determinada pelo
método caso-controlo teste negativo, foi de 58,2% (IC95%, -61,7% a 89,1%).
Ainda considerando este método, a estimativa ajustada da EV contra a infeção
pelo vírus da gripe do tipo B foi de 75,1% (IC95%, -98,3% a 96,9%) e para o
vírus do tipo A(H1N1)pdm09 foi de 33,7% (IC95%, -254,9% a 87,6%). Estas
estimativas não tiveram significado estatístico, como revelado pela análise dos
intervalos de confiança.
Considerando o método screening, a estimativa ajustada da EV contra casos SG
com confirmação laboratorial para gripe foi de 63,7% (IC95%, 16,5% a 84,2%),
com significado estatístico.
Para que haja consistência nas estimativas da EV sazonal 2010-11 entre os dois
métodos utilizados, é importante que a cobertura da vacina seja similar nos
dois grupos de controlo em estudo. No presente estudo, esta premissa foi
alcançada, tendo-se observado valores de cobertura da vacina muito próximos nos
dois grupos: 17,4% nos controlos do método caso-controlo teste negativo e 17,5%
nos controlos da população geral. Esta aproximação dos valores de cobertura
vacinal teve, como consequência, valores pontuais da estimativa da EV
igualmente similares (58% e 64%).
Comparando os resultados obtidos neste estudo com as estimativas da EV sazonal
2010-11 obtidas por Kissling et al. (2011),28 Savulescu et al. (2011)29 e
Pebody et al. (2011),30 verifica-se que o valor estimado se encontra na gama
dos valores publicados (42% a 65%), evidenciando igualmente alguma uniformidade
das estimativas da EV para esta época em diferentes populações.
A estimativa da EV trivalente contra o SG foi obtida apenas através do método
screening, sendo o valor calculado (33,3%; IC95%, -3,1% a 56,8%) inferior à
estimativa da EV contra casos de gripe confirmados laboratorialmente. Este
resultado era de alguma forma expectável, uma vez que o SG é uma medida menos
específica de infeção pelo vírus da gripe do que o resultado laboratorial.
Comparativamente aos resultados publicados até ao momento, a única estimativa
disponível da EV sazonal 2010-11 contra casos SG foi obtida através de uma
coorte de indivíduos com doenças crónicas,31 que estimou uma EV de 31% (IC95%,
20% a 40%). Apesar do desenho e da população sob observação nesse estudo serem
diferentes (apenas indivíduos com doença crónica), a estimativa para toda
população (que inclui os indivíduos com doença crónica) obtida no presente
trabalho é muito similar (33% vs 31%).
No projeto EuroEVA optou-se por um estudo observacional caso-controlo para
medir a efetividade da vacina antigripal. É importante referir que o desenho
mais indicado para estimar a eficácia de uma vacina seria um ensaio clínico
controlado e aleatorizado (ECA). No entanto dado que a vacina antigripal se
encontra disponível e é recomendada para determinados grupos da população, a
execução de um ECA para medir a capacidade protetora da vacina levantaria
problemas éticos, optando-se, desta forma, por estudos de caráter
observacional.32-34
No contexto dos estudos observacionais, o delineamento caso-controlo teste
negativo, apesar não se encontrar validado, tem sido recorrentemente utilizado
no estudo da efetividade de vacinas.35-38 Algumas das razões para esta
preferência estão relacionadas com a facilidade de obtenção do estado vacinal
de casos e controlos na ausência de registos oficiais,39 o que corresponde à
realidade portuguesa, e com custos inferiores e menor logística do que outros
delineamentos observacionais, tais como os estudos de coorte. De igual forma, o
método screening é considerado como sendo simples, de rápida aplicação e com
necessidade de poucos recursos.40
Em particular, a seleção dos controlos no método caso-controlo teste negativo é
interessante, uma vez que podem ser obtidos diretamente através do sistema de
vigilância da sindroma gripal, apenas acrescentando algumas variáveis que
permitem uma análise estratificada, análise do efeito modificador e de
confundimento. Igualmente interessante é a seleção dos controlos da população
geral no método screening, uma vez que são selecionados através de um sistema
nacional independente deste estudo, que produz, de forma anual e contínua,
dados da estimativa da cobertura da vacina antigripal.
No entanto, é amplamente conhecido que os estudos observacionais, e em
particular os estudos caso-controlos utilizados no estudo da efetividade de
vacinas, estão sujeitos a potenciais vieses de seleção, informação e
confundimento.41
Neste estudo os casos e controlos foram selecionados de forma não aleatória no
contexto dos cuidados de saúde primários do SNS e, como tal, todos os
indivíduos da população-alvo que não se dirigiram a um MF participante durante
o período de estudo não tiveram possibilidade de ser selecionados. Assim, se
esta subpopulação tiver comportamentos preventivos, tais como a toma da vacina,
diferentes dos participantes no estudo, a cobertura vacina antigripal nos casos
e controlos da amostra selecionada poderá encontrar-se sobrestimada. Tendo em
conta que o MF no momento da seleção desconhece a que grupo (caso ou controlo)
o doente recrutado irá pertencer, uma vez essa classificação será dada pelo
resultado laboratorial, considera-se que este viés é minimizado.
Outro potencial viés está relacionado com o critério clínico de SG utilizado.
Tal como referido, os casos SG foram selecionados de acordo com o critério
clínico proposto pela União Europeia, que consiste num conjunto muito estrito
de sintomas. Do total de casos selecionados, apenas 17 não cumpriam o critério
clínico para SG (i.e., 94% dos casos enviados foram corretamente selecionados).
Ao utilizar este critério poderão não estar a ser selecionados casos de SG com
sintomatologia mais moderada, facto que poderá introduzir viés nas estimativas
da EV. Nomeadamente, se os verdadeiros casos de gripe vacinados (falhas da
vacina) apresentarem uma doença menos severa, com um menor número de sinais e
sintomas clínicos, estes casos terão uma maior probabilidade de não ser
selecionados para confirmação laboratorial por não corresponderem à definição
de SG. Ou seja, o que corresponderia a ter um critério de seleção menos
sensível. Este facto teria como consequência a subestimação da cobertura da
vacina nos casos e por consequência a sobrestimação da EV. Embora se reconheça
a possibilidade da existência deste viés, não foi possível estimar a sua
verdadeira dimensão no âmbito do projeto EuroEVA.
O viés de seleção poderá também estar presente no método screening, uma vez que
a população utilizada neste método é uma amostra nacional de unidades de
alojamento com telefone fixo e móvel e não a população da área de influência
dos MF. Este facto poderá introduzir um viés nas estimativas da EV uma vez que
os controlos foram selecionados de uma população mais ampla (e eventualmente
diferente) de que os casos. No entanto, o facto dos MF participantes no EuroEVA
trabalharem no SNS e deste ser o maior prestador de cuidados de Medicina Geral
e Familiar, pode indicar que o viés não tenha grande efeito.
No estudo caso-controlo teste negativo, a confirmação do estado vacinal do
indivíduo foi igual para casos e controlos. Para além dos dados que se
encontram no processo clínico do doente, a inoculação da vacina foi ainda
confirmada pelo MF por pergunta direta ao doente, tendo sido registada quando
possível a marca da vacina. De forma a validar a informação dada pelo doente,
foi ainda confirmado se a vacinação teria sido através de injeção, excluindo-se
assim outras formas de administração de medicamentos que podem ser erroneamente
identificadas pelos doentes como vacinação antigripal.
Adicionalmente todas as variáveis que caraterizam casos e controlos foram
recolhidas pelo MF por entrevista direta por aplicação de um mesmo
questionário. Uma vez que à data da obtenção da informação o MF não tem
conhecimento se o doente se trata de um caso ou de um controlo, não é à partida
plausível que os MF utilizem medidas de inquirição diferenciadas entre casos e
controlos.
Contudo, no método screening a obtenção da informação relativa à toma da vacina
e doença crónica foi auto-reportada pelo respondente ou dada por proxy pelo
respondente relativamente aos restantes elementos da unidade de alojamento.
Este fato poderá introduzir viés na medida em que o estado vacinal dos casos de
gripe (recolhida e validada pelo MF) difere da dos controlos (auto-reportada).
De forma a reduzir este viés, só foram considerados como vacinados os controlos
que referiram ter tomado a vacina por injeção.
As estimativas pontuais após ajustamento decresceram entre 10 a 20%,
comparativamente com as estimativas brutas. Tal como referido, as variáveis de
confundimento só foram incluídas no modelo se, após ajustamento pelo método de
Mantel-Haenszel, alteravam em pelo menos 10% o OR bruto da vacina sazonal
antigripal 2010-11.
A utilização desta metodologia permitiu a identificação de fatores de
confundimento positivos, i.e., fatores que produzem uma sobrestimação da EV,
bem como fatores de confundimento negativos. Assim, verificou-se que a idade,
ter pelo menos uma doença crónica e pertencer ao grupo alvo da vacina
constituíam os principais fatores de confundimento positivos. Por outro lado,
como fatores de confundimento negativo, apenas a variável vacina pandémica, em
2009-2010, produziu efeitos relevantes na EV após ajustamento.
É ainda importante salientar o impacto do ajustamento na precisão das
estimativas da EV antigripal. Com efeito, no estudo caso-controlo teste
negativo, após ajustamento para confundimentos, todas as estimativas da EV
deixaram de ser estatisticamente significativas. Este fato é resultado da
elevada heterogeneidade dos fatores de confundimento entre casos e controlos e
da reduzida dimensão da amostra. Na realidade a dimensão da amostra obtida
ficou aquém do planeado (253 para 320). Os motivos para este facto estão
relacionados com a taxa de participação efetiva dos MF (60%) e com a exclusão
de 35 doentes por incumprimento dos critérios de inclusão e análise. De
qualquer forma, considera-se que a dimensão da amostra inicialmente planeada
não seria suficiente para obter uma estimativa precisa da EV após ajustamento
para todos os fatores de confundimento encontrados. Neste contexto o aumento da
dimensão da amostra em futuros estudos deve ser alvo de um esforço adicional.
Em conclusão, os resultados obtidos pelo projeto EuroEVA 2010-2011 indicam que
as estimativas brutas da efetividade da vacina (EV) antigripal sazonal na época
2010-11, contra os casos de gripe, foram de 79,4% (caso-controlo teste
negativo) e de 70,1% (método screening).
Após ajustamento, estes valores decresceram para 58,2% e 63,7%, respetivamente,
mas sem significância estatística. Em termos pontuais, estes resultados estão
de acordo com outros resultados publicados em revistas científicas com revisão
por pares.
No estudo caso-controlo foi ainda possível estimar a EV contra a infeção pelo
vírus da gripe do tipo B (EVbruta = 87% e EVajustada = 75%) e contra o vírus
pandémico A(H1N1)pdm09 (EVbruta = 74% e EVajustada = 34%). Estes resultados
sugerem que a EV sazonal 2010-11 foi inferior à EV monovalente da época 2009-10
estimada pelo estudo multicêntrico I-MOVE: 72% (IC95%, 46% a 86%).
Os dados recolhidos no estudo EuroEVA não permitiram obter estimativas da EV
específicas para os indivíduos dos grupos alvo da vacinação antigripal nem
obter estimativas ajustadas com significância estatística, o que reforça a
necessidade de realizar estudos internacionais multicêntricos, desenvolvidos
com um protocolo comum, como é o caso do projeto I-MOVE.