Redes sociais e empreendedorismo em biotecnologia. O processo de aglomeração em
torno de núcleos de produção de conhecimento
I. INTRODUÇÃO
A literatura sobre a evolução do sector da biotecnologia em várias regiões do
mundo (Boston, São Francisco, Cambridge, Jena) salienta o papel desempenhado
por diversas organizações em diferentes níveis espaciais. Verifica-se que as
empresas de biotecnologia tendem a aglomerar-se em torno de centros de
investigação, de “star scientists”, de clientes importantes ou, no caso dos
EUA, de organizações de capital de risco (Audretsch e Stephan, 1996; Cooke,
2006; Powell et al.,2002, Zucker et al.,1998). Mas, por outro lado, as empresas
neste sector estão frequentemente muito internacionalizadas, estabelecendo
relações do mais variado tipo com organizações distantes (Owen-Smith e Powell,
2004).
Este trabalho aborda o papel das redes sociais no acesso ao conhecimento
científico e tecnológico pelas novas empresas portuguesas de biotecnologia,
centrando-se nas relações entre empresas e centros de investigação. De forma
mais concreta, analisa-se a aglomeração das empresas em torno de núcleos de
produção de conhecimento científico e tecnológico e procura-se compreender o
significado dessa localização nas suas estratégias de aquisição de
conhecimento. Ou seja, pretende avaliar-se o papel desempenhado pelas redes
efectivamente estabelecidas com tais núcleos, comparativamente com o
desempenhado por redes organizadas com fontes de conhecimento científico e
tecnológico mais distantes.
O artigo está organizado da seguinte forma: na próxima secção é revista a
literatura relevante, abordando-se a natureza do empreendedorismo em
biotecnologia, o papel das redes sociais no empreendedorismo e os debates sobre
a proximidade. A terceira secção é dedicada ao levantamento sobre o modo como
as redes sociais facilitam o acesso ao conhecimento, através da geração de
várias formas de proximidade, que podem favorecer (ou não) a aglomeração em
torno dos centros que o produzem. A quarta secção é dedicada à investigação
empírica destas questões para o caso das empresas portuguesas de biotecnologia.
Faz-se uma breve apresentação do sector e retiram-se algumas ilações para a
investigação a realizar. De seguida propõe-se uma abordagem metodológica ao
problema em dois passos: (re)construção das redes sociais mobilizadas no acesso
ao conhecimento; análise de proximidade relativamente aos centros de
investigação e avaliação das condições oferecidas pelo contexto local/regional
a esse nível.
II. EMPREENDEDORISMO, PROXIMIDADE E REDES SOCIAIS
1. Caracterização do empreendedorismo em biotecnologia
O empreendedor é alguém que explora uma oportunidade que outros não tinham
percepcionado, propondo-se fazer algo novo e que portanto envolve risco e
incerteza. O processo de empreendedorismo requer a confluência de dois
fenómenos: a existência de oportunidades lucrativas e a presença de indivíduos
empreendedores (Shane e Venkataraman, 2000). A exploração da oportunidade exige
a obtenção de um conjunto de recursos, cuja natureza depende da oportunidade
percepcionada (Johannisson, 1998). A formação de uma nova empresa é um processo
complexo e dinâmico, onde intervêm factores de natureza muito distinta
(económicos, sociais, culturais): o empreendedorismo é um processo de
aprendizagem que envolve a assimilação e a troca de informação com o ambiente.
O empreendedorismo em biotecnologia apresenta algumas especificidades,
associadas ao facto de este ser um sector onde a proximidade entre a ciência e
o mercado cria oportunidades ao nível da transformação dos resultados da
investigação científica em tecnologias, produtos e serviços (Zucker et
al.,1998). Dado que, nesta área, o conhecimento científico e tecnológico evolui
e se difunde de forma rápida, é indispensável procurar constantemente
conhecimento novo, absorvê-lo e transformá-lo em capacidades internas da
empresa (Witt e Zellner, 2007). Assim, o acesso à investigação realizada no
exterior da empresa e, nomeadamente, a novo conhecimento científico, pode
assumir um papel decisivo (Liebeskind et al.,1996). Ora as novas descobertas
científicas beneficiam frequentemente de uma certa “exclusão natural” (Zucker
et al.,1998), que torna a interacção com os cientistas envolvidos na sua
produção indispensável nos processos de transferência. Daí que empresas criadas
por empreendedores científicos tenham vantagens na identificação e exploração
das novas oportunidades e que o desempenho dessas empresas seja positivamente
afectado pela existência de laços com centros de investigação de relevo
(Murray, 2004). Dada a variedade de domínios que contribuem para a
biotecnologia e a natureza distribuída da produção de conhecimento, pode
tornar-se necessário recorrer a uma variedade de organizações, dispersas por
diferentes localizações (Powell et al.,1996).
Embora o conhecimento científico e tecnológico surja como um recurso crítico, a
sua transformação em tecnologias, produtos ou serviços e a introdução destes no
mercado, requer outros recursos e competências que os empreendedores
científicos frequentemente não possuem e que podem ter algumas dificuldades em
mobilizar, devido ao seu backgrounde à natureza das organizações de onde provêm
(Ensley e Hmieleski, 2005). Entre estes avulta o acesso ao capital, bem como a
um conjunto de activos complementares associados à produção e comercialização
de produtos e serviços que podem ser altamente inovadores (Pisano, 1991).
Conquanto o foco desta investigação esteja na aquisição de conhecimento
científico e tecnológico, deve ser tido em consideração que a obtenção de um
leque amplo de outros recursos, de acesso mais ou menos complexo, poderá ter
uma forte influência nas decisões estratégicas das novas empresas de
biotecnologia, nomeadamente em termos de localização (Stuart e Sorenson, 2003).
Dada a necessidade premente de aceder a fontes externas de conhecimento
científico e tecnológico – sobretudo numa fase inicial, em que a base de
conhecimento da empresa está em formação, dependendo muito de competências
detidas ou acedidas pelos empreendedores – as redes sociais surgem como um
elemento crítico para as novas empresas de biotecnologia.
2. Redes sociais e sua importância no empreendedorismo
2.1 Redes sociais e empreendedorismo
Nas últimas décadas tem-se assistido a uma evolução na literatura sobre as
origens do empreendedorismo: de uma abordagem centrada nos traços de
personalidade, factores psicológicos e variáveis demográficas, tem-se passado
para uma abordagem que encara o empreendedorismo como processo socio-económico
(Granovetter, 1985) integrado em estruturas de rede (Aldrich e Zimmer, 1986;
Johannison, 1988; Carsrud e Johnson, 1989; Uzzi, 1997), abandonando-se a
tradicional visão do empreendedor como um indivíduo isolado. Nesta perspectiva,
o capital social e as redes sociais assumem um papel de relevo no
empreendedorismo, considerando-se que a formação e o desenvolvimento da empresa
são facilitados (ou condicionados) pelas redes sociais dos seus fundadores
(redes pessoais) e pelo contexto social em que a empresa está inserida (redes
interorganizacionais). Estas redes permitem contornar algumas das restrições
que o empreendedor enfrenta no processo de criação, facilitando a obtenção de
recursos na sua envolvente.
Na análise da importância das redes sociais no processo de empreendedorismo,
tem sido dada particular atenção às novas empresas de base tecnológica, onde
geralmente o conhecimento científico e tecnológico se encontra na génese da
oportunidade e na base da vantagem competitiva. Como a aquisição e a exploração
de conhecimento são processos sociais (Kogut e Zander, 1992), argumenta-se que,
através da interacção social, é possível aumentar a profundidade, amplitude e
eficiência das trocas de conhecimento (Lane e Lubatkin, 1998). Por outro lado,
quando a empresa não tem reputação estabelecida ou quando o valor das suas
tecnologias não está provado, a rede social pode fornecer credibilidade (Powell
et al.,1996).
2.2 Propriedades das redes sociais
Uma rede social (RS) é composta por diversos agentes individuais (os nós, ou
actores da rede) ligados por relações sociais (os elos, ou laços) e pelos
mecanismos de regulação dessas interacções (Castilla et al.,2000). É comum
distinguir os laços directos (relação directa entre dois actores) dos laços
indirectos (ligação de dois nós por intermédio de outros nós).
A literatura das RS distingue entre laços fortes e fracos, sendo os primeiros
caracterizados por maiores níveis de proximidade social e reciprocidade. De
acordo com Granovetter (1973), a força dos laços deve ser analisada através de
uma combinação entre a frequência e duração, intensidade emocional, intimidade
e reciprocidade que os caracterizam. O desenvolvimento de laços fortes requer
esforços concretos e uma interacção regular, pelo que é geralmente favorecido
pela proximidade física dos actores. Na literatura tal proximidade surge
associada à frequência da interacção face-a-face (McEvily e Zaheer, 1999), à
ocorrência de contactos não planeados (Fornahl, 2005) e também à confiança
(Bönte, 2008; Johanisson, 1998). No entanto, a existência de muitos laços deste
tipo não é viável, dados os custos da sua manutenção. Já a interacção nos laços
fracos é menos regular e menos dispendiosa.
Portanto, cada indivíduo pode ter um número muito alargado destes laços, que
lhe permitem obter informação única (Granovetter, 1973).
O balanço entre laços fortes e fracos influencia a velocidade, quantidade,
qualidade e fiabilidade das trocas de informação e conhecimento (Maskell e
Malmberg, 1999), bem como os custos com a sua recolha (Coleman, 1988). Certos
autores defendem que redes coesas, onde predominam laços fortes, são mais
benéficas, pois tendem a facilitar o desenvolvimento de normas comuns e a
partilha de valores, expectativas, identidades e perspectivas, conduzindo ao
estabelecimento de obrigações e sanções sociais, confiança, compreensão,
reputação e reciprocidade (Granovetter, 1985). Neste sentido, os laços fortes e
as redes coesas facilitam o fluxo de informação de elevada qualidade, detalhada
e específica (Gulati, 1998; Van Geenhvizen, 2008) e a transferência de
conhecimento tácito (Lundvall, 1993) e complexo (Hansen, 1999), sendo
particularmente relevantes no acesso a recursos escassos (Lovas e Sorenson,
2008). Os laços fracos e as redes ricas em aberturas estruturais (Burt, 1992)
facilitam o acesso a contextos que normalmente não teriam contacto entre si e,
portanto, a obtenção de informação nova e variada, que pode ser particularmente
importante na identificação de novas oportunidades (McEvily e Zaheer, 1999; Low
e Abrahamson, 1997). Logo, a rede social de um indivíduo pode determinar a
amplitude e a qualidade da informação e conhecimento a que ele tem acesso.
2.3 A questão da proximidade nas redes sociais
A literatura das redes sociais considera que a criação de um laço social
directo implica pelo menos uma interacção pessoal (face-a-face) entre os dois
actores. No entanto, geralmente, as redes sociais envolvem um padrão de
relações sociais mais intensas e frequentes entre agentes. Sem esta frequência
de contactos aumenta a probabilidade de o laço entre os actores desaparecer.
Devido a esta necessidade de interacção, muitos autores defendem a importância
da proximidade entre os nós. No entanto, a literatura apresenta, vários
conceitos de proximidade relevantes na análise das redes sociais. Por exemplo,
Boschma (2005) distingue cinco formas de proximidade: geográfica/espacial,
social, cultural/institucional, cognitiva/tecnológica/de conhecimento e
organizacional. Estas formas de proximidade são de difícil operacionalização,
não sendo sempre clara a fronteira entre elas.
A proximidade geográfica tem merecido a atenção de diversas áreas da literatura
económica e social. Com efeito, a par da ideia que os processos de
empreendedorismo, de criação de conhecimento e de inovação são colectivos e se
encontram inseridos em estruturas sociais, existe uma grande ênfase nas
vantagens da co-localização, com vários autores a salientarem a sua
importância, quer para o aumento da produtividade e da capacidade de inovação
das empresas existentes, quer para a redução das barreiras à entrada de novas
empresas. Discute-se, nomeadamente o papel da proximidade geográfica na
concentração de actividades, no processo de inovação e na aprendizagem.
Neste contexto, é de salientar o conceito de “economias de aglomeração”,
suportado na ideia que a co-localização das empresas lhes confere vantagem no
acesso a recursos locais, traduzindo-se em reduções de custos associadas a
economias de localização e de urbanização. As economias de localização são uma
das razões apontadas para a emergência de distritos industriais, consistindo em
economias de escala em inputsintermédios, vantagens associadas ao mercado de
trabalho e externalidades de conhecimento. As economias de urbanização
salientam a importância dos meios urbanos, nomeadamente as suas vantagens em
termos de centralização de serviços às empresas ou de serviços públicos
(Castells, 1989).
2.4 Proximidade e transmissão de conhecimento
Uma das razões apontadas para a aglomeração de empresas é a existência de
concentrações regionais/locais de conhecimento, associadas a processos
históricos e à importância de factores relacionados com a natureza da base de
conhecimento, surgindo distinções como a que separa conhecimento tácito e
codificado e a que separa conhecimento analítico e sintético (Asheim, 1999;
Asheim e Coenen, 2005; Feldman, 1999). Muitos estudos salientam a questão da
natureza tácita do conhecimento, reconhecendo um papel importante à
colocalização, à mobilidade e aos contactos sociais na transmissão deste tipo
de conhecimento. Neste contexto, o conceito de “localized learning” (Maskell et
al.,1998) surge associado a vantagens, em termos de criação de conhecimento, da
co-localização entre actores envolvidos em actividades relacionadas.
Cabe aqui também uma referência à literatura sobre os spilloversde conhecimento
geograficamente concentrados (Jaffe et al.,1993; Audretsch e Feldman, 1996;
Autant-Bernard, 2001). O pressuposto base é de que empresas co-localizadas com
fontes de conhecimento científico e tecnológico obtêm vantagens, decorrentes da
existência de laços sociais e profissionais e de contactos informais mais
frequentes entre os investigadores de ambas. O processo de aprendizagem é assim
reforçado pela proximidade geográfica com organizações com as quais é possível
trocar conhecimento e informação.
O acesso a recursos humanos qualificados é outra vantagem apontada pela
literatura sobre aglomeração. Assim, a existência de universidades facilita o
recrutamento em áreas específicas (Wolfe e Gertler, 2001) e a presença de uma
massa crítica de quadros qualificados numa região pode favorecer a criação e
desenvolvimento de novas empresas.
2.5 Redes sociais e diferentes formas de proximidade
Apesar da ênfase colocada na proximidade geográfica, vários autores têm
referido que a co-localização entre os actores não é condição suficiente para a
ocorrência de processos de transferência de conhecimento (Breschi e Malerba,
2001; Boschma, 2005). Vários estudos revelam que as redes estabelecidas com
actores distantes podem ser tão ou mais relevantes do que as estabelecidas com
actores próximos e que, frequentemente, as empresas combinam os benefícios de
redes que cobrem vários níveis espaciais (Cooke, 2006; Stahecker e Koschatzky,
2004). No caso português, Fontes (2005) analisa as condições em que as novas
empresas de biotecnologia obtêm o conhecimento necessário à sua formação e
crescimento, concluindo que combinam relações próximas e distantes e, no caso
destas últimas, recorrem a vários mecanismos para ultrapassar as desvantagens
da distância geográfica no acesso ao conhecimento.
A capacidade de beneficiar de conhecimento existente em organizações
geograficamente distantes aponta para a acção das outras formas de proximidade
definidas por Boschma (2005). Das cinco formas de proximidade definidas pelo
autor, surgem como particularmente relevantes neste trabalho, para além da
proximidade geográfica, as proximidades social, cognitiva e organizacional. Com
efeito, a investigação centra-se no papel desempenhado pelas redes sociais dos
empreendedores e das empresas (o que coloca o ênfase na proximidade social) no
acesso ao conhecimento científico e tecnológico (onde a proximidade cognitiva é
um requisito), tendo em consideração o processo de construção dessas redes,
designadamente o percurso dos empreendedores (que é passível de gerar
proximidade cognitiva, social e organizacional).
A consideração da proximidade social é uma questão central deste trabalho, já
que se recorre à análise de redes sociais para estudar a aglomeração das
empresas em torno de centros de investigação. A distância social está
relacionada com existência de laços sociais entre os actores ao nível micro,
decorrentes da partilha de uma origem ou filiação, ou de determinados atributos
sociais (Hausmann, 1996; Sorenson, 2003), sendo de destacar: a facilidade de
comunicação, suportada por linguagem e culturas comuns e a confiança, baseada
na amizade, parentesco e outros laços decorrentes da experiência pessoal
(Casson e Della Giusta, 2007). Desta forma, a proximidade social funciona
através da coesão dos actores, facilitando a comunicação entre os membros do
grupo ou da rede e, logo, a troca de conhecimento, onde a confiança é essencial
(McPherson et al.,2001).
A proximidade cognitiva, associada à partilha de uma base de conhecimento e de
competências é igualmente relevante, sobretudo em sectores baseados em
tecnologias emergentes como a biotecnologia, devido à natureza frequentemente
“exclusiva” e portanto “localizada” do conhecimento a elas subjacente
(Antonelli, 1995; Zucker et al.,1998) e à necessidade de combinar conhecimentos
de diferentes proveniências (Nooteboom, 2000). Em qualquer caso, a
transferência efectiva de conhecimento requer que o receptor tenha capacidade
de o absorver (Cohen e Levinthal, 1990), sendo portanto necessário que a
estrutura cognitiva deste não seja muito diferente da do emissor. No entanto,
para que a troca de conhecimento seja proveitosa, também não deve existir
sobreposição total das duas bases de conhecimento.
Na intersecção entre as proximidades cognitiva e social surgem as “comunidades
epistémicas”, ou seja, grupos de cientistas, que podem estar mais ou menos
dispersos, mas que partilham uma base de conhecimento, uma linguagem e outros
códigos de comunicação, e procedimentos de investigação e teste. No seu seio, o
conhecimento codificado pode ser considerado um bem público, mas o
desconhecimento dos códigos pode levar à exclusão de outros actores (mesmo que
co-localizados com o emissor), que não conseguem descodificar as mensagens
“abertamente” trocadas (Breschi e Lissoni, 2001).
A proximidade organizacional refere-se à partilha de relações numa base
organizacional, estando relacionada com a estrutura de governação hierárquica
dessas relações, nomeadamente em termos de autonomia e controlo (Boschma,
2005). Essa estrutura pode ser associada à configuração dos laços da rede
social: forte proximidade organizacional traduz-se em laços fortes numa rede
hierarquicamente organizada; maior distância organizacional traduz-se em laços
fracos entre actores independentes. De acordo com Boschma, quer a proximidade
organizacional quer a social estão associadas à existência de laços fortes,
embora com diferentes mecanismos (hierarquia e confiança, respectivamente).
Neste trabalho surgem associadas às redes sociais dos empreendedores e das
empresas e ao seu processo de formação.
III. PROXIMIDADE, REDES SOCIAIS E ACESSO AO CONHECIMENTO EM BIOTECNOLOGIA
Como vimos acima, a literatura realça a importância da proximidade física nos
processos de transmissão de conhecimento devido à natureza destes processos. A
proximidade física é particularmente relevante quando o conhecimento
transmitido tem uma elevada componente tácita (por exemplo, no caso de novas
descobertas científicas ou processos em que o “saber fazer” é crítico), quando
é de natureza sensível e portanto se coloca a questão da exclusividade, ou
quando é complexo[iv].
No entanto, a literatura também sugere que a importância da proximidade física
na transmissão do conhecimento científico e tecnológico é reforçada pelo facto
de a co-localização ser usualmente determinante para criar outras formas de
proximidade, nomeadamente cognitiva, social e organizacional. A proximidade
cognitiva é necessária para compreender o conhecimento gerado (nomeadamente
quando a sua difusão envolve os códigos próprios de comunidades epistémicas
fechadas) e aplicá-lo de forma efectiva. A proximidade social é importante para
gerar relações de confiança e facilitar a entrada em comunidades mais
exclusivas. Finalmente, a proximidade organizacional (presente ou passada)
facilita a interacção porque permite compreender as hierarquias, a organização
e os códigos de comportamento das organizações onde o conhecimento é gerado.
Como foi argumentado, a simples proximidade física sem proximidade cognitiva,
social ou organizacional não garante automaticamente o acesso ao conhecimento,
embora permita a criação de condições para o desenvolvimento das outras formas
de proximidade, que serão sempre mais difíceis de desenvolver à distância. Com
efeito, a interacção frequente face-a-face e a partilha de experiências
permitida pela co-localização, geram oportunidades para identificação de
interesses comuns e favorecem o desenvolvimento de relações para os explorar
conjuntamente, bem como o aprofundamento dessas relações através de
experiências múltiplas, permitindo nomeadamente a co-evolução dos actores.
Mas exactamente porque a proximidade física não é condição suficiente, é
possível em certas circunstâncias desenvolver proximidade cognitiva, social e
organizacional sem existir co-localização continuada. A co-localização
temporária pode, em certas condições, substituir-se àquela, designadamente
quando o conhecimento a que pretende aceder não se encontra disponível (ou é de
mais difícil acesso) no contexto em que o actor se insere. Assim, as redes dos
empreendedores podem envolver, quer indivíduos localizados em organizações
geograficamente próximas, que tendencialmente serão relações mais fortes,
envolvendo interacções frequentes; quer indivíduos localizados em organizações
geograficamente mais distantes, que tendencialmente serão relações mais
complexas de criar e/ou manter e por essa razão estarão associadas ao acesso a
conhecimentos científicos e tecnológicos de especial importância ou mais
difíceis de aceder no seu contexto geográfico.
A literatura sobre redes pessoais traz um importante contributo para este
debate ao possibilitar a análise detalhada do processo de construção dessas
redes e, nomeadamente, ao chamar a atenção para o papel dos percursos
anterioresdos indivíduos nesse processo. Esses contributos permitem-nos
argumentar que embora a construção das redes que facilitam o acesso ao
conhecimento científico e tecnológico raramente seja possível sem co-
localização, esta pode ter lugar em diferentes momentos do percurso do
empreendedor e não ser necessariamente contemporânea do estabelecimento da
empresa.
Esta questão assume um relevo particular num contexto de crescente mobilidade
inter-organizacional e internacional dos cientistas, nomeadamente nas áreas
científicas associadas à biotecnologia (Ackers, 2005). É expectável que
relações caracterizadas pela proximidade cognitiva, social, organizacional se
vão estabelecendo em localizações diversas, ao longo do percurso do
empreendedor e se mantenham quando a co-localização termina (alimentadas pelos
avanços das TIC e por novas oportunidades de co-localização temporária)
(Saxenian e Hsu, 2001). Tendo em conta que a mobilidade está frequentemente
associada à procura de conhecimento mais avançado, também é expectável que os
indivíduos e organizações com quem essas relações se estabelecem venham a
assumir um papel importante como fontes de conhecimento científico e
tecnológico da empresa que vai ser criada.
Assim, as redes que são determinantes para que as novas empresas acedam ao
conhecimento científico e tecnológico, podem compreender vários níveis. Podem
basear-se na rede pessoal pré-existente dos empreendedores, envolvendo: quem
está fisicamente próximoda empresa que se está a constituir; quem esteve
fisicamente próximo durante o percurso anteriordo empreendedor e, embora já não
o esteja, continue a pertencer à sua rede social e seja visto por este como uma
fonte importante do conhecimento que a empresa pretende obter. Mas tais redes
podem também resultar de um esforço propositado para desenvolver relações de
proximidade cognitiva/social/organizacional com quem possui conhecimento
considerado relevante para a empresa, independentemente da sua localização.
Neste caso, se existirem fontes desse conhecimento na proximidadeé expectável
que os esforços sejam dirigidos para elas; se não, poderão ser dirigidos para
fontes distantes,através da procura de várias instâncias de colocalização
temporária. Em ambos os casos o recurso à intermediação da rede social
existente (laços indirectos), quando viável, pode ser determinante.
De acordo com a literatura sobre economias de urbanização, será expectável que
quanto mais numerosas, diversificadas e qualificadas forem as fontes de
conhecimento científico e tecnológico no contexto em que a empresa está
localizada, menor seja a necessidade de estabelecer redes distantes, embora
possa haver excepções. Por exemplo, se os laços distantes pré-existentes são
suficientemente importantes para a empresa, o esforço necessário à sua
manutenção pode ser inferior ao necessário à geração de novas relações no local
onde a empresa é criada, sobretudo se está em causa uma comunidade científica
relativamente fechada, ou se não for possível estabelecer redes de confiança
com essa comunidade. No entanto, a nível local/regional, poderão não existir
fontes de conhecimento científico e tecnológico com as características
pretendidas e, nesse caso, haverá uma maior tendência por parte dos
empreendedores para recorrer a relações pré-existentes, cuja génese foi a co-
localização mas que estão distantes do local onde a empresaé criada. Estas
situações podem surgir mesmo em regiões bem providas de fontes de conhecimento,
que embora relevantes para empresa, não permitam obter conhecimento
particularmente novo ou mais especializado, apenas acessível em outras
localizações. Tal significa que as empresas podem ter redes para acesso ao
conhecimento com diferentes estruturas geográficas, nas quais exista maior ou
menor peso das relações próximas/distantes ou um equilíbrio entre elas
(Gittelman, 2007). Estas diferenças na estrutura geográfica das relações podem
estar relacionadas com a natureza do conhecimento procurado e a sua importância
para a nova empresa, ou com diferenças na natureza das relações.
Relativamente à aglomeração das empresas em torno de centros de produção de
conhecimento, é portanto possível concluir que a proximidade geográfica (ou
seja a co-localização dos indivíduos) permite gerar relações caracterizadas
pela proximidade cognitiva/social/organizacional que facilitam a transmissão do
conhecimento científico e tecnológico. A continuidade dessa proximidade
geográfica também facilita a manutenção das redes e o seu aprofundamento.
Nesse sentido, a partir das ideias expostas ao longo desta secção, centrando a
atenção no acesso ao conhecimento científico e tecnológico, considerando
condições idênticas no acesso a outros recursos críticos[v]e ignorando factores
pessoais dos empreendedores (familiares, profissionais, etc.) é possível
argumentar que:
a) existirá uma tendência para os empreendedores localizarem as suas
empresas na vizinhança das fontes de conhecimento científico e
tecnológico com as quais têm relações mais intensas e que são mais
relevantes para a sua actividade;
b) se existirem fontes de conhecimento relevantes geograficamente
próximas (e sobretudo se existirem relações de proximidade cognitiva/
social/organizacional com os seus cientistas) haverá menos incentivo
para mobilizar relações distantes;
c) se tais fontes não existirem localmente, ou se o seu acesso se
revelar complexo ou pouco efectivo[vi], os empreendedores tenderão a
mobilizar os elementos distantes das redes sociais que foram
construídas ao longo do seu percurso.
IV. ABORDAGEM EMPÍRICA AO CASO DAS EMPRESAS PORTUGUESAS DE BIOTECNOLOGIA
As questões levantadas na secção anterior são investigadas empiricamente para o
caso das empresas portuguesas de biotecnologia. Nesta secção apresenta-se
brevemente o sector e propõe-se uma metodologia de abordagem que foi aplicada
de forma experimental num grupo de 4 empresas, como primeira fase de um
processo que irá englobar a totalidade das empresas na área da biologia
molecular (22 empresas e 54 empreendedores). Este trabalho exploratório
permitiu testar e afinar a metodologia que se apresenta de seguida.
1. O sector da biotecnologia em Portugal
O sector da biotecnologia é bastante recente em Portugal. Nos anos 90 criaram-
se algumas empresas, mas apenas em meados de 2000 se registou um aumento
significativo do número de iniciativas empreendedoras neste domínio. No
entanto, o sector é ainda muito incipiente: existem actualmente cerca de 76
“empresas dedicadas à biotecnologia”, 80% das quais criadas nos últimos 5 anos.
A maior parte das empresas encontra-se numa fase embrionária e só um pequeno
grupo iniciou já a introdução das suas tecnologias/produtos no mercado. As
principais áreas de aplicação incluem: saúde tanto humana como animal (43%),
agricultura e produção de alimentos (29% e 16% respectivamente) e ambiente
(9%).
O incremento verificado nos últimos anos está associado a uma combinação de
factores favoráveis (Fontes, 2007). A crescente qualidade e maturidade da
investigação em algumas instituições, bem como a presença de elevado número de
jovens cientistas altamente qualificados e internacionalizados mas sub-
empregados, combinada com mudanças no contexto institucional, conduziram a um
aumento dos incentivos a iniciativas empresariais envolvendo a exploração
comercial de conhecimento originário da investigação. Este contexto contribui
para explicar as características das empresas: a maioria são spin-offsde
investigação e parte substancial foi criada por iniciativa de, ou envolvendo,
jovens cientistas.
Em termos de localização, as empresas distribuem-se ao longo de uma “faixa
litoral”, aglomerando-se em torno das principais cidades: particularmente
Lisboa (37%) e Porto (22%), mas crescentemente Coimbra (12%) e também Faro (8%)
e Braga (7%). Portanto, a maioria encontra-se localizada nas grandes áreas
metropolitanas, onde se concentram as principais instituições públicas de
investigação e o essencial das infra-estruturas de incubação e de apoio e
outros serviços relevantes. A tendência para a localização junto de centros de
produção de conhecimento é confirmada se analisarmos com detalhe a posição das
empresas face aos principais centros de investigação nacionais nos domínios
científicos que contribuem para a biotecnologia. Verifica-se que, não só ao
nível de distrito, mas também ao nível de concelho, existe uma forte correlação
entre a localização das empresas e a presença desses centros.
O grupo de 22 empresas da biologia molecular, analisadas neste trabalho,
enquadra-se no padrão anteriormente descrito, embora com algumas
particularidades. Estas empresas estão aglomeradas em torno de duas cidades:
Lisboa (50%) e Coimbra (27%). As suas actividades concentram-se no sector da
saúde (20 em 22 empresas), com destaque para as aplicações clínicas, que se
sobrepõem às farmacêuticas. Todas foram fundadas por empreendedores de origem
académica e experiência internacional, embora em alguns casos as equipas
promotoras integrem também elementos com perfil não académico. Estas equipas
são maioritariamente compostas por jovens empreendedores, ainda que algumas
incluam um investigador sénior, que mantém o seu vínculo à universidade ou
centro de investigação.
A localização geográfica das empresas estudadas parece apontar para a opção de
criar a empresa na proximidade de centros de produção de conhecimento, embora
não seja de ignorar que tal localização pode também obedecer a estratégias de
acesso a outros recursos, ou a motivos de ordem pessoal. Nesse sentido, é
relevante avaliar até que ponto essa opção está de facto associada ao
desenvolvimento de relações de natureza científica e tecnológica com os centros
de investigação localizados na região, qual a origem dessas relações e ainda
qual a sua importância para a empresa, relativamente a outras fontes. É de
notar que parte significativa das empresas tem pelo menos um fundador com
percurso internacional, frequentemente em centros de excelência internacionais
de biotecnologia, o que pode indiciar um papel potencialmente relevante para as
redes pessoais estabelecidas com esses centros.
2. Uma metodologia para análise do papel das redes sociais no acesso ao
conhecimento
Pretende-se contribuir para uma melhor compreensão do processo de aglomeração
das empresas de biotecnologia em regiões onde se localizam os principais
centros de produção de conhecimento, avaliando o papel desempenhado pelas redes
mobilizadas com esses núcleos no acesso ao conhecimento, comparativamente com o
desempenhado por redes eventualmente estabelecidas com fontes mais distantes.
Na condução desta análise tem-se em consideração: i) que o conhecimento
científico e tecnológico é um recurso crítico para este tipo de empresas; ii)
que a proximidade geográfica tem um papel importante no acesso ao conhecimento,
embora não seja suficiente para garantir esse acesso, devendo existir
igualmente proximidade cognitiva, social, organizacional; iii) o papel das
redes sociais construídas pelos empreendedores ao longo do seu percurso
académico e profissional no desenvolvimento de proximidade cognitiva, social e
organizacional. Com base nesses pressupostos, procura-se compreender:
a) até que ponto as decisões de localização da empresa tomadas pelos
empreendedores são influenciadas pela proximidade geográfica em
relação a centros de produção de conhecimento e, nomeadamente pela
variedade e qualidade dos centros existentes numa dada região;
b) até que ponto as redes sociais construídas pelos empreendedores ao
longo do percurso influenciam estas decisões, quer reforçando a
tendência para localizar a empresa próximo de centros com os quais
existem relações-chave; quer permitindo a localização da empresa em
locais mais ou menos distantes geograficamente de centros com os
quais existem relações-chave, mas onde se verifiquem outro tipo de
vantagens.
Para tratar este problema desenvolveu-se uma abordagem metodológica em dois
passos. O primeiro envolve a (re)construção das redes sociais que são
mobilizadas no acesso ao conhecimento científico e tecnológico durante o
processo de criação e desenvolvimento inicial das empresas, com vista a
compreender a sua composição e a forma como foram constituídas[vii]. O segundo
envolve uma análise de proximidade relativamente aos centros de produção de
conhecimento, com vista a compreender a importância da aglomeração em torno
desses centros e o papel relativo de outras formas de proximidade no acesso ao
conhecimento científico e tecnológico. São consideradas três unidades de
análise: a) a natureza das redes sociais das empresas; b) a proximidade entre
as empresas e os centros de produção de conhecimento; c) a natureza do contexto
local/regional em termos de presença, diversidade e qualidade de centros de
investigação[viii].
2.1 A (re)construção das redes das empresas
Como foi referido, o percurso profissional e académico dos empreendedores é
relevante na formação das redes sociais das empresas, sobretudo na fase
inicial, onde a rede da empresa se confunde com a do empreendedor (Hsu, 2007).
Por outro lado, durante o processo de constituição e na fase inicial da
empresa, são estabelecidas novas relações (formais, ou formalizadas a partir de
certo ponto) que têm já como objecto a empresa.
A informação sobre as redes mobilizadas no acesso ao conhecimento científico e
tecnológico é obtida combinando fontes documentais (CVs, publicações, patentes,
projectos) com informação recolhida em entrevistas com os empreendedores,
baseadas em questionários semi-estruturados[ix].
As entrevistas permitem identificar os elementos da rede pessoal que foram
efectivamente mobilizados pela empresano acesso ao conhecimento científico e
tecnológico, bem como as redes intencionalmente criadascom esse objectivo ao
nível da empresa. Uma vez que o intuito deste trabalho é analisar a relação
entre empresas e centros de produção de conhecimento, optou-se pela
consideração do nível organizacional, identificando-se, para cada indivíduo da
rede social do empreendedor, a organização (ou organizações) a que se encontra
ligado.
A rede social da empresa resulta da junção das redes de percurso mobilizadase
das redes intencionais. Na sua construção considera-se a intensidade dos laços
existentes com cada membro. Assim, as redes são construídas de forma a
repercutirem o número de relaçõesentre os empreendedores/empresa e cada fonte
de conhecimento. Contabiliza-se também o número de recursosobtidos através de
cada relação, o que permite equacionar a intensidade com que os empreendedores
recorrem à rede social para obter os recursos de que necessitam.
As redes assim obtidas permitem identificar as fontes de conhecimento da
empresa na sua fase inicial, ter uma primeira aproximação à importância
relativa de cada uma delas e compreender onde se encontram localizadas. Uma
análise mais fina permitirá ainda avaliar até que ponto as empresas recorrem a
diferentes fontes para aceder a outros tipos de recursos.
A titulo ilustrativo da aplicação desta metodologia de (re)construção de redes
apresenta-se, na figura 1, a representação gráfica da rede social mobilizada
para acesso ao conhecimento científico e tecnológico, no período inicial da
actividade de uma das empresas estudadas na fase experimental[x]. Os membros da
rede são representados por círculos, se forem centros de investigação, e por
quadrados, se forem outro tipo de organização. A distância geográfica é visível
na cor do símbolo: branco se a empresa e a outra organização estiverem
localizadas na mesma região, cinzenta se estiverem no mesmo país e preta se
estiverem em países distintos. Do ponto de vista gráfico, a intensidade dos
laços é representada pela espessura do traço que liga os actores.
Fig. 1 – Uma rede social de acesso a conhecimento.
Fig. 1 – A knowledge social network.
A observação desta figura permite ilustrar algumas das questões equacionadas ao
longo deste trabalho. Constata-se que a rede de acesso a conhecimento
científico e tecnológico é composta por organizações localizadas em diferentes
níveis espaciais. Neste caso, em termos numéricos predominam os centros de
investigação internacionais, mas as ligações mais intensas (traço mais espesso)
são mantidas com organizações de investigação locais (actores 18 e 78) e
nacionais (actor 19). Uma análise mais detalhada da relação mais intensa
(estabelecida com o actor 18) revela que, para além da proximidade física, ela
é marcada por outras formas de proximidade, já que este actor se encontra
presente nos percursos dos empreendedores. Globalmente, a análise aprofundada
da origem e natureza dos laços aqui representados, bem como dos respectivos
conteúdos, permitirá avaliar o nível e o(s) tipo(s) de contributo de cada uma
das organizações e, ainda, aferir uma eventual associação com a sua localização
ou com a forma como os seus membros foram angariados.
2.2 Análise da proximidade e da natureza do contexto local/regional
Relativamente à proximidade geográfica, a literatura apresenta várias medidas.
Neste caso, optou-se por definir níveis espaciais, acompanhando o
reconhecimento crescente na literatura de que os clusterslocais estão inseridos
numa matriz geográfica mais vasta (Bunnell e Coe, 2001). Assim, definiu-se a
seguinte escala de proximidade entre as empresas de biotecnologia e os centros
de investigação: co-localização (localizados na mesma morada, sendo a distância
nula); local (concelho), regional (distrito), nacional (país) e internacional
[xi].
A proximidade social é caracterizada usando medidas das redes sociais
(Wasserman e Faust, 1994), considerando-se neste caso três medidas de distância
social: a distância máxima, a distância média e a centralidade de proximidade
(closeness centrality).
A proximidade cognitiva é obtida recorrendo a duas proxies: a primeira resulta
do cruzamento entre a(s) área(s) de actividade(s) da empresa e as áreas de
investigação do centro[xii]; a segunda reflecte a participação da empresa (ou
do empreendedor) e do centro de investigação em projectos conjuntos. Desta
forma, procura-se capturar a semelhança das bases de conhecimento e a partilha
de códigos de comunicação e de procedimentos de investigação e teste entre a
empresa e o centro de investigação.
Quanto à proximidade organizacional parte-se da ideia de que, se o empreendedor
“passou” pelo centro produtor de conhecimento durante o seu percurso, tem algum
conhecimento sobre os valores, estruturas hierárquicas, normas e rotinas desse
centro. A medida utilizada neste caso será a existência (ou não) de uma ligação
prévia do empreendedor ao centro durante o seu percurso académico ou
profissional.
Para caracterizar o contexto local/regional procede-se à identificação, para
cada empresa, dos centros de investigação que se encontram co-localizados
(mesma morada), localizados no mesmo concelho e localizados no mesmo distrito.
Neste levantamento foram consideradas as Unidades de I&D do Programa de
Financiamento Plurianual da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) e os
“Laboratórios Associados”,nos domínios científicos que contribuem para a
biotecnologia, tendo sido identificados 131 centros[xiii]. Com base na
informação sobre a localização de cada centro e de cada empresa é construída
uma matriz que permite contabilizar quantos centros estão na mesma morada, no
mesmo concelho e no mesmo distrito que cada uma das empresas e, assim,
caracterizar o contexto local/regional em termos do número de centros de
produção de conhecimento. São ainda introduzidas três medidas que permitem
qualificar esse contexto: dimensão – baseada no número de investigadores de
cada centro; variedade – baseada nas áreas de especialização dos centros;
qualidade – baseada na classificação obtida na avaliação externa conduzida pela
FCT.
V. CONCLUSÕES
Neste artigo aborda-se a aglomeração de novas empresas de biotecnologia em
torno de núcleos de produção de conhecimento científico e tecnológico, visando
compreender o papel da mobilização de redes locais no acesso ao conhecimento,
comparativamente com o papel desempenhado por redes estabelecidas com fontes
mais distantes.
O caso das novas empresas de biotecnologia em Portugal – enquanto exemplo de
contexto onde existe uma base de conhecimento razoavelmente desenvolvida e se
verifica um número crescente de iniciativas empreendedoras neste domínio,
embora esteja longe de se poder considerar um importante clusterde
biotecnologia – suscita algumas questões, sobre as estratégias de localização e
sua relação com as estratégias de acesso ao conhecimento. Essas questões estão
também reflectidas na literatura sobre este sector, que ora aponta para uma
tendência para a aglomeração à volta dos principais centros de conhecimento e
negócio, realçando o papel da proximidade geográfica, ora chama a atenção para
o facto de as empresas tenderem a desenvolver um leque extenso de relações
geograficamente distantes.
A abordagem apresentada neste artigo, combinando a literatura sobre redes
sociais com debates recentes sobre proximidade, possibilita ultrapassar uma
abordagem linear baseada na dicotomia “proximidade-distância”. Assim, a análise
das redes mobilizadas no acesso ao conhecimento científico e tecnológico – quer
as redes pessoais dos empreendedores, quer as redes intencionalmente criadas
pela empresa – permite, antes de mais, avaliar a utilização de fontes
geograficamente próximas e, portanto, em princípio “disponíveis” e
“acessíveis”, bem como o papel de fontes geograficamente mais distantes. Por
outro lado, a literatura de redes – através da consideração da influência dos
percursos dos empreendedores na formação da sua rede social – e a literatura
sobre proximidade – realçando o papel da proximidade social, cognitiva e
organizacional – oferecem-nos uma perspectiva teórica para abordar as
estratégias de aquisição de conhecimento que se afastam da simples lógica da
proximidade física.
Com base nessas contribuições define-se um conjunto de proposições, que se
podem sumarizar da seguinte forma: a) as empresas procurarão localizar-se na
vizinhança de fontes de conhecimento relevantes para a sua actividade, embora a
decisão final de localização seja também determinada por uma combinação de
outros motivos; b) se existirem fontes relevantes geograficamente próximas (e
sobretudo se existirem relações de proximidade cognitiva/social/organizacional
com os seus cientistas) haverá menos incentivo para mobilizar relações
distantes; c) se tais fontes não existirem, ou se o seu acesso se revelar
complexo, ou se verificar que fontes distantes são mais efectivas (ou mesmo
únicas), os empreendedores tenderão a mobilizar para esse fim os elementos
distantes das redes sociais que foram construídas ao longo do seu percurso.
Para explorar empiricamente esta abordagem, foi desenvolvida uma metodologia
que permite: a) reconstruir as redes mobilizadas no acesso ao conhecimento
científico e tecnológico, tendo em vista compreender a sua composição, origem e
estrutura; b) desenvolver uma primeira aproximação à medição das várias formas
de proximidade (geográfica, social, cognitiva, organizacional) das empresas em
relação às principais fontes de conhecimento. Esta metodologia foi afinada
através da aplicação experimental num pequeno grupo de casos e encontra-se
actualmente em implementação num universo mais amplo das empresas de
biotecnologia portuguesas.
Os resultados desta investigação irão permitir uma melhor compreensão da forma
como as empresas de biotecnologia acedem a conhecimento científico e
tecnológico num país de desenvolvimento intermédio e do papel desempenhado por
diversas formas de proximidade nesse processo de acesso ao conhecimento. Tal
permitirá, nomeadamente, apoiar a formulação de políticas públicas, quer as que
favorecem a formação de empresas spin-offsem torno núcleos de produção de
conhecimento, quer políticas apoiando as estratégias empresariais de acesso a
conhecimento distante ou, numa fase anterior, à mobilidade como elemento base
para a formação de redes mobilizáveis para o acesso ao conhecimento.