Um suplemento entre dois mundos: Causas e consequências da transição papel/
digital do DN Jovem
As épocas de transição matam mais do que constroem: o tempo que
anunciam ainda não chegou José Mariano Gago, prefácio ao livro O DN
Jovem entre o Papel e a Net
1. Breve contextualização do objeto de estudo e da investigação
Suplemento de colaborações na área da literatura, fotografia, desenho e
cartoon, o DN Jovem (DNJ) foi um espaço criado no Diário de Notícias (DN)
durante a Direção de Mário Mesquita. Publicado desde 24 de maio de 1983, todas
as semanas desafiava jovens até aos 25 anos a participarem, tendo divulgado
milhares de trabalhos até 2007, ano em que se extinguiu no suporte em que então
se apresentava: o digital. A transição para o onlineocorrera a 18 de junho de
1996, quando o número de lares portugueses com acesso à Internet era residual '
de acordo com o estudo A sociedade em rede em Portugal, do Centro de
Investigação e Estudos de Sociologia do Instituto Universitário de Lisboa
(CIES-IUL), que, num universo de 2.450 inquiridos, detetou apenas 21 pessoas
(0,8 por cento) nessas condições ' e foi acolhida com explícito desagrado por
colaboradores e leitores.
À data, a migração dos conteúdos do papel para o meio digital cultivou no
microcosmo do suplemento uma discussão que já decorria no plano global. O
advento das novas tecnologias implicaria a extinção do suporte impresso? Num
mundo de acentuadas clivagens sociais, como facultar um acesso equitativo às
novas ferramentas e aos conhecimentos que o seu domínio exige?
Perante o anúncio da extinção do destacável DNJ, a estas perguntas de ordem
prática mas raiz teórica outras se juntaram. Uma das mais prementes dizia
respeito às motivações da decisão. Esta teria origem na ideia de que o futuro
passava inevitavelmente pela Net ou as exigências deste final de século2 '
invocadas pela Direção do DN ' mascaravam a necessidade de reduzir os custos?
Afinal, a própria justificação suscitava múltiplas interpretações: não seria o
corte nas despesas a real exigência de um final de século em que se antevia uma
séria crise na imprensa?
A investigação ' iniciada em 2006, uma década passada sobre a transição '
procurou resposta para estas e outras dúvidas, com base numa pergunta de
partida e num leque de questões derivadas. No seu conjunto, a pergunta de
partida e as ramificações ajudaram a delinear o guião das entrevistas e foram
guias fundamentais na estruturação da tese de mestrado que está na base do
presente artigo.
2. A pergunta primordial e as opções metodológicas
A pergunta de partida ' Que mudanças se operaram no DNJ a partir da sua
transformação de suplemento impresso em digital? ' originou outras: qual a
natureza das motivações para extinguir o caderno DNJ?; que fatores foram
ponderados no âmbito da transição?; com o novo formato, que dinâmicas e
potencialidades se perderam e se ganharam a nível dos colaboradores?; etc.
O conjunto de questões colocou-nos o desafio de, mais do que focarmo-nos no
êxito do caderno, percebermos se o sucesso tinha uma leitura consensual no DN e
em que medida as posições assumidas no plano interno determinavam o destino do
caderno.
A metodologia escolhida para abordar estes aspetos passou por complementar a
revisão da literatura com uma análise dos conteúdos (distinta da análise de
conteúdo tradicional) e a realização de entrevistas. As leituras foram
selecionadas em função de três eixos ' jovem/juventude e dinâmicas
identitárias; emergência e impacto das novas tecnologias; ciberespaço,
comunicação e comunidades virtuais ', cada um correspondendo ao vértice de um
triângulo imaginário no centro do qual foi colocado o suplemento. Para um
melhor enquadramento dos aspetos a analisar, fez-se coincidir a data de
publicação das obras com a data de criação, mudança de suporte e extinção do
DNJ3.
Além dos livros e artigos académicos consultados, constituíram material de
análise 25 edições do suplemento juvenil (relativas a janeiro, maio/junho e
novembro de 1996 e a maio/junho de 2006, com 15 a desdobrarem-se em dois
suportes) e o corpusde 20 entrevistas a colaboradores e coordenadores do DNJ e
aos diretores do DN durante as várias fases do suplemento.
3. Retomando a dicotomia papel/digital
A título introdutório, assinalámos que a transposição do DNJ para o meio
virtual se inseriu num contexto mais abrangente que motiva debate desde final
do século XX, com a controvérsia a assentar em vários sustentáculos. A hipótese
de a Internetdecretar o fim do suporte impresso, afetando tanto a imprensa como
o mercado livreiro, é, para o presente tema, o mais relevante desses pilares.
O fascínio do virtual, a possibilidade de a rede funcionar como epicentro de
uma nova espiritualidade, o receio de que o entusiasmo pela comunicação à
distância ensombrasse o encontro presencial foram alguns dos tópicos assíduos
nas discussões entre adeptos e céticos da Internet, sobretudo nos anos 90.
Tópicos que não surpreendem se pensarmos que o anúncio de mudanças radicais
causadas pelas tecnologias, ou simplesmente a sua previsão, impregnou a
consciência futurística do homem desde as primeiras utopias da alvorada da
época moderna (Rötzer, 1998: 79).
Especificamente no caso da Internet, a visão do final de século pode ser assim
descrita: Para uns ela anuncia o Paraíso, para outros abre as portas do
Inferno (Rebelo, 2003: 26). Assiste-se, pois, a uma reedição da dicotomia
apocalípticos versusintegrados proposta por Umberto Eco na década de 60, sendo
que os novos apocalípticos temem que a rede nos afaste de quem está perto e
os novos integrados enaltecem a sua capacidade para nos aproximar de quem
está longe.
Dois autores franceses publicaram, no mesmo ano, obras ilustrativas deste
antagonismo. Em 2000, Philippe Breton lançou Le culte de l'Internete Pierre
Lévy World philosophie. Se em Lévy a Internet, ao funcionar como repositório de
ideias e ao disponibilizar conteúdos à escala global, é descrita como a via
ótima para um reencontro da espécie humana consigo própria, para Breton a rede
pode isolar o ser humano dos seus semelhantes, inviabilizando relações que não
existam sem a presença física e tornando o corpo num objeto inútil, quase um
obstáculo.
Oposições que Manuel Castells, em A galáxia Internet, classifica de simplistas
e ideológicas (2004: 146), argumentando que as contendas entre fiéis e
detratores das novas tecnologias representam uma versão moderna das discussões
sociológicas entre aqueles que viam o processo de urbanização como o
desaparecimento das formas de vida comunitárias (...) e aqueles que
identificavam a cidade com a libertação das pessoas das tradicionais formas de
controlo social (idem: 155).
O investigador catalão alega que a acusação de que a Internetisola as pessoas
tem uma débil sustentação. Primeiro, porque a sua origem é anterior à difusão
generalizada da Internet, pelo que as suas informações foram construídas com
base em algumas experiências dos primeiros utilizadores, depois, falta-lhe um
substancial corpo de investigação empírica sobre os usos reais da Internet; e,
por fim, gira em torno de uma série de perguntas bastante simplistas e, em
última instância, enganosas, tais como a oposição ideológica entre a harmoniosa
comunidade local de um passado idealizado e a alienada existência do solitário
internauta (idem: 146).
De igual modo, as posições têm divergido entre os investigadores portugueses.
Se Rui Bebiano critica à Interneta falta da clareza de identificação que
atribui um rosto e aproxima os discursos (2000: 120) e José Luís Garcia alerta
que o potencial carismático da realidade virtual (2005: 12) faz esquecer que,
quando a realidade da antiga comunicação se desvanece, é substituída por mera
informação tecnológica, há quem os contrarie.
Os autores do livro A sociedade em rede em Portugal(Cardoso, Costa, Conceição
e Gomes, 2005: 179) indicam que pesquisas em vários países evidenciam
claramente que a Internet não só tem um efeito multiplicador dos contactos
estabelecidos com a família e os amigos, independentemente do local do mundo
onde estejam, como também é entre os utilizadores que se verificam menores
ocorrências da sensação de estar isolado do mundo ou deprimido. Prosseguem os
autores que a Internettem o efeito notável de reunir ou reforçar as relações
sociais de dois espaços físicos diferentes ' o real e o virtual.
Regressaremos a este tópico a propósito do espírito de comunidade vivido no DN
Jovem. Por ora ' e considerando que o DNJ foi um suplemento artístico, com
ligeira predominância da vertente literária, incluso num diário nacional, o que
o situava a meio caminho entre o jornal e o livro ' concentremo-nos no impacto
das novas tecnologias sobre os suportes impressos.
Veiculando uma imagem de saudável convivência entre o papel e o digital, o
Livro verde para a sociedade da informação em Portugalassinala que os
computadores fazem parte da nossa vida individual e colectiva e a Internet e o
multimédia estão a tornar-se omnipresentes mas, tal como a rádio não
substitui os espectáculos ao vivo, a televisão não faz as vezes da rádio, o
cinema não fez desaparecer o teatro, estes novos meios também não irão
substituir os livros e outros meios tradicionais, mas apenas acrescentar
capacidades adicionais às opções disponíveis (MSI/MCT, 1997: 7). Portanto,
desdramatiza a obra, a implantação de um novo medianão arrasa a concorrência
mas, ao requerer parte do espaço ocupado pelos já existentes, obriga à
redistribuição do tempo do público.
No plano editorial, uma das abordagens mais interessantes deve-se a Fabrice
Piault. Em Le livre ' La fin d'un règne(1995), o autor parte da realidade
francesa para versar mais amplamente sobre o impacto das novas tecnologias no
mercado livreiro. Entre os dados que apresenta, constam os resultados de duas
sondagens a leitores franceses. Na primeira, realizada em março de 1994, 84 por
cento dos inquiridos consideraram que o livro jamais seria substituído pelos
suportes multimédia e apenas 10 por cento opinaram que, com a rápida
disseminação das novas tecnologias, ele desapareceria pouco a pouco. Menos de
um ano depois, um inquérito à saída das livrarias mostrou que metade dos
auscultados já acreditava que os livros viriam a ser substituídos pelos novos
suportes, parcial ou mesmo totalmente. Uma hipótese ' até ao momento
contrariada pela tenaz sobrevivência do livro tradicional ' que também foi
motivo de reflexão e debate em Portugal.
Justamente à data da migração do DNJ, José Afonso Furtado (1996: 84) alegava
que as transformações estavam a gerar das visões mais otimistas, que davam os
livros de boa saúde e prontos a enfrentar o futuro, às concepções pessimistas
que reivindicam aos livros uma estratégia de enérgica resistência. Mas talvez
o cenário não fosse tão catastrófico... Dois anos depois, António Fidalgo
(1998: 284) defendia que ninguém dispensará a sua biblioteca particular
básica, com dicionários, uma ou outra enciclopédia, de consulta imediata, e
livros de ócio e de recreio.
Mas compreender como a migração do DNJ se insere na dicotomia papel
versusdigital requer, também, uma breve viagem ao mundo do suplemento, partindo
da descrição da primeira década de atividades, esses anos em que o então
caderno conquistou o reconhecimento dos leitores.
4. Ações e reações em torno do DNJ
Num testemunho publicado a 25 de abril de 1995 no DNJ, o escritor José Jorge
Letria descreveu-o como um herdeiro natural e digno do Juvenil, suplemento do
Diário de Lisboa que terminara uma década antes do surgimento do DN Jovem. Este
último nasceu em maio de 1983 por iniciativa de Mário Mesquita, então diretor
do DN, que procurava assim cativar o público dos 18 aos 24 anos ' faixa em que
o periódico tinha baixa aceitação ' e formar bons leitores de jornais e de
literatura, segundo Manuel Dias, o primeiro coordenador do suplemento (Vegar,
2002: 45).
Numa entrevista concedida no âmbito da investigação, Mário Mesquita recordou:
A minha ideia tinha um referencial de memória que era o Juvenil do Diário de
Lisboa. O Juvenil tinha marcado muito a minha geração. Alguns jovens que vieram
a revelar-se grandes escritores, poetas, etc, passaram por ali. O DNJ surgiu,
todavia, com um objetivo distinto.
Enquanto o Juvenil do Diário de Lisboa tinha uma vocação mais literária, eu
tinha pensado que talvez fizesse sentido apontar um rumo que tivesse mais a ver
com um certo jornalismo, jornalismo de investigação e, numa altura em que
ainda mal tinham começado os cursos de comunicação e de jornalismo, podia
servir até um pouco de escola, adiantou, tornando mais clara a razão do
desafio lançado na primeira edição do suplemento, na qual se lia: Nesta
primeira semana predominaram os poemas e os textos literários. Será que na
próxima vão começar a chegar os textos jornalísticos ' as reportagens, as
entrevistas, os artigos? (Diário de Notícias, 24/05/1983: 17).
A resposta dos jovens continuou, porém, a inclinar-se no sentido literário/
artístico e ' não havendo nenhum modelo dogmático a impor ' seguiu-se essa
tendência, revelou Mário Mesquita.
Até 1985, o leque de colaboradores do suplemento foi crescendo e, salvo os
curtos períodos em que saiu ao domingo ou à quinta, o suplemento fixou-se nas
terças- feiras. O número de páginas variou entre cinco e oito, sendo este o
formato publicado a partir de 1 de novembro de 1992. Semanalmente, os jovens
entre os 12 e os 25 anos tinham, além do incentivo e do reconhecimento da
publicação, uma retribuição material, pois os autores dos melhores trabalhos
recebiam prémios ' geralmente livros que as editoras ofereciam ao DNJ com essa
exclusiva finalidade.
Paralelamente à presença semanal no corpo do DN, o caderno promoveu, na
primeira década, tertúlias, recitais, salões de artes visuais e edições
especiais de poesia, prosa e texto jornalístico. Nesses casos, a função de
selecionador, geralmente a cargo do coordenador do suplemento, transitava para
autores como Casimiro de Brito, José Agostinho Baptista, Maria Alberta Menéres,
Mário de Carvalho, Teolinda Gersão ou Lídia Jorge, escritora que, pelos 10 anos
do DNJ, considerou que, sem numerus clausus, nem propinas, este caderno tem
sido o curso de criação livre que todas as universidades do mundo têm
dificuldade em conceber (Diário de Notícias ' DN Jovem, 30/05/1993: 16).
A consciência do valor próprio ficou bem patente em 1990, quando foi editada a
Antologia DN Jovem. Num texto introdutório ao volume, Dinis de Abreu, membro da
Direção que apadrinhara o projeto, orgulha-se por o DNJ ser inseparável do
jornal que o publica e escreve: Inconformista, até rebelde, ousando modelos e
propostas que são o espelho natural da sua vitalidade, este jornal de jovensé
um roteiro obrigatório para quem queira ter uma noção mais exacta do que pensa
e por que assim pensa uma geração que protagonizará o futuro que já começou.
( ) O DN Jovem é hoje um ponto de referência curricular para novos nomes que
conquistam terreno nas letras e nas artes (AA. VV., 1990: 5-6).
Perante os elogios, uma questão ganhou premência: o que sucedeu para que, seis
anos após estas palavras, o caderno acarinhado e de méritos reconhecidos
migrasse para uma Internet então inacessível à maioria dos portugueses? Seria o
sucesso do DNJ entendido de forma unânime nos vários departamentos do DN? Ou
quem valorizava o êxito cultural do suplemento confrontava-se com quem apontava
o seu fracasso económico? Na busca de respostas, foi necessário passar do palco
aos bastidores, para aí ouvir testemunhos e tentar perceber se se verificava
uma sintonia de pontos de vista sobre o valor do DNJ ou se se registavam
discordâncias internas, ocultas do público.
Antes, porém, de prosseguirmos, importa recordar que, em 1996, o DNJ tinha já
um currículo invejável. Revelara escritores como José Riço Direitinho, José
Eduardo Agualusa, José Luís Peixoto ou António Manuel Venda, fotógrafos como
Bruno Rascão ou Susana Paiva (que assinava Maria Cerdeira), autores de Banda
Desenhada como Álvaro e cartoonistas como João Fazenda, entre outros.
Não obstante o papel cultural desempenhado, o facto de as páginas do DNJ não
reverterem num lucro concreto desde cedo gerou tensão no Diário de Notícias.
A reação que havia, da parte dos órgãos de gestão da empresa, dos órgãos mais
ligados à parte comercial e à parte de publicidade, desanimava-nos um pouco e
contrastava com uma influência que nos parecia que era real e uma corrente que
apelava ao jornal, contou Mário Mesquita, reconhecendo, no entanto, que, em
termos quantitativos, os serviços internos não consideravam isso relevante,
vendo no DNJ um jornal para jovens intelectuais.
Com o tempo, os dois critérios de avaliação ' o qualitativo e o quantitativo '
continuaram a caminhar de forma divergente, em parte devido precisamente à
ideia de que o suplemento alcançava apenas um nicho, algo incompatível com o
objetivo do DN, um órgão de comunicação de massas. E os ataques ao suplemento
vindos de dentro do jornal estribavam-se precisamente nisso ' apesar de
colaborações de qualidade na escrita e nas artes visuais, de uma perspetiva
estritamente comercial o caderno não estava a corresponder ao que se tinha
pensado, contou Manuel Dias.
A consciência desse fraco retorno financeiro terá levado a uma mudança de
atitude por parte das hierarquias do jornal, por cujos cargos da Administração
e da Direção passaram, entretanto, diversas pessoas. Referindo uma delapidação
do capital humano do suplemento, Sandra Augusto França, que ingressou na
coordenação do DNJ com a transição, contou-nos que o DN foi tirando
jornalistas para outras coisas e nunca ressarciu o DN Jovem dessas perdas,
pelo que a dieta acabou por se tornar um bocadinho excessiva e incompatível
com aquilo que a coisa exigia. Também a inserção forçada de publicidade
começou a ser entendida pela coordenação como sinal de uma perda de prestígio
do suplemento no interior do DN. Se na fase inicial do DNJ não houvera a
preocupação de colocar anúncios no caderno, num momento em que o projeto foi,
talvez, menos acarinhado pela Direção, (a publicidade) acabou por montar a sua
tenda no oásis, contou Manuel Dias, fazendo notar que o argumento da secção
comercial, aceite e advogado a partir de certa altura pela própria Direção,
era formalmente inatacável: Se queríamos continuar a oferecer um espaço sobre
cuja utilidade económica a Administração teria muitas dúvidas, era justo que
colaborássemos também na obtenção de algumas receitas.
Para Manuel Dias, a perda de páginas limpas revelou que o DNJ deixara de ser
a joia da coroa e ganhara mesmo, a nível interno, alguns anticorpos.
Estavam, portanto, criadas as condições não para uma extinção imediata, mas
para uma morte que, então, ninguém sabia quanto distava, mas que teve um forte
prenúncio em 1996.
5. Motivações e impactos de uma transição extemporânea
O problemático enquadramento do DNJ na estrutura do DN permitia antever que,
com o tempo, as suas probabilidades de sobrevivência em papel minguariam,
sobretudo face à conquista de terreno dos suportes digitais. Que melhor opção
para as oito páginas não rentáveis do caderno?
Assim, a 21 de maio de 1996, o editorial do suplemento anunciou que os
conteúdos do caderno passariam a ficar disponíveis apenas na Internet. Alheios
à precária aceitação do caderno dentro do DN, leitores e colaboradores foram
apanhados de surpresa pela notícia, que suscitou uma onda de protesto. As
reações incluíram a distribuição de um manifesto à porta do jornal e a
publicação de uma edição especial de depoimentos, quase todos condenatórios da
medida.
Dos testemunhos de leitores e colaboradores sobressaem alguns aspetos comuns:
assiste-se a uma tentativa de justificar a validade do DNJ e o seu direito a
prosseguir em suporte impresso, critica-se a suposta intenção do DN de
acompanhar uma modernidade tecnológica que os portugueses não partilham e
acusa-se a Administração e a Direção do jornal de ocultarem o que consideram
ser o verdadeiro móbil da mudança de suporte ' razões económicas.
À data da transição, a Direção do DN era assumida por Mário Bettencourt
Resendes, que a nossa investigação foi encontrar uma década depois no cargo de
provedor do leitor do DN e junto de quem procurámos clarificar as razões de uma
mudança ocorrida num momento em que o acesso à Internetnos lares portugueses
era muito deficitário.
Recuando a 5 de março de 1992, quando assumiu a Direção do DN, que, na sua
opinião, se atrasara a dar resposta à entrada do Público no mercado, exatamente
dois anos antes, Mário Bettencourt Resendes ensaiou diversas remodelações no
jornal, uma das quais passou pela criação de vários destacáveis. Foi neste
âmbito que o DNJ conquistou as oito páginas e se autonomizou.
Porém, quatro anos depois, concluiu-se que a inserção de destacáveis
diferenciados não surtira o efeito esperado, pois estava a ser fornecida aos
leitores uma quantidade de conteúdos incompatível com a sua disponibilidade,
em termos de tempo de leitura, ao longo da semana e, portanto, era um custo que
não tinha um retorno adequado, explicou o responsável.
Necessariamente, a estratégia foi repensada e vários destacáveis suprimidos:
Houve um conjunto de motivos onde ' também não escondo ' pesaram fatores
económicos. Porque os custos de produção de vários suplementos semanais são
elevados e houve que racionalizar custos em algumas alturas do meu mandato e
numa delas tivemos de sacrificar, optámos por sacrificar, alguns dos
suplementos em favor do enriquecimento do primeiro caderno do jornal, revelou
ainda.
Segundo Bettencourt Resendes, embora o DNJ tenha sido visado pelo
emagrecimento, passando a dispor apenas de uma página no corpo do jornal, os
seus conteúdos migraram para o meio digital também por não fazer sentido que
um suplemento que tinha entre os seus objetivos estratégicos consolidar e
amplificar a relação do jornal com os leitores mais jovens não estivesse
presente na Internet, onde não havia restrições de espaço. Explicação coerente
que esbarra, contudo, num facto incontornável: o escasso acesso à Internetem
Portugal em meados dos anos 90.
De acordo com a Nua Surveys (www.nua.ie/surveys/how_many_online/index), em
1996, os EUA detinham cerca de 83 por cento dos utilizadores de Internet,
seguindo-se, a larga distância, a Europa com 6 por cento. Em Portugal, o acesso
era de tal forma diminuto que o Instituto Nacional de Estatística nem o
contabilizava. Os dados mais antigos de que esta entidade dispõe remontam a
1997 e apontam para 88.670 clientes de Internet(particulares e empresas,
indistintamente). Só em 1999 o INE passa a considerar de forma isolada os lares
com acesso: 5 por cento no total de 21 por cento de agregados com computador4.
Os números são bastante claros e os testemunhos corroboram-nos, mostrando que
a própria coordenação do suplemento se viu, de súbito, confrontada com um meio
que desconhecia. As palavras de Manuel Dias são esclarecedoras: Eu não tinha
em casa, eu tinha no jornal e para mim também era uma coisa assim um bocado do
outro mundo. O coordenador adiantou que houve n' pessoas que colaboravam e
que nunca chegaram a ver os trabalhos publicados.
Sem acesso à Internet, José Luís Peixoto, colaborador que viveu a transição,
contou que apenas sabia que os seus trabalhos haviam sido publicados porque na
página que restou no corpo do DN saía sempre um excerto ou, pelo menos, a
lista dos autores selecionados. Também Paulo Jorge Domingues, colaborador da
fase impressa, recordou esse período: Na minha última colaboração, que já
apanhou a transição, foi a primeira e única vez que fui a um posto de Internet
a pagar para consultar e imprimir coisas, porque quis ficar com a recordação do
trabalho.
Ainda acerca deste aspeto, Mário Mesquita partilhou um episódio revelador.
Tendo assumido, em janeiro de 1997, o cargo de provedor do leitor no DN,
recebeu uma carta de um leitor que questionava o destino de um texto que o neto
enviara para o DNJ. Apesar de lhe ter sido explicado, mais do que uma vez, que
o texto não fora publicado na página única do jornal mas no DNJ digital, o
leitor não compreendia. Fiquei com a impressão de que, para aquele senhor, o
dizer que estava na Net era como dizer que tinha sido enviado para Marte,
porque, provavelmente, aquela família não tinha acesso, recordou o diretor que
pugnara pela criação do espaço juvenil.
A ausência de familiaridade com a Internetnão ficava, contudo, patente apenas
no limitado acesso dos lares portugueses ao online. Na verdade, a este aspeto
prático juntava-se um aspeto teórico: a inadequação das criações dos
colaboradores ao meio digital.
No ano seguinte à transição, o especialista em usabilidade Jakob Nielsen
concluiu que ler em ecrãs é 25 por cento mais lento do que em papel (1997b),
pelo que, quem produz um texto para a Internet, deve escrever 50 por cento
menos do que para um suporte impresso, de modo a que o público se sinta
confortável com a leitura (1997a). Além disso, trabalhos publicados onlinenão
deviam ultrapassar os três ecrãs, pois grandes blocos de texto são
intimidatórios (Morkes e Nielsen, 1997).
Não obstante, na análise dos conteúdos realizada é notório que a grande maioria
dos textos enviados e difundidos não observava as especificidades exigidas para
a adequada leitura num ecrã de computador. E alguns entrevistados reforçaram,
com os seus depoimentos, esta impressão.
Da minha parte não houve nenhuma espécie de modificação nos textos pelo facto
de serem publicados na Internet, contou José Luís Peixoto, segundo quem não
se falava sequer muito nisso entre os colaboradores. Tínhamos muito uma
cultura literária, no sentido em que as nossas referências eram livros, eram
revistas, não era mesmo a Internet, acrescentou.
Na imagem, a realidade não diferia grandemente, como recordou Álvaro Santos.
Ter de criar trabalhos para o novo suporte fê-lo perder um bocado o controlo
do processo. Havia problemas com o tamanho da letra, que ficava impercetível.
Tinha de compactar bastante os desenhos, que eram feitos à mão. Havia uns
pormenores técnicos que eu não dominava, revelou.
Além da extensão dos textos e dos problemas de resolução das imagens, outra
carência evidente respeitava às hiperligações que, sendo uma das principais
mais-valias do meio digital, não foram exploradas logo após a transição, nem
nos anos subsequentes, quando o desconhecimento já não era uma atenuante. Ainda
neste plano, a comparação entre as 25 edições evidenciou que o diálogo texto-
imagem, comum no caderno, não se verificava no DNJ digital.
A estes subaproveitamentos ou perdas somaram-se o afastamento do público mais
velho (em regra com menor apetência e entusiasmo pelas novas tecnologias), o
desinteresse das editoras (que foram deixando de enviar livros para oferta aos
autores de trabalhos premiados, dada a então reduzida visibilidade do meio) e a
alteração do espírito de comunidade em torno do suplemento.
Sendo este último um dos aspetos merecedores de maior atenção, justificou-se
uma breve incursão à literatura, para que, partindo de definições sociológicas,
a posterioriconjugadas com as perceções individuais de coordenadores e
colaboradores, fosse possível analisar a forma como a transição alterou as
características da comunidade que se pressentia existir em redor do DNJ.
Em 1887, o sociólogo alemão Ferdinand Tönnies (1979: 47) defendeu a ocorrência
de comunidades de espírito ou de vida mental alicerçadas na proximidade
intelectual e, um século depois, Chavis e McMillan (1986: 9) propuseram quatro
pilares para a criação do designado sentido de comunidade: a pertença, a
influência, a integração e a satisfação de necessidades e, por fim, a partilha
de relações emocionais. Este último pilar é fundamental em Max Weber (1987:
77), para quem uma comunidade se funda em qualquer tipo de ligação emocional,
afetiva ou tradicional, estando sempre presente o sentimento de formação de um
todo e um sentido de solidariedade.
Portanto, as vertentes afetiva e identitária são o elo comum às definições de
comunidade trabalhadas pelos vários investigadores. Assim, funcionam como um
ponto de apoio seguro com vista à análise da aplicação do conceito ao universo
do DNJ. São ainda de acentuar as relações de influência criativa e de partilha
cultural devido ao papel que desempenham na construção de uma rede de
sociabilidade e na formação da identidade artística dos seus intervenientes.
Contando que cada participante tinha, por detrás, uma série de canaizinhos, de
riozinhos, que tinham convergido para formar a pessoa que era, com o gosto que
tinha e com a informação que tinha e, portanto, quando a partilhava, quando a
punha ali ao dispor, formava-se mais um canalzinho que ia enriquecer o outro,
o coordenador Manuel Dias incluiu-se como nódulo dessa rede e explicou que,
mesmo sem o amparo das iniciativas promovidas pelo suplemento, muitos
colaboradores pediam o contacto de outros: O Joaquim Cardoso Dias estava em
Castelo Branco e eu fiquei muito espantado ao perceber, às tantas, a
familiaridade que ele tinha com pessoas que estavam noutros sítios, como o José
Carlos Barros, colaborador natural de Boticas, Vila Real.
Houve, pois, quem transformasse o seu ciclo de relações em função de pessoas
que conheceu via DNJ. Intervindo num debate na Feira do Livro de Lisboa em
junho de 2004, o colaborador José Mário Silva afirmou: Posso dizer que 90 por
cento dos meus amigos que partilham o gosto da escrita e da literatura foram
feitos na altura do DN Jovem e, curiosamente, amigos que, muitos, não tinham
aparentemente nada a ver comigo, quer em termos sociais quer políticos, etc.
Mas ali encontrámos qualquer coisa que nos unia e eu acredito que nada pode
quebrar essa união. Sentimento com eco no colaborador Luís Filipe Silva, que
rejubila ao encontrar quem tenha passado pelo DNJ: É uma referência, quase
como se tivéssemos todos passado pela Academia Militar.
Perante um conjunto mais alargado de testemunhos que recolhemos e que dão conta
de um sentimento de pertença, de uma identificação com os outros e da
importância do grupo na criação de interesses e na evolução da via criativa/
artística, concluímos pela existência de uma comunidade em torno do DNJ
impresso, restando- nos, então, averiguar como fora esse sentido de comunidade
afetado pela transição de 1996. Principiámos, assim, pela caracterização de
comunidade digital.
Na introdução ao livro The virtual community(1993), o norte-americano Howard
Rheingold descreve-as como agregados que emergem da Internet quando um número
satisfatório de pessoas leva a cabo discussões públicas durante um período
razoável de tempo e com suficiente sentimento para criar redes de relações
pessoais no ciberespaço. Cumulativamente, existem modos de comunicação nos
ambientes virtuais que fomentam um sentido de comunidade, um sentimento de
pertença motivado por objetivos, ações e temas de interesse comuns (Lacerda,
2001: 13).
A questão da interatividade é outro dos tópicos inevitáveis quando no tema das
comunidades virtuais dado que, embora seja uma característica inerente e até
potenciada pelo meio digital, não constitui uma garantia deste meio, pois
depende dos usosque cada parte da relação comunicativa fizer das ferramentas
que ele disponibiliza (Recuero, 2003: 7).
De salientar, ainda, que a maioria das comunidades virtuais que sobrevivem no
tempo trazem os laços do plano do ciberespaço para o plano concreto,
promovendo encontros entre (os) seus membros (idem: 9), que se envolvem
apoiados numa cultura, num sistema de valores e num universo simbólico,
próprio dos membros que a constituem e que os ajuda a criar uma identidade
(Meirinhos e Osório, 2006: 6).
Tendo por base estas definições, procurámos enquadrar a experiência dos
colaboradores e da coordenação do suplemento, auscultando participantes que
contribuíram para os dois suportes e outros que apenas conheceram a fase
digital.
Golgona Anghel, que enviou textos entre 2001 e 2003, manteve contacto regular
apenas com os colaboradores que eram seus colegas de faculdade. O laço com os
coordenadores foi circunstancial e apenas com Sónia Duarte, que entrou para a
coordenação em fevereiro de 2001, a relação foi mais direta: Ela ligou-me uma
vez, por acaso, a perguntar se eles podiam cortar ou modificar um texto. E
conhecemo-nos numa noite em que saímos, nós, os colaboradores. Já a Rodrigo
Francisco, também participante na fase digital, o DNJ deu a primeira
comunidade de jovens criadores, de partilha de experiências e de textos e
fomentou alguns encontros presenciais.
Analisadas as respostas dos vários entrevistados, a investigação apurou que a
maioria não tem uma ideia definida sobre a existência de uma comunidade em
torno do DNJ na Internet e, à luz das leituras realizadas, não encontramos, de
facto, uma comunidade virtual pura, pois, apesar das raízes criadas fora do
espaço digital, carece de um requisito: a interação onlineentre os seus
membros.
Neste âmbito, as coordenadoras, que lidaram com todo o universo de
colaboradores, sentiram alterações na comunidade com a mudança de suporte,
embora esta não explique tudo. Acho que o DN Jovem teve sempre uma comunidade
de base, que estava ligada ao projeto e que foi mais forte, se calhar, na época
do papel. Mas isso não tinha a ver propriamente com o suporte, tinha a ver com
os apoios com que contávamos na altura, nomeadamente da parte dos centros de
decisão, ponderou Sónia Duarte na entrevista que concedeu sobre a transição do
suplemento.
A falência de um diálogo interno que vinha a enfraquecer desde a transição de
1996 terá dificultado a realização das iniciativas paralelas que alimentavam a
comunidade, deixando a própria coordenação sem uma linha orientadora e
impedindo a necessária revitalização do suplemento. Estava em curso um processo
de desinvestimento que, em poucos anos, conduziria ao fim do DNJ.
6. Declínio progressivo e extinção do DNJ
Uma comparação entre o DNJ digital de junho de 1996, data da sua criação, e o
de junho de 2006 mostra que as alterações gráficas foram mínimas numa década.
Com a agravante de outras fraquezas poderem ser apontadas: a inclusão de textos
demasiado longos para uma leitura num ecrã e o subaproveitamento do hipertexto,
ambos já referidos, o investimento praticamente nulo em trabalhos de cariz
audiovisual, a ausência de caixas de comentários e de um arquivo das edições
anteriores, o desaparecimento de algumas secções e a desatualização de outras,
etc.
Sónia Duarte referiu que a coordenação conhecia algumas das fragilidades
identificadas, mas não encontrou forma de alterar a estagnação em que o DNJ
caíra: No que ao meu período (em conjunto com a Sandra) diz respeito,
tentámos, por diversas vezes, tanto modernizar o aspeto gráfico do sitecomo dar
continuidade a propostas de dinamização que nos chegavam de fora (apoio a
eventos e concursos culturais), mas dado o grande desenraizamento do DNJ da
estrutura do DN e a falta de uma via de comunicação eficaz com a Direção (que
há muito deixara de se preocupar com o suplemento), tanto o departamento de
informática como o de marketingfaziam, por assim dizer, ouvidos moucos' às
nossas ideias, justificou num e-mailposterior à entrevista presencial.
Queixa complementar veio de Sandra Augusto França: Em termos das incumbências
próprias e únicas do DN Jovem, nunca tivemos qualquer ponte com as pessoas que
estavam em condições de definir qual seria a orientação do suplemento. Não
sabemos até se o desinvestimento era proporcional à importância que queriam que
a coisa tivesse, revelou, adiantando que a carência de orientação superior e a
dificuldade de sintonia com a Direção do DN foram, sobretudo, consequência da
mudança do estatuto das pessoas que faziam o suplemento. A partir do momento
em que Manuel Dias deixa a equipa, desaparece de todo a figura de um
coordenador do quadro do jornal, algo que empobreceu, desse ponto de vista,
as relações, sublinhou a coordenadora, acrescentando que as pessoas que
endereçavam perguntas e sugestões à coordenação não ficavam sem resposta, mas
essas respostas passaram a ter as limitações de um serviço deixar de ter alguém
que pudesse responder por coisas que excedessem o campo técnico da produção do
suplemento.
Deste modo, o suplemento enterrou-se no anonimato e na inércia e nem uma
segunda transição a que foi sujeito teve o mérito de corrigir a sua rota. De
facto, uma nova mudança teve lugar a 8 de janeiro de 2006, quando a página
impressa que restara do DNJ destacável no corpo do jornal saiu pela última vez
no caderno principal. A partir de dia 13 desse mês, o espaço do DNJ impresso
integrou um novo suplemento do Diário de Notícias: a revista cultural 6ª.
Inicialmente, o editor da publicação, Nuno Galopim, assumiu que esta herdava o
legado do DNJ e garantiu que ia reinventá-lo de forma gradual5 . Numa nota
publicada na última página do DNJ a sair no corpo do DN, também a coordenação
alertava para a nova transição e aliciava os colaboradores e leitores com um
contem com várias surpresas (Diário de Notícias, 08/01/2006: 41). A realidade
não daria, porém, razão a estas vozes e, em vez da prometida revitalização,
surgiram mais adversidades.
Se quando a página única estava integrada no DN havia o risco de não sair na
data prevista, devido à inserção de uma incontornável notícia de última hora, a
migração para a revista 6ª não lhe proporcionou maior estabilidade, com a
primeira falta a registar-se a 28 de julho de 2006. O espaço voltou a ser
suprimido em agosto e dezembro desse ano e em janeiro e março de 2007, num
total de sete ausências. Acrescentem-se a estas as 16 edições (entre março de
2006 e março de 2007) em que o espaço do DNJ foi partilhado com anúncios que
ocuparam do rodapé à meia página.
Inquirido acerca desta irregularidade de publicação, Nuno Galopim declarou que
o DNJ não saía umas vezes por questões técnicas, outras por questões meramente
editoriais, ou seja, pela necessidade de atribuir espaço a outras matérias.
Para o responsável, aquela página estava sem potencial e mal enquadrada na
revista: A ideia de ali ficar o DN Jovem foi uma decisão editorial que me
transcendeu. (...) Íamos ver como é que ' integrada num espaço como a 6ª '
aquele tipo de conteúdos e de desafios a novos autores poderia ou não
funcionar. Eu acho que não funcionou.
A decisão de inserir o espaço do DNJ na revista foi tomada na Direção de
António José Teixeira, mas esta seria substituída, no primeiro trimestre de
2007, por uma nova equipa, chefiada por João Marcelino, que deliberou extinguir
a revista, deixando a página avulsa do DNJ sem abrigo. Os dois percalços em
pouco mais de um ano empurraram o suplemento para a reta final.
A 16 de março de 2007, o sitedo DN Jovem foi atualizado pela última vez, com
colaborações subordinadas ao tema Partidas. Uma ironia, esta temática
duplamente conotada: temos as partidas que representam despedidas e aquelas que
alguém nos prega, de surpresa. A extinção do DNJ terá refletido um pouco de
ambas.
Reflexões finais
A investigação sobre a transição do DNJ procurou analisar a mudança de suporte
à luz da dicotomia papel versusdigital, mas a análise encontrava-se
permanentemente ensombrada por dúvidas relativas à real influência que a
componente económica tivera na deliberação e para esclarecer que aspeto fora
preponderante na decisão de deslocar os conteúdos do DNJ para a Internet, a
entrevista a Mário Bettencourt Resendes, entretanto falecido, revestiu-se da
maior importância.
Examinando as suas respostas, concluímos que ' a coberto da ilusão criada pela
Internete da crença no fim dos meios impressos ' o suplemento perdeu o seu
território em papel por razões eminentemente económicas, não havendo, uma
franca preocupação da Administração/Direção do DN com o facto de, online, o DNJ
ficar afastado dos seus principais contribuintes e destinatários.
Como declarou Bettencourt Resendes, os portugueses que tinham acesso à Net em
1996 não seriam um número assim muito significativo, mas houve um fator de
racionalidade económica e alguma coisa teve de ser sacrificada. O DNJ, desde
cedo recriminado pela sua nula rentabilidade financeira, estava na linha da
frente e dificilmente escaparia ao veredicto.
Após a transição de suporte, a caminhada do suplemento tornou-se dramática e a
mudança para a revista 6ª, no início de 2006, a que se seguiria a extinção do
suplemento, em março de 2007, forçou a investigação ' que pretendia focar-se
apenas na migração de conteúdos de 1996 ' a dilatar-se, para acompanhar os
projetos de reanimação e assistir, afinal, à confirmação do óbito do DNJ.
Se ao longo de mais de uma década, entre 1996 e 2007, a falta de investimento
na dinamização e na atualização daquele espaço juvenil levou a que o número de
colaborações decrescesse, o designficasse cada vez mais obsoleto e diversas
secções do sitedesaparecessem, importava perceber como fora visto o DNJ pela
Direção do DN que optou pelo fim da rubrica.
De acordo com Catarina Carvalho, ex-adjunta de Manuel Dias na coordenação do
DNJ e subdiretora do DN à data da decisão, a comunidade de troca de ideias
outrora promovida pelo suplemento estava agora representada na blogosfera, não
fazendo sentido reativar uma iniciativa que tivera a sua época áurea em papel,
conquistando mesmo o estatuto e a autonomia de destacável.
Para trás, num passado ainda presente para muitos dos protagonistas
entrevistados, ficaram mais de duas décadas em que o DNJ acolheu criações e
criadores, divulgando mais de 25.000 trabalhos, alguns dos quais ' respigados
para portefólios e livros ' sentiram um novo sopro de vida.
Notas
1 Doutoranda em Ciências da Comunicação no ISCTE ' Instituto Universitário de
Lisboa (ISCTE-IUL). Bolseira da FCT no Centro de Investigação e Estudos de
Sociologia (CIES-IUL) (Lisboa, Portugal). E- mail: helena@jornalismo-
literatura.com
2 Diário de Notícias ' DN Jovem (21/05/1996): 1.
3 Ex: para definir jovem ou juventude foi escolhida bibliografia publicada
desde meados dos anos 80, de modo a compreender qual o entendimento ' e debate
em torno ' daqueles conceitos desde o ano de criação do DN Jovem.
4 Informação facultada directamente pelo INE em resposta a um pedido de dados
estatísticos.
5 Notícia Imprensa: Nova revista do DN 6ª aposta na divulgação da actualidade
cultural (Agência Lusa, 2006).