Desigualdades sociais e ação coletiva nas sociedades contemporâneas: a
fecundidade teórica de Pierre Bourdieu e de Nicos Mouzelis
Introdução
A ação coletiva constitui um problema sociológico relevante e um desafio
impregnado de atualidade na compreensão das dinâmicas das sociedades
contemporâneas. Historicamente, muitos foram os conflitos e as mudanças sociais
ocorridas que tomaram as desigualdades sociais como obstáculo social a
transpor. Neste artigo, discute-se teoricamente as consequências que sobre a
ação coletiva terão as desigualdades sociais, avaliando a hipótese de que as
desigualdades sociais, enquanto constrangimento social e potencial fator de
mobilização social, continuam a manter-se no centro das reivindicações sociais
e políticas produzidas pela modernidade.
Mas o estudo da ação coletiva tem sido, sobretudo, marcado pela polarização
entre as teorias da mobilização dos recursos e as teorias dos novos movimentos
sociais (Turner, 2001; Maheu, 1995). Foram sobretudo estas "teorias de
médio alcance" que ergueram uma Sociologia "especializada"
dos movimentos sociais, prisioneira das insuficiências dos paradigmas
racionalistas, individualistas, organizacionais e culturalistas, que, nas
últimas décadas, dominaram o estudo da ação coletiva.
Com vista à inscrição do conceito de ação coletiva em quadros meta-teóricos
capazes de lidarem com o problema da relação entre a estrutura e a ação
(Crossley, 2002), estatuto teórico sob o qual se inicia e desenvolve o debate
das teorias da prática (de Pierre Bourdieu) e das hierarquias sociais (de Nicos
Mouzelis), apresenta-se um conjunto de argumentos teóricos justificativos e
construtores de um programa holístico para o estudo da ação coletiva,
profusamente inscrito nos debates atuais e centrais da teoria sociológica
contemporânea relativos à problemática das desigualdades e das classes sociais.
A partir das teorias de Pierre Bourdieu (2000, 1989, 1979) e de Nicos Mouzelis
(2008, 1995, 1991), é proposto um modelo teórico para o estudo da ação coletiva
sob a ótica das desigualdades sociais. As suas teorias e enfoques problemáticos
fornecem contributos relevantes para um debate atualizado sobre a ação coletiva
nas sociedades contemporâneas. A conceção estrutural, cultural e simbólica do
espaço social das classes e a distribuição dos capitais, os campos sociaise a
ação do habitus, constituem, no essencial, os principais conceitos da teoria da
prática relevantes para a análise da ação coletiva, estes complementados, de
modo indispensável, pela teoria das hierarquias sociais de Nicos Mouzelis, na
qual a ação coletiva ocupa uma importância uterina e imanente nas relações
hierárquicas entre a estrutura e a ação, nos processos da interação social e
nas estratégias e jogos sociais dos agentes e atores coletivos presentes nos
contextos institucionais da modernidade.
A construção de uma teoria sociológica da ação coletiva, a partir da ótica das
desigualdades sociais, visa responder a problemas teóricos tais como: os
constrangimentos/possibilidades das estruturas sobre a formação da ação
coletiva; a multidimensionalidade das desigualdades sociais e a presença das
classes sociais; a apropriação/desapossamento dos recursos de vária ordem e a
sua repercussão sobre a cidadania; o lugar ocupado pela cultura na ação
coletiva; e os impacto(s) das desigualdades de poder sobre a agência individual
e coletiva.
Um fecundo debate das teorias da prática e das hierarquias sociais, capaz de
solidamente construir novas abordagens teóricas sobre o problema da ação
coletiva, encontra algumas das suas raízes nas teorias das classes sociais e do
conflito, nomeadamente em Marx e Weber, no Neomarxismo, no Neoweberianismo e no
Interacionismo Simbólico do conflito, referências cujo desenvolvimento teórico
se demarcam da atual Sociologia dos Movimentos Sociais. As teorias de Pierre
Bourdieu e de Nicos Mouzelis ' enquanto autores centrais do novo movimento
teórico em consolidação na sociologia contemporânea ' implicam uma rutura com
os atuais paradigmas e teorias dominantes da ação coletiva, quer para a
(re)construção teórica de médio alcance, quer no plano meta-teórico holístico,
com decisivos efeitos sobre a análise das dinâmicas da ação coletiva nas
sociedades contemporâneas.
1. Paradigmas e teorias da ação coletiva: novos desafios
O estudo da ação coletiva tem estado vivamente presente ao longo da história da
teoria sociológica: nos clássicos da Sociologia, nomeadamente Marx e Engels
(2008), Weber (1978), Simmel (1999) e Tocqueville (2002); no paradigma
funcionalista e teorias do comportamento coletivo; no paradigma
individualista-racionalista, sob o qual se alicerçaram as teorias da
mobilização dos recursos e as teorias da ação estratégica; no paradigma
sistémico e teorias institucionalistas e organizacionais; nas teorias das
classes sociais e do conflito, relativamente às suas variantes neomarxistas,
neoweberianas e teorias dos novos movimentos sociais; no primeiro
Interacionismo Simbólico até aos seus mais recentes desenvolvimentos como a
teoria das interações rituais (Collins, 2004); na teoria crítica, nas
elucubrações pós-modernas e nos mais recentes desenvolvimentos teóricos que
salientam o caráter transnacional e global da ação coletiva (Della Porta e
Diani, 2006).
O desenvolvimento histórico da modernidade, sobretudo o período a partir da
segunda metade do século XX, influenciou os paradigmas e as teorias
sociológicas e criou as condições científico-sociais para que as teorias da
mobilização dos recursos e as teorias dos novos movimentos sociais alcançassem
um incomensurável protagonismo teórico, cujas premissas se sentem ainda
atualmente, com repercussões negativas sobre a (in)visibilidade das conexões
teóricas entre as problemáticas das desigualdades sociais e da ação coletiva.
Nas teorias da mobilização dos recursos, a ação coletiva é, essencialmente,
caracterizada enquanto ação instrumental-racional e centrada do ponto de vista
da capacidade organizativa da obtenção de recursos. A compreensão sobre os
fenómenos da ação coletiva baseia-se, sobretudo, no estudo da organização dos
interesses e das oportunidades (políticas) e na análise da mobilização dos
grupos e das estratégias dos atores. Contudo, são teorias incapazes de
contextualizarem a ação coletiva com as condições sociais dos atores e com os
campos sociais mais vastos das sociedades (Crossley, 2002).
As teorias dos novos movimentos sociais constituem uma área teórica vasta e
complexa, que, ao longo do tempo, foi apropriando diferentes perspetivas muitas
vezes não facilmente integradas e conciliáveis entre si. Alguns autores
associaram, exclusivamente, a importância das classes sociais à sociedade
industrial (Melucci, 1996), enquanto outros reinscreveram as classes e a sua
relação com a ação coletiva, de acordo com as (novas) características das
sociedades pós-industriais (Offe, 1996). Um conjunto de investigações salientou
a persistente presença das novas classes médias entre os simpatizantes e
ativistas dos novos movimentos sociais (Della Porta e Diani, 2006; Eder, 1993).
Outras teorias (sobretudo de índole filosófico-social) prenunciaram uma nova
fase de desenvolvimento histórico ' a partir de sujeitos coletivos que
alterariam, decisivamente, as tensões das relações de classes das sociedades
programadas (Touraine, 1998; Wiervioka, 2010).
Apesar da contaminação relativamente eficaz quanto à suposta morte das
classes (Pakulski e Waters, 1996), as teorias das classes sociais e as teorias
do conflito nunca deixaram de manter relevância teórica no estudo da ação
coletiva, com ambos os quadros teóricos, com vasos comunicantes mais ou menos
intensos e diversas matizes, a procurarem responder ao problema das relações
entre a estrutura, a consciência e a ação.
Para uma teoria das relações entre as desigualdades sociais e a ação coletiva,
salientam-se: a atualidade do debate entre Marx e Weber (Scott, 2001), a
importância de Simmel (1999) e das teorias da estratificação social do conflito
(Scott, 1995), as teorias neomarxistas e neoweberianas das classes sociais
(Wright, 1997; Dahrendorf, 1982; Parkin, 1979), a teoria do radicalismo das
classes médias (Eder, 1993), bem como a renovada acuidade do interacionismo
simbólico (Ruggiero e Montagna, 2008; Costa, 1999).
Em Marx, discutir as relações entre as desigualdades sociais e a ação coletiva
significa colocar o problema teórico da "classe em si" /
"classe para si". Na conceção weberiana, é na relação entre
classes, statuse partidoque se entende a formação da ação coletiva. Marx mantém
a vigilância teórica de conferir centralidade à esfera das relações produtivas,
enriquecida com a perspetiva weberiana da existência de uma estrutura
relacional cultural e construtora de relações de propriedade económica,
política e social, apelando, igualmente, para a necessidade de integrar numa
teoria sociológica sobre a ação coletiva os tipos de ação valorativa, racional
por fins, tradicional e afetivo-emocional (Silva, 2009).
Em torno dos temas da desigualdade e da ação coletiva, historicamente opuseram-
se as correntes neomarxistas às correntes neoweberianas das teorias do
conflito. Como refere Pires, nas correntes neomarxistas, o sujeito da ação
coletiva tende a confundir-se com a classe definida no plano estrutural; nas
correntes neoweberianas não só o sujeito da ação coletiva é definido enquanto
grupo constituído por processos de ação comunicacional e organizacional sobre
os interesses comuns resultantes de localizações estruturais comuns, como das
mesmas localizações poderão emergir múltiplos grupos (atores coletivos) por
combinação entre razões instrumentais e razões axiológicas (Pires, 2007: 33).
A terceira vaga da teorização social do pós-guerra (Alexander, 1998), que
procura ultrapassar a extrema fragmentação e segmentação que a guerra de
paradigmas originou, fundamenta e legitima ' na emergência e na consolidação
do debate meta-teórico entre a estrutura e a ação ' que a teoria da prática e a
teoria das hierarquias sociais poderão constituir profícuos alicerces para um
programa teórico cumulativo das relações entre as desigualdades sociais e a
ação coletiva.
Autores contemporâneos como Giddens, Bourdieu, Archer e Mouzelis, atribuíram,
nos seus quadros teóricos, centralidade ao conceito de estrutura e respetiva
relação com a ação. Contudo, é, sobretudo, Nicos Mouzelis,a partir da sua
crítica sobre a teoria da estruturação de Giddens e da distinção entre
dualidade e dualismo da estrutura, quem sublinha, a respeito da relação que os
agentes desenvolvem perante a reprodução das estruturas sociais, a variação
possível entre modalidades de maior implicação prática e modalidades de mais
acentuado distanciamento crítico, teórico ou estratégico, sendo que estas
últimas modalidades tendem a aumentar de importância relativa, precisamente, na
ação coletiva organizada (Costa, 1999: 488).
Como propõe Nick Crossley (2002), as insuficiências das teorias especializadas
da ação coletiva podem ser suplantadas pela assunção teórica (prevalecente) da
teoria da prática de Pierrre Bourdieu, uma vez que se trata de uma teoria forte
na relação entre estrutura e ação e capaz de articular as condições estruturais
com um conjunto de práticas sociais mobilizadoras dos agentes e dos grupos
sociais. Tal significa considerar que os movimentos sociais se constituem
enquanto práticas sociais igualmente suscetíveis de serem analisadas como
quaisquer outras práticas do espaço social.
A teoria das hierarquias sociais recoloca as questões do poder e da ação
coletiva nos debates atuais da teoria sociológica. O ator mouzeliano
encontra-se perante jogos sociais hierarquizados pelas regras e instituições
das estruturas sociais, que lhe permitem o distanciamento possível para as
modificar através da ação coletiva. As desigualdades sociais (económicas e de
poder) atravessam as instituições da modernidade e os seus conflitos,
prerrogativa teórica parcialmente encoberta por alguns autores, teorias e
conceitos como os de movimentos sociais ou sociedade civil (Mouzelis, 2008:
77).
O modelo teórico que se propõe para o estudo da ação coletiva sob a ótica das
desigualdades sociais figura_1 assenta, essencialmente, na articulação dos
quadros teóricos de Bourdieu e de Mouzelis, apelando para quatro eixos de
problematização teórica: o espaço social das classes e a inerente produção de
ação coletiva nos campos sociais das sociedades; as relações entre os agentes,
os atores coletivos e as instituições nas dinâmicas da ação coletiva; a
formação da ação coletiva na interação social; e as relações entre o habituse a
mobilização social.
No modelo que se propõe, procura-se discutir meta-teoricamente a relação entre
a estrutura e a ação, problematizando os principais conceitos da teoria da
prática e da teoria das hierarquias sociais, enquanto horizontes
interpretativos das relações entre as desigualdades sociais e a ação coletiva
nas sociedades contemporâneas.
2. O espaço social das classes e a produção de ação coletiva nos campos sociais
As classes sociais que, partilhando condições semelhantes de existência e de
socialização, não são apenas definidas pelas posições sociais ocupadas nas
relações de produção, mas o resultado histórico e contingente das lutas de
classificação social pela posse e distribuição de diferentes tipos de capitais
(Bourdieu, 2000), refletem-se sobre a adesão dos indivíduos às várias dinâmicas
da ação coletiva existentes nas sociedades contemporâneas.
O espaço social das classes, expressando graus diversos de desigualdades de
posição social e, simultaneamente, produtor e produto das configurações
estruturais, institucionais, culturais e organizacionais que caracterizam uma
determinada sociedade, constitui, em si mesmo, condição e contexto macro-social
significativo de constrangimento/potenciação da ação coletiva por parte dos
seus agentes individuais e atores coletivos.
A ação coletiva na teoria da prática de Pierre Bourdieu, enquanto conjunto de
práticas sociais, significa o resultado combinado dos efeitos dos campos, da
estrutura do capital e do habitus. A sua teoria das classes permite a
construção de um modelo estrutural/acional para o estudo da ação coletiva. Os
capitais económicos, culturais, sociais e simbólicos são fatores de ação social
coletiva, ancorados em condições e posições objetivas, estilos de vida,
identidades de classe e de habitus. Dependendo do volume e da estrutura do
capital, sejam quais forem as condições sociais dos atores ou o espaço-tempo
histórico, a mobilização dos capitais detidos pelos respetivos agentes e
classes sociais constitui-se como incontornável na formação, organização e
institucionalização da ação coletiva nas sociedades contemporâneas.
O problema discutido por Bourdieu quanto à dominação simbólica e cultural das
classes dominantes ancora, igualmente, na produção de constrangimentos/
possibilidades de constituição da ação coletiva. As desigualdades sociais são
legitimadas pelas relações estruturais entre as classes, ao nível da dominação
simbólica e cultural que as classes dominantes exercem sobre as orientações
sociais das classes subordinadas. Se a desigualdade social se apresenta aos
agentes enquanto constrangimento estrutural, é nas componentes culturais da
desigualdade social, sob as formas que os agentes as internalizam no seu
habitus, que se jogam a reprodução ou a ocorrência de processos de mudança
social.
Bourdieu salienta a cumplicidade ontológica entre agentes e estruturas, onde
dominantes e dominados reproduzem a estrutura e a sua respetiva localização no
interior da mesma. Tal significa que o exercício do poder económico, político e
social é socialmente naturalizado. Na conservação da ordem simbólica, o que
surge como autoevidente ou inconsciente nas escolhas sociais é a condição do
funcionamento da própria ordem social e económica. Perante os mecanismos
sociais eficientes da institucionalização da dominação, os dominados acabam,
assim, por encontrar maiores dificuldades para mudar os processos da subjugação
social.
Se as lutas de classes se exprimem, de igual forma, enquanto lutas de
classificação social, nelas disputam-se a perpetuação da dominação, os
interesses de classe, as visões do mundo e o reconhecimento social que ditam
o sentido dos lugares sociais a conquistar ou a reproduzir na sociedade. Tais
lutas de classificação social são corporizadas em estilos de vida, estes
fenomenologicamente delimitadores de distâncias sociais entre as classes
sociais e que, em função de determinados processos históricos, poderão
protagonizar confluências sociais, ou, pelo contrário, verem acentuadas as suas
posições de antagonismo/diferença social, com variadas intensidades de ação
coletiva e/ou de conflitualidade social.
As estratégias de classificação ou de desclassificação social, e consequente
reclassificação, constituem as tarefas dos atores coletivos e dos agentes
envolvidos nos processos de ação coletiva das sociedades modernas, nas quais,
naturalmente participam nos conflitos os valores e as representações sociais
das classes sociais.
No centro da teoria sociológica de Pierre Bourdieu existe a inquietação sobre
como certas formas da desigualdade social persistem sem uma tenaz resistência.
Os modos de dominação atuais cumulativamente diferem dos existentes no nascente
capitalismo industrial, constituindo a economia política do poder simbólico,
proposta por Bourdieu, uma poderosa ferramenta de desocultação dos processos
sustentadores das desigualdades sociais contemporâneas. Bourdieu sugere
complementarmente para o domínio do cultural o que Marx houvera proposto para o
domínio do económico: entender as estruturas fundamentais e as dinâmicas do
poder centrais das relações sociais (culturais). É, nesse sentido, que propõe
os conceitos de modos de reprodução, capital cultural, habituse de violência
simbólica, também eles relevantes para o estudo das relações entre as
desigualdades sociais e a ação coletiva.
Os campos sociais constituem o terreno concreto das relações objetivas entre as
diferentes posições sociais dos agentes, onde a estrutura das diferentes
espécies de capital configuram as relações de dominação/subjugação social.
Estes campos sociais são o palco das relações de poder hierárquicas,
definidoras dos valores e dos interesses sociais, onde se legitimam as
desigualdades sociais de classe e são construídas as ações individual e
coletiva, enquanto produtos das disposições das classes, ou o mesmo é dizer o
habitus, que se interseta com as dinâmicas próprias e estruturas dos múltiplos
campos sociais existentes nas sociedades contemporâneas (Crossley, 1999).
O espaço das posições sociais nos campos é construído de acordo com a produção
e a distribuição dos diferentes tipos de capital económico, cultural, social e
simbólico, estes distintivos de posições nos campos. As relações entre os
campos e os habitusnão são, somente, geradoras de reprodução social, as
características autónomas dos campos e os seus impactos sobre as próprias
classes, a densidade das relações intra e interclassistas, a multiplicidade e
combinatória das formas de capital (apesar da sua distribuição desigual)
constituem fatores complexos, mas dinâmicos, de ação coletiva e de
transformação social.
Os campos pressupõem conflitos latentes e manifestos, aglutinando os interesses
e os objetivos que adquiriram valor social e simbólico para os respetivos
agentes e grupos sociais participantes. Neles são mobilizados reportórios de
ação coletiva (Tilly, 2008), enquanto recursos disponíveis para os conflitos
existentes nos campos, recursos adaptáveis às características e dinâmicas
necessárias ao domínio do campo, a partir das interdependências, das alianças e
da competição construídas entre os diferentes agentes, grupos sociais e atores
coletivos.
3. A presença dos atores coletivos e das instituições nas dinâmicas da ação
coletiva
A questão da formação dos grupos tem sido um tema desenvolvido por diferentes
autores e correntes teóricas. Simmel (1999) enfatizou as formas de
relacionamento social, em si mesmas autónomas das propriedades dos atores
envolvidos, centrando a sua atenção nas dinâmicas das relações entre os
indivíduos e os seus círculos sociais. As teorias da ação racional e do
primeiro Interacionismo Simbólico acabaram por revelar uma enorme dificuldade
em transpor os níveis da racionalidade ou da motivação entre os indivíduos. A
componente formal- organizacional na formação dos grupos constitui(u) a tónica
central das teorias da mobilização dos recursos. Por seu turno, Dahrendorf
(1982), Coser (1956) e Rex (1981) concentraram, sobretudo, a sua atenção na
formação dos grupos para o conflito social.
Bourdieu (1989) estabelece a diferença entre a classe provável e a classe
prática. A classe provável integra os atores que ocupam posições sociais e
espécies de capital semelhantes nos diferentes campos sociais; a classe
prática, enquanto grupo social, é construída pelo processo de delegação, pelo
qual o mandatário recebe do grupo o poder de o fazer.
Margaret Archer (1995) produz a distinção teórica entre os agentes
corporativos e os agentes primários. Os agentes corporativos possuem maior
influência e capacidade transformadora sobre o contexto estrutural e cultural
em relação aos agentes primários, por via da sua posição nos sistemas de
estratificação e relações articuladas com outros atores coletivos na formulação
de interesses e recursos estratégicos, interativos e organizacionais ao seu
dispor. Os agentes primários são os atores não organizados e passivos da
interação social. A morfogénese ou morfoestática constituem o resultado dos
efeitos agregados produzidos pelas relações (posições) entre os agentes
primários e os agentes corporativos durante os ciclos morfogenéticos.
Mouzelis (2008) alerta para o que considera serem visões essencialistas da ação
coletiva, ao transformarem-se categorias sociais (ou estatísticas) em atores
coletivos ou quando se adscrevem aos grupos sociais existentes características
sociais que eles não possuem. Em substituição de uma conceção lógico-dedutiva
que transmuta aprioristicamente os quase-grupos em grupos de status, Mouzelis
propõe que se focalize o olhar sobre as realidades institucionais e os atores
coletivos concretos que delas fazem parte integrante. Tal significa que se
compreendam as vinculações estruturais e culturais atuantes nos processos de
formação, de organização e de representação social dos atores coletivos nas
sociedades modernas.
Para Mouzelis, os quase-grupos transformam-se em grupos sociais no interior dos
contextos institucionais históricos da modernidade, pela via do envolvimento
relacional entre os grupos na interação social e dos jogos sociais nos campos.
Na teoria de Mouzelis, os atores coletivos são entidades com meios
identificáveis para poderem decidir e agir a partir dos processos de tradução,
de representação e de organização, envolvidos na constituição e na reprodução
das relações de poder. Mouzelis distingue entre posições estruturais e atores
coletivos, apesar de considerar que a partilha de posições estruturais
semelhantes facilita a emergência de atores coletivos, embora, de acordo com o
seu ponto de vista, a ação coletiva só ocorra quando os quase-grupos se
transformam em coletividades sociais autónomas das posições estruturais.
Mouzelis coloca no centro da sua teoria as desigualdades e conflitos pela
produção, apropriação e controle das tecnologias ou recursos existentes nas
instituições, aproximando-se, desta forma, da teoria de Pierre Bourdieu.
Determinadas instituições são menos maleáveis e mais difíceis de mudar, uma vez
que os atores coletivos e os grupos sociais que as sustêm procuram preservar/
assegurar os seus interesses conquistados. É na disputa pelos recursos gerados
nas instituições, mobilizados no decurso dos jogos sociais, que se formam
antagonismos e ganham autonomia organizativa os grupos sociais e os atores
coletivos, a partir dos quais se institucionalizam objetivos e estratégias de
ação coletiva.
Mouzelis subdivide os contextos institucionais da modernidade em subsistemas
económico, político, social e cultural, nos quais decorre a ação coletiva. Não
existe predominância de quaisquer contextos institucionais sobre os restantes e
é na articulação entre instituições/atores coletivos que se estrutura a ação
coletiva. No entanto, são os atores coletivos e os agentes individuais
envolvidos (e não as instituições) quem possui objetivos sociais e a capacidade
para tomar decisões e realizar ação coletiva.
A teoria das hierarquias sociais de Nicos Mouzelis possui a virtude de desafiar
as conceções das teorias institucionalistas da escolha racional, nas quais as
preferências e a maximização utilitária dos atores são consideradas como
constantes e as instituições constroem os mecanismos sociais capazes de
resolverem os dilemas da ação coletiva, por via da consensualização e da
estabilização racional dos processos da tomada de decisão. Nestas teorias, as
interações estratégicas não contemplam a construção simbólica de identidades e
interesses extrarracionais/individualistas nos contextos institucionais,
fundamentais para a (re)produção de dinâmicas de ação coletiva. A mesma
inadequada conceptualização da ação coletiva e das suas articulações com as
estruturas institucionais das sociedades modernas encontra Mouzelis, nas
sociologias interpretativas, em Talcott Parsons, Jurgen Habermas e Jeffrey C.
Alexander (Mouzelis, 2008).
O conceito de atores coletivos de Mouzelis visa contrariar a reificação das
estruturas e, na sua teoria, os microatores, macroatores e atores coletivos
interatuam com diferenciados poderes perante as estruturas institucionais. Os
macroatores podem ter uma forte influência sobre as condições dos microatores,
independentemente da copresença, alterando, assim, as regras das estruturas da
interação destes. A organização confere aos microatores e macroatores desiguais
capacidades de ação que, através da sua participação nos atores coletivos,
reproduzem ou transformam a legitimidade das decisões produzidas nos jogos
sociais, adstritas a determinadas posições de poder nos contextos
institucionais.
As explicações sobre a mudança e o desenvolvimento, considera Mouzelis,
assumem, normalmente, uma perspetiva sistémica unidirecional, em detrimento de
uma perspetiva ator-sistema. No seu entender, existem dois mecanismos
fundamentais interligados nos processos de mudança: a cooperação/conflito entre
os atores e a compatibilidade/incompatibilidade entre as instituições
(Mouzelis, 2008: 105). Para compreender os processos de mudança é necessário
interpretar como os atores coletivos se relacionam com a constituição, a
reprodução e a transformação de longo-prazo das ordens macro-institucionais, no
interior das quais se desenvolvem complexos e intrincados jogos sociais. Sem
uma referência agencial-sistémica às complexas lutas pela produção, apropriação
e ideologização dos recursos económicos, políticos, sociais e culturais, não
será possível explicar satisfatoriamente as macro-transformações sociais, como,
por exemplo, as transições de um regime para outro.
Salienta Mouzelis que os macro-atores, situados nos seus jogos sociais de topo,
não constituem o efeito agregado dos jogos sociais dos atores menos poderosos e
situados nos mais baixos patamares das hierarquias organizacionais. O que liga
os macro-jogos (situados a um nível global), os meso-jogos (situados a um nível
nacional) e os micro-jogos (situados a um nível regional/local) são as
estruturas burocráticas e formais dos atores coletivos, bem como as relações de
poder informais entre os agentes, em cada nível e nas relações hierárquicas
entre os diferentes níveis. De tais relações, produzidas nos vários níveis dos
jogos sociais, decorrem processos verticais e horizontais de tomada de decisão,
tendencialmente constituídas/impostas a partir do topo das hierarquias sociais,
mas podendo ter, igualmente, origem nas posições sociais subalternas (Mouzelis,
2008: 260).
4. Interação social e ação coletiva
A consideração da interação social enquanto espaço social hierarquizado,
permite a Mouzelis transpor a ação coletiva para a esfera do quotidiano dos
agentes sociais. São as estruturas interativas (ou a ordem da interação social)
que fornecem aos indivíduos as capacidades estratégicas (valorativas, racionais
e/ou reflexivas) formativas das práticas de reprodução ou de transformação das
estruturas sociais (Mouzelis, 2008:139). A ordem da interação integra as
capacidades organizacionais (formais ou informais) dos atores coletivos e dos
agentes individuais ao longo das situações sociais. Torna-se, assim, imperativo
considerar a ordem da interação como nível social específico e analisar, com a
maior elaboração teórica possível, os seus parâmetros próprios, nomeadamente as
suas regras e os seus mecanismos, assim como as suas (meso/micro) estruturas
espaciais e temporais (Costa, 2007: 23).
A interação social comporta uma ordem material, institucional, cultural e
simbólica regulativa dos jogos sociais gerados nos campos e estrategicamente
incorporada/apropriada pelos agentes e atores coletivos presentes nos processos
de integração, negociação e conflito. Os atores individuais e coletivos,
atuando num determinado espaço-tempo, ativam nos jogos sociais, inscritos na
interação social dos campos, as posições sociais e a ordem/conflito pela
distribuição dos seus capitais.
Entender as práticas sociais implica ter em conta os elementos situacionais e
os seus efeitos não deriváveis exclusivamente nem da posição social, nem das
disposições sociais dos atores, numa ordem social que se alcança pelos próprios
processos da interação social. As situações (ou jogos sociais) não são um
terreno neutro onde os agentes aplicam os meios para atingir determinados fins
pré-estabelecidos, mas sim contextos sociais estratégicos, geradores de
intencionalidades singulares e coletivas múltiplas, entre elas a ação coletiva
(Mouzelis, 2008: 88).
Os agentes na interação social, individual ou coletivamente, usando as
possibilidades das suas posições, lutam para manter ou aumentar o seu poder
relativo nos jogos sociais (cooperativos ou competitivos), que,
necessariamente, envolvem relações entre fatores posicionais/disposicionais e
situacionais/interacionais, que fazem com que a relação entre a ação e a
estrutura possa ser aberta, ambivalente e geradora de autonomia. A sua
participação nos jogos sociais é assimétrica, dada a desigual distribuição dos
poderes causais sobre a sua ação individual e coletiva. Em virtude das
desigualdades de poder dos atores envolvidos na interação social, verifica-se
uma desigual capacidade de construção social da realidade. Tal significa que os
agentes e os atores coletivos colocados no topo das hierarquias sociais (ou
sistemas de estratificação social) contribuem mais para os processos de tomada
de decisão do que aqueles que ocupam posições sociais subalternas.
A ação coletiva decorre em determinados quadros de interação (Costa, 1999),
inscritos em jogos sociais hierarquizados, que, na aceção mouzeliana, consistem
em disputas sobre os sistemas de regras protagonizadas por atores situados em
posições sociais diferentes e assimétricas e, portanto, com acesso desigual aos
meios da ação (Mouzelis, 1991). São os quadros de interação que transportam
sentidos e identidades (plurais) aos agentes para a ação coletiva (ou ausência
dela), construídos a partir de parâmetros estruturais, institucionais,
disposicionais, relacionais e simbólicos, mobilizados no decurso da interação
social.
De igual forma, as identidades sociais não se transformam em sentimento de
pertença sem que existam estruturas organizativas e espaços de interação que
suportem tais processos de ativação coletiva. O grau de solidariedade (ou de
coesão social) que uma organização ou ator coletivo for capaz de assegurar,
repercutido na densidade e intensidade das interações e estratégias, constitui
uma dimensão teórica igualmente fundamental para a compreensão da ação
coletiva.
5. As relações entre o habituse a ação coletiva
Uma teoria da ação coletiva poderá ter muito a ganhar a partir do conceito de
habituse Nick Crossley (2001, 1999) é um dos principais autores contemporâneos
que mais criativamente tem sabido explorar a profundidade do conceito de Pierre
Bourdieu. A conceção de Bourdieu do habitusencoraja o estudo dos movimentos
sociais e da representação política, como um trabalho coletivo de agentes
dotados de diferentes intencionalidades e estratégias sociais, agentes que,
enquanto construtores ativos de protestos e de movimentos sociais, incorporam
esquemas de perceção social, recursos e modos de agir derivados da sua
incrustação no mundo social. São agentes com histórias pessoais, que lhes dizem
respeito, mas que se inscrevem, igualmente, nas histórias coletivas mais
amplas, das quais fazem parte com a sua trajetória de vida (Crossley, 2002:
176).
É, igualmente, possível observar ciclos de protesto e de mudança no interior de
um campo ou atravessando os diferentes campos sociais, pela formação e atuação
de habitusmilitantes (Crossley, 1999). A ação coletiva oscila entre períodos
de relativa tranquilidade social, em que os protestos são escassos e
relativamente inativos, e períodos de enorme efervescência coletiva, onde os
movimentos sociais se tornam bastante ativos. Diversas lutas sociais poderão
gerar outras lutas sociais, exponenciando uma maior agitação social por se
estar na presença de um mesmo habitusmilitante, cuja gramática será
transposta para os múltiplos campos sociais. Cada uma das diversas lutas
sociais será diferente, uma vez que elas emergem a partir dos constrangimentos
e dinâmicas específicos de cada um dos campos das sociedades. Ocorrerá,
contudo, um elemento aglutinador comum entre as lutas sociais, num determinado
campo ou num conjunto de campos sociais, precisamente porque coexistirão
semelhantes habitusmilitantes em ação (Crossley, 1999: 657).
Nick Crossley refere-se ao habitusmilitante para demonstrar a influência não
apenas dos constrangimentos estruturais, da posição social e das socializações
primárias na adesão à ação coletiva, mas procurando, igualmente, explicar os
efeitos socializadores (secundários) que a própria ação coletiva poderá ter
sobre os agentes, ou seja, como ela poderá incrustar-se nos padrões culturais e
modos de vida dos agentes, exercendo, assim, influência sobre os seus esquemas
de apreciação, de representação e de ação do seu mundo social.
O habitusmilitante representa uma história objetiva incorporada nas formas de
ação coletiva. Ele internaliza-se nos agentes individuais e objetiva-se
estruturalmente, perante os jogos sociais da interação social e
constrangimentos/possibilidades dos diferentes tipos de capitais presentes, com
impactos sobre a ação coletiva (prestativa, organizada ou institucional) de
grupos de status, movimentos sociais, países ou processos históricos.
O habitusmilitante, idiossincrático em cada biografia pessoal, manifesta as
características dos seus grupos de referência e pertenças de classe. Uma vez
que a história do indivíduo compreende, igualmente, a história coletiva da sua
classe e grupos sociais, cada sistema de disposições individual constitui uma
variante estrutural de todos os possíveis grupos sociais e habitusde classes,
expressando as diferenças de trajetória e de posições sociais no interior e no
exterior da classe social (Crossley, 2001: 85).
A pluralidade do habitus(Costa, 2007) constitui um fator indispensável nos
processos formativos da ação coletiva. No quadro da relação entre a estrutura e
a ação, o habitusconstitui a articulação e a mediação fundamental entre as
disposições sociais do indivíduo e os sistemas sociais que compõem as
estruturas da ação coletiva (Scott, 2001), ou seja, o conjunto das organizações
e instituições presentes num determinado espaço social. É a partir do habitus,
enquanto sistema de disposições aberto à diversidade das orientações da ação
que os agentes se posicionam perante os grupos sociais e os atores coletivos do
respetivo campo.
Conclusão
O desenvolvimento de um programa teórico holístico para o estudo da ação
coletiva, pressupõe a interligação de quatro conceitos centrais da teoria
sociológica: os conceitos de desigualdade social, classe social, conflito e
ação coletiva. São conceitos com acuidade heurística para explicar alguns dos
principais processos e fenómenos sociais concretos das sociedades
contemporâneas.
O conceito de classe social visa apreender eficazmente as propriedades
estruturais, culturais, institucionais e posicionais dos atores individuais e
coletivos, presentes na construção de protagonismos sociais de ação coletiva,
ao mesmo tempo que se procura conferir centralidade a processos económicos,
sociais, culturais e políticos em curso nas sociedades capitalistas-modernas,
dos quais emergem desigualdades sociais com consequências sociais decisivas
sobre a ação coletiva.
O estudo da ação coletiva sob a ótica das desigualdades sociais permite a
articulação com o eixo estrutura/ação, aferindo os fenómenos sociais de ação
coletiva em termos da inscrição da ação/interação nos campos sociais e
instituições das sociedades modernas. É sob um quadro estrutural
multidimensional societário que devem ser entendidas as dinâmicas da ação
coletiva, os posicionamentos dos atores individuais perante as possibilidades
de adesão à ação coletiva, tal como a intervenção dos atores coletivos nos
quadros institucionais e estruturais das sociedades.
Vivemos, atualmente, em sociedades hierarquizadas, estratificadas e
segmentadas, onde o conflito assume formas mais ou menos ocultas, implícitas,
latentes ou manifestas, associado a classes sociais, quase-grupos, grupos
sociais e atores coletivos diferenciadamente dotados de recursos sociais
(económicos, políticos, culturais, simbólicos e informativos), que resultam em
desiguais capacidades de poder e /ou de ação coletiva.
As relações estruturais, culturais e simbólicas geradas no espaço social das
classes representam uma poderosa ferramenta de ocultação dos processos
sustentadores das desigualdades sociais contemporâneas. É a partir de
estruturas sociais e culturais hierarquizadas igualmente no plano simbólico-
ideológico, para as quais participam as dimensões culturais das classes, que
podem ser compreendidos os posicionamentos sociais dos agentes perante as
possibilidades de ação coletiva.
Torna-se necessário focalizar o olhar sobre as desigualdades sociais,
económicas, classistas e de poder, transpostas ou concebidas nos campos e
instituições. É na disputa pelos recursos existentes nas instituições,
mobilizados no decurso dos conflitos, que se formam os antagonismos e ganham
autonomia organizativa os grupos sociais e os atores coletivos, a partir dos
quais se institucionalizam os objetivos e as estratégias de ação coletiva nas
sociedades modernas.
Na teoria da prática de Pierre Bourdieu, a ação coletiva, enquanto conjunto de
práticas sociais, é o resultado combinado dos efeitos dinâmicos dos campos, da
distribuição da estrutura do capital e do habitus(militante). O espaço social
das classes pressupõe estratégias e conflitos, aglutinando interesses e
objetivos que adquirem valor social e simbólico pelos respetivos agentes e
atores coletivos. As expectativas e as oportunidades proporcionadas ao longo da
interação nos campos ancoram nos recursos desigualmente possuídos pelos
agentes. Nos campos são mobilizáveis reportórios de ação coletiva, enquanto
recursos adaptáveis às características e às dinâmicas necessárias ao domínio/
usurpação do campo.
Na teoria das hierarquias sociais de Nicos Mouzelis, a participação individual
e/ou coletiva nos campos é assimétrica, dada a desigual distribuição dos
poderes causais, cujas consequências implicam uma desigual capacidade de
construção social da realidade. Mas a interação social nos campos faz com que a
relação entre ação e estrutura possa ser autónoma, ambivalente e gradativamente
constrangida/suplantada pelas desigualdades sociais e concomitantes estruturas
sociais e culturais.
Na verdade, as desigualdades sociais são centrais para as dinâmicas da ação
coletiva e da transformação social. Nos períodos de estabilização e de
institucionalização dos sistemas sociais, contudo, determinados atores são mais
ativistas que outros e o descontentamento social não origina adesão automática
aos movimentos sociais. Mas a ação coletiva, seja ela integrativa-consensual e/
ou conflitual- revolucionária, continua a ser o principal recurso da
modernidade mobilizável pelas classes sociais mais desfavorecidas.
As propostas teóricas avançadas, visando a compreensão das imbricadas relações
entre as desigualdades sociais e a ação coletiva nas sociedades contemporâneas,
deverão ser confrontadas com a atual fase da modernidade ocidental,
caracterizada pela acentuação das desigualdades sociais transnacionais e
intranacionais, cujas crises económicas e políticas desvelaram contradições
em relação ao funcionamento e à qualidade das próprias democracias,
questionando o conceito normativo-universalista da democracia, que descurou por
demasiado tempo, o seu limitativo alcance na redução das desigualdades sociais
e na criação das condições concretas para uma efetiva participação social e
política.