Para uma gramática museológica do (re)conhecimento: ideias e conceitos em torno
do inventário participado
Introdução
Quando, em 2003, a UNESCO aprova o documento que formaliza a Convenção para a
Salvaguarda do Património Cultural Imaterial(PCI), inicia-se, a nível
internacional, um processo de reconhecimento formal das manifestações e
expressões que constituem a dimensão mais afetiva e humana das nossas heranças
culturais e, por isso, uma das grandes riquezas da humanidade. Este processo,
cujas origens podemos situar nas primeiras tentativas de identificação e estudo
definidas pelo Japão com a Declaração dos Tesouros Humanos Vivos, em 1950,
coloca-nos perante o desafio de formular políticas culturais capazes de
responder às necessidades de um novo paradigma patrimonial. Um paradigma onde a
dimensão imaterial constitui o outro ingrediente vital de um conceito de
património amplo, flexível e socialmente ativo, com o objetivo de garantir a
longevidade da diversidade cultural, sustentar o diálogo intercultural e
multicultural, e favorecer o desenvolvimento humano a partir de uma noção ampla
de cultura que remete para a ideia de herança da humanidade. A questão que se
coloca, e que está subjacente à reflexão que aqui apresentamos, é a de
equacionar quais os princípios, os métodos e as práticas mais apropriados para
o exercício de uma função museológica como a do inventário, se queremos que ela
responda a um modelo de patrimonialização socialmente comprometido com a
dimensão imaterial das nossas culturas e com a emergência de novas formas de
salvaguarda de caráter coletivo. Com este objetivo, reconhecemos no novo
paradigma um conjunto de aspetos teórico- metodológicos profundamente
relacionados com as maneiras de entender e gerir os bens culturais das
comunidades locais definidos pela corrente da Nova Museologia e, ao mesmo
tempo, uma interessante via de acesso ao modelo de justiça social centrado na
Teoria do Reconhecimento (Fraser, 2000; 2008) e na Ecologia de Saberes (Santos,
2006: 127-153).
Como, a partir da década de 90 do século XX, a Nova Museologia evolui, dando
lugar à Museologia Social ou Sociomuseologia, com a finalidade de adaptar o seu
paradigma patrimonial às características e necessidades da sociedade
contemporânea ' visando contribuir para o desenvolvimento sustentável da
humanidade, com base na igualdade de oportunidades e na inclusão social,
cultural e económica (Moutinho, 2010:27) ' quisemos analisar, não só esta fusão
de ciências sociais em favor de uma patrimonialização assumidamente
participativa, mas também a sua relação com a definição do novo paradigma
patrimonial e, finalmente, os produtos que dela resultam no âmbito do museu, da
gestão patrimonial e do acesso ao conhecimento relacionado com a diversidade
sociocultural dos territórios.
1. Adequando métodos e atitudes a um novo paradigma patrimonial
Ao longo das últimas décadas temos visto ampliar-se, progressivamente, o
conceito de património cultural a outras dimensões do foro cultural. Este facto
tem-se traduzido numa profunda mudança de paradigma, alimentada pelos
princípios e pelas metodologias de movimentos como o da Nova Museologia, onde o
eixo central do processo de patrimonialização é constituído pelo sujeito, as
suas circunstâncias e a diversidade cultural que resulta da sua capacidade
criativa e de adaptação ao meio.
Desta forma, durante a segunda metade do século XX, e de acordo com o
aparecimento e a evolução de novas ideologias baseadas na democracia
participativa, que colocam a participação como critério central de atuação no
seio das sociedades contemporâneas (Geilfus, 1997; Appadurai, 2009: 23-29;
Santos, 2011: 137-50), o conceito de património histórico, até aí associado ao
monumental como forma de poder, e a uma noção de História de leitura
tendencialmente unidirecional (Sancho Querol, 2010a: 3; 2011: 61), foi sofrendo
uma série de modificações provocadas pela necessidade de ampliação. Primeiro em
direção a uma dimensão mundial (com a Convenção de Paris) e, mais tarde, a
partir de 1982, em direção a uma dimensão social, o conceito iria integrando
outras formas de cultura e de património até aí consideradas num plano
secundário. Este percurso que desmonumentaliza o património e torna a leitura
da História mais plural é, em teoria, refratário das lógicas mais técnicas,
aproximando-se dos indivíduos e favorecendo a participação.
Orientado pela UNESCO com o objetivo de alimentar um diálogo transversal entre
culturas, com base no respeito e na valorização da diversidade cultural, este
processo foi evoluindo numa direção específica: reconhecer que o património
cultural é o resultado de um processo de valorização social da diversidade
cultural de um coletivo, através da participação dos seus membros e tendo em
vista a sua salvaguarda a longo prazo no âmbito do desenvolvimento local
(Sancho Querol, 2011: 297). Mas também, que a vertente marcadamente social e
desenvolvimentista que protagoniza esta metamorfose, ao reconhecer a relação
indissociável que existe entre as dimensões material e imaterial dos nossos
bens culturais, envolve uma atualização do conjunto de metodologias até agora
utilizadas nas áreas relacionadas com o estudo e a gestão do património, nas
quais os museus ocupam um lugar relevante.
Sob este ponto de vista, se cada um dos passos do processo iniciado em 1950 foi
fundamental, podemos afirmar que o momento da sua materialização definitiva, a
nível mundial, tem lugar com a aprovação da Convenção para a Salvaguarda do
PCI, momento em que a UNESCO reconhece formalmente a dimensão imaterial de
muitos dos nossos bens patrimoniais, colmatando assim uma lacuna histórica que
esteve na origem de uma discriminação patrimonial de consequências
irreversíveis.
A Convenção representa, assim, o princípio de um novo capítulo para este
organismo e para a história de um fenómeno sociocultural como o património,
desencadeando aquilo que podemos considerar como uma era da patrimonialização
da diferença (Abreu, no prelo), do ponto de vista do reconhecimento e da
valorização do processo de desenvolvimento dos referentes identitários locais.
Desta forma, contrastando com a visão hierárquica de património até então
vigente, a UNESCO reconhece e estabelece que o seu valor é dado pelas próprias
comunidades, abrindo assim um caminho sem retorno que se manifesta na passagem
de un enfoque eurocéntrico, monumental, elitista del patrimonio a una visión
antropológica y omnicomprensiva de la cultura y de todos los componentes
materiales e inmateriales que la conciernen (D´Uva, 2010: 70).
Por outro lado, ao equiparar em termos práticos a dimensão material e a
imaterial, reconhecendo que o processo é tão importante como o produto para a
definição, preservação e legitimação das identidades dos coletivos, contribui
para a formulação de uma nova gramática patrimonial. Esta gramática define a
fronteira entre um discurso sobre o passado, a materialidade, a perda ou a
autoridade do saber institucional2 ' mais próprio do século XX ' e um discurso
centrado na vida, no reconhecimento de novas cartografias sociais resultantes
da prática de uma justiça social que privilegia a construção de uma noção
plural de conhecimento, e no exercício de práticas coletivas de salvaguarda.
Desta forma, quando falamos do novo paradigma patrimonial, referimo-nos a esse
conceito de património aberto e em constante construção, que resulta da união
das manifestações materiais e imateriais e que, por isso, põe a tónica no
sujeito.
2. Cruzando olhares com a Sociologia
Ao refletir neste processo sob a perspetiva da Museologia Social, damo-nos
conta de que o novo modelo da UNESCO parece trazer para o presente vários dos
conceitos e critérios definidos por esta corrente, colocando em primeiro lugar
a necessidade de assumir, compreender e integrar nos novos modelos de gestão
patrimonial a sua natureza social e evolutiva.
Com este objetivo, procurámos conhecer de perto a evolução desta corrente
museológica e, sobretudo, a relação que nos permite colocá-la num mesmo nível
quanto à formulação de todo um conjunto de conceitos e práticas patrimoniais
que nos põem em contacto com o novo paradigma.
Assim, se sob o ponto de vista da evolução do museu e das práticas a ele
associadas podemos falar da vigência da Museologia tradicional até ao final
da II Guerra Mundial, como aquella que se hace desde arriba, sólo por
especialistas, con discursos museográficos propuestos y autorizados por las
instituciones culturales oficiales, quienes generan los espacios museológicos
para un pueblo pasivo (Méndez, 2007: 266), sabemos que, a partir dos anos 50
do século XX, se começa a configurar a estrutura do museu contemporâneo com
base numa progressiva identificação com o território, o património cultural e a
comunidade, de forma que estes três eixos de atuação tenderão, com o tempo, a
relacionar-se com um conjunto de interesses e valores de cunho humano, próprios
de um contexto de vivência democrática chamado a reconhecer que o museu tem,
necessariamente, forma, conteúdo e protagonistas (Méndez, 2007: 265).
No âmbito deste processo de definição do museu contemporâneo, e com base nesta
tríade conceptual, iniciar-se-á a formulação dos princípios da Nova Museologia,
a partir de 1958, no contexto do Seminário Regional da UNESCO sobre o Papel
Pedagógico dos Museus(Rio de Janeiro, 1958). Assim, sob a firme consideração de
que a Museologia respondia ao perfil de uma ciência especializada, começar-se-á
a delinear o papel social do museu, tomando como ponto de partida a sua
componente pedagógica e as reflexões de especialistas como Paulo Freire que, ao
colocar o intercâmbio de saberes num regime de igualdade que rompe com as
tradicionais barreiras da comunicação vertical do conhecimento ' até então
profundamente institucionalizadas ', abrirá o caminho em direção a uma
progressiva e necessária mudança social, baseada num mundo substantivamente
democrático (Freire, 1980).
No entanto, as bases desta corrente museológica só se estabelecem
definitivamente na década de 70, na América Latina, com a Declaração de
Santiago (UNESCO, 1972).
Considerada como um ex-librisdo pensamento museológico renovador e,
simultaneamente, uma mudança de direção que permitiria o desenvolvimento da
Nova Museologia, esta Declaração formularia, pela primeira vez, a função social
do museu, considerando-o como um instrumento dinâmico de mudança social que
privilegia a participação das comunidades. Da mesma forma, defenderia a criação
do conceito de museu integral, baseado na interdisciplinaridade, e a
definição do/a museólogo/a enquanto ser político-social (Cândido, 2010: 146).
Por outro lado, é certo que as tecnologias e a sua progressiva introdução nos
museus, assim como a evolução das lógicas expositivas e de interação com os
públicos ' orientadas para a participação ativa e não meramente contemplativa
', que dão forma à emergente economia das experiências (Pine e Gilmore, 1999)
levariam a Nova Museologia para novos rumos, muitos deles patentes em museus
considerados globais. Mas não é menos verdade que, na lógica da questão que
referíamos na introdução, uma das dimensões mais inovadoras deste tipo de
correntes museológicas é a sua ligação ao local e o modo como permitem às
comunidades intervir na definição e gestão dos seus patrimónios.
A partir daqui, e sem sair do contexto latino-americano3, não só devido à sua
relevância, mas também ao papel que teve no contexto da evolução de uma
Museologia centrada no desenvolvimento local, e na valorização e renovação da
significância da diversidade cultural que caracteriza cada comunidade, centrar-
nos-emos no trabalho realizado por algumas personalidades de referência, até
agora menos conhecidas do lado de cá do Atlântico. Entre elas, para além do
próprio Paulo Freire, cujo espírito democrático e consciência social se
haveriam de refletir nas suas teorias sobre pedagogia e desenvolvimento,
influenciando a evolução da Museologia Social de um e de outro lado do Oceano
Atlântico, devemos citar, igualmente, o trabalho realizado por especialistas
como Waldisa Guarnieri.
Pioneira da Museologia Social, com um percurso profissional centrado no
desenvolvimento de uma Museologia socialmente comprometida, que estabelecia uma
relação indissociável entre a noção de processo e o conceito de museu,
Guarnieri focalizaria o seu trabalho na implementação de duas medidas: a
sistematização desta disciplina como área científica do saber que resulta da
transversalidade de ideias, conceitos e métodos procedentes de outras ciências
sociais, com vista ao desenvolvimento integral da pessoa, e a formação de
profissionais em Museologia.
Neste segundo campo, e sobre estes mesmos pilares, Guarnieri daria forma, em
1977, ao primeiro curso de Museologia do Brasil, no seio da Escola de
Sociologia ePolítica de São Paulo. Davam-se assim, os primeiros passos em
direção à variante museológica hoje conhecida como Museologia Social ou
Sociomuseologia, do ponto de vista do seu reconhecimento num contexto académico
e associada a outra disciplina das ciências sociais: a Sociologia.
Sob esta perspetiva, o trajeto de Guarnieri haveria de ficar marcado por uma
preocupação constante relacionada com a procura do equilíbrio entre a
preservação patrimonial e o desenvolvimento social, através do processo
museológico (Bruno, Fonseca e Neves, 2010: 179-180).
Após a sua morte, as pessoas por ela formadas, onde encontramos especialistas
de referência como Cristina Bruno, Maria Ignez Mantovani, Marcelo Araújo ou
Maria Inês Coutinho, prosseguiriam até à atualidade o caminho iniciado por
Guarnieri.
Além disso, a esta mesma ideologia ir-se-iam unindo, progressivamente,
especialistas procedentes de outros centros de estudo, como é o caso de Mário
Chagas, Manuelina Cândido ou Myriam Sepúlveda dos Santos.
Simultaneamente, deste lado do Atlântico, e em função dos contextos geográficos
e culturais, destacar-se-iam as iniciativas, teorias e projetos museológicos
desenvolvidos por personalidades como Ägren, De Varine, Stránský, Rivière,
Oddon, Desvallés, Moutinho, Lameiras-Campagnolo, Van Mensch, Gregorova, o
Hainard. A partir de organismos como o International Council of Museums(ICOM),
o International Committee for Museology (ICOFOM), o International Movement for
a New Museology(MINOM), a Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias
(ULHT), a Reinwardt Academyde Amsterdão ou o Museu de Etnografia de Neuchâtel,
e sob a inspiração destes princípios, várias destas pessoas organizariam cursos
especializados onde se consolidariam os diversos saberes museológicos que
alimentam o conceito contemporâneo de museu, assente numa base
interdisciplinar, e também em publicações, documentos orientadores ou projetos
museológicos.
Neste sentido, convém apontar que, desde logo, quiçá pelo âmbito em que se
origina o Seminário de 1958, a Mesa Redonda de 1972 ou os documentos que se
sucederam no processo de formulação deste movimento renovador para a Museologia
internacional (UNESCO, ICOM, MINOM ), segundo a investigação realizada por
Bruno, Fonseca e Neves (2010: 169, 174), e apesar do oceano que nos separa, é
possível detetar, entre essa diversidade de especialistas, uma comunicação
transversal que se irá manifestar numa consolidação de ideias e ideais, e que
tem evoluído em direção a uma progressiva colaboração em diversos projetos
deste lado do oceano Atlântico.
Continuando com o nosso passeio pela História, e tendo em conta a evolução
deste movimento, constata-se que a consolidação da Nova Museologia, a nível
mundial, tem lugar com a Declaração do Quebec(ICOM, 1984), documento onde a
interdisciplinaridade e a participação social passam a ocupar um papel
relevante no processo de construção do museu, aqui considerado como lugar de
entendimento e experimentação do património, e onde, consequentemente, se
coloca o sujeito no primeiro plano da ação.
O pensamento fundador do movimento fica assente em sete pontos, que colocam o
indivíduo como sujeito ativo que entende a cultura, a identidade, o património
e a herança cultural como fenómenos que são construídos e reconstruídos pelos
processos de interação (Primo, 2008: 51). Entre eles, cabe destacar: a
descentralização do objeto a favor da comunidade, a tendência para a
preservação in-situou a ampliação do conceito de objeto museológico (Van
Mensch, 1990: 50).
Na mesma direção se cria em Portugal, em 1985, no contexto do II Atelier
Ecomuseus-Nova Museologia' celebrado em Lisboa ' o MINOM, que, mais tarde,
seria reconhecido pelo ICOM. Para o grupo de especialistas que lidera estas
iniciativas, Quebec e MINOM devem ser entendidas como um todo coerente, que
contribuiu desde então para o reconhecimento, no seio da Museologia, do direito
à diferença (Moutinho, 1995: 57).
Alguns anos depois formular-se-ia a Declaração de Caracas(1992), onde o ICOM
daria continuidade ao desenvolvimento da função social do museu através de um
conjunto de medidas teórico-práticas.
Chegados a este ponto, no contexto da mudança de paradigma patrimonial referido
anteriormente, Santiago, Quebec e MINOM acabam por constituir um marco
fundamental, pela sua forma de definir um novo modelo de gestão social e
dinâmica do conhecimento associado às formas de cultura local, a partir do
museu, e por colocar esta instituição ' e a sua intervenção junto às
comunidades ' no caminho que leva ao desenvolvimento local e a uma prática da
salvaguarda socialmente ativa, muito próxima da recomendada pela UNESCO em
2003.
De facto, a Nova Museologia constituiu e ainda constitui, sobretudo para
regiões como a América Latina, una alternativa vigente para democratizar,
descentralizar y ciudadanizar las decisiones y aciones, para investigar,
conservar, promover y difundir el patrimonio natural y cultural de los pueblos
y de las naciones, frente a los intentos de enajenación, destrucción y
comercialización de dicho patrimonio (Méndez, 2007: 269). Podendo assim
afirmar-se que, de certa forma, se antecipou ao processo de evolução do próprio
conceito de património, centrando, desde as suas origens, a atenção no sujeito
e reformulando o lugar e função do objeto para passar a interpretá-lo como uma
consequência da capacidade criativa e de adaptação desse mesmo sujeito,
relativamente a um território e aos processos históricos e sociais a ele
associados.
Este caráter visionário desenvolver-se-ia com o tempo, traduzindo-se em
diversas fórmulas museológicas centradas no desenvolvimento local através do
reconhecimento da dimensão social do património e, com ela, dos seus diversos
potenciais ao nível da inclusão social, da valorização e reutilização dos
recursos locais, ou da educação não formal.
Entre elas, podemos destacar:
* Museu de Comunidade, como o Anacostia Community Museum' Washington, 1967 '
(Kinard, 1971 inBolaños, 2002: 285-287) ou como o atual Museu da Comunidade
Concelhia da Batalha ' Portugal, 2011;
* Museo Escolar, como a Casa del Museo, no México, na década de 70 (De Carli,
2004: 14) ou o Museo Escolar de Pusol' Espanha, 1969 ' considerado exemplo de
boas práticas de salvaguarda pela UNESCO, em 2009;
* Ecomuseu e a sua variada descendência (De Varine, 1978 in Bolaños, 2002: 282-
284), como foi, nas suas origens, o Écomusée du Creusot- Montceau-Les-Mines'
França, 1971-74 ' (Rivière, 1993: 199-200), o Ecomusée de Haute-Beauce'
Canadá, 1978 ' (Mayrand, Kerestedjan e Labella, 2004: 51-64), ou o Ecomuseu
Municipal do Seixal' Portugal, 1982 ', mas também as redes atuais de
Ecomuseus que se foram desenvolvendo em países como Itália, onde se encontra
conectado ao conceito de Mappa di Comunità4.
Paralelamente, num contexto mundial, e sob a orientação da UNESCO, a Convenção
para a Proteção do Património Mundial Cultural e Natural(1972) e a Conferência
Mundial sobre Políticas Culturais(1982) contribuiriam para a ampliação
progressiva da noção de património, que se refletiria no reconhecimento da
Museologia como agente privilegiado de desenvolvimento social e cultural no
seio das sociedades contemporâneas.
A partir daí, durante a década de 90, e à medida que em Portugal, vão ganhando
forma diversas experiências museológicas baseadas na Nova Museologia, entre as
quais se contam o Museu do Trabalho Michel Giacometti, o Museu Etnológico de
Monte Redondoou o já referido Ecomuseu Municipal do Seixal,a reflexão teórica
consolidaria a relação existente entre Museologia e Ciências Sociais, centrando
a atenção na Sociologia para desenvolver o caráter social do museu e o seu
importante papel ao nível do desenvolvimento local, de forma que, pouco a
pouco, irão ampliar-se algumas das suas premissas. Simultaneamente, inicia-se,
pela mão de um conjunto de especialistas procedentes de um e de outro lado do
Atlântico, a reformulação deste movimento acompanhada de uma redenominação mais
de acordo com a estratégia museológica defendida (Moutinho, 2007: 187-188).
Deste ponto de vista, é possível afirmar que, enquanto a Nova Museologia
defendia o estudo das características sociais do contexto, situando a
participação no centro do processo de construção do projeto museológico e
promovendo, simultaneamente, a ampliação do conceito de objeto museológico rumo
a uma prática que centrava a sua atenção no processo e nas suas variadas
dimensões socioculturais, a Museologia Social tomava como ponto de partida o
caráter evolutivo das sociedades e, considerando que o museu deve dar um passo
em frente para poder desenvolver a sua função social, colocava a participação
num novo patamar mediante a formulação do princípio da participação(Moutinho,
2010: 28).
Considerando que a valorização e promoção da diversidade cultural no âmbito do
desenvolvimento local constituem uma responsabilidade social, em cujas raízes
se situa o museu como mediador de um processo profundamente participativo que
conduz ao desenvolvimento da pessoa, a Museologia Social passava a defender o
exercício de uma prática museológica centrada no desenvolvimento sustentável e
na inclusão social, cultural e económica (Moutinho, 2010: 27-28).
3. Territórios convergentes ou porque Património e Participação partilham algo
mais que o P.
É deste modo que, na Nova Museologia, primeiro, e na Museologia Social, depois,
nos deparamos com algumas das linhas teórico-metodológicas que, não só
alimentam o processo de ampliação do velho modelo de património em direção a
um processo de construção social do conceito, centrado na prática de uma
patrimonialização evolutiva, mas constituem, igualmente, o eixo central de
atuação da salvaguarda socialmente ativa que a ele se encontra associada.
Num cenário desta natureza, e com o objetivo de desenvolver alguns aspetos de
fundo relacionados com o reconhecimento e a prática do novo paradigma, surgem,
entre outras, as seguintes questões:
* De que forma define a Sociomuseologia o princípio da participação?
* Que relação existe entre este princípio e o conceito de participação
comunitária defendido pela UNESCO na Convenção de 2003?
* Não estaremos a falar de um princípio cultural partilhado, que tem a sua
origem em movimentos socioculturais como o da Nova Museologia/Sociomuseologia
e que, como fruto de todo um processo evolutivo, constitui atualmente um eixo
fundamental das políticas culturais?
* Que reflexos têm este princípio na prática do novo paradigma patrimonial?
Em busca de respostas procurámos analisar os pontos de vista e as opções
metodológicas de três especialistas que se relacionam com esta corrente
museológica ao longo das últimas décadas: Hugues De Varine5, Cristina Bruno6 e
Isabel Victor7, com o objetivo de refletir em torno do princípio que estrutura
a ação sociomuseológica e da lógica construtiva que nos permite conectar este
princípio com as linhas metodológicas definidas pela UNESCO, em 2003.
Finalmente, damos forma ao enquadramento teórico que desemboca na definição de
um conceito que emana da própria Convenção e que vem sendo praticado pela Nova
Museologia desde as suas origens: o de inventário participado.
3.1. A chave da Museologia Social
Procurando uma definição atual deste princípio na ótica da Museologia Social,
tomamos como ponto de partida a perspetiva que nos apresenta De Varine quando
se refere ao método participativo (Sancho Querol, 2011: 307-310) já que, para o
autor, constitui a chave da Museologia para alcançar o seu objetivo principal:
o desenvolvimento do território a partir dos conhecimentos associados às formas
de cultura local, com o museu como gestor do processo, permitindo que a
comunidade se transforme na protagonista de uma dinâmica cultural que desemboca
no seu desenvolvimento sustentável.
Segundo este autor, a visão que conduz a uma prática equilibrada da gestão
patrimonial é aquela que considera o património como parte integrante do
território e da vida quotidiana da comunidade e, consequentemente, o museu como
um reflexo do dinamismo local. Desta forma, assenta na já mencionada tríade
conceptual Território - Património - Comunidade (De Varine, 2009: 53; 2011: 31-
39).
Esta tríade, que configura a estrutura da Museologia contemporânea e a função
social do museu (Fernández, 2003: 95), coloca-nos perante o que, para Bruno,
constitui uma componente essencial do museu contemporâneo: o seu caráter
público de estudo e salvaguarda ativa dos gestos, das técnicas e dos
significados sociais dos indicadores da memória das distintas sociedades, ao
longo do tempo e em espaços geográficos expandidos, centrando assim o interesse
na sua vertente educativa, isto é, no seu potencial como instrumento educativo
que coadjuva nos processos de organização e ação comunitária (Sancho Querol,
2011: 312), de forma que, a partir de aí, o museu possa ser un poderoso
instrumento de gestión para el desarrollo comunitario (Méndez, 2007: 265).
Além disso, quer De Varine, quer Bruno, consideram que o novo conceito de
património constitui um capital social, cultural e económico vital no processo
de desenvolvimento do território, sendo a participação o conceito gerador de
cada uma das fases deste processo de desenvolvimento, que se dá através de
instituições de expressão e ação local, como o museu.
Nesta mesma linha, aquela autora apresenta-nos uma interessante ideia de
participação, segundo a qual trata-se da estratégia segura das ações
democráticas em suas distintas aplicações, referindo-se à dimensão social do
conceito ao acrescentar que participação significa, também, a valorização da
posição/opinião do outro, a necessidade da negociação, a exigência do respeito
à diferença, entre muitos outros aspetos relevantes quando atuamos com o outro
e para o outro (inSancho Querol, 2011: 312).
Em concordância com esta definição, Victor lembra-nos que as formas de gestão
apropriadas ao novo paradigma patrimonial envolvem a implementação de dinâmicas
ativas baseadas na participação, considerada como ferramenta capaz de decifrar
e dar um novo significado ao valor estruturante da memória, mediante um
processo de investigação e documentação que parte de um exercício fundamental:
o de aprender a escutar (Victor, 2010: 34-36). Desta forma, refere a
necessidade de equiparar, a um mesmo nível, especialistas e comunidade no
processo de construção de significados e de reconhecimento da identidade
patrimonial dos nossos bens culturais.
Sob a perspetiva da teoria sociomuseológica, a partir das considerações de
Bruno, Victor e De Varine, e no entendimento do processo museológico como um
exercício democrático e cultural que propicia a participação ativa da
comunidade no desenho e implementação de políticas museológicas, poderíamos,
então, definir o princípio da participaçãocomo o direito de todo o ser humano a
intervir nos processos de identificação, construção e definição dos conceitos,
dimensões e significados da realidade histórica e cultural de um determinado
coletivo, através do museu e com vista ao desenvolvimento local, isto é, a
participar ativamente no processo contemporâneo de patrimonialização.
Em resposta às outras questões, e em relação aos conceitos e às recomendações
da UNESCO, a perspetiva de partilhar um princípio como este parece coerente com
os argumentos que existem de um e de outro lado, sobretudo se tivermos em conta
as origens e evolução do referido paradigma.
Deste ponto de vista, poderíamos, inclusive, considerar que o momento de
arranque para o reconhecimento e a prática de uma metodologia participativa é
constituído pela Declaração de Santiago, precisamente porque nesse momento, e
mediante a presença de uma série de especialistas procedentes de diferentes
áreas da cultura, ganha-se consciência da necessidade de caminhar em direção a
uma integração da dimensão social do património nos museus para, a partir daí,
se proceder a uma progressiva construção coletiva dos conceitos e significados
associados ao que, com o tempo, acabaria por ser o conceito de património
apresentado.
É assim que, ao definir o novo paradigma patrimonial, a UNESCO coloca a
participação comunitária como eixo central de atuação, contribuindo para a
construção de uma justiça social assente no reconhecimento e na
transversalidade de saberes, com os que, para além de garantir a buena puesta
en marcha y sostenibilidad de las iniciativas de salvaguarda pretende
comprometer a los portadores como agentes en el manejo de su propio destino
(Mujica, 2010:61).
3.2. Para uma prática coletiva do património
Juntamente com a prática do novo modelo de património, surge então a
necessidade de estudar los diferentes elementos que estructuran una
manifestación y que necesariamente hacen parte de un complejo de prácticas
asociadas, no necesariamente objetivadas por los atores e inscritas a niveles
diferentes del hecho social (Morales, 2010: 171).
É assim que o novo paradigma patrimonial nos coloca perante o desafio de
resignificar conceitos complexos, e por vezes perversos, como o de comunidade,
pois é com base nesta unidade social que se definem as linhas de atuação ao
longo do processo de salvaguarda.
Em sintonia com Waterton e Smith (2010: 8) e Cohen (1985: 98), e longe das
receitas predefinidas e aplicadas uniformemente ' mais próprias do velho
modelo patrimonial ', o novo paradigma parece insinuar-nos uma ideia de
comunidade de geometrias variáveis, que constitui, em cada caso, o resultado de
uma série de acontecimentos históricos, de sinergias locais e de formas de
relação sociocultural e económica em constante mudança.
A partir daqui, e por constituir a base metodológica do processo que leva à
identificação e ao reconhecimento de heranças culturais a que, posteriormente,
optamos por atribuir o estatuto patrimonial, constatamos que o princípio da
participaçãose encontra estreitamente conectado com uma das funções clássicas
do museu: o inventário. Desta forma, registamos que Museologia Social e
Convenção confluem novamente na formulação de um conceito que emana diretamente
da Convenção e cujas origens podemos localizar no foro desta Museologia: o
inventário participado.
Para desenvolver este conceito socorremo-nos da abordagem pioneira da memória
coletiva e dos quadros sociais da memória, desenvolvida por Halbwachs (2004:
25-50) e, considerando que esta memória resulta da justaposição de memórias
individuais, e que estas são o resultado de construções pessoais dos
acontecimentos, no sentido social e temporal dos processos, questionamos o
caráter único do facto social que temos visto prevalecer nas últimas décadas.
Desta forma estabelecemos uma relação direta entre o conceito polissémico de
memória que nos permite reapoderar-nos das diferentes escalas do passado,
enraizando presentes e alimentando continuidades que nos permitem estruturar
construtivamente os processos de desenvolvimento local, e um conceito plural e
socialmente ativo de património que nutre a essência do inventário na sua
vertente participada.
De fato, quando em 2005 a UNESCO estabelece a existência de inventários
ativos e inventários passivos, fá-lo com o objetivo de responder às
necessidades do novo paradigma, reconhecendo nos primeiros a capacidade de
produzir conhecimento e de regenerar-se regularmente, atualizando e ampliando
os saberes associados ao conceito contemporâneo de património (UNESCO, 2005:
18).
Com este mesmo objetivo, o organismo refere a importância de que este tipo de
inventários sejam open-ended (UNESCO, 2005: 20), isto é, inacabados ou em
constante construção, precisamente pelo facto de que, para se tornarem
elementos úteis do conhecimento e da salvaguarda do património cultural, e
porque trabalham a partir de um conceito de comunidade flexível e em constante
evolução, precisam de uma atualização regular.
Estes fatos levam-nos a concluir que, neste contexto, o inventário constitui
uma prática global e integrada da dimensão social do património e,
consequentemente, uma forma de projeção das comunidades. Além disto, e como
lembra Bortolotto (2008: 22), no âmbito do museu contemporâneo o inventário
deixou de ser um fim em si mesmo, para passar a ser um meio de identificação
que permite alcançar a salvaguarda, agora entendida como transmissão e
continuidade, colocando-se o desafio de aprender a construir inventários
ativos. Esta é a razão pela qual os inventários não devem, como hasta ahora lo
hemos hecho, definirse desde manifestaciones puntuales, sino desde
problemáticas histórico-culturales, o por lo menos desde ejes temáticos más
amplios que den cuenta de estos procesos (Morales, 2010: 169).
Tomando como ponto de partida e base teórica os princípios do desenvolvimento
centrado na construção de uma justiça cognitiva global (Santos, 2009: 43-57) e
os métodos e objetivos definidos pela Museologia Social (Victor e Melo, 2009:
7) e considerando:
* → Uma ideia de cultura enquanto sistema coletivo de significado socialmente
construído e culturalmente partilhado (Hall, 1997) que, tal e como reconhece
a Declaração de Salvador(2007), é um bem de valor simbólico, direito de
todos e fator decisivo para o desenvolvimento integral e sustentável
(Diretrizes, ponto 1);
→Uma noção coletiva, dinâmica e polissémica de património, que resulta de um
processo de ativação social dos valores associados às realidades que
conformam a nossa diversidade cultural, e que se traduz numa perspetiva
profundamente substantiva dos fenómenos culturais locais;
→Uma ideia de museu que, como nos lembra Bruno, tem na participação a
essência de sua lógica institucional, outorgando-lhe una função
estruturadora e definidora do recorte patrimonial, da dinâmica das ações
museológicas e das relações que são estabelecidas com a comunidade
envolvente (inSancho Querol, 2011: 312) e onde o museu constitui um projeto
coletivo centrado na democratização das ferramentas museológicas, com vista
ao desenvolvimento local.
→Um ideal de participação que coloca a comunidade (considerada como first
voice dos patrimónios locais) como principal atora e gestora do processo de
identificação, reconhecimento e valorização do seu património e,
consequentemente, como protagonista e fruidora do processo de desenvolvimento
local que resulta de uma patrimonialização inclusiva (Galla, 2008: 11-22).
Propomos que o inventário participado, variante democrática desta função
patrimonial, seja definido como a intervenção de pessoas e comunidades na
identificação e na documentação dos seus recursos culturais, o que envolve o
seu reconhecimento como elementos de identidade local e pessoal, isto é, como
património cultural.
Perante um desafio desta natureza e considerando que, a partir das ideias de
Morales (2010: 168) e dos conceitos definidos por Desvallées e Mairesse (2010:
68), a patrimonialização poderia ser definida como uma seleção valorizada que
envolve um processo de ativação simbólica do valor patrimonial de uma
determinada manifestação cultural, em função do seu caráter representativo em
relação à identidade de um coletivo, podemos então concluir que o inventário
participado é, na sua essência, um processo de patrimonialização evolutivo,
centrado na salvaguarda ativa dos recursos culturais de uma comunidade e no
reconhecimento do seu statussocial, com base num processo de compreensão/
memorização/formação-ação (Lameiras-Campagnolo e Campagnolo, 1993: 50).
Seguindo esta lógica participativa e com base nas linhas que definem o novo
paradigma patrimonial, poderíamos falar, então, de uma tripla caracterização
segundo a qual este inventário se perfila como um ato territorial,
participativo e evolutivo.
Já em termos práticos, o inventário pode ser realizado, tal e como refere a
UNESCO, por uma pessoa, um coletivo ou uma comunidade, de forma que o museu
assuma o papel de mediador entre os bens que se pretende conhecer/reconhecer/
inventariar e a própria comunidade ' da mesma forma que poderia assumi-lo uma
associação ou um organismo de poder local ' para orientar, facilitar e
dinamizar o processo sin dirigir, de manera que la información contenida en el
expediente refleje el sentimiento y el conocimiento de la comunidad (Mujica,
2010:60).
Como propõe De Varine, ou como temos observado nas experiências de trabalho
realizadas (Sancho Querol, 2010b; 2011: 179-208), com este objetivo,
especialistas e comunidades colocam-se num mesmo nível para decidirem, de forma
participativa e igualitária, os métodos, os princípios e os objetivos de cada
uma das fases do processo de inventário. É assim como o inventário passa a
constituir o primeiro passo do processo de desenvolvimento local de um coletivo
e, simultaneamente, uma ferramenta primordial do plano de gestão patrimonial
dos recursos culturais e naturais do território, com vista à salvaguarda ativa
dos valores que caracterizam a sua diversidade.
Sob esta perspetiva, a opção participativa surge enquanto expressão e exercício
de igualdade entre poderes estabelecidos no seio de um território,
relativamente aos gestos, saberes e práticas que constituem as especificidades
culturais da comunidade ou comunidades que nele habitam, exigindo uma gestão
produtiva do conhecimento e do diálogo que vem responder aos princípios de
atuação defendidos pela Ecologia de Saberes. Desta forma, o conjunto de dados '
isto é, de novo conhecimento produzido ao longo do processo e associado a um
determinado bem cultural ' será o resultado de uma metodologia centrada na
copresença dos/as diferentes agentes ao longo do processo, na coprodução e na
coautoria do conhecimento.
Num contexto desta natureza, Bruno lembra que a fórmula baseada na participação
constitui a mais importante contribuição das últimas décadas ao conceito de
inventário, envolvendo agora um objetivo especial: o fortalecimento da gestão
social do património cultural (Sancho Querol, 2011: 312).
Ademais, e retomando a ideia que dele nos propõe a Museologia Social, o museu
parece ser uma instituição especialmente apropriada para orientar este processo
de gestão social, de forma que, segundo esta lógica, ao colocar o inventário
participado na origem do processo de patrimonialização e desenvolvimento local,
estamos iniciando, simultaneamente, um triplo caminho:
* Por um lado, um processo progressivo de educação patrimonial baseado no
reconhecimento da capacidade de gestão, de valorização e de ressignificação
da comunidade em relação às especificidades culturais e naturais que definem
a identidade local;
* Em segundo lugar, e tendo em conta que a sistematização da informação
relacionada com o inventário participado envolve um processo de autorreflexão
individual e coletiva, o facto de que este redundará num melhor conhecimento
e valoração das manifestações culturais por parte da própria comunidade de
forma que, como nos lembram várias das personalidades referidas, ao mesmo
tempo estaremos alimentando o reforço dos poderes do coletivo mediante o
reforço da sua identidade cultural;
* Em terceiro lugar, e pelo facto de devolver o conhecimento que resulta do
inventário participado aos/as criadores/as e praticantes, estaremos criando
as condições apropriadas para o exercício de uma salvaguarda ativae
consciente por parte da própria comunidade.
Conclusão
Falar de Museologia Social significa falar de uma Museologia de pequena
escala mas de interessante impacto social, cultural e económico, que centra a
sua atuação no desenvolvimento da pessoa, através da identificação, do estudo,
da valorização e da dinamização de determinados aspetos culturais e
identitários do coletivo que integra, mediante a utilização de métodos de
intervenção e atuação participativos.
O paradigma patrimonial definido em 2003 pela UNESCO e os desafios a ele
associados, colocam-nos perante a possibilidade de contribuir para a construção
de uma justiça cognitiva plural que privilegia o reconhecimento do outro e a
legitimação de saberes locais, alimentado, simultaneamente, dinâmicas que
permitem reforçar as relações com a(s) comunidade(s), no âmbito de um processo
de desenvolvimento intencionalmente humanizado e sustentável. Neste contexto, o
inventário participado constitui uma via democrática de construção,
entendimento e projeção das nossas raízes culturais no presente.
Notas
1 Doutora em Museologia. Investigadora em Pós-doutoramento, Centro de Estudos
Sociais, Universidade de Coimbra (Coimbra, Portugal). Professora, IADE-
U Instituto de Arte, Design e Empresa (Lisboa, Portugal). E-mail:
lorenaquerol@gmail.com.
2Que ainda prevalecem com frequência sob a denominação de Western Authorised
Heritage Discourseou AHD, sendo criticados por diversos/as especialistas do
setor dos Estudos do Património (Waterton e Smith, 2010: 12).
3Sobre a evolução da Nova Museologia no contexto europeu recomenda-se a
consulta de obras como: Van Mensch, 1990; Rivière, 1993; Moutinho, 1994, 1995;
Primo, 1999; Fernández, 2003; Mayrand, Kerestedjan e Labella, 2004; Mayrand,
2007.
4 http://www.mappadicomunita.it/
5 Hugues De Varine (França): Historiador, antigo presidente do ICOM e consultor
internacional em desenvolvimento comunitário e participação cidadã.
6Mª Cristina de Oliveira Bruno (Brasil): Museóloga, Professora Titular de
Museologia no Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo
(MAE/USP).
7Isabel Victor (Portugal): Coautora do projeto museológico do Museu do Trabalho
Michel Giacometti (desde 1987) e diretora do Museu entre 1995 e 2010. Ex-
diretora da Rede Portuguesa de Museus(2010- 2012).