Redes sociais no recrutamento de imigrantes: fundamentos teóricos de uma
proposta de explicação
Introdução1
O recrutamento ativo de trabalhadores migrantes constitui o argumento central
na explicação de migrações de trabalho, numa das teorias mais referenciadas
sobre o tema (Piore, 1979). De acordo com Piore, as migrações de trabalho com
destino a países industrializados acontecem porque empregadores ou governos (ao
serviço dos empregadores), através do estabelecimento de acordos com outros
países, recrutam migrantes.
As redes sociais e o capital social são, nas migrações, genericamente
concetualizados como meios de obtenção de informação, pelos migrantes, acerca
de destinos. Através deles, os indivíduos podem compensar situações de acesso
limitado a recursos instrumentais para alcançarem objetivos nas suas
trajetórias de vida que impliquem mudanças migratórias.
No estudo de migrações, as duas perspetivas enunciadas não têm sido
complementadas no estudo do surgimento dos fluxos migratórios: não se explora o
papel das redes na perspetiva do recrutamento apresentada, que é utilizada para
explicar a emergência das migrações; o papel atribuído às redes na explicação
das migrações é, geralmente, o de que contribuem para a reprodução dos fluxos
(e não são, por si só, responsáveis pela sua emergência), e nas migrações
laborais referem-se frequentemente também as “redes organizadas”.
A articulação entre o recrutamento e as redes e/ou o capital social pode ser
elencada em dois eixos fundamentais, de acordo com a revisão da literatura: 1)
as redes são associadas a atividades de lucro como o tráfico, contrabando e
crime, e distintas do que se passa entre família e amigos, estando os
(aspirantes a) migrantes numa situação vulnerável relativamente à migração; 2)
as redes que se associam à migração constituem-se de relações familiares e de
amizade, bem como “amigos de amigos”, e têm um desempenho muito influente no
desenvolvimento das migrações. Nestas podem ou não encontrar-se atividades de
lucro associadas à ajuda ao movimento, mas não é o crime que sobressai. O
tráfico e o contrabando também têm ligação a atividades de recrutamento em
redes organizadas, mas a reflexão sobre estas atividades não terá lugar neste
texto.2
Neste artigo pretende-se promover a perspetiva de que, na ausência de programas
governamentais de recrutamento de mão de obra, e num contexto favorável de
oportunidades de trabalho no destino, é plausível que exista uma articulação
forte entre o processo de recrutamento de trabalhadores para fluxos migratórios
e as redes sociais dos migrantes e potenciais migrantes, com o capital social
que mobilizam. Estas redes sociais podem ser entendidas como equivalentes
funcionais de outro tipo de recrutamento, numa perspetiva relacional do estudo
das migrações. O recrutamento pode ser explicado com a perspetiva da análise de
redes sociais.
Para o objetivo enunciado, procede-se, nas duas primeiras secções, a uma
revisão de literatura sobre as origens dos conceitos de redes sociais e de
capital social, bem como as suas propriedades e as relações entre eles,
contribuindo para uma maior aproximação e diálogo entre a sociologia das redes
sociais e os estudos das redes de migração3, neste caso com a lente do
recrutamento em migrações laborais, em língua portuguesa. Na secção seguinte
apresenta-se como as redes (de migrantes) têm sido concetualizadas em estudos
de migração. Na penúltima seção responde-se à necessidade inevitável de
refletir sobre o papel das redes sociais de configuração cibernética, e de como
estas se relacionam com a estruturação das migrações. Nas reflexões finais
desenha-se um enquadramento teórico que articula algumas das contribuições,
para explicar como as redes de migrantes e o capital social podem ser
responsáveis pelo desenvolvimento de fluxos migratórios, em particular
laborais, em contextos de escassez de mão de obra e de ausência de
recrutamentos estatais com objetivos de a colmatar.
1. Redes sociais: análise, conceitos e propriedades
A análise das redes sociais engloba teorias, modelos e aplicações que se
expressam através de conceitos ou processos relacionais; a sua unidade de
análise não é o indivíduo, mas as relações que se estabelecem entre um conjunto
de indivíduos (Wasserman e Faust, 1994: 4-5).
A investigação das estruturas relacionais foi impulsionada por Radcliffe-Brown,
autor que se tornou uma referência para sociólogos e antropólogos com a
conceptualização da estrutura como “rede de relações realmente existentes”
(Radcliffe- Brown 1940 in López e Scott, 2000: 46).
Mas é na sociologia formal de Simmel que se identifica a origem sociológica do
conceito de rede e respetiva análise. O autor define a sociedade como processo,
a sua existência depende das “ações recíprocas” entre indivíduos (Simmel, 1999)
e assume dois significados só separáveis cientificamente: 1) um conjunto de
indivíduos socializados, entendidos como o material humano com forma social que
tem uma realidade histórica; 2) o conjunto de todas as possibilidades
relacionais entre os indivíduos, que vêm a ser responsáveis pela forma social
que surge no primeiro sentido do termo. A ciência da sociedade assim
concetualizada tem por objeto as forças, as relações e as formas pelas quais os
homens se socializam. As formas são, entre outras, as hierarquias, as
corporações, as concorrências, as amizades. De acordo com o autor, o conteúdo e
a forma social constituem uma realidade concreta unitária em todos os fenómenos
sociais (Simmel, 1999); o conteúdo das redes sociais foi o menos desenvolvido
em análises posteriores.
Três tradições assinaláveis na análise contemporânea das redes sociais
encontram-se na revisão dos trabalhos que a compõem (Scott, 2000)4 1) a
sociometria, orientada para os grupos pequenos, da qual resultaram alguns
avanços técnicos com os métodos da teoria dos gráficos; 2) a investigação de
Harvard nos anos 1930, através da qual foram explorados os padrões de relações
interpessoais e a formação de sub-redes, ou “cliques”; 3) a investigação da
estrutura das relações de “comunidade” em sociedades tribais e aldeãs, por
antropólogos de Manchester, que se apoiaram nas correntes anteriores.
Na primeira tradição referida, psicólogos e psiquiatras como Jacob Moreno
pretendiam explorar os modos como as relações de grupo podiam ser
simultaneamente constrangimentos e oportunidades para as ações e
desenvolvimento psicológico dos indivíduos. Também se pretendia a compreensão
de como o bem-estar psicológico se relaciona com as “configurações sociais”,
que Moreno considera produto de padrões de escolhas interpessoais. A inovação
daquele autor reside na produção do sociograma, que representa graficamente as
propriedades formais das configurações sociais, onde os indivíduos constam como
pontos e as relações entre si como linhas. Este diagrama descreve os canais,
que estabelecem laços, onde ocorrem os fluxos de comunicação (ou outros) entre
os indivíduos. Trabalhos posteriores na mesma linha (Carwright e Harary, 1956,
inScott, 2000) acrescentaram sinais de (+) e (-) para a valoração da relação
representada graficamente, ou setas a indicar a direção da relação (para
distinguir, por exemplo, ausência de reciprocidade do afeto).
A segunda tradição da análise das redes sociais remete para a investigação de
como as redes se decompõem em elementos, em trabalhos desenvolvidos na
Universidade de Harvard, nos anos 1930 e 1940 (durante a tradição
sociométrica), por académicos liderados por W. Lloyd Warner (Freeman, 2004).
Foram pesquisados subgrupos das redes, como os cliques, agrupamentos ou blocos.
A investigação destas relações informais em sistemas de escala macro conduziu à
descoberta empírica de que estes continham subagrupamentos coesos. Radcliffe-
Brown e Durkheim foram influências desta tradição.
Homans conjugou estas duas correntes, entre si desconhecidas. No fim dos anos
1940, o autor começou a investigação de grupos pequenos, sobre os quais
pretendia elaborar uma teoria geral (Homans, 1992) construída a partir do
trabalho experimental de psicólogos sociais e da observação e análise por
sociólogos e antropólogos. De acordo com o autor, a teoria social deveria ter
como fundamento a compreensão da interação social à escala micro, sem a
elevação ao nível mais alargado de abstração. Na síntese do autor lê-se que as
atividades humanas orientam as pessoas para a interação e sentimentos assim
produzidos, que varia de acordo com a frequência, duração ou direção daquelas
(Homans, 1992).
O conceito de grupo pequeno aproxima-se do conceito de rede social, porque é
definido pelas interações (“participar junto”), atividades e os sentimentos dos
membros do grupo. As suas relações interdependentes, nas quais o grupo está
ativo, constitui o sistema social; fora, encontra-se o ambiente envolvente
(Homans, 1992: 84). Apesar das sinergias estabelecidas entre o grupo humano e
as redes sociais, Homans não inspirou trabalhos subsequentes na segunda
abordagem.
A análise das redes sociais foi renovada com os investigadores associados ao
departamento de antropologia social da Universidade de Manchester, entre os
quais Mitchell (1974), durante a terceira tradição da análise contemporânea das
redes sociais. Mitchell transpôs a teoria dos gráficos e a sociometria para um
quadro sociológico que enfatiza as características das organizações informais e
interpessoais já salientadas por Homans. As configurações das relações que
surgem do exercício do conflito e do poder, e a sistematização dos conceitos de
teia e rede de relações sociais, foram salientadas nesta perspetiva, em
detrimento dos conceitos de normas internalizadas e de instituições. Aqui
privilegia-se a rede social no estudo de diferentes fenómenos e nas análises
com diferentes níveis de abstração, para ultrapassar limitações das abordagens
estruturais rígidas (Mitchell, 1974).
Mitchell considera que, na análise, deve ser estabelecida a diferença entre a
morfologia da rede social e a interação. Características importantes da forma
das redes sociais são a sua densidade, os agrupamentos que se podem distinguir
no interior, a ancoragem (ponto de referência da rede social) e o alcance
(número de ligações que intervém entre a pessoa que as origina e a pessoa alvo,
ou seja, o número de pessoas com quem um membro de uma rede tem ligações). Como
critérios de interação das redes sociais, identifica o conteúdo, a direção, a
intensidade e a frequência (Mitchell, 1974).
Para colmatar a deficiência identificada relativamente à análise de conteúdos
das redes sociais, Mitchell categoriza-os como podendo ser de comunicação,
transação/troca, e normas, o que tem muita proximidade com os mecanismos do
capital social. As ligações entre as pessoas representam a categoria da
comunicação, as relações de troca estão representadas no comportamento dos
atores e o conteúdo normativo corresponde à construção do significado que a
relação tem para o ator, i.e., a sua compreensão sobre a expectativa que a
outra pessoa tem do seu comportamento (Mitchell, 1974).
Passam a abordar-se as propriedades globais das redes, visando a sua aplicação
a todos os campos da vida social. No seguimento desta abordagem e do surgimento
de duas inovações matemáticas (a criação de modelos algébricos de grupo e o
desenvolvimento de escalas multidimensionais para traduzir relações em
“distâncias” sociais e para as mapear no espaço social) emerge um novo grupo de
Harvard, com White e outros (citado em Scott, 2000) no início dos anos 1970,
década a partir da qual pode dizer-se que a análise das redes sociais se
instalou e tornou-se largamente reconhecida como um campo de investigação
(Freeman, 2004).
Granovetter popularizou esta abordagem na sociologia americana e estimulou
estudos posteriores. Com o trabalho de 1973, o autor teve como objetivo mostrar
como a utilização da análise das redes permite relacionar a interação micro,
com variados fenómenos sociais macro. Esta ligação seria feita através de um
aspeto particular das redes sociais, a “força das ligações fracas”
(Granovetter, 1973).
O estado da arte no que concerne à análise das redes sociais permite afirmar
que não existe a presunção de construção de uma teoria específica. Mas a
análise das redes sociais contribui para informar a construção de teorias
específicas, ao oferecer um enquadramento compreensivo de análise da estrutura
relacional e complementa outras abordagens na compreensão sociológica de
fenómenos sociais (López e Scott, 2000; Scott, 2000). Estas propriedades da
análise conduzem à definição da “sociologia das redes sociais” como o conjunto
de métodos, conceitos, teorias e modelos de inquérito postos em prática em
sociologia, para tomar como objeto de estudo as relações entre os indivíduos (e
não as suas caraterísticas) e as regularidades que apresentam. O objetivo é
descrever estas relações, dar conta da sua formação e transformação e explicar
os seus efeitos nos comportamentos individuais (Mercklé, 2004). Os modelos das
redes concetualizam a estrutura como padrões duradouros de relações entre
atores (Wasserman e Faust, 1994).
Depois das contribuições apresentadas, como se definem redes sociais e que
propriedades têm? Uma rede social pode ser definida como o conjunto de unidades
sociais e das relações estabelecidas direta ou indiretamente entre elas,
através de cadeias de comprimento variável; pode acrescentar-se à definição a
“propriedade de que as características destas ligações como um todo podem ser
usadas para interpretar o comportamento social das pessoas envolvidas”
(Mitchell, 1969: 2). Devido à interdisciplinaridade que caracteriza o estudo
das redes5, as unidades que lhe estão encastradas podem ser indivíduos,
posições, atores coletivos ou outras entidades.
As ligações sociais podem ter força mensurável e variável de acordo com a sua
densidade emocional, a quantidade de tempo passada entre os atores sociais, o
seu grau de intimidade, a confiança mútua e os serviços recíprocos. O resultado
desta combinação dá origem à tipificação de laços como fortes, fracos ou
ausentes (Granovetter, 1973).
Nos contributos sobre a análise das redes consultados, podem identificar-se,
entre as propriedades das redes, a densidade, a multiplexidade e a latência
(Portes, 1998, (1995); Turner, 1991). A densidade remete para o número de
ligações incluídas e é uma medida de coesão ou solidariedade na rede, e serve
para estudar a fragmentação em componentes. Por isso, as redes podem ter a
designação homónima ou, dependendo da densidade que têm, designar-se cliques ou
agrupamentos (Portes, 1998 (1995)). Há alianças temporárias (Boissevain, 1974)
com diversas formas (gang, conjuntos de ações, fações). Destacam-se, para
efeitos do estudo das redes nas migrações, o “clique”, que tem subjacente uma
“base de afeto e interesse comuns” (Boissevain, 1974: 174) e o “conjunto de
ações”, como um “conjunto de pessoas que coordenam as suas ações para atingir
um objetivo particular” (Boissevain, 1974: 186).
A multiplexidade é o grau de sobreposição de esferas institucionais nas
relações existentes entre participantes na rede (ser-se familiar e colega de
trabalho, por exemplo) (Portes, 1998 (1995)). A propriedade da latência
significa que as redes podem ser acionadas pelos indivíduos quando estes
pretendem, mesmo sem que reconheçam a sua forma.
As componentes das redes têm propriedades relevantes e com efeitos nos objetos
de estudo, neste caso nas dinâmicas das migrações. Os pontos (posições ou
atores) podem ser centrais ou intermediários. O intermediário social coloca
pessoas em contacto direto ou indireto e estabelece pontos de comunicação entre
pessoas, grupos, estruturas e até culturas (Boissevain, 1974). Nesta
intermediação está sempre envolvida uma transação de serviços, informação, boa
vontade ou satisfação psicológica (Boissevain, 1974). O intermediário das
redes, o broker, é equiparado, por Boissevain, a um empresário que controla
recursos e que os manipula para o seu próprio interesse. Recursos esses
entendidos como contactos estratégicos com pessoas que controlam diretamente
outros recursos, por exemplo, o acesso a informação sobre oportunidades de
trabalho; este controlo adquire importância na consideração do intermediário
para o recrutamento em migrações.
As ligações ou laços podem representar informação, sentimentos, preferências,
controlo, influência, honra/prestígio, realidades materiais e ideias, que podem
ser organizados em três tipos de fluxos genéricos: materiais (bens físicos e
símbolos que dão acesso a tais bens físicos, como o dinheiro), símbolos
(informação, ideias, valores, normas, mensagens, etc.) e emoções (aprovação,
respeito, etc.) (Turner, 1991).
A análise sociológica do conteúdo e do funcionamento dos laços sociais remete
para o conceito de capital social, de tal forma que chega a ser definido
indistintamente de redes sociais: “de uma maneira geral, redes sociais, as
reciprocidades que surgem delas, e o valor destas para os objetivos mútuos a
alcançar” (Schuller, Baron e Field, 2000: 1). Interessa-nos analisar o capital
social como componente ou conteúdo das redes sociais, dissociando-o de sinónimo
destas.
2. Capital social
A formulação sociológica do conceito de capital social enquadra-se
originalmente no conjunto da produção teórica de Pierre Bourdieu sobre outras
formas de capital (o económico, o cultural e o simbólico). Define-se como “o
conjunto de recursos reais ou potenciais ligados à posse de uma rededurável de
relaçõesmais ou menos institucionalizadas de interconhecimento e de inter-
reconhecimento; ou, por outras palavras, à pertença a um grupo, como conjunto
de agentes que não só são dotados de propriedades comuns (suscetíveis de serem
percebidas pelo observador, pelos outros ou por eles mesmos) mas são também
unidos por ligações permanentes e úteis” (Bourdieu, 1980: 2).6 O capital social
exerce um efeito multiplicador sobre o capital que o agente possui.
Coleman é o responsável pela divulgação do conceito na sociologia norte-
americana. Utiliza-o para desenvolver a orientação teórica do princípio da
escolha racional ou propositada (Coleman, 1988).
Para este autor, o capital social define-se pela função de facilitar
determinadas ações dos atores, enquanto dimensão das estruturas sociais
(Coleman, 1988: s98). Ao contrário dos capitais económico ou humano, “é
inerente à estrutura das relações entre dois ou mais atores” (Coleman 1988:
s98) e permite alcançar objetivos que de outra forma estariam inacessíveis.
Redes sociais e capital social são, nesta definição, indissociáveis.
Nesta perspetiva funcionalista do conceito, o capital social assume seis
diferentes formas: i) as obrigações, expectativas e a confiança das estruturas;
ii) os canais de informação; iii) as normas e sanções eficazes (Coleman, 1988);
iv) relações de autoridade; v) organização social apropriável; e vi)
organização intencional (Coleman, 2000 (1990)).
Deve salientar-se um aspeto do capital social que é, em Coleman, divergente de
outros autores. As normas eficazes dependem de uma propriedade das relações
sociais que o autor designa por fechamento, um facilitador do capital social,
porque permite a proliferação das obrigações e expectativas de reciprocidade e
assim a confiança das estruturas sociais (Coleman, 2000 (1990)). Esta
perspetiva de “laços fechados” diverge da que atribui mais força a laços fracos
para o acesso a recursos e a conhecimento novo (Granovetter, 1973).
Robert Putnam (1993, 1995a, 1995b) foi quem introduziu o conceito no discurso
político (Schuller, Baron e Field, 2000). Nesta concetualização também se
privilegia a consecução de objetivos comuns, pois o capital social compõe-se de
“características da organização social, como redes, normas e confiança, que
facilitam a coordenação e a cooperação para benefício mútuo” (Putnam, 1995a:
67).
O autor sustenta que o capital social incorporado em normas e redes de
ocupações de âmbito cívico impulsiona o desenvolvimento económico. Porque, em
primeiro lugar, o capital social origina normas de reciprocidade generalizada,
o que resulta como uma “lubrificação da vida” (Putnam, 1993) e torna a
sociedade eficiente.
As redes de atividades cívicas facilitam a coordenação e a comunicação e
amplificam a informação sobre a confiança noutros indivíduos. Por último, o
sucesso da colaboração anterior é incorporado nestas redes, portanto os
stocksde capital social tendem a ser auto reforçadores e cumulativos, ao
contrário da depreciação que sofrem se não tiverem utilização (Putnam, 1993).
Já Coleman também referia que, como recurso que depende das relações entre as
pessoas, o capital social desvaloriza se estas não são renovadas (Coleman, 2000
(1990)).
Putnam segue a mesma linha do acesso a benefícios através de capital social,
mas é o único, destes três autores, que expõe “efeitos negativos”, ao referir
haver normas e redes que servem certos grupos e podem prejudicar outros, em
particular se as normas são discriminatórias e as redes socialmente segregadas.
Coleman refere que “uma dada forma de capital social que é valiosa para
facilitar certas ações pode ser inútil ou, mesmo, prejudicial para outras”
(Coleman, 1988: s98) e implicitamente assume aquela vertente menos benéfica.
Em Coleman ou Putnam, as próprias relações sociais (as redes) têm capital
social encastrado, o que diferencia a conceção de Bourdieu em que o capital
social se constitui de recursos para serem usados pelos indivíduos. É aquela
sobreposição que origina a crítica de tautologia e a afirmação de que o
tratamento sistemático do conceito deve distinguir entre possuidores, fontes e
recursos de capital social propriamente ditos, todos eles confundidos na
conceção de Coleman (Portes, 2000).
As investigações mais recentes apontam para as funções de controlo social,
apoio familiar e de benefícios através de relações extrafamiliares do capital
social (Portes, 2000). O núcleo consensual associa o capital social à
“capacidade de os atores garantirem benefícios em virtude da pertença a redes
sociais ou a outras estruturas sociais” (Portes, 2000: 138). Ou seja, o
conceito não se refere aos recursos em si, mas à sua mobilização por parte dos
indivíduos quando precisam deles. Aos recursos adquiridos através do capital
social associam-se expectativas de reciprocidade.
Retomando a questão dos efeitos negativos do capital social, também Portes e
Sensenbrenner os apresentam como tal, num artigo publicado no início dos anos
1990, explicitamente em desacordo com Coleman. Nele se refere que “os mesmos
mecanismos sociais que dão origem a recursos apropriáveis para uso individual,
também podem constranger a ação ou mesmo desviá-la dos seus objetivos iniciais”
(Portes e Sensenbrenner, 1993: 1338) e associados ao exacerbamento dos
sentimentos de solidariedade ou de confiança.
Ao recuperar a problemática mais tarde, Portes elenca as consequências
negativas do capital social que encontra na literatura (Portes, 2000: 148-149):
1) a exclusão do acesso a recursos e benefícios por quem não partilha dos
mesmos laços fortes que permitem obtê-los; 2) o reverso do primeiro, como a
exigência excessiva a membros do grupo para impedir iniciativas empresariais;
3) as restrições à liberdade individual e exigência de conformidade às
comunidades ou grupos; 4) as normas de nivelação descendente para manter os
membros de um grupo oprimido no seu lugar (pode levar os mais ambiciosos a
querer dele sair); 5) a reprodução da solidariedade resultante de uma
experiência comum de subordinação. Em suma, os processos relacionados com o
capital social podem significar o controlo sobre comportamentos desviantes ou o
acesso favorecido a recursos, mas podem também limitar liberdades individuais e
discriminar terceiros no que respeita ao acesso a esses recursos.
Os desenvolvimentos do conceito de capital social originaram uma teoria de
estrutura social e ação que tem como objetivo fazer a ligação macro e micro na
análise sociológica (Lin, 2002). De acordo com o autor da teoria do capital
social, o conceito deve ser utilizado no contexto da rede social, como
“recursos acessíveis através de laços sociais que ocupam localizações
estratégicas na rede” (Lin, 2002: 24) e, operacionalmente, “recursos
encastrados nas redes sociais, acedidos e usados pelos atores para as ações”
(Lin, 2002: 25). Para este autor, o capital social contém três elementos que
intersetam estrutura e ação: estrutura (o encastramento), a oportunidade
(acessibilidade através das redes sociais) e a ação (uso dos recursos). Os
recursos permanecem nas redes (e não nos indivíduos) e o seu acesso e
utilização são apanágio dos atores individuais. Os recursos definem-se como
bens valorizados através de julgamentos normativos, como a riqueza, a reputação
e o poder (Lin, 2002).
No seguimento da teoria marxista do capital, Lin (2002) salienta que o capital
social também é um investimento em relações sociais, com expectativa de retorno
no mercado (que pode ser económico, político, de trabalho, de comunidade,
etc.). O enfoque desta análise é o de perceber como o indivíduo investe e como
adquire os recursos encastrados nas relações, para deles obter benefícios, ou
seja, para ter sucesso numa ação intencional. Como cenário é possível pensar na
procura de trabalho, uma das áreas em que se podem medir os efeitos do capital
social. O capital social contém recursos (riqueza, poder e reputação, bem como
redes sociais) de outros atores individuais, aos quais um ator individual pode
ganhar acesso através de laços sociais diretos ou indiretos. São recursos
encastrados nos laços das redes de cada um.
3. Redes de migrantes nos fluxos migratórios: benefícios e condicionantes
As redes sociais na migração têm sido estudadas em diversas dimensões e
contextos, e nos fluxos migratórios é-lhes genericamente atribuído o papel de
reprodução e retroalimentação (Faist, 2000; Massey et al., 1993; Massey,
Goldring e Durand, 1994). São explicitamente consideradas insuficientes para
constituir originalmente os fluxos migratórios de grande dimensão (Faist, 2000;
Krissman, 2005).
Quando se analisam as redes sociais nas migrações atribui-se a designação de
redes de migração ou redes de migrantes, que se podem definir como “conjuntos
de ligações interpessoais que ligam migrantes, migrantes pioneiros e não
migrantes nas áreas de origem e de destino, através de laços de parentesco,
amizade e de origem comum” (Massey, 1988: 396).7 Em migrações internacionais
podemos identificar, de entre os migrantes aqui considerados: os que integram o
fluxo, os que retornam do país de imigração para o de emigração e os que
residem no país de imigração (Faist, 2000:52).
A migração pode ser a mudança que ocorre nas relações sociais para facilitar
outras ações, obedecendo à definição de capital social como o que é criado
quando as relações entre as pessoas mudam para facilitar a ação. Isto é, “os
migrantes movimentam-se não como aventureiros solitários mas como atores
ligados a outros associados aqui e lá, com os laços sociais lubrificando e
estruturando a sua transição de uma sociedade para a seguinte” (Waldinger e
Lichter, 2003: 11). Assim, cada ato de migração produz capital social entre
pessoas com quem o novo migrante se relaciona e aumenta as probabilidades da
migração destas (Massey, Goldring e Durand, 1994).
A associação de redes de migração a uma forma de capital social terá sido feita
pela primeira vez por Massey e colegas no fim dos anos 1980 (Massey, Alarcon,
Durand e Gonzalez, 1987). A ligação entre redes e o seu conteúdo, nas
migrações, é desenvolvida na teoria de Faist, que sintetiza a componente
individual e coletiva do capital social remetendo para mecanismos que têm na
sua base o problema da mobilização de recursos versusrecursos encastrados:
“capital social constitui-se de recursos que ajudam as pessoas ou grupos a
conseguir alcançar os seus objetivos através de laços e os recursos inerentes
nos laços sociais e simbólicos padronizados que permitem aos atores cooperar em
redes e organizações, servindo como mecanismo para integrar grupos e
comunidades simbólicas” (Faist, 2000: 102).
Faist (2000) pretende explicar os enigmas das migrações internacionais: porque
é que há poucos migrantes dispersos por muitas origens? E porque é que há
tantos migrantes concentrados em tão poucas origens?
Um dos pontos de partida nesta teoria, e nas teorias das redes de migração,
consiste em considerar que as decisões dos potenciais migrantes no lugar de
origem têm de ser colocadas no contexto dos seus laços sociais, fonte do seu
capital social. Retoma- se a ideia de que o capital social consiste em recursos
(obrigações, reciprocidade e solidariedade) e os benefícios que deles se
retiram (o acesso a recursos de outros significativos, informação e controlo
sobre outras pessoas) (Faist, 2000). Esta postura contraria a perspetiva
clássica do potencial migrante individualizado e calculista na decisão, homo
economicus, e estuda o impacto das redes no comportamento dos indivíduos e a
forma como o constrangem ou possibilitam. Desta forma apresenta-se a
possibilidade de analisar o recrutamento em fluxos migratórios laborais numa
perspetiva relacional, com tanto potencial como se fosse ativada só por
empregadores ou acordos governamentais, ao contrário do que Piore (1979)
preconizava quando referia serem os empregadores e não os trabalhadores os
elementos estratégicos da explicação de migrações de massa.
Este contexto de redes tende a ser, na literatura das migrações, a explicação
de desenvolvimento das migrações, porque permite dotar os potenciais migrantes
da capacidade de relacionarem fatores de repulsão e atração específicos,
nomeadamente através dos fluxos de informação recebidos dos migrantes
pioneiros, que fazem desencadear a avaliação negativa do seu contexto e o
desejo de partir (Haberkorn, 1981). Contudo, e perante a evidência de que a
maioria da população mundial é sedentária8, analisar os mecanismos do capital
social permite perceber que a manutenção de laços de base comunitária pode ter
o papel de retardar, ou favorecer, a permanência (De Jong e Fawcett, 1981;
Hugo, 1981).
As redes de migrantes não explicam, sozinhas, as dinâmicas da migração
internacional e é necessário analisar as funções do capital social, porque este
conteúdo específico dos laços sociais não é um dado adquirido (Faist, 2000:
303). Ou seja, o comportamento de um indivíduo não é determinado só pela
estrutura da rede, nem só pela participação numa série de laços (Faist, 2000:
16).
Uma das particularidades dos laços e dos recursos que compõem as redes sociais
é a de que não são facilmente transferíveis, em especial quando se trata de
transpor fronteiras internacionais, e é esta especificidade local dos laços e
dos recursos que contém a principal explicação para a generalizada imobilidade
(relativa) da população (Faist, 2000). Vantagens acumuladas pelo investimento
dos atores sociais em relações com outros são frequentemente impossíveis de
transferir, ou a sua manutenção à distância tem custos, e a mudança leva à sua
perda parcial ou completa. Ainda, recursos como a experiência ou a qualificação
profissional, só têm aplicação em meios específicos.
Por isso, os custos da mudança são mais elevados para os migrantes pioneiros,
que têm as tarefas acrescidas de manter os laços sociais anteriores e de criar
novos laços no destino. Os que lhes seguem já podem dispor de mais informação
sobre o destino, do acesso a postos de trabalho, a alojamento, a formas de
aceder a empréstimos para aquisição do bilhete, entre outros recursos.
Quando as redes de migrantes se alargam e permitem que os recursos sejam mais
facilmente transmissíveis através das fronteiras, e nelas flui informação sobre
as condições em que a experiência profissional pode ser válida, a cadeia de
migração desenvolve-se e vem a significar um leque maior de opções para a
seleção por parte dos potenciais migrantes. “O crescimento das redes, que
ocorre através da redução progressiva dos custos, também pode ser explicado
teoricamente pela progressiva redução de riscos” (Massey et al., 1998: 43). Os
migrantes precisam de laços para encontrar casa, trabalho e um ambiente
cultural semelhante, e apenas quando existem redes de migração é que existe
migração em cadeia e de massa.
Nas migrações, o capital social é o recurso local que limita o movimento no
início, mas poderá funcionar como acelerador do seu desenvolvimento. Esta
energia permite que o fluxo funcione independentemente das políticas com o
objetivo de o controlar (Gurak e Caces, 1992: 159).
Assim, as dimensões do capital social e seus benefícios são um suporte de
qualidade ambígua, porque constituem recursos locais que explicam a imobilidade
relativa por causa das ligações e dos laços múltiplos à envolvente direta e
porque o capital social encastra-se nas redes de migrantes, permitindo o seu
alargamento geográfico e a ligação a dois ou mais estados-nação (Faist, 2000).
A análise do capital social fornece a ligação meso da análise das migrações: as
suas dimensões indicam que são recurso para os indivíduos e constituem
simultaneamente um dos dispositivos que integram grupos, organizações e
comunidades simbólicas (Faist, 2000). Este aspeto concilia a perspetiva
individualista (de Coleman e Bourdieu) com a perspetiva coletiva (Putnam) do
capital social.
Na fase inicial do fluxo migratório, enquanto as redes de migrantes ainda não
estão formadas, os intermediários e outras organizações são os seus
equivalentes funcionais, que podem formar o que se designa como indústria de
migração (Castles e Miller, 2009). Na perspetiva do capital social, os
intermediários esperam pelos benefícios do pagamento pelo movimento e ajudas
para o estabelecimento ou o reconhecimento social. Na perspetiva das redes, os
intermediários representam a ligação entre dois agrupamentos de rede, como a
localidade da emigração e a de imigração. Os intermediários podem ser:
migrantes pioneiros que aproveitam para capitalizar socialmente a experiência
sendo recrutadores; os transportadores de migrantes ilegais (ou
contrabandistas); e os gatekeepers(encaminham os migrantes para os
empregadores, senhorios, outros) (Faist, 2000).
Portanto, existem genericamente dois tipos de redes de migrantes no
desenvolvimento dos fluxos: as que se criam espontaneamente em relações de
sociabilidade e parentesco e as de recrutamento de mão de obra estrangeira
visando alguma forma de lucro. As últimas surgem porque poucos migrantes teriam
os contactos pessoais necessários para a migração ser bem-sucedida quando as
suas envolventes são de restrição política (Castles e Miller, 2009).
Na integração na sociedade recetora, a confiança nas redes de migrantes aumenta
a possibilidade dos novos imigrantes se estabelecerem nas zonas geográficas de
residência dos pioneiros (Hugo, 1981) e nos mesmos setores laborais (Waldinger
e Lichter, 2003). Além de fontes de trabalho no interior da comunidade, as
redes também fornecem fontes de crédito e de apoio a iniciativas empresariais
(Portes, 1999).
Também é importante referir as condições objetivas limitadoras destas redes
sociais que se estendem à sociedade recetora, na vertente menos benéfica, numa
perspetiva que refere as manifestações menos desejáveis do capital social: 1)
nivelamento descendente, sempre que os primeiros migrantes ajudam os mais
recentes e lhes transmitem que não devem ter aspirações superiores ao que
detêm, o que pode vir a significar uma permanência nas mesmas condições de
chegada (laborais, residenciais, etc.) (Portes, 1998 (1995): 2) por causa do
enunciado, os imigrantes mais recentes podem ter qualificações elevadas e
permanecerem nas ocupações que têm, sob pena de deixarem de usufruir dos apoios
fornecidos (Portes, 1999).
Um estudo sobre salvadorenhas nos Estados Unidos da América (Menjívar, 2000)
problematiza a mobilização mal sucedida de capital social pelas redes e
salienta que a origem social, os tempos de migração (migrantes estabelecidos
versusmigrantes acabados de chegar), entre outras variáveis, deverão ser
consideradas para explicar o enfraquecimento das redes sociais na sociedade
recetora. Reforça-se o facto de as redes sociais de imigrantes serem sensíveis
às condições materiais e físicas nas quais existem (Menjívar, 2000: 235).
É importante reforçar que têm estado a ser consideradas as redes de amizade e
de parentesco que podem sustentar fluxos migratórios específicos através do
capital social cuja mobilização representa entreajudas no movimento e na
receção e, eventualmente, alguma capitalização da experiência pela parte dos
primeiros migrantes que auxiliam outros, visando lucro. O tráfico de migrantes
e atividades de redes organizadas e associadas a atividades criminosas não é,
propositadamente, o objetivo deste texto.
4. Redes, capital social, internet e migrações
Um dos domínios de mobilização de capital social e de ativação de redes pelos
atores, na vida social conduz, no mundo contemporâneo, ao tema da Internet e da
world wide web(precisamente a rede que percorre o mundo através dos
computadores portáteis, cabos de ligação, estruturas de Asymmetric Digital
Subscriber Line, fibra ótica, sistemas de wireless...). Na presente exposição
importa destacar as potencialidades da Internet na disponibilização de doses
massivas de informação gratuita na comunicação mediada, sem constrangimentos de
espaço nem de tempo, o que assume importância quando o tema do artigo remete
para migrações internacionais e para o destaque da importância do capital
social e das redes no recrutamento laboral para fluxos migratórios. É uma rede
que representa uma das propriedades das redes sociais, a latência, e uma das
distinções relativamente aos grupos pequenos, como se referiu atrás: pode ser
ativada quando necessária e não se tem um conhecimento real das suas
fronteiras.9 À Internet associa-se a virtualidade a este desconhecimento.
A existência das redes cibernéticas potencia o aumento e o desenvolvimento do
capital social (Hiller e Franz, 2004; Lin, 2002), devido precisamente às
características enunciadas. São redes de relações entre indivíduos e grupos de
indivíduos às quais se acede na Internet, através das diferentes formas
permitidas por esta rede, para prosseguir objetivos comuns de obtenção de
informações, defesas de causas, realização de transações económicas,
entretenimento, entre outros.
Redes especialmente criadas para estabelecer contactos com pessoas novas e/ou
encontrar pessoas de quem se perdeu o contacto têm-se desenvolvido nos últimos
10 anos, sendo o Facebooko exemplo atualmente mais popular.10 Além deste, o
Hi5, ou o Orkut, são redes onde cada pessoa se inscreve com um perfil, pode
convidar outras a juntar-se, e vai adicionando amizades e relações no seu
espaço, assim alargando as suas fronteiras. Esta rede intersetar-se-á com a(s)
que se tem na vida real. Uma parte das atividades que se realizam através das
redes cibernéticas envolve a criação e o uso de capital social, e os
relacionamentos onlinepodem, no domínio dos conceitos das redes, ser
classificados pelo objetivo com que surgem e mantêm: desenvolver novos laços,
solidificar laços antigos e/ou reencontrar laços perdidos (Hiller e Franz,
2004).
A comunicação assim mediada por computador pode criar pontes entre pessoas
anteriormente desconhecidas entre si, transcendendo o tempo e o espaço físico,
e pode sustentá-las mesmo sem contacto físico. A não ser nas salas de
conversação ou, por exemplo, no programa Skype, em que as conversas são
mantidas em simultâneo, as outras formas de comunicação permitidas pelas redes
e pela Internet são assíncronas e derrubam as fronteiras geográficas, não
importando de onde comunicam os elementos (indivíduos) das redes que,
geralmente, se formam com base em relações criadas por interesses em comum.
Pensando na estruturação e desenvolvimento das migrações, e nas potencialidades
da Internet referidas, pode dizer-se que os progressos nas novas tecnologias de
comunicação permitem, de uma forma geral, diminuir custos inerentes à mudança
migratória. Embora tenha que ser sempre tido em consideração cada migração
particular e o desenvolvimento das novas tecnologias nos países em causa, a sua
generalização em países desenvolvidos permite pensá-las como recursos
disponíveis em migrações não qualificadas ou de tipo laboral entre estes. No
processo de decisão, assim redefinidos os enquadramentos de tempo e de espaço,
disponibilizam-se recursos que permitem a simulação de cenários de vida futuros
e a apresentação de alternativas. A mudança também se realiza de forma menos
impactante, uma vez que a Internet permite uma comunicação frequente entre
migrantes e quem permaneceu, seja por escrito, mas também visualmente (com o
advento das webcams) e oralmente (através da utilização de microfones para
ligações telefónicas – nomeadamente através do Skype).
Enquanto utilizadores da Internet, os migrantes partilham o que pode constituir
um critério para o estabelecimento de laços em linha: a origem comum, que pode
tornar-se critério definidor da criação ou desenvolvimento de uma rede.
A utilização da Internet nas migrações será diferente consoante a fase do ciclo
de migração, nomeadamente quando se é pré-migrante, migrante recente ou
estabelecido (Hiller e Franz, 2004), porque em cada uma se convocam diferentes
relacionamentos com os países de origem e de destino. Enquanto pré-migrantes, a
Internet poderá servir propósitos de pesquisa de informações sobre o destino,
por exemplo através de motores de busca ou de comunicação por correio
eletrónico com pessoas que pertençam a alguma comunidade virtual que as possa
fornecer; logo após a migração, a Internet servirá para manter a proximidade do
migrante com a origem (e também induzir novos movimentos através da
retroalimentação com informação e disponibilização de apoio ao movimento); e,
como migrantes integrados, a ligação passará ou não a ser mais esporádica.
Conclusões
Pretendeu-se, neste texto, contribuir para a análise do recrutamento em fluxos
migratórios laborais no âmbito das redes sociais dos migrantes e potenciais
migrantes, não necessariamente redes organizadas e visando o lucro, muito menos
as de âmbito criminoso, em contextos de ausência de acordos governamentais. Uma
condição inicial semelhante ao cenário considerado por Piore terá de existir
para que possamos pensar a articulação entre redes sociais e a atividade de
recrutamento: necessidade de preenchimento de vagas no mercado de trabalho.
Mas, naquela perspetiva, as migrações laborais que não são precedidas por
recrutamentos estatais ou de empregadores, ficariam por explicar.
Deste modo, o recrutamento não é apanágio somente dos recrutadores, nem as
redes se ocupam apenas dos aspetos mais emocionais relativos à mudança. As
migrações laborais surgem, nesta perspetiva, pela articulação entre os fatores
estruturais societais de repulsão e atração (onde um mercado de trabalho com
vagas abundantes existe no destino), os processos migratórios individuais
baseados em escolhas de movimento, e a articulação entre estes e a maior ou
menor organização da migração por redes intramigrantes e pela indústria de
migração no contexto da relação migratória entre os países, na qual também
intervêm as políticas de migração (assim como as possibilidades de contorno,
com as redes sociais, de obstáculos por estas criados em contexto de restrição
aos movimentos). Faz sentido, assim, analisar como aconteceu o recrutamento dos
migrantes para o fluxo, e depois para o mercado de trabalho do destino,
tentando a reconstituição das suas redes na origem e no destino (com o auxílio
da análise das redes sociais), mediante a identificação dos elementos que
estabeleceram a ponte entre os países – os intermediários – e de quem os
migrantes em estudo poderão ter sido intermediários. Todos estes processos
ocorrem, ainda, num contexto global em que um número crescente de indivíduos
está envolvido e inscrito nesta nova forma de redes e relações sociais
suportadas pela Internet, as quais descrevem uma multiplicação e amplificação
de criação e uso de capital social.
Na abordagem relacional das migrações laborais, é central o facto de cada
migração significar a ligação a um conjunto de outros indivíduos, em que cada
um está, por sua vez, ligado a outros tantos (e por aí diante); não é difícil
prever a exponenciação de movimentos migratórios subsequentes através da ponte
que se estabelece entre dois mercados de trabalho de países diferentes quando
outros fatores estruturais contribuem para que estes existam (por exemplo,
desemprego na origem e oportunidades no destino).
Aos diferentes estádios de desenvolvimento histórico do fluxo migratório e
respetivos canais de fluência de informação sobre o país estrangeiro, como as
redes sociais (incluindo cibernéticas), será possível atribuir maior ou menor
margem de manobra para a operacionalidade dos recrutadores profissionais que,
ainda assim, tenderão a existir. Mas o capital social na forma de recursos
(obrigações, reciprocidade e solidariedade) e os benefícios que deles se
retiram (o acesso a recursos de outros significativos, informação e controlo
sobre outras pessoas) é a fonte mais importante para a colocação dos migrantes
no mercado de trabalho, bem como para obter informação sobre melhores
oportunidades noutros setores, atividades ou postos de trabalho, quando aqueles
já se encontram no destino. Estas abordagem contraria e corrige a perspetiva
clássica do potencial migrante individualizado e calculista na decisão e estuda
o impacto das redes no comportamento social dos indivíduos e a forma como
constrangem ou possibilitam o movimento e a fixação.