A esperança é a última a morrer?
Capital psicológico positivo e presentismo
1. Introdução
A investigação em gestão tem se vindo a re-materializar depois de ter passado duas décadas a
tratar os elementos e processos que constituem uma organização como abstracções (Pfeffer, 1997).
Recentemente, têm aparecido vários estudos que tratam os produtos como objectos físicos (Latour,
1992), o conhecimento como uma actividade material (Carlile, 2002) e os colaboradores como seres
humanos de carne e osso (Madhavan & Grover, 1998). Este estudo insere-se nesta nova corrente de
investigação. O nosso objectivo aqui é trazer este enfoque no aspecto material para a aplicação da
psicologia positiva às organizações. Para isso analisamos a relação entre presentismo – a experiência
de estar no local de trabalho sem condições fisiológicas para trabalhar – e o nível de esperança – uma
das dimensões centrais do capital psicológico positivo de uma organização. O nosso objectivo aqui
é o de explorar a relação entre estes dois tópicos para abrir o caminho para posteriores esforços de
investigação, e não o de fazer um trabalho exaustivo que comece a fechar a passagem a outros estudos.
O presentismo ainda não é um tema dominante na investigação em gestão apesar de abordar
um dos principais motivos das flutuações de produtividade individual no trabalho: as alterações no
correcto funcionamento fisiológico (e.g., cefaleias, dores crónicas e problemas respiratórios) ou
psico-somático (e.g., ansiedade, depressão, défice de atenção dos trabalhadores). O termo presentismo é utilizado para classificar a experiência que Hemp (2004) define como: “estar no trabalho e
ao mesmo tempo fora dele” devido a condições deste tipo. O presentismo é por isso processo especialmente fértil para estudar o aspecto material do comportamento organizacional positivo pela
tensão que existe entre estes dois fenómenos. Por um lado, a investigação sobre psicologia positiva,
que está na base do comportamento organizacional positivo, estabelece uma relação entre elevados
graus de optimismo e de esperança e estados fisiológicos e psicológicos de bem estar. Por outro lado,
a investigação sobre presentismo sugere que patologias fisiológicas e psicológicas crónicas afectam
negativamente a forma como os colaboradores interpretam e usam os múltiplos aspectos da sua
experiência na organização, incluindo as práticas de gestão positiva.
Para explorar esta tensão, começamos por apresentar os principais desafios colocados pela
investigação sobre ambos os tópicos. Segue-se a explicação do método e apresentação de resultados
de um estudo quantitativo que visa explorar a relação entre presentismo e esperança.
Adicionalmente, verificamos as propriedades métricas da escala de presentismo SPS-6 e reflectimos
acerca das implicações deste estudo para a literatura, relacionando o presentismo com algumas
dimensões de comportamento organizacional positivo.
1.1. Presentismo
O presentismo é um conceito utilizado para explicar o facto das pessoas estarem presentes no
local de trabalho mas, devido a problemas de ordem física ou psicológica, não conseguirem cumprir
na totalidade as suas funções (Hemp, 2004). Apesar de ser considerado um fenómeno limitativo e
inibidor, parece não afectar todos os colaboradores da mesma maneira, já que, de acordo com Brown
e Sessions (2004), existe um patamar abaixo do qual não existe influência notória ao nível do desempenho das funções. Os autores alertam para a possibilidade de poder haver uma evolução gradual das
doenças para processos de presentismo que inibem o desempenho organizacional. De uma forma
geral, pode-se considerar o presentismo como estando associado a perdas manifestas de produtividade (Burton, Pransky, Conti, Chen, Schultz, & Edington, 2002; Chatterji & Tilley, 2002; Hemp,
2004; Lofland, Pizzi, & Frick, 2004) que afectam o rendimento global das empresas e acarretam
implicações económicas negativas.
Há vários factores que afectam a relação entre, de um lado, sintomas patológicos e psicosomáticos e, de outro, o presentismo. A profissão é um deles. São várias as profissões abrangidas
pelo presentismo, sendo que as taxas mais elevadas parecem residir em sectores relacionados com a
saúde ou a educação (Aronsson, Gustafson, & Dallner, 2000). O presentismo também é determinado pela cultura organizacional, em especial no que diz respeito ao papel simbólico da presença no
local de trabalho. De acordo com Simpson (1998), os colaboradores de culturas em que este valor
simbólico é elevado concorrem entre si para ver quem fica mais tempo no escritório. Gera-se desta
forma um presentismo competitivo, que é propício a um sem número de causas geradoras de presentismo. Entre as principais, contam-se os problemas de âmbito psicológico como a depressão
(Wang et al., 2003), o stress (Goetzel, Ozminkowski & Long, 2003) e o défice de atenção (Kessler
et al., 2005), e as doenças de âmbito músculo-esqueléticos onde se destacam as lombalgias e as
artrites (Allen, Hubbard & Sullivan, 2005; Collins et al., 2005). A utilização de fármacos é um terceiro factor (Burton, Morrison e Wertheimer, 2003) que leva a perdas de produtividade. Os efeitos
secundários associados ao combate a várias doenças implicam a utilização de medicamentos que têm
impacto na produtividade laboral, como os anti-histamínicos e as benzodiazepinas.
O presentismo limita a produtividade não só em termos de quantidade de trabalho, mas também
em termos de qualidade do trabalho produzido (Hemp, 2004; Shamansky, 2002). As repercussões no
âmbito da qualidade reflectem-se essencialmente em erros e omissões nos procedimentos de trabalho
enquanto que, no que diz respeito à quantidade, a produção não corresponde àquilo que é expectável
em termos de objectivos de trabalho, sobretudo devido a dificuldades de concentração. A quebra da
produtividade traduz-se assim na incapacidade de desempenhar as tarefas de rotina associadas ao
posto de trabalho (Burton, McCalister, Chen, & Edington, 2005), podendo ainda resultar em elevadas taxas de abandono por doença (Grinyee & Singleton, 2000), que justificam alguma intercorrelação entre presentismo e absentismo (Koopmanschap, Burdorf, Jacob, Meerding, Brouwer, &
Severens, 2005). Ao analisarem os custos directos e indirectos das despesas com cuidados de saúde,
Goetzel, Ozminkowski, Sederer e Mark (2002) estimaram perdas de produtividade anuais na ordem
dos 180 mil milhões de dólares – incluindo absentismo, incapacidade e presentismo. O estado fisiológico e psicológico dos trabalhadores é, por isso, não só importante em termos de responsabilidade
social da organização, mas também em termos da sua competitividade.
1.2. Comportamento Organizacional Positivo
A psicologia positiva tem vindo a defender que a adopção de um esquema interpretativo
optimista tem efeitos benéficos a nível psicológico e fisiológico, efeitos esses que potenciam a
produtividade e motivação individual. De acordo com esta escola de pensamento, as emoções positivas são fundamentais para auxiliar e melhorar o crescimento e desenvolvimento pessoal
(Fredrickson, 2003), sendo o estudo de aspectos negativos – como disfunções e patologias – relegado
para segundo plano. Esta corrente da psicologia foi recentemente importada para o comportamento
organizacional, originando um conjunto de teorias organizacionais de base psicológica que assentam
no estudo das características positivas (Cameron, Dutton, & Quinn, 2003; Fineman, 2006; Luthans,
2002; Seligman & Czikszentmihalyi, 2000). Esta corrente de investigação demonstra a existência de
uma relação positiva entre as capacidades psicológicas e o desempenho em contexto organizacional
(Luthans, Avolio, Walumbwa, & Li, 2005). De acordo com Luthans e Youssef (2004), as capacidades
psicológicas referidas formam o capital psicológico positivo – “quem sou” – distinto de outros como
o capital humano – “o que sei” – e o capital social – “quem conheço”.
Neste artigo, iremos centrar-nos num aspecto particular do comportamento organizacional
positivo: a esperança. De acordo com Juntunen e Wettersten (2006), a esperança é um dos principais
constructos da psicologia positiva e que pode ter várias implicações ao nível do comportamento
organizacional. Na realidade, outras dimensões como optimismo e auto-eficácia procuram explicar
o comportamento positivo, embora Snyder (1995) argumente que a teoria da esperança é mais
orientada para o futuro e tende a explicar melhor a orientação para os objectivos, especialmente
quando modelos como o da teoria do optimismo de Carver e Scheier (1986) têm menos aplicabilidade. De acordo com Snyder (1995), uma pessoa optimista pode sentir que as coisas lhe vão correr
bem, mas para isso não tem que ter um plano ou um objectivo em mente. O constructo ‘esperança’
inclui o estabecimento de metas, uma vez que, por definição, esperança significa ter a capacidade
para definir objectivos, encontrar formas de os alcançar, e motivar-se para tal (Snyder, 2000). Esta
capacidade apresenta dois vectores: (i) willpower – quanto se acredita ser capaz de alcançar determinados objectivos; e (ii) waypower – quanto se é capaz de formular planos eficazes para os alcançar
(Snyder, Sympson, Ybasco, Borders, Babyak, & Higgins, 1996).
A primeira medida de esperança foi desenvolvida por Snyder e colaboradores (1991) e surge
associada a um conjunto de boas qualidades métricas, nas quais se destacam a existência de dois
factores (pathways e agency). Este instrumento teve por base um corpo teórico que preconiza o
constructo esperança enquanto estado motivacional positivo baseado numa interacção que resulta
num sentimento de sucesso e respectiva energia motivacional orientada para os objectivos (agency)
e no planeamento necessário à consecução desses mesmos objectivos (pathways). Pode-se considerar
agency como a capacidade de percepção individual para iniciar ou manter as acções necessárias ao
alcance de objectivos. Por seu lado, pathways refere-se a uma aptidão necessária para gerar caminhos
que permitam o alcance dos objectivos propostos. Perante isto, a esperança pode ser vista como um
sistema cognitivo-emocional que precede as emoções (Snyder, Shorey, Cheavers, Pulverss, Adams
III, & Wiklund, 2002).
De acordo com Snyder e colaboradores (1996), para que sejam verificados elevados índices
de esperança é necessário encontrar valores igualmente altos nas dimensões de agency e pathways.
Neste sentido, os autores consideram as duas dimensões como estando correlacionadas, na medida
em que interagem reciprocamente, sem que no entanto possam ser consideradas sinónimos. De
referir também que elevados valores de esperança parecem estar associados a um decréscimo de
propensão para desenvolver doenças (Elliott, Witty, Herrick, & Hoffman, 1991; Richman,
Kubozansky, Maselko, Kawachi, Choo, & Bauer, 2005). Estudos demonstraram ainda uma
correlação negativa entre esperança e depressão/ansiedade, bem como uma correlação positiva com
afectos positivos (Snyder et al., 1991). Snyder, Irving e Anderson (1991) referem que o componente
agency proporciona um “tónico mental” ao nível da sobrevivência psicológica em situações
médicas complicadas, uma vez que permite um nível de actividade psicológica ajustada face a
situações stressantes. Por seu lado, o modo como as estratégias de coping são desenvolvidas e o
ajustamento psicológico associado a essas estratégias surge muitas vezes associado à dimensão
pathways, já que níveis elevados desta dimensão proporcionam novos caminhos e oportunidades
para contornar situações indesejáveis como a depressão e a ansiedade.
1.3. Hipóteses
Sabendo que a depressão e a ansiedade surgem muitas vezes associadas a elevados níveis de
presentismo, espera-se para efeitos de estudo que indivíduos com expressão destes sintomas ao nível
do presentismo venham a reflectir valores de esperança mais baixos. Por outro lado, é também esperado
que os colaboradores mais optimistas revelem índices mais baixos de presentismo. É também
intenção deste trabalho introduzir a noção de presentismo na linguagem do comportamento organizacional e gestão, bem como reportar e validar as qualidades psicométricas da escala de presentismo
Stanford Presenteeism Scale (SPS-6).
No fundo, pretende-se contribuir para o estudo da relação entre estes dois constructos – esperança
e presentismo – sendo a esperança um dos principais pontos de contacto entre o comportamento
organizacional positivo e o presentismo. Investigações demonstram que os níveis de esperança se
encontram positivamente relacionados quer com a satisfação, quer com a produtividade nas organizações (e.g., Peterson & Luthans, 2002).
2. Método
2.1. Sujeitos
A amostra é constituída por trabalhadores de duas escolas superiores de saúde, uma instituição
geriátrica e um hospital do sector público administrativo. Foram considerados válidos 158 questionários. Nesta amostra, 79.2% são colaboradores do género feminino. Relativamente à actividade
profissional exercida, 19.5% são auxiliares de geriatria e auxiliares de apoio, 12.6% administrativos,
7.5% técnicos superiores, 22.6% professores do ensino superior, 7.5% médicos, 25.2% enfermeiros
e 5% fisioterapeutas. Relativamente à percepção do estado de saúde, os participantes descrevem-no
como sendo mau em 2.5% dos casos, razoável em 13.8%, bom em 37.1%, muito bom em 36.5% e,
finalmente, excelente em 5.7% dos casos. Saliente-se ainda que não responderam a esta questão
4.5% dos inquiridos. Em média, os participantes têm 36 anos (DP = 10.3). Os participantes trabalham
em média 40.9 horas semanais (DP = 10.8).
2.2. Procedimento
Em primeiro lugar, foram contactadas as administrações das instituições envolvidas, com vista
a solicitar a sua colaboração. Para o efeito, procedeu-se à explicação dos objectivos do estudo. Após
a autorização, foram distribuídos os questionários, os quais foram preenchidos e devolvidos à procedência. De referir que os sujeitos foram acompanhados no preenchimento dos questionários, tendo
sido fornecidas as instruções necessárias e garantido o anonimato e confidencialidade dos dados.
2.3. Instrumentos
2.3.1. Stanford Presenteeism Scale-6 (SPS-6)
Para a condução deste estudo, recorreu-se a um instrumento que permite a avaliação do
presentismo, tendo a escolha recaído no Stanford Presenteeism Scale-6. A versão original deste
instrumento foi desenvolvida e validada por Koopman e colaboradores (2002). A partir da versão
original – em inglês – foi traduzida para a língua portuguesa por dois investigadores com profundos
conhecimentos de ambos os idiomas. De seguida, a escala foi retraduzida para a sua língua original
por uma professora bilingue e experiente em traduções. Alguns itens tiveram que ser reajustados,
tendo em conta algumas discrepâncias encontradas entre as duas versões trabalhadas. Após este
trabalho inicial de tradução do SPS-6, efectuou-se um pré-teste com “reflexão falada dos itens” a 26
enfermeiros e médicos de um hospital público da região de Lisboa. O intuito consistiu em analisar
eventuais dificuldades de compreensão e de interpretação associadas a aspectos culturais inerentes
ao conteúdo e forma das afirmações. Dos resultados destes pré-testes, não foram retiradas quaisquer
ilações que justificassem uma alteração dos itens do questionário.
A escala do SPS-6 é constituída por 6 afirmações ancoradas numa escala do tipo-Likert com
cinco modalidades de resposta (de 1 – discordo totalmente, a 5 – concordo totalmente). Esta é uma
das mais interessantes medidas disponíveis para estimar as perdas de produtividade laboral (Lofland
et al., 2004) e, para além disso, tem sido um dos instrumentos mais utilizados para medir o
presentismo (Pilette, 2005). A estrutura da escala integra duas dimensões de presentismo, com três
itens cada. A primeira encontra-se associada ao constructo de ‘trabalho completado’ e refere-se à
quantidade de trabalho que é efectuada quando o trabalhador está sob a influência das causas de
presentismo. A segunda diz respeito à ‘distracção evitada’, e corresponde à capacidade de
concentração que as pessoas manifestam quando se manifestam sintomas de presentismo. De
acordo com Koopman e colaboradores (2002), o primeiro constructo manifesta-se através de causas
físicas, enquanto que o segundo se associa mais a origens do foro psicológico. Num estudo
realizado por Lofland e colaboradores (2004), é possível constatar elevados índices de consistência
interna (alpha de Cronbach = .80). Segundo os autores atrás mencionados, relativamente à validade
concorrente, os valores do SPS-6 revelam correlações significativas com a produtividade individual
(r = .53). Por outro lado, apresentam correlações baixas com parâmetros de satisfação no trabalho
(r = .15) e stress no trabalho (r = -.22).
Para esta investigação, procurou-se aferir algumas características psicométricas do instrumento,
tendo-se optado inicialmente por uma análise factorial exploratória de máxima verosimilhança, com
o propósito de identificar a validade de constructo. Optou-se pelo tipo de rotação ortogonal varimax,
dado que Koopman e colaboradores (2002) sugerem a existência de duas dimensões independentes,
nomeadamente: (i) ‘trabalho completado’ e (ii) ‘distracção evitada’. De acordo com Thompson
(2004), este tipo de rotação maximiza a variância das correlações com os factores, procurando
encontrar as correlações mais baixas, bem como as mais elevadas, com os referidos factores. Optou-se
pelo método de máxima verosimilhança em detrimento do método de componentes principais, dado
que a amostra em causa não reflecte uma consistência interna perfeita nem é representativa da população
que se está a medir. De acordo com Tabachnick e Fidell (1996), o método utilizado – máxima
verosimilhança – é o adequado quando se pretende estudar amostras não representativas, como é,
aliás, o caso do presente estudo. Obteve-se ainda através da medida de Kaiser-Meyer-Olkin uma
adequada variância dos factores com um valor de .699 e teste de esfericidade de Bartlett associado
a um Qui-quadrado de 270.004 (15df; p < .000). Através do método de Kaiser, obtiveram-se dois
factores com valores próprios superiores à unidade e que no total explicam 55.3% da variância da
escala.
Ao analisar a Tabela 1, é possível observar que três itens se encontram agrupados ao primeiro
factor. Este componente explica 29.269% da variância e toma a designação de ‘distracção evitada’.
Os restantes três itens que compõem a escala associam-se à dimensão de ‘trabalho completado’ que
é explicada por 26.030% da variância explicada pela escala. O valor dos alfas das duas escalas,
estando acima do valor .70 (Kline, 1994; Nunnally, 1978), atesta a boa consistência interna das
escalas de ‘distracção evitada’ e ‘trabalho completado’.
Com o intuito de confirmar os resultados exploratórios, foi desenvolvida uma análise factorial
confirmatória. O índice de ajustamento sugere a confirmação do modelo preconizado por Koopman
e colaboradores (2002) e consequente confirmação dos dados obtidos na análise factorial exploratória
(CMIN/df = 1.484; IFI = .989, NFI = .968, CFI = .989, RMSEA = .055).
2.3.2. Escala de Esperança
Este instrumento foi desenvolvido por Snyder e colaboradores (1996) e apresenta na sua
versão original 12 itens associados a uma escala do tipo-Likert com 4 modalidades de resposta (de
1 – definitivamente falso, a 4 – definitivamente verdade). Para este estudo, recorreu-se à versão
portuguesa desenvolvida por Lopes e Cunha (2005), na qual é utilizada uma escala com 8 tipos de
resposta (de 1 – definitivamente falso, a 8 – definitivamente verdade). É ainda possível observar que
4 itens medem a dimensão agency of hope, 4 itens medem a dimensão pathways e os outros 4 são
distractores. A adição destas duas dimensões permite uma avaliação da dimensão global do
constructo esperança. Na versão inglesa, foram encontradas boas características psicométricas ao
nível dos índices de consistência interna, teste-reteste e validade discriminante (Lopez, Snyder, &
Pedrotti, 2003). Na versão portuguesa (Lopes & Cunha, 2005) foram encontradas as duas dimensões
(agency e pathways), com índices de consistência adequados (alphas de .73 a .70, respectivamente).
Não foram efectuados, nesta investigação, estudos psicométricos relacionados com a escala de
esperança, dado que Lopes e Cunha (2005) foram responsáveis por esse trabalho de adaptação e
validação para a população portuguesa.
De acordo com Luthans e colaboradores (2005), ao integrar diversas escalas de traços como
esperança, optimismo e resiliência, obtém-se uma medida unifactorial de capital psicológico
positivo. Adicionalmente, num estudo desenvolvido por Lopes e Cunha (2005), com itens
provenientes de escalas de esperança (Snyder et al., 1996) e Life Orientation Test – LOT-R (Scheier,
Carver, & Bridges, 1994), foram encontrados quatro factores de capital psicológico positivo: agency,
pathways, optimismo e pessimismo. No entanto, no estudo de Lopes e Cunha (2005), a consistência
interna de alguns factores revelou-se consideravelmente baixa – alphas de .65 para optimismo e
.56 para pessimismo. Desta forma, para esta investigação tomou-se a decisão de incluir como
variáveis de capital psicológico positivo apenas os factores cujo alpha fosse superior a
.70 – segundo o critério de Nunnally (1978) – ou seja, as duas dimensões da escala de esperança:
3. Resultados
Tal como referenciado na literatura (Luthans, 2002), o capital psicológico positivo pode ser
acedido, entre outras medidas, pela escala de esperança. Como este instrumento apresentou
razoáveis propriedades psicométricas (Lopes & Cunha, 2005), decidiu-se optar pela sua inclusão
neste estudo. Na caracterização do comportamento das variáveis, procurou-se descrever e
correlacionar as dimensões encontradas nas duas escalas utilizadas no presente estudo: presentismo
e esperança (Tabela 2).
Verifica-se assim que as duas variantes de presentismo se encontram negativamente correlacionadas (r = -.339, p < .001). Houve ainda uma preocupação de identificar quais as dimensões que
melhor predizem o estado de saúde percebida. No que diz respeito às variáveis de esperança, constata-se que apenas a dimensão pathways prediz positivamente a percepção do estado de saúde dos
inquiridos (p < .001). Globalmente, as duas dimensões de esperança explicam 12% da variância
associada à percepção do estado de saúde. No que diz respeito às variáveis de presentismo, estas
explicam apenas 5% da variância relacionada com a percepção do estado de saúde, sendo que apenas a ‘distracção evitada’ prediz negativamente a variável estado de saúde (p < .001).
Como foi anteriormente referido, o presentismo reflecte um baixo rendimento laboral motivado por inúmeras causas, que poderão ser físicas ou psicológicas. Neste âmbito, os elementos que
integram a amostra foram questionados acerca de eventuais problemas ou causas que pudessem afectar o seu desempenho laboral. De acordo com a Tabela 3, encontramos a prevalência na amostra de
várias causas associadas ao presentismo.
Da análise que fazemos da tabela, é possível constatar que os problemas mais frequentes são
as cefaleias e enxaquecas, bem como as lombalgias, situações que ocorreram pelo menos uma vez
em quase metade dos inquiridos, no último ano de trabalho. De referir ainda que algumas variáveis
de cariz psicológico como o stress e a ansiedade contam-se entre as causas mais influentes de presentismo, com uma elevada prevalência na amostra em estudo (42.1% e 33.3%, respectivamente).
As dores menstruais afectam 35.7% das mulheres da amostra, e problemas relacionados com
alergias e sinusite ocorrem em praticamente 30% dos participantes no estudo.
Estudos anteriores referem a ligação de depressão e ansiedade com as dimensões da esperança
(Snyder et al., 1991), sabendo-se ainda que a depressão e a ansiedade surgem fortemente associadas
ao presentismo (Burton et al., 2003; Wang et al., 2003). Por consequência, foram efectuadas análises
estatísticas de comparação de médias (t-student) entre os dois grupos de prevalência (Sim, Não) das
causas de presentismo, considerando os valores médios das duas dimensões de esperança: agency
e pathways. De acordo com a Tabela 3, existem diferenças significativas em duas das três causas
psicológicas do presentismo mencionadas no estudo: depressão e ansiedade. Indivíduos com
prevalência nas referidas causas apresentam valores significativamente mais baixos nas duas dimensões de esperança. No que concerne às causas físicas do presentismo, apenas foram encontradas
diferenças significativas na dimensão pathways, na qual indivíduos que reportam sofrer de lombalgias apresentam valores significativamente inferiores nessa dimensão. Das representantes do sexo
feminino (N = 125), as que referem dores menstruais como causa de presentismo, apresentam uma
média na dimensão agency mais baixa do que as restantes.
Adicionalmente, foi efectuada uma análise de clusters (K-Means Cluster) com o método iterate
and classify. Procurámos avaliar, relativamente à variável esperança, grupos de indivíduos representativos da amostra, tendo sido encontrados dois grupos: cluster A – Baixa Esperança (N = 52);
cluster B – Elevada Esperança (N = 98). De referir que a obtenção de um hipotético terceiro cluster
pareceu-nos desprezível do ponto de vista da interpretação dos resultados, dado que implicaria
a existência de um grupo residual, pouco representativo da amostra. Na formação dos clusters,
atingiu-se a convergência devido à ausência de mudança nos centróides (iteration = 7). A distância
mínima entre os centróides foi de 10.250. Recapitulando, o grupo A está associado a indivíduos com
baixos índices de esperança, enquanto que o grupo B é constituído por colaboradores com elevados
valores na referida escala. Como atrás foi referido, o constructo esperança resulta da soma de dois
factores: (i) agency of hope e (ii) pathways.
Por último, procurou-se relacionar as diversas dimensões da escala SPS-6 (‘trabalho completado’ e ‘distracção evitada’) com os dois grupos de trabalhadores encontrados na análise de clusters
relativa à medida de esperança, utilizando um teste paramétrico t-student. Da análise da Tabela 4,
é possível constatar que a média de ‘trabalho completado’ é significativamente superior nos
trabalhadores pertencentes ao cluster de elevada esperança. No que diz respeito à dimensão
‘distracção evitada’, a média é significativamente superior no grupo de baixos valores de esperança.
4. Discussão
Um dos objectivos deste estudo era avaliar a importância do aspecto material das organizações
no comportamento organizacional positivo. Neste sentido, exploraram-se algumas causas físicas e
psicológicas de presentismo e sua relação com as dimensões estudadas de esperança. Pretendia-se
igualmente validar e apresentar as qualidades métricas de um instrumento de presentismo (SPS-6)
para uma amostra da população portuguesa. Este constructo surge como um recente fenómeno organizacional que parece estar fortemente associado a perdas de produtividade organizacional (Burton
et al., 2002; Chatterji & Tilley, 2002; Hemp, 2004; Lofland et al., 2004).
4.1. Implicações para a investigação
No que diz respeito à relação entre presentismo e esperança, os resultados demonstram que os
participantes que pertencem ao grupo com valores mais elevados de esperança (cluster B) são os que
apresentam maiores cotações na dimensão ‘trabalho completado’ – sugerindo que a esperança está
relacionada com o desenvolvimento de estratégias para desempenhar e concluir as tarefas confinadas. Estes indivíduos apresentam ainda menores valores na dimensão ‘distracção evitada’, que
está directamente associada à capacidade de concentração que os indivíduos possuem quando estão
sob influência das causas de presentismo (Koopman et al., 2002). Atendendo ao conteúdo semântico
dos itens, estas conclusões afiguram-se pertinentes e validam as hipóteses inicialmente estipuladas,
dado que os participantes mais esperançosos revelam menores índices de presentismo. Como vimos,
Luthans (2002) considera a esperança uma variável relevante para medir o capital psicológico positivo. Neste estudo, causas psicológicas de presentismo (e.g., depressão e ansiedade) bem como
causas físicas (e.g., lombalgias e dores menstruais) surgem como um claro entrave à criação de capital
psicológico positivo. Esta evidência é suportada pela literatura (Snyder et al., 1991) e reforça as
hipóteses inicialmente postuladas – em como a prevalência de causas psicológicas de presentismo
está associada com valores de esperança mais reduzidos.
No que diz respeito às características psicométricas do SPS-6 foram encontrados indicadores
bastante satisfatórios de consistência interna, com valores entre .778 e .742. Estes valores encontram-se aliás muito próximos daqueles observados por Lofland e colaboradores (2004), em que foi
registada uma consistência interna em torno de .80. De igual forma, primeiramente a análise factorial exploratória e, de seguida, a confirmatória, revelaram as duas dimensões da escala sugeridas pela
literatura (Koopman et al., 2002; Lofland et al., 2004). Saliente-se, no entanto, o facto de terem sido
encontradas correlações muito elevadas entre alguns itens, o que pode sugerir alguma redundância
reflectida ao nível de uma fraca validade de conteúdo. Apesar disso, a validade convergente e
discriminante atesta um óptimo comportamento da parte dos itens, bem como da sua relação com as
sub-escalas.
De salientar também que, contrariamente àquilo que vem sendo referenciado na literatura, não
foram encontradas diferenças significativas entre as dimensões da escala de presentismo e algumas
variáveis de caracterização da amostra. Desta forma, seriam esperados elevados resultados nas
dimensões de presentismo em indivíduos do sexo feminino (Simpson, 1998) e em indivíduos mais
velhos (Yen, Edington, & Witting, 1992). No entanto, tais resultados não se verificaram. Por outro
lado, seria também esperada uma maior propensão de presentismo em profissões associadas à educação ou saúde (Aronsson et al., 2000) e, mais uma vez, os resultados não foram significativos nesta
dimensão. Uma das possíveis causas para esta não diferenciação poderá estar associada com o
reduzido tamanho da amostra (N = 158) e à baixa representatividade das profissões, facto que poderá
ter tido influência ao nível da inferência estatística. No entanto, da leitura que fazemos das causas
que normalmente estão associadas ao presentismo, constata-se que a prevalência de causas da
amostra é muito semelhante àquela que vem sendo retratada na literatura (Allen et al., 2005; Collins
et al., 2005; Goetzel et al., 2003; Sousa, 2005; Wang et al., 2003), nomeadamente, as cefaleias,
enxaquecas, lombalgias, infecções respiratórias, stress ou ansiedade.
4.2. Implicações para a gestão
De referir também que este trabalho pretende sensibilizar os responsáveis para a importância
do presentismo e seu possível impacto ao nível do capital psicológico das empresas. Parece-nos também
que as empresas de sucesso optam por criar estruturas que optimizem o bem-estar dos colaboradores
(Pelletier, Bolles, & Lynch, 2004) e o desenvolvimento de comportamentos organizacionais positivos,
tendo sempre em conta que os trabalhadores precisam de ter condições para adquirir e desenvolver
capital psicológico positivo (Peterson & Luthans, 2002). Este estudo revelou que são os colaboradores com maior ‘distracção evitada’ e menor ‘trabalho completado’ que evidenciam menores valores
na escala de esperança. Por último, no que diz respeito à percepção do estado de saúde, o constructo
esperança evidencia um valor explicativo superior (12%) quando comparado com as duas dimensões
de presentismo (5%). Apesar das variâncias explicadas serem bastante reduzidas, os resultados parecem mostrar que a intervenção organizacional deve considerar, em primeiro lugar, o constructo
esperança, em detrimento do presentismo. No seguimento desta suposição empírica, novos estudos
deverão ser desenvolvidos tendo em conta um rigor metodológico que ultrapasse as limitações desta
investigação. De facto, o método correlacional associado a este estudo não nos permite estabelecer
nexos de causalidade entre as variáveis envolvidas. Pensa-se que, numa futura abordagem, procedimentos de cariz experimental poderão trazer contributos extremamente válidos que complementem
este primeiro estudo. Outra limitação desta investigação prende-se com o facto de não terem sido
estudadas as flutuações de produtividade associadas aos contructos esperança e presentismo, cujas
implicações seriam manifestamente relevantes a nível organizacional.
5. Conclusão
A literatura popular e a literatura académica sobre organizações descrevem a gestão como uma
actividade crescentemente imaterial. Os desafios centrais colocados pelos mercados reportam-se à
informação e ao conhecimento. O valor acrescentado dos produtos e serviços que as organizações
transaccionam vem cada vez mais da sua componente de conhecimento e não das suas característi
cas materiais. Além disso, a grande maioria das ocupações beneficia hoje de algum nível de automatização, informatização e robotização e por isso os desafios da produtividade têm vindo a ser cada
vez menos desafios de esforço físico e cada vez mais desafios de esforço cognitivo e emocional.
Vários autores defendem que nos encontramos numa economia imaterial e que todas as ocupações
se centram no conhecimento. Neste contexto, não é surpreendente que a investigação se tenha
descorporizado, tratando os fenómenos organizacionais como processos abstractos que ocorrem ao
nível mental. A aplicação da psicologia positiva às organizações não foi excepção.
À medida que os desafios de criação, partilha e gestão de conhecimento se tornaram crescentemente complexos, a investigação em gestão descobriu que o mundo material tem um impacto
profundo na economia do conhecimento. A materialidade das pessoas e dos artefactos com que o
conhecimento é produzido, reproduzido e alterado define a eficácia de cada um destes processos. No
caso do comportamento organizacional positivo também faz sentido que assim seja. A corrente de
investigação que lhe está subjacente – a psicologia positiva – tem sido defendida como tendo efeitos
benéficos não só a nível fisiológico, mas também psicológico. O nosso objectivo aqui foi fazer a
pergunta ao contrário: como é que a experiência material e corporal do trabalho afecta as dimensões
do comportamento organizacional positivo? Mais importante do que os detalhes dos resultados é
haver de facto resultados para reportar. Esta conclusão pode ser formulada sob a forma de um desafio
simples mas potencialmente poderoso para avançar a investigação sobre comportamento
organizacional positivo: aplicar psicologia positiva às organizações levando a sério o lado material
da experiência de ser pessoa numa organização.