O empreendedorismo e o ambiente jurídico e institucional
INTRODUÇÃO
O empreendedorismo é um fenómeno incontornável nas sociedades atuais. Desde os
anos de 1980 do Séc. XX, o traço mais essencial da dinâmica económica
relaciona-se com a capacidade empreendedora dos agentes produtivos, pois num
mundo competitivo e global a capacidade de inovar e de ultrapassar, pela
diferença no incremento de valor, a concorrência, é um fator-chave da
competitividade. Daí que, desde essa altura, eclodiu a pesquisa científica
sobre o fenómeno, envolvendo investigação pluridisciplinar, nomeadamente a
ciência económica, a gestão e várias ciências empresariais, mas também outras
áreas científicas como a biologia, psicologia, sociologia e ética.
A crise mundial que se arrasta desde 2008, com especial incidência nos países
desenvolvidos que, para além dos problemas financeiros, se expressa na falta de
crescimento económico e nos elevados níveis de desemprego, veio acentuar a
necessidade de criatividade empresarial. É urgente que os indivíduos assumam
riscos, criando o seu próprio emprego, pela via do empreendedorismo. Isso não
se concretiza sem o desenvolvimento de competências nos trabalhadores, sendo
para tal inadiável preparar o sistema educacional e formativo para esse
desígnio. Um dos autores mais influentes da área da gestão, Peter Drucker, foi
um dos responsáveis por trazer o conceito de empreendedorismo à ribalta e por
despoletar a necessidade de ensinar o empreendedorismo. Segundo Drucker (1985,
p. 143), «Most of what you hear about entrepreneurship is all wrong. It's not
magic; it's not mysterious; and it has nothing to do with genes. It's a
discipline and, like any discipline, it can be learned» (sublinhado nosso).
Atualmente, os cursos de Gestão, os MBA e muitos outros programas formativos ou
educacionais não dispensam nos seus planos de curso disciplinas sobre o
empreendedorismo. Nesta visão estão subjacentes dois pressupostos:
• o empreendedorismo é um comportamento que cria valor social;
• a oferta de empreendedores não é rígida, pois o comportamento empreendedor
pode ser ensinado.
Com este trabalho pretende-se, revendo alguns estudos originados em linhas de
investigação diferenciadas, discutir a robustez dos referidos pressupostos e
relevar a importância do ambiente jurídico e institucional para que o
empreendedorismo produza resultados socialmente desejáveis. O intuito não é
defender o abandono da formação de empreendedores, ou a sua irrelevância, mas
essencialmente apelar a uma maior atenção às regras jurídicas de enquadramento,
especialmente ao papel do Direito e das instituições jurídicas.
Uma linha de pesquisa, iniciada com Baumol (1990), realçou que nem sempre o
empreendedorismo é produtivo mas, antes pelo contrário, é frequente a
existência de empreendedorismo improdutivo e, até, de empreendedorismo
destrutivo. Por isso, é defensável que as sociedades concentrem os seus
esforços e recursos na criação das «regras de jogo» adequadas a potenciar nos
empreendedores comportamentos produtivos. Baumol (1990), contrariamente a
Drucker (1985), não acreditava que seria fácil ensinar alguém a ser
empreendedor, entendendo que a alteração da oferta de empreendedores seria
difícil, consubstanciando investimentos elevados com um retorno muito incerto.
Uma segunda linha de investigação, bastante mais recente, vem de algum modo
reforçar a abordagem de Baumol (1990). Trata-se da pesquisa no domínio dos
fatores biológicos, designadamente dos fatores genéticos, na tendência para o
empreendedorismo. Estes são dificilmente alteráveis e, se tiverem um papel na
propensão para que os indivíduos se tornem empreendedores, será difícil que o
ensino do empreendedorismo por si só seja eficaz. Na verdade, os resultados
obtidos até ao momento neste domínio indicam que os fatores genéticos
desempenham um papel relevante, embora os fatores do foro ambiental (família,
formação escolar, convivência social, etc.) sejam também significativos. Os
estudos na área da genética do comportamento revelam ainda a noção de interação
entre os fatores biológicos (individuais) e os fatores ambientais
(contextuais), destacando-se duas vias de relação: os primeiros podem
constituir fatores de predisposição em contextos ambientais específicos; os
indivíduos selecionam ambientes específicos de acordo com as suas
caraterísticas individuais.
O estudo começa por definir o conceito de empreendedorismo. Depois, apresentam-
se as suas diversas formas e alguns resultados sobre a «hipótese de Baumol».
Seguidamente, faz-se uma revisão das principais conclusões resultantes da
abordagem biológica. Por fim, discute-se o papel das instituições e do Direito
e encerra-se com uma súmula conclusiva.
O CONCEITO DO EMPREENDORISMO
Um problema inicial do estudo científico do empreendedorismo numa perspetiva
comportamental é a falta de uma definição operacional para o objeto de estudo.
Em muitos trabalhos empíricos, o empreendedorismo está associado apenas à
consideração de que o empreendedor é o proprietário de um negócio, no qual
existe um fator de risco e há autonomia de decisão e de exercício da atividade.
Espera-se também uma forte ligação entre empreendedorismo e criatividade e
inovação. Smith e Gordon (2009) numa revisão de literatura encontraram mais de
60 definições de empreendedorismo, mas o entendimento que continua a dominar a
literatura parte da definição de Schumpeter (1934) e inclui cinco tipos de
inovação no retrato do empreendedorismo:
• a introdução de um novo bem ou melhoria de qualidade de um bem;
• a introdução de um novo método de produção;
• a abertura de um novo mercado;
• a conquista de uma nova fonte de matérias-primas ou de matérias subsidiárias
ou de bens intermédios;
• a alteração da organização de uma dada indústria, incluindo o surgimento de
poder de mercado.
Baumol (1990) entende que a lista de Schumpeter está incompleta, pois não
contempla inovações em procedimentos puramente redistributivos (improdutivos)
de rent seeking1. Segundo o autor, a definição de empreendedorismo também
deveria ser estendida a atividades destrutivas (crime económico e financeiro e
crime organizado), pois resulta de ações inovadoras de aproveitamento de
oportunidades ilícitas, sendo as técnicas usadas escondidas sob a aparência de
legalidade, dado o seu caráter engenhoso e de grande complexidade. Tal
empreendedorismo será destrutivo, no sentido em que causa malefícios na
sociedade. Note-se que todos os tipos de empreendedorismo exigem a conjugação
de uma oportunidade com a assunção de riscos, tendo em conta uma visão dos
empreendedores (a mais consensual) como pessoas «who are ingenious and creative
in finding ways that add to their own wealth, power, and prestige, then it is
to be expected that not all of them will be overly concerned with whether an
activity that achieves these goals adds much or little to the social product
or, for that matter, even whether it is an actual impediment to production»
(Baumol, 1990, p. 6).
CONTRAPROVA DE EMPREENDEDORISMO IMPRODUTIVO
Não é consensual na literatura a admissão de que o empreendedorismo não esteja
(potencialmente) ligado a comportamentos geradores de valor social. Por
exemplo, Harris et al. (2009) defendem a interceção entre empreendedorismo e
ética. Numa revisão de literatura que conjuga os dois tópicos constataram uma
concordância entre as qualidades exigidas aos empreendedores ' imaginação,
criatividade, novidade 2 com as que se requerem na decisão ética, daí inferindo
que o empreendedorismo se liga à ética. Contudo, a investigação produzida na
área da criminologia encontrou substancial contraprova empírica indicando que a
criminalidade económica e financeira não abdica das mesmas caraterísticas para
o seu exercício3.
Harris et al. (2009) identificaram estudos que apontam para um maior egoísmo
dos empreendedores na busca de ganhos financeiros, o que os poderá desviar da
ética. Dawson et al. (2002) revelaram a existência de maiores disparidades na
distribuição dos valores éticos entre os empreendedores do que entre os não-
empreendedores, e o mesmo se verificou relativamente às variáveis que são tidas
como fatores dos valores éticos.
Zhang e Harvey (2009), numa investigação empírica sobre a relação entre os
empreendedores e os adolescentes que infringem as regras (com gravidade
moderada ' um compósito de delinquência pequena e ofensas na escola e na
família), produzem contraprova significativa de que os jovens infratores têm
maior probabilidade de virem a ser empreendedores no futuro. No entanto, o
mesmo resultado não se obteve relativamente a ofensas mais graves (que
implicaram detenção pela polícia, uso de drogas ilegais, condução sob o efeito
de álcool ou drogas e roubo). O inconformismo com as regras encontrado nos
empreendedores não é de todo inesperado, pois Ruggiero (2009) já havia
identificado nos autores clássicos, designadamente em Adam Smith e sobretudo na
obra de John Stuart Mill, uma certa apologia àqueles que estão em tensão com as
regras existentes e não se conformam com o status quo 4. Será talvez essa
tensão que os força a construírem algo diferente daquilo que já existe?
Faragó et al. (2008) realizaram um estudo experimental com o objetivo de
comparar o posicionamento face ao risco entre empreendedores, estudantes
universitários e indivíduos com comportamentos criminais (condenados por roubo
e assalto à mão armada). Os estudantes aparecem como grupo de controlo. Os
resultados indicam que o comportamento face ao risco é muito semelhante entre
os condenados e os empreendedores, só diferindo perante a possibilidade de
grandes perdas, verificando-se, nesse caso, uma maior propensão ao risco nos
condenados. Os estudantes comportam-se de forma substancialmente diferente dos
restantes grupos. Se este estudo, em vez de incluir condenados por crimes
convencionais, tivesse considerado criminosos de colarinho branco,
provavelmente a proximidade entre empreendedores e criminosos poderia ser ainda
maior. Este é um tópico aberto à pesquisa futura.
Weitzel et al. (2010) estudaram, de forma experimental, a hipótese de os
empreendedores serem egoístas na procura do lucro, procurando perceber se, para
obterem maiores ganhos, estariam dispostos a causar perdas de bem-estar aos
demais indivíduos. Encontraram contraprova empírica da existência de
preferências egoístas e da disposição para aceitarem «destruir» o bem-estar dos
outros, corroborando a hipótese de Baumol (1990).
Sanders e Weitzel (2010) formularam um modelo que pretendeu analisar a afetação
do talento empreendedor entre atividades produtivas e destrutivas. O
comportamento do empreendedor foi modelado como procurando maximizar a
retribuição, tendo em conta as alternativas disponíveis. Os autores
demonstraram a existência de dois equilíbrios estáveis: i) as instituições são
determinantes nas retribuições de ambos os tipos de empreendedorismo e
influenciam muito a afetação de recursos empreendedores (como tinha previsto
Baumol, 1990); ii) a distribuição inicial de riqueza e de talento empreendedor
tem um papel decisivo na decisão de afetação. Este estudo corrobora Baumol
(1990) no reposicionamento da atenção na reformulação das «regras do jogo», ou
seja, das instituições formais e informais.
Em suma, no estado atual da investigação ressalta um certo consenso na
contraprova empírica da plausibilidade da hipótese do empreendedorismo
improdutivo. Sendo assim, o pressuposto ' o empreendedorismo é um comportamento
que cria valor social ' não deve ser assumido sem discussão, devendo ressalvar-
se que nem todo o empreendedorismo cria valor e que as políticas e ações
conducentes ao aumento da oferta de empreendedores incorporam alguma incerteza
quanto aos resultados em termos de rentabilidade social.
A BIOLOGIA E O EMPREENDEDORISMO
Nesta secção pretende-se, com base na recente literatura publicada sobre este
tópico, analisar a importância dos fatores biológicos na tendência para os
indivíduos se tornarem empreendedores. A não rejeição da influência destes
fatores, sabendo-se que praticamente não são alteráveis pelos próprios
indivíduos ou pelas instituições, é indicadora de que a oferta de
empreendedores apresenta alguma rigidez e de que os resultados do ensino do
empreendedorismo são afetados por elementos relacionados com a hereditariedade.
Recentemente assistiu-se a um grande desenvolvimento das ciências da vida, das
neurocizências e da genética, tendo-se produzido contraprova empírica de que os
fatores biológicos, nomeadamente os fatores genéticos, endocrinológicos,
bioquímicos, neurofisiológicos e neurológicos, podem influenciar uma grande
panóplia de comportamentos humanos. Daí que, é com naturalidade que no início
do Séc. XXI surge a questão [que põe em causa a célebre,afirmação de Drucker
(1985) supra citada]: a propensão para alguém se tornar empreendedor depende de
fatores genéticos?
Anteriormente, a quase totalidade da investigação na área da gestão sobre o
empreendedorismo tinha-se dirigido para elementos relacionados com a
aprendizagem, o ambiente familiar, designadamente a relação com os pais, a
escola e a cultura. Tendo analisado este tipo de literatura, Nicolaou et al.
(2008) encontraram, como atributos para as pessoas se tornarem empreendedoras,
a ambição, a elevada confiança em si mesmo, o otimismo, a necessidade de
controlo, a propensão ao risco, a par de outros fatores demográficos e
sociológicos (idade, estado civil, nível de educação, estatuto, os laços
sociais, competências sociais e experiência profissional). Para além destes e
outros fatores contextuais, a literatura do empreendedorismo dedicou muita
atenção aos fatores individuais psicológicos, designadamente aos traços de
personalidade. A relação entre a personalidade e o empreendedorismo já tinha
sido sugerida por grandes economistas clássicos como Frank Knight e Joseph
Schumpeter.
Um dos métodos mais bem estabelecido de identificação e medição dos traços de
personalidade é o modelo de personalidade «Big Five» baseado em análise
linguística, cujos traços são (a taxonomia varia um pouco entre os
especialistas): extroversão (extroversion); abertura a novas experiências
(openess to experience); amabilidade (agreeableness); retidão de caráter
(conscientiouness); instabilidade emocional, também designada por neuroticismo
(neuroticism)5.
Zhao e Seibert (2006) e Rauch e Frese (2007) reviram a literatura sobre a
relação entre os traços de personalidade (caraterizados a partir do instrumento
«Big Five») e o empreendedorismo, tendo constatado quão abundante era a
pesquisa sobre esse tópico. Além disso, deram-se conta da existência de muitos
estudos sobre a influência de fatores genéticos na personalidade ' por exemplo,
Plomin e Caspi (1998) ' e, concretamente, sobre a componente genética nos
traços de personalidade «Big Five» ' Comings et al.(2000). Tornou-se-lhes
pertinente questionar se estes traços de personalidade não serão mediadores de
uma possível influência genética na tendência para ser empreendedor.
White et al. (2006) foram pioneiros na ligação da biologia ao empreendedorismo
quando se debruçaram sobre a relação entre as caraterísticas individuais das
pessoas, designadamente o seu nível de testosterona6, e o comportamento
empreendedor. Os autores procuraram apreender se diferentes níveis de
testosterona estão relacionados com a probabilidade de assumir comportamentos
empreendedores. O estudo encontrou uma relação significativa, a qual foi
mediada pelo traço psicológico da propensão ao risco. Os resultados não
significam que a biologia determina diretamente os comportamentos
empreendedores, pois é praticamente consensual na literatura neurobiológica que
a biologia apenas constitui «uma predisposição ou um potencial para certos
comportamentos» (White et al., 2006, p. 22). A investigação não colocou de fora
a conjunção dos fatores individuais com os fatores ambientais, procurando
perceber como interacionam ou se correlacionam.
White et al. (2007) alargaram o estudo fazendo depender a experiência
empreendedora de um fator sociológico, designadamente a existência de um
ambiente familiar ligado aos negócios. O estudo realizado nos mesmos moldes que
o anterior, mas substituindo a variável «propensão ao risco» pelo ambiente
familiar ligado aos negócios, revelou que a influência da testosterona na
criação de atividades empreendedoras faz-se sentir essencialmente em indivíduos
com um ambiente familiar ligado aos negócios.
Nicolaou et al. (2008) centraram a atenção nos fatores genéticos, colocando a
hipótese de que poderiam influenciar, por quatro vias, a propensão dos
indivíduos para o empreendedorismo:
• através de efeitos diretos nos mecanismos químicos do cérebro ' referem como
exemplos a possibilidade de um polimorfismo no gene 5-HT2cque está envolvido na
produção de oxitocina, a qual influencia a resposta psicológica das pessoas aos
obstáculos, sendo que, quem possui o polimorfismo no gene tende a uma resposta
mais positiva, daí que, possivelmente, poderá ser um gene a encontrar nos
empreendedores, dado que grande parte da sua atividade implica ultrapassar
obstáculos. Outro exemplo é um polimorfismo no gene DRD4que está associado a um
défice de atenção na hiperatividade e que afeta a produção de dopamina no
cérebro, a qual influencia a reação psicológica dos indivíduos ao facto de
exercerem a mesma atividade durante longos períodos de tempo. Os indivíduos que
possuem este polimorfismo estão mais dispostos a exercerem múltiplas atividades
por curtos períodos de tempo o que, de acordo com Baron (2002), é uma das
caraterísticas evidenciadas pelos empreendedores.
• predispor as pessoas para o desenvolvimento de atributos individuais que
afetam a tendência para assumirem comportamentos empreendedores ' os autores
indicam vários estudos que identificaram uma relação entre os fatores genéticos
e alguns atributos psicológicos encontrados nos empreendedores, como sejam a
crença de que os acontecimentos são controlados por si, a extroversão (um dos
traços de personalidade do Modelo dos Cinco Fatores de Personalidade), a
necessidade de realização pessoal e a elevada capacidade de relações públicas.
• aumentar a sensibilidade dos indivíduos para reagir aos estímulos dos
ambientes empreendedores (denominada interação gene-ambiente) ' Nicolaou et al.
(2008) apresentam um exemplo interessante deste tipo de influência, o alelo
(uma das formas alternativas de um gene) Taq A1 do gene DRD2. Este gene
codifica para o recetor da dopamina D2 que se localiza nos neurónios
dopaminérgicos pós-sinápticos que estão centralmente envolvidos em mecanismos
mediadores da recompensa. O alelo supra referido foi encontrado com maior
frequência em jogadores excessivos do que na população em geral, sugerindo que
este gene afeta as sensações de prazer em resposta à tomada de risco. A
interpretação que os autores dão para uma possível associação entre este alelo
e o empreendedorismo prende-se com a assunção de que este estará envolvido na
tomada de risco.
• afetar a tendência dos indivíduos para selecionarem ambientes mais propícios
ao empreendedorismo (denominada correlação gene-ambiente) ' segundo Nicolaou e
Shane (2009, pp. 9-10) existe uma influência genética para as aptidões e os
talentos das pessoas, por exemplo, a inclinação para a matemática ou para as
humanísticas. Por outro lado, os indivíduos tendem a escolher a sua formação e
o seu percurso profissional com base nas suas aptidões, daí que a distribuição
das pessoas pelos diferentes setores de atividade seja influenciada por fatores
genéticos. As oportunidades para o empreendedorismo variam entre os setores de
atividade, pelo que a correlação entre os genes e o ambiente formativo e
profissional influenciam a tendência para as pessoas se tornarem
empreendedores.
Nicolaou et al. (2008) usaram a metodologia da genética quantitativa para
investigar a atividade empreendedora de 870 pares de gémeos monozigóticos
(idênticos ' partilham a totalidade da sua composição genética) e 857 pares de
gémeos dizigóticos (bivitelinos ' partilham em média metade da sua composição
genética), do mesmo sexo, do Reino Unido. Os estudos com gémeos comparam as
similitudes e as diferenças entre os dois grupos de pares de gémeos de forma a
poder avaliar em termos estatísticos (usando modelos de equações estruturais) a
proporção de variância explicada por fatores genéticos e ambientais e a sua
magnitude. Para tal, partem de dois pressupostos metodológicos: (i) os gémeos
monozigóticos partilham 100% da sua informação genética e os gémeos dizigóticos
partilham em média 50% do seu património genético; (ii) os pares de gémeos
monozigóticos e dizigóticos experienciam ambientes equivalentes. Se se
encontrar uma maior concordância na propensão para o empreendedorismo nos
gémeos monozigóticos, comparativamente aos gémeos dizigóticos, há indicação de
que os fatores genéticos podem ser relevantes. Se, contrariamente, apenas os
fatores ambientais forem relevantes, espera-se que não se encontrem diferenças
significativas entre os pares de gémeos (monozigóticos e dizigóticos) na
propensão individual para o empreendedorismo. Assim, usando esta metodologia,
Nicolaou et al. (2008) procuraram estimar a influência de fatores genéticos7 e
fatores ambientais8 partilhados e não partilhados9 na propensão para as pessoas
se tornarem empreendedores. Os resultados indicam a existência de fatores
genéticos no comportamento empreendedor (que explicam entre 37% a 48% do total
da variância das diferenças entre os pares de gémeos da amostra na tendência
para se tornarem empreendedores). Contudo, também os fatores ambientais foram
estatisticamente significativos. Esta análise é mais abrangente do que as
anteriores, uma vez que não se cinge ao estudo de um fator fisiológico ' a
testosterona ', mas estende-se à apreensão da influência da generalidade das
diferenças genéticas (as quatro vias de influência referidas anteriormente)10.
Os autores não encontraram diferenças significativas entre homens e mulheres,
embora o número de gémeos masculinos na amostra tenha sido extremamente
reduzido, pelo que as conclusões quanto ao género masculino não podem ser
generalizáveis.
Nicolaou et al. (2009), na sequência do estudo anterior, constatando como uma
parte importante do empreendedorismo passa pela identificação de oportunidades
para iniciar um novo negócio estudaram, através da metodologia da genética
quantitativa, a influência dos fatores genéticos na variação entre as mulheres
na propensão para o reconhecimento de oportunidades de negócio. Na pesquisa foi
usada uma amostra de 851 pares de gémeos monozigóticos e 855 pares de gémeos
dizigóticos, do sexo feminino. Os resultados indicaram que os fatores
hereditários (genéticos) explicavam 45% da variância da propensão para as
mulheres reconhecerem oportunidades de negócio e que os fatores ambientais
partilhados (denominado ambiente partilhado) não tiveram qualquer influência.
Os mesmos resultados foram obtidos relativamente à tendência para ser
empreendedor.
Zhang et al. (2009), tendo estudado diferenças de género na propensão para o
empreendedorismo, com base em 1285 pares de gémeos monozigóticos (449 pares
masculinos e 836 pares femininos) e 849 pares de gémeos dizigóticos (283 pares
masculinos e 566 pares femininos), registados na Suécia, chegam à conclusão de
que os fatores genéticos influenciam a decisão de as mulheres se tornarem
empreendedoras (explicam 60% da variância da tendência para o
empreendedorismo), os fatores ambientais partilhados (sobretudo o ambiente que
os pares de gémeos partilharam na vida familiar) não têm influência
estatisticamente significativa e o ambiente não partilhado (adicionado do termo
de erro) explicam os restantes 40% da variância11. Já no caso dos homens
acontece precisamente o contrário, pois não encontraram uma influência genética
neste grupo, e que a propensão para o empreendedorismo dependia de fatores
ambientais partilhados (59%) e não partilhados (41%). Esta diferença entre
géneros é um resultado surpreendente que exige aprofundamento da investigação.
Ressalve-se, porém, que, sendo certo que os genes estão envolvidos na ação da
testosterona e influenciam os seus níveis12, de acordo com os estudos acima
referidos (White et al.,2006 e 2007), a genética também afeta o comportamento
dos homens relativamente ao empreendedorismo.
Muito recentemente, Nicolaou e Shane (2010) aplicaram a mesma metodologia a uma
amostra de 347 pares de gémeos monozigóticos e 303 pares de gémeos dizigóticos
dos Estados Unidos da América, de ambos os sexos (sendo, no entanto, cada par
do mesmo sexo), em que o número de pares de gémeos do sexo masculino foi
considerado representativo. Os autores confirmaram a influência de fatores
genéticos na tendência para ser empreendedor, tendo obtido valores para o peso
da influência dos fatores genéticos similares aos encontrados no trabalho
anterior com a amostra do Reino Unido (Nicolaou et al., 2008). Também neste
estudo a influência do ambiente partilhado entre os gémeos não foi
estatisticamente significativa. Nicolaou e Shane (2010) seguidamente estimaram
o modelo apenas para os pares de gémeos do sexo masculino e verificaram que a
influência da genética na tendência para se tornar empreendedor também se
verifica nos homens.
Ficou patente destes trabalhos descritos que existe contraprova empírica de que
os fatores biológicos constituem uma influência significativa na tendência para
os indivíduos se tornarem empreendedores. Uma vez que dificilmente são
alteráveis, constituem um elemento que se interpõe na relação entre as
políticas de ensino do empreendedorismo (input) e os resultados em termos de
criação de novos empreendedores (output). Espera-se maior incerteza e menor
eficiência no uso de recursos direcionados para o ensino do empreendedorismo na
ausência nos destinatários dos genótipos que propiciam o fenótipo desejado.
Assim o pressuposto ' a oferta de empreendedores não é rígida, pois o
comportamento empreendedor pode ser ensinado ' também não pode ser assumido sem
uma visão mais abrangente dos fatores do empreendedorismo.
Convém, porém, ter em atenção que muito se espera ainda da investigação deste
tópico. Nicolaou e Shane (2009) deixaram pistas para o aprofundamento da
pesquisa, apelando à necessidade de medir separadamente as quatro vias de
influência hereditária na propensão individual para se ser empreendedor.
Propõem, também, que se façam esforços no sentido de identificar os genes
responsáveis por essa influência.
A MUDANÇA NO AMBIENTE JURÍDICO-INSTITUCIONAL
Depois da apresentação de argumentos para não rejeitar a proposta de Baumol
(1990) de colocar maior ênfase na qualidade do empreendedorismo, em vez da
quantidade, sendo a alteração das «regras do jogo» fundamentais nesse
desiderato, resta refletir um pouco sobre o tipo de mudanças jurídicas e
institucionais que podem ser equacionadas. Obviamente está para além do escopo
deste trabalho fazer propostas sobre o sentido da mudança, assumindo-se apenas,
como objetivo central, sublinhar a urgência de incorporar nos processos de
dinâmica institucional, o desígnio de criar ambientes institucionais e
enquadramentos legais mais propícios ao empreendedorismo produtivo. É oportuno
reforçar a consciência de que, se as instituições facilitam a possibilidade de
obtenção de ganhos pela via do empreendedorismo improdutivo, ou dificultam a
produção de lucros resultantes do empreendedorismo produtivo, o resultado final
do empreendedorismo pode ser negativo. Desai e Acs (2007) defendem que haverá
uma combinação ótima de instituições (formais e informais) que determinam a
afetação do empreendedorismo, sendo um dever fundamental de cada país promovê-
la em cada momento.
Têm sido apontadas três grandes vias de empreendedorismo improdutivo: o rent-
seeking, a especulação financeira; o crime económico e financeiro (incluindo o
crime organizado).
A pesquisa sobre o rent-seeking está muito desenvolvida. Iniciou-se com Tullock
(1967), que procurou demonstrar a importância dos «custos de peso-morto» que o
fenómeno causa na economia. O rent-seeking pode assumir a forma de atos
ilícitos, como a corrupção e de atos lícitos, embora não produtivos, como o
lobbying sobre os decisores públicos para obtenção de algum tipo de poder
monopolista (licenças, constituição de barreiras à entrada, etc.). Esta procura
improdutiva de rendimento desvia muitos recursos das atividades produtivas,
sendo que, na maioria das vezes, permite a obtenção de ganhos para os menos
eficientes, baixando, concomitantemente, a dinâmica económica e a confiança nas
instituições. Baumol (1990) sublinha os malefícios do rent-seeking na expressão
do aumento da litigância para obtenção de transferências, ressalvando que não é
por acaso que muitos dos altos quadros das empresas começam a ter maior
preenchimento por parte de juristas do que por engenheiros. A litigância
judicial e o domínio das complexidades jurídicas tornaram-se uma fonte de
oportunidades para a obtenção de ganhos.
A segunda via prende-se com o recente crescimento exponencial do mundo
financeiro, associado à multiplicação e sofisticação dos produtos
transacionados, o que levou a fortes investimentos na produção de inovações no
setor, sobretudo ao nível da disseminação do risco, as quais permitiram que o
volume de transações financeiras superasse largamente a economia «real»
(produtiva). Múltiplas instituições, envolvendo recursos humanos altamente
qualificados, em número substancial, fazem esforços empreendedores nestas
áreas, em detrimento dos setores produtivos. A liberalização da circulação de
capitais, a «desregulação» dos mercados (muitas vezes acusada de ser o produto
de lobbying político) e a globalização alavancaram o fenómeno.
Na terceira via incluem-se todas as formas de crime económico e financeiro que
destroem e criam ineficiências, desigualdades e instabilidade nas instituições
e na vida social. Estas atividades permitem uma retribuição muito elevada
associada a um alto nível de risco e, ao mesmo tempo, exigem um grande talento
empreendedor e inovador para contornar as instituições e mecanismos existentes
com a missão de as desmantelar. Os criminosos de colarinho branco criam
simultaneamente empresas que praticam negócios lícitos e empresas de atividades
ilícitas, sendo difícil distinguir as fronteiras e as ligações entre ambas.
Aproveitam-se da globalização e da liberdade internacional de circulação de
capitais, adicionada à utilização de múltiplos veículos (tais como as
sociedades de offshores), que permitem transações transnacionais e a circulação
de capitais entre a componente lícita e a ilícita, beneficiando de restrições à
prestação de informações em muitos territórios. No crime económico destacam-se
a elisão e a evasão fiscal. Van Duyne (1999) descreve o criminoso de colarinho
branco como um «empreendedor de crime» que evidencia uma grande propensão para
assumir riscos. Smith e Gordon (2009) avisam que o empreendedorismo destrutivo
tem sido crescentemente assumido como uma via alternativa para a obtenção de
prosperidade e reconhecem que urge instituir um enquadramento regulador
internacional que diminua as oportunidades da sua elevada retribuição.
A constatação da importância do fenómeno «empreendedorismo improdutivo» coloca
na agenda coletiva uma nova questão social: como configurar as instituições
para promover o empreendedorismo produtivo?
Sauka (2008) procurou encontrar pistas de resposta a partir de entrevistas
feitas em dois anos diferentes (2005 e 2006) a empresários proprietários de 130
empresas com menos de 250 empregados, na Lituânia, tendo verificado que as
empresas mais produtivas e as que revelavam um nível superior de orientação
empreendedora se envolviam menos em elisão fiscal ou em negócios ilegais. O
estudo indica que a existência de um ambiente social estável, a par do
exercício de atividades em conformidade com as regras, propicia a contribuição
produtiva dos empreendedores.
Na verdade, os esforços institucionais com o intuito de combater o
empreendedorismo improdutivo não são uma novidade. Por exemplo, aconstituiçãoe
desenvolvimento de autoridades de regulação da concorrência e a sua coordenação
ao nível da União Europeia, reduziu as oportunidades de empreendedorismo
improdutivo relacionado com abusos de posição dominante ou atuações concertadas
das empresas. O mesmo se poderá dizer quanto à harmonização internacional de
práticas de combate à evasão fiscal, ao estabelecimento de acordos com os
paraísos fiscais para a prestação de informações, às medidas de restrição da
especulação financeira, etc..
Um caso interessante no domínio do Direito Fiscal, que exemplifica como o
Direito pode evoluir motivado por estas preocupações, é o exemplo do tratamento
legal dado em Portugal ao planeamento fiscal abusivo.
A Cláusula Geral Anti-Abuso, inscrita no n.º 2 do art. 38.º da Lei Geral
Tributária(LGT)13 é a principal norma antiabuso e tem aplicabilidade a um largo
espectro de situações não especificadas, ou seja, é abrangente, dando, por
isso, possibilidade à administração fiscal de não se limitar a ir produzindo
cláusulas específicas antiabuso, assumindo um papel de simples seguidismo das
inovações de planeamento fiscal que vão aparecendo. Desta forma, os poderes
públicos não ficam prisioneiros das falhas ou lacunas de previsibilidade das
leis, que poderiam ser aproveitadas por empreendedores que reconhecessem tais
oportunidades como lucrativas. Mais, o Estado permite-se avaliar previamente a
legitimidade do planeamento das empresas obrigando-as, em condições definidas,
a apresentar, para apreciação prévia, os esquemas inovadores que pretendam
implementar14. Assim, a própria administração fiscal aprende as novas soluções
(inovações), conseguindo um know-how cumulativo para uma atuação mais eficaz.
Resta indicar que a mudança nas instituições e a alteração das normas jurídicas
nem sempre é fácil e rápida, sobretudo quando as instituições «incorretas» do
ponto de vista do empreendedorismo produtivo resultam de um prolongado percurso
histórico. A resistência à dinâmica institucional frequentemente implica custos
muito elevados, especialmente quando as instituições formais de decisão são
politicamente frágeis. Esses custos devem ser ponderados, na busca do
equilíbrio eficiente de alteração das «regras de jogo», na concretização de um
ambiente jurídico e institucional favorável ao empreendedorismo produtivo, o
que é, em si, um desafio empreendedor à sociedade.
SUMA CONCLUSIVA
O comportamento empreendedor tem sido alvo do maior interesse, sendo
socialmente incentivado, uma vez que dele se esperam grandes benefícios para o
progresso e desenvolvimento económico. Este estudo não pretendeu pôr em causa
essa prática, mas apenas (e só) produzir uma reflexão sobre o empreendedorismo
que, em última análise, contribua para o conhecimento sobre a eficiência das
políticas que o procuram promover.
Invariavelmente o empreendedorismo é tido como sinónimo de aumento de valor
social, partindo-se, sem grande discussão, de duas premissas na análise do
fenómeno:
i) o empreendedorismo é um comportamento que cria valor social;
ii) a oferta de empreendedores não é rígida, pois o comportamento empreendedor
pode ser ensinado.
Com base numa linha de investigação, iniciada em Baumol (1990), descreveram-se
sumariamente vários estudos que comprovam que nem todo o empreendedorismo é
produtivo. No empreendedorismo improdutivo destacam-se as atividades de rent-
seeking, a especulação financeira e o crime económico e financeiro, nas suas
diversas formas. A literatura sobre este tópico revela a existência de
contraprova de que os indivíduos afetam o seu talento empreendedor às
atividades que lhes conferem os maiores ganhos, independentemente da sua
natureza, produtiva ou improdutiva. Daí emana diretamente a conclusão de que a
premissa i) não deve ser acolhida sem aprofundamento adicional.
Seguidamente, analisaram-se vários estudos que procuraram aferir a influência
dos fatores individuais (genéticos e psicológicos) sobre a tendência para os
indivíduos se tornarem empreendedores. Os resultados desta área de pesquisa,
embora ainda necessitados de maturação, indicam que há uma relação
significativa. Isso leva à conclusão de que as caraterísticas individuais
introduzem «ruído» na relação entre o «input» ' ensino do empreendedorismo ' e
o «output» ' criação de novos empreendedores. Daí se infere que a premissa ii)
não deve ser acolhida sem aprofundamento crítico. Juntando a conclusão
anterior, de que nem todo o empreendedorismo é produtivo, conclui-se pela
oportunidade da proposta de Baumol (1990) de se atuar sobre a qualidade da
oferta de empreendedores.
Nesse desiderato as «regras do jogo» são importantes, uma vez que influenciam a
decisão de afetação do talento empreendedor. A mudança no ambiente jurídico e
institucional é desejável, do ponto de vista social, quando proporciona um
aumento do empreendedorismo produtivo (ou uma diminuição do empreendedorismo
improdutivo). Porém, a mudança não é isenta de custos, os quais são também
relevantes na obtenção de um equilíbrio eficiente. Atingi-lo é, em si, um
desafio empreendedor à sociedade.