Seleção adversa no crédito a particulares em Portugal: Papel dos «bureaus» de
crédito privados
Neste trabalho de investigação, que analisa a seleção adversa no mercado de
crédito português e os seus principais fatores, foram utilizadas três vias para
estudo do tema referido: em primeiro lugar, foi desenvolvida uma simulação real
junto de 16 instituições financeiras para avaliar o lado da oferta de crédito;
em segundo lugar foi realizado um inquérito de opinião a 100 particulares, com
o intuito de analisar o lado da procura de crédito; e, por último, foram
analisadas as potencialidades e limitações dos dois bureaus de crédito a atuar
em Portugal.
Seleção adversa no mercado de crédito
O crédito surge como uma das componentes fundamentais de qualquer economia,
pois cria oportunidades de consumo e investimento, essenciais para particulares
e empresas. Por outro lado, tem associada uma série de possíveis riscos,
nomeadamente para quem o concede, pois pode não reaver o capital, nem a
respetiva remuneração. Atendendo a estas circunstâncias, é natural que os
agentes que concedem o crédito adotem as medidas necessárias para averiguar a
capacidade de endividamento de quem o solicita.
Desta forma, ainda que exista um trabalho exaustivo de avaliação, o processo de
análise de crédito, está sujeito a um problema de assimetria da informação.
Este problema decorre do facto de, contrariamente ao credor, o devedor conhecer
as suas intenções e capacidade de pagamento, o que gera um desequilíbrio no
nível de conhecimento entre ambos os agentes.
Efetivamente, adaptando a interpretação de Akerlof (1970), podemos assinalar
que a assimetria da informação poderá levar a que os maus pagadores afastem os
bons pagadores do mercado. Isto porque, para mitigar o risco, as instituições
financeiras aplicam em muitas situações taxas de juro demasiadamente elevadas
para cada tipo de cliente pois não têm ferramentas para separar os bons dos
maus clientes. Contudo, um cliente cumpridor não estará disposto a pagar taxas
de juro elevadas, pois pode escolher entre várias alternativas, mas o mau
cliente, não tendo um leque tão alargado de opções, aceita esse tipo de taxas.
A existência de assimetria da informação na análise do crédito leva ao
surgimento do fenómeno designado por seleção adversa. Este fenómeno manifesta-
se no facto das decisões de um agente económico (o credor, neste caso), tomadas
num contexto de incerteza e desconhecimento relativamente à contraparte na
transação em causa (o devedor), levarem à obtenção de resultados não
antecipados (e.g. incumprimento) nessas decisões.
O fenómeno da seleção adversa no mercado de crédito acaba assim por decorrer da
ausência de sinalização, que consiste num cenário em que o devedor de boa
qualidade não consegue transmitir ao credor o seu estado real, devido à
assimetria da informação. Desta forma, por não haver um interesse por parte dos
maus pagadores em revelar a sua situação, o credor acabará por aplicar à
generalidade dos seus clientes condições financeiras adequadas a um perfil de
risco médio. No limite, irá negar ou aceitar indevidamente a concessão de
crédito a vários clientes. Assim sendo, como indica Chau (1988), o mecanismo de
mercado torna-se inoperante, fazendo com que o mercado fique pouco atrativo
para os agentes de boa qualidade, pois estes acabarão por pagar mais pelo
crédito do que na realidade deviam.
Em suma, tendo em consideração a assimetria da informação, as decisões da
concessão ou da recusa de crédito podem, na verdade, ser tomadas em diferentes
patamares, consoante o nível de informação e conhecimento ao dispor do credor
(ver Figura 1).
Figura_1
Relações entre o grupo e a dimensão organizacional
No primeiro patamar, a decisão é tomada sem informação suficiente para a
fundamentar, pelo que o rigor e o nível de sofisticação neste caso são baixos.
Esta foi e continua a ser a prática seguida por algumas empresas de
telecomunicações (exceto no caso dos pré-pagos) e demais serviços públicos
(e.g. energia), nas quais o serviço prestado ocorre antes do pagamento do
cliente, pelo que, implicitamente, existe concessão de crédito.
No segundo patamar, onde se encontra a maioria das instituições financeiras,
verifica-se o acesso intensivo à informação do cliente, para fundamentar a
decisão de crédito.
Já por seu turno, no terceiro patamar, para além da informação existe uma
interpretação analítica da mesma que é convertida em conhecimento. Na verdade,
a informação reflete o passado e, quando muito, o presente, mas as decisões de
crédito devem ser tomadas tendo em perspetiva o futuro, pois é aí que o
comportamento do cliente irá confirmar se a decisão de crédito tomada no
presente foi boa ou má. Caso o conhecimento ou avaliação adquirido com base em
tal informação seja desajustado, a seleção adversa mantém-se expressiva.
De acordo com a International Finance Corporation (2006), a informação
histórica de crédito pode dividir-se em duas vertentes: informação negativa e
informação positiva (ou completa). No que se refere à informação negativa, esta
inclui apenas dados relativos a incumprimento, sendo que, quando o devedor
procede ao respetivo pagamento, a informação é eliminada da base de dados. Por
outro lado, a informação positiva envolve detalhes sobre todas as contas de
crédito abertas e fechadas, o montante concedido e, ao mesmo tempo, dados sobre
o reembolso do crédito. O que é facto é que, muitas vezes, as instituições se
mostram relutantes em partilhar a informação que detêm, sobretudo se esta for
positiva, pois existe receio de aproveitamento de tal informação por parte da
concorrência para expandir a sua atividade comercial. De acordo com Powell et
al. (2004), esta característica verifica-se sobretudo em mercados financeiros
pouco maduros, em que ainda não existem bureaus de crédito representativos.
Bureaus de crédito: forma de colmatar a seleção adversa no crédito
Entre as diversas formas de colmatar o fenómeno da seleção adversa no crédito,
o bureau de crédito assume um papel de destaque surgindo como uma instituição
que centraliza informação partilhada pelos aderentes (os credores),
nomeadamente sobre o histórico de pagamentos e de contencioso, referente ao
crédito concedido a particulares e empresas, gerando depois um relatório
exaustivo de crédito que é disponibilizado aos credores.
De acordo com Riestra (2002), na análise dos processos de crédito, as
instituições financeiras recolhem informação por duas vias. Em primeiro lugar,
irão verificar se o cliente em questão já teve algum tipo de relacionamento com
a instituição. Depois deste passo, recorrem ao bureau de crédito para obterem
informação sobre o historial de crédito do cliente junto de todas as
instituições financeiras aderentes. Neste contexto, por intermédio da maior
transparência informativa que introduzem, os bureaus de crédito têm por
objetivo ajudar o mercado a diminuir as assimetrias existentes ao nível da
informação entre as partes.
Em termos da sua estrutura jurídica e do seu funcionamento, estes dividem-se em
dois tipos: bureaus de crédito públicos ou bureaus de crédito privados. Sendo
que, na generalidade das situações, os primeiros apenas disponibilizam
informação estática sobre os montantes de crédito que o cliente detém junto de
todas as instituições financeiras, pelo que se trata de informação prestada
numa base bastante simples (Powell et al., 2004).
Na verdade, a introdução de bureaus de crédito públicos aparece intimamente
ligada ao nível de assegurado pelo sector privado. Isto porque, como indicam
Jappelli e Pagano (2000), nos países em que a partilha da informação é
inexistente ou escassa, reduzindo a atratividade da exploração privada desta
atividade, acaba por surgir a necessidade da existência dos bureaus de crédito
públicos, a qual contribui para uma partilha mínima de informação, que funciona
como estímulo da competitividade no mercado de crédito.
No entanto, como referido por Jappelli e Pagano (2000), o facto de os bureaus
de crédito públicos poderem assumir um papel de primazia na disponibilização de
informação ao nível do mercado de crédito, não significa que estes consigam
satisfazer todas as necessidades de informação do mercado. Com efeito, nesta
solução acabam por ficar descurados aspetos vitais para a análise do crédito,
nomeadamente a ausência de informação relativa ao estado do pagamento dos
créditos, o cálculo da probabilidade de incumprimento e a confirmação de
moradas.
Estabelecendo a relação com os diferentes patamares de decisão (ver Figura_1),
no segundo patamar, o qual corresponde à existência de informação de mercado,
encaixa-se na generalidade dos casos a totalidade dos serviços prestados pelos
bureaus de crédito públicos, ou seja, este é o patamar máximo ao nível do rigor
da análise que tais bureaus podem prestar.
Por outro lado, os bureaus de crédito privados asseguram os serviços prestados
ao nível do segundo patamar e atingem o terceiro patamar. Desta forma, através
dos vários serviços que proporcionam, conseguem elevar o nível de decisão
baseado apenas na informação simples, para um patamar em que as decisões
assentam em conhecimento. Neste caso, atinge-se um nível mais próximo da
otimização das decisões, em que a análise das propostas de crédito é claramente
mais rigorosa. Pelas razões enunciadas, ao nível da partilha da informação no
mercado de crédito, os bureaus de crédito públicos e os bureaus de crédito
privados funcionam mais como complementares, do que como substitutos (Powell et
al., 2004; Jappelli e Pagano, 2000).
Mercado de crédito a particulares em Portugal
Visando avaliar a facilidade na obtenção de crédito para o caso de particulares
em Portugal desenvolveram-se dois estudos. O primeiro traduziu-se no contato
direto com as instituições financeiras, através do pedido de crédito numa
simulação real, tendo o segundo assumido o formato de um inquérito de opinião,
visando inquirir diretamente os devedores.
Como pressupostos iniciais para estas análises considerou-se, em primeiro
lugar, a elevada concentração bancária1 registada em Portugal, que, entre 2005
e 2007, se situou acima dos 90%, segundo a New Database on Financial
Development and Structure do Banco Mundial.
O segundo aspeto que importa considerar é a profundidade da informação de
crédito (índice de informação de crédito2), a qual tem em linha de conta
fatores como a qualidade e a acessibilidade da informação posta ao dispor dos
utilizadores por parte de bureaus de crédito (privados ou públicos). Neste
âmbito, Portugal aparece ao nível da Bélgica, ambos apresentando, em comparação
com outros países, um défice neste indicador (ver Tabela 1). Este facto é
revelador que o mercado de crédito português ainda tem muitos aspetos a
desenvolver de forma a reduzir a assimetria de informação existente.
Tabela 1
Índice de informação de crédito
Em terceiro lugar, tendo sido analisada a relação entre a concentração bancária
e o índice de informação de crédito para um conjunto de 108 países, no período
entre 2005 e 2007, verificou-se que, em termos médios, quanto maior a
concentração bancária, menor tende a ser o valor do índice de informação de
crédito (consultar Figura 2).
Figura 2
Concentração bancária «versus» índice de informação de crédito 2005-2007
Desta forma, as análises seguintes procuraram averiguar se as instituições
financeiras, de uma forma geral, recorrem a outras vias para reduzir o contexto
de assimetria de informação existente no mercado de crédito português.
* Simulação real (credores)
O primeiro estudo desenvolveu-se através de contacto direto com os credores
(agências das instituições financeiras ou via telefone), procurando analisar as
principais condicionantes que as instituições financeiras estão a colocar na
atualidade aos particulares que lhes solicitam crédito.
A amostra selecionada para este fim é composta por 16 observações consideradas
válidas para um universo de 90 instituições financeiras, o qual inclui todos os
bancos, instituições financeiras de crédito e sucursais de instituições de
crédito com sede na União Europeia. Na técnica probabilística foi utilizada uma
amostragem aleatória simples associada a um erro amostral tolerável de 22,67%.
A representatividade da amostra é de aproximadamente 17,78%, sendo que foram
incluídos os cinco bancos com maior quota de mercado (BG), cinco bancos de
dimensão média (BM) e seis entidades financeiras (EF), que agregam pequenos
bancos e entidades financeiras de marca.
O tipo de crédito escolhido para o estudo foi o leasing, em que o bem
financiado tinha um preço de venda ao público de 15 000 euros. As condições do
crédito solicitado consistiram numa entrada inicial de 2 250 euros, prazo de 60
meses, valor residual mínimo (cerca de 2%) e com uma taxa de juro variável
EURIBOR3M. Relativamente ao devedor, considerou-se uma remuneração mensal de 3
salários mínimos nacionais, ou seja, acima da média nacional, que, segundo os
dados fornecidos pelo Gabinete de Estratégia e Planeamento (2009), correspondia
a 891,40 euros em abril de 2008. Associada aos anteriores valores, encontra-se
uma taxa de esforço 3de, aproximadamente, 20%. Em simultâneo, o devedor é
cliente de apenas um dos bancos, neste caso de grande dimensão, o qual se vai
designar por BG(1) e o estado civil é solteiro. A simulação decorreu no período
compreendido entre 15 de maio e 15 de junho de 2009.
Como se pode constatar na Tabela 2, um dos fatores bastante focado por parte
das instituições financeiras relaciona-se com o tipo de vínculo laboral do
devedor, no caso dos BM todos inquiriram sobre esse aspeto, enquanto nos BG
apenas em 40% a resposta foi afirmativa, sendo que, no total da amostra, em 75%
das situações a resposta foi favorável. Relativamente à necessidade de
apresentar o extrato bancário dos últimos três meses, em 53,33% dos casos houve
essa exigência, com enfoque nos BM, com valor positivo de 60%.
Tabela_2-Simulação real (resultados)
Em 40% dos BG o tempo de resposta ao pedido de crédito (ver Tabela 3) foi no
próprio dia, enquanto 60% demoraram até uma semana a fazê-lo. Os BM
apresentaram-se como sendo as instituições financeiras com maior quota
associada a respostas que ultrapassaram uma semana (40%). Pelo contrário, as EF
apresentaram a maior proporção em termos de resposta no próprio dia (50%).
Tabela 3
Tempo de resposta ao pedido de crédito
Em termos da decisão final da concessão de crédito sem garantias pessoais, a
maioria das instituições financeiras deu uma resposta desfavorável (60%), sendo
que, o número de respostas negativas foi maior nas entidades de pequena
dimensão.
No que se refere à decisão de concessão de crédito considerando a inclusão de
garantias pessoais, verifica-se uma alteração substancial, havendo apenas uma
EF que não concede crédito nestas condições, enquanto todas as restantes
instituições financeiras o admitiram. De referir que uma das EF exigiu um sinal
para a realização da análise do crédito e, portanto, não foi incluída nos dados
relativos à decisão final de concessão do crédito.
* Inquérito de opinião (devedores)
Visando avaliar a facilidade com que os particulares obtêm crédito junto das
instituições financeiras, desenvolveu-se em simultâneo um inquérito de opinião,
cuja amostra é constituída por indivíduos de ambos os sexos com idade igual ou
superior a 18 anos, residentes na zona da Grande Lisboa. Segundo os dados
divulgados pelo Instituto Nacional de Estatística (2009), perante os critérios
enunciados, o universo correspondente é de cerca de 1 600 000 indivíduos. A
amostra do estudo é constituída por 100 questionários válidos.
A escolha dos locais para a realização das entrevistas pessoais foi efetuada de
forma aleatória. A seleção dos inquiridos foi efetuada através do método das
quotas, tendo em consideração a variável «género». O erro amostral tolerável é
de 10%. A recolha dos dados foi realizada através de um questionário
constituído por perguntas semiabertas e fechadas. As entrevistas foram
recolhidas pessoalmente ou através do preenchimento do questionário online, no
período compreendido entre 16 e 30 de junho de 2009. A representatividade da
amostra foi realizada com base na variável género, sendo que, na população,
52,86% dos indivíduos são do sexo feminino e 47,14% são do sexo masculino. Na
amostra recolhida, 51% dos indivíduos são do sexo feminino e 49% são do sexo
masculino. Desta forma, dada a proximidade dos valores, pode-se aceitar a
amostra como representativa da população.
Entre os inquiridos que já tinham recorrido pelo menos uma vez ao crédito (ver
Tabela 4), 30,12% indicaram a documentação exigida como uma das dificuldades
encontradas, 24,10% consideraram as garantias e 22,89% apontaram o tempo de
resposta como uma das adversidades.
Tabela_4-Inquérito de opinião (resultados)
No que se refere às garantias exigidas, a hipoteca em 42,42% dos casos, e a
fiança com 33,33% de respostas afirmativas, constituíram o formato mais
utilizado pelas instituições financeiras.
Outro aspeto interessante que importa interpretar relaciona-se com as
dificuldades que os devedores sentem quando recorrem a crédito numa instituição
financeira com a qual não têm relação comercial. Neste caso, curiosamente
verificou-se que 83,78% dos inquiridos respondeu que não teve dificuldades de
maior. Este facto pode ser o resultado do uso de garantias por parte das
instituições financeiras como forma de reduzir o fenómeno da seleção adversa.
Por último, outra das questões colocadas no inquérito de opinião procurou
inquirir os particulares sobre a sua vontade em aderir a um serviço que
analisasse o historial de crédito de uma forma rigorosa e facilitasse a sua
relação com a banca, o qual apresentou um elevado número de respostas
afirmativas, nomeadamente 71%, desta forma traduzindo a viabilidade da
aplicação de produtos de pontuação do risco de particulares em Portugal.
Bureausde crédito em Portugal
O mercado de crédito português 4 dispõe de dois bureaus de crédito: a Central
de Responsabilidades de Crédito, que é gerida diretamente pelo Banco de
Portugal, e a Credinformações (Equifax Portugal), que resultou de uma joint-
venture em 1995 entre a ASFAC (Associação das Sociedades Financeiras para
Aquisição a Crédito) e a Equifax.
A Central de Responsabilidades de Crédito trata-se de um bureau de crédito
público que consiste numa base de dados centralizadora de informações sobre os
créditos concedidos pelas entidades participantes. Neste caso, dado o caráter
de obrigatoriedade de prestação da informação, todas as instituições
supervisionadas pelo Banco de Portugal, e outras que concedem crédito, são
participantes do bureau de crédito público. Ao caráter de obrigatoriedade na
prestação da informação, a publicação da nova Diretiva do Consumo, através do
decreto-lei n.º 133/09, veio acrescentar a obrigatoriedade de consulta do
bureau de crédito público, para aferir a solvabilidade do consumidor.
Nos termos do decreto-lei n.º 204/08 e, subsequentemente, do regulamento do
Banco de Portugal (instrução 21/2008), algumas das principais características
da base de dados, são as seguintes:
· o valor da prestação mensal é único, constituindo um aglomerado de todas as
prestações dos vários tipos de crédito;
· a informação disponibilizada apenas permite uma análise do saldo no momento;
· os dados mensais sobre as responsabilidades creditícias dos devedores são
mantidos em arquivo durante 10 anos;
· as consultas online à base de dados são obrigatoriamente precedidas de uma
autorização por parte dos clientes que solicitam o crédito.
Assim, estabelecendo uma relação com os patamares apresentados na Figura_1, a
Central de Responsabilidades de Crédito aparece apenas no segundo patamar
correspondente à informação, ou seja, apesar de ser útil, revela-se limitada
para as exigências de uma análise rigorosa do histórico comportamental dos
devedores.
A informação desta base de dados é estática e está apresentada numa perspetiva
de cálculo da taxa de esforço, condicionando a sua utilização para modelos de
scoring. Associado a estes fatores, a nova Diretiva do Consumo (decreto-lei n.º
133/09), que obriga as instituições financeiras a consultar o bureau de crédito
público, vem, de certa forma, assumir a inexistência de alternativas de
informação sobre os devedores.
Por outro lado, a Credinformações é um bureau de crédito privado que recolhe
informação negativa e total (esta última desde o início de 2001) de vários
credores, incluindo as instituições pertencentes à ASFAC, e que disponibiliza
uma base de dados específica do sector financeiro, o Credinformações Credit
Bureau, e outra recém-criada relativa ao sector das telecomunicações, a Base de
Dados Partilhada.
Entre os serviços fornecidos pelo bureau de crédito privado, é de referir a
existência de um bureau scoring de particulares, o qual atribui aos clientes a
pontuação de 1 a 999 (1 = risco máximo; 999 = risco mínimo) em função do seu
comportamento no mercado. Esta ferramenta permite identificar as perspetivas
dos clientes cumprirem futuramente (horizonte temporal de 12 meses) as suas
obrigações perante os credores. Os bureaus scoringconsistem, no fundo, em
modelos de scoring comportamental 5, só que é o comportamento do devedor junto
de vários credores, e não apenas junto de um deles.
No sentido de identificar o potencial valor que o tratamento analítico da
informação de mercado ' via bureau scoring ' poderia trazer aos seus clientes,
a Credinformações efetuou várias simulações 6de cenários quanto ao uso desta
ferramenta. Para tal, foi confrontado o score passado, que seria aplicado às
consultas dos participantes no bureau de crédito da Credinformações, com os
resultados que estes obtiveram nos 12 meses seguintes, decorrentes das decisões
de crédito tomadas.
Os cenários possíveis considerados nas análises (ver Figura 3), quanto aos
resultados referidos, foram quatro: no cenário I, que se traduz na situação
ideal, consegue-se uma diminuição na taxa de recusa e no incumprimento; nos
cenários II e III, verifica-se um trade-off, em que, na primeira situação,
diminui o incumprimento, mas aumenta a taxa de recusa, enquanto, na segunda,
diminui a taxa de recusa, mas aumenta o incumprimento; por último, o cenário IV
apresenta a pior situação, na qual aumenta a taxa de recusa, ou seja, a perda
de negócio e também o incumprimento.
Figura 3
Vias de evolução possível face à situação actual do participante
As simulações realizadas sobre um conjunto representativo de participantes no
bureau da Credinformações demonstraram que, em alternativa aos fundamentos/
modelos que prevaleceram às decisões desses participantes, a utilização do
bureau scoring se teria traduzido em ganhos substanciais. Apesar de este
permitir em várias das simulações uma evolução para o cenário I, proporcionando
para a mesma taxa de recusa reduções na taxa de incumprimento entre 30-50%, nos
casos em que a taxa de recusa foi de tal forma elevada o mesmo não aconteceu.
Nestes casos, o cenário que se verifica é o III. Naturalmente, os resultados
poderiam ser otimizados, caso os modelos internos de cada participante fossem
conjugados com a perspetiva de mercado, através do bureau scoring. Ou seja, a
qualidade preditiva deste bureau scoring, empiricamente confirmada, permite aos
credores tomar decisões com maior conhecimento sobre os devedores e,
consequentemente, com maior confiança. Atendendo à assimetria da informação,
entre credores e devedores, no caso concreto de Portugal, a Credinformações
fornece um conjunto de serviços analíticos que permitem reduzir o fenómeno da
seleção adversa. Desta forma, o bureau de crédito privado a atuar em Portugal
apresenta alguns serviços que se enquadram no último patamar da decisão de
crédito (consultar Figura_1).
Considerações finais
Este estudo veio reforçar a ideia de que o mercado de crédito português é
bastante concentrado e que a partilha de informação sobre os devedores é
bastante reduzida entre as diversas instituições financeiras.
Os estudos realizados permitiram averiguar que a ausência de partilha de
informação de uma forma generalizada, sobretudo por parte dos bancos com maior
quota de mercado, obriga as instituições de menor dimensão a recorrer a outras
vias, nomeadamente garantias, como forma de reduzir o fenómeno de seleção
adversa a que estão sujeitas.
Da mesma forma, o trabalho aponta para complementaridades entre a Central de
Responsabilidades de Crédito e a Credinformações, mas existe um
subaproveitamento das potencialidades do bureau de crédito privado.
Assim, o acesso ao crédito por parte dos particulares apresenta restrições
superiores àquilo que seria adequado se houvesse um maior aproveitamento das
ferramentas oferecidas pelos bureaus de crédito privados, facto comum a países
desenvolvidos (e.g. EUA, Inglaterra e Alemanha).