Perceção de incumprimento do contrato psicológico: O papel do empenhamento na
carreira
A noção tradicional de carreira tem dado lugar a novos conceitos e modelos. A
«carreira sem fronteiras» (boundaryless career) e a «carreira proteana»
(protean career[1]) são constructos que procuram ajudar a entender os padrões
de carreira emergentes (Hall, 1996; Arthur e Rousseau, 1996; Hall e Moss,
1998), indicando que a gestão de carreira está a tornar-se gradualmente tanto
da responsabilidade do empregado como do empregador (Hall e Moss, 1998;Baruch,
2004, 2006).
Estas alterações decorrem num contexto organizacional globalizado e sujeito a
mudanças contínuas que também originou o interesse dos investigadores no
conceito de Contrato Psicológico (CP). Este tipo de contrato ajuda a explicar a
mudança nas relações entre empregado e empregador das últimas décadas, onde
também as carreiras dos empregados sofrem transformações consideráveis.
O CP refere-se «ao que o empregado deve à organização e ao que pode esperar em
troca» (Aggarwal e Bhargava, 2009, p. 5). Este tipo de contrato é percetivo e
idiossincrático (Rousseau, 1995), formando-se no decorrer da vida profissional
dos empregados através das interações que vão tendo com os seus empregadores, e
ajuda a analisar o seu relacionamento.
Num CP tradicional, as organizações e seus empregados parecem entender-se num
relacionamento de longo prazo, onde se troca segurança de emprego por trabalho
árduo, e onde a carreira é essencialmente ascendente e interna. Já na sua forma
emergente, este contrato envolve um relacionamento mais transacional, de curto
prazo, onde as carreiras são geridas também pelo interesse do indivíduo (Hall e
Moss, 1998; Aggarwal e Bhargava, 2009).
A esta tendência para a transacionalidade não será alheia a perceção crescente,
por parte dos empregados, do incumprimento pelos seus empregadores,
especialmente em processos de reestruturação organizacional (e.g., Chiu e Peng,
2008). Esta perceção de incumprimento afeta aspetos que são cruciais na relação
entre os empregados e seus empregadores (Robinson e Rousseau, 1994; Robinson,
1996; Turnley e Feldman, 1999a, 2000; Coyle-Shapiro e Kessler, 2000).
Um dos aspetos afetado pela perceção de incumprimento do CP é a diminuição do
empenhamento organizacional (EO) (e.g., Coyle-Shapiro e Kessler, 2000). Esta
atitude tem assumido alguma centralidade no estudo do comportamento
organizacional, e na explicação das relações laborais (Nascimento et al.,
2008). Mas, e atendendo ao «emergente» relacionamento entre empregador e
empregado, e à menor longevidade da relação entre estas partes, o estar
empenhado na organização pode não se mostrar como um indicador viável para
aferir estratégias de motivação e desempenho dos colaboradores. Ou seja, se o
EO pode ser visto como uma ligação psicológica entre o indivíduo e a
organização sendo uma força estabilizadora ou facilitadora, fornecedora de
direção ao comportamento, e que afeta, por exemplo, a intenção de permanecer na
organização (Nascimento et al., 2008; Cunha et al., 2006), esta atitude, num
contexto permanente de descontinuidade, talvez não seja a mais indicada para
aferir e gerir a relação entre empregador e empregado.
O EO é afetado por fatores que são fornecidos pelas organizações, muitas vezes
num continuum de tempo mais alargado (Cunha et al., 2006), pouco consonante com
a realidade da permanência a médio/curto prazo em muitas organizações atuais.
Assim, é expectável que indivíduos numa vivência de carreira sem fronteiras ou
proteana, com um CP de mais curto prazo, desloquem a sua atenção para outro
foco de empenhamento: a carreira. O empenhamento na carreira (EC) pode ser
definido como uma ligação psicológica à carreira por parte do indivíduo. Numa
situação onde parece ser difícil experimentar uma atitude positiva face à
organização, um melhor entendimento do EC pode ajudar indivíduos e organizações
a prevenirem alguns resultados indesejáveis, como uma maior rotação de
empregados (turnover) (Blau, 1989; Bedeian et al., 1991).
Este estudo tem como objetivo analisar a contribuição deste foco de
empenhamento na relação entre empregador e empregado. Procura-se, mais
especificamente, avaliar o papel do EC na perceção da discrepância entre as
obrigações mútuas percebidas pelo indivíduo empregado e o seu empregador, e o
que realmente é trocado (incumprimento do CP).
Contrato psicológico e incumprimento
O CP refere-se ao entendimento do empregado acerca das promessas/obrigações
mútuas entre ele e o seu empregador, num contexto laboral. Compreende a
perceção do que o empregado entende ser as suas obrigações/promessas face ao
empregador, bem como o que entende ser as obrigações/promessas do empregador
face a ele. É, então, uma perceção individual acerca do que é devido e recebido
na relação de emprego por cada constituinte do contrato e, como tal, é
percetivo, subjetivo e idiossincrático na sua natureza (Robinson et al., 1994;
Herriot et al., 1997; Herriot e Pemberton, 1997).
A generalidade da literatura da área retrata dois tipos principais de CP: um de
natureza relacional e outro de natureza transacional. Esta dicotomia relacional
versus transacional também tem servido para caracterizar o «velho» e o «novo»
contrato entre empregadores e empregados, no pressuposto de que estas relações
têm evoluído no sentido de uma maior transacionalidade dos termos/conteúdos do
contrato psicológico (Rousseau, 1990 e 1995; Robinson et al., 1994; Morrison e
Robinson, 1997; Hall e Moss, 1998).
Os conteúdos do CP envolvem, entre outros aspetos, perceções de obrigações/
promessas face aos requisitos de desempenho, segurança de emprego, formação,
remuneração e gestão de carreira (e.g., Robinson e Rousseau, 1994). Estes
conteúdos, quando integram o CP como um conjunto de obrigações, podem formar um
tipo de contrato que se situará, eventualmente, num polo eminentemente
transacional ou num polo relacional.
Assim, os termos do CP podem ter esta ênfase mais transacional ou mais
relacional quando se referem, por exemplo, a aspetos mais económicos
(transacional) ou mais emocionais (relacional) das obrigações percebidas; ou
relativamente à duração do contrato quando se percebe maior especificidade do
tempo do contrato (transacional), ou maior indefinição face ao seu tempo de
vigência (relacional). Também o maior (transacional) ou menor (relacional) grau
de formalização do CP, consubstanciado muitas vezes no facto de ser escrito ou
não, é outro exemplo da ênfase dada nos conteúdos a aspetos mais transacionais
ou mais relacionais (Rousseau, 1989, 1995).
Tipicamente, um contrato relacional contém obrigações de lealdade, segurança de
emprego, desenvolvimento de carreira, formação contínua, enquanto um contrato
transacional envolve sobretudo remuneração competitiva contingente ao
desempenho e objetivos claros de desempenho (Robinson et al., 1994; Herriot et
al., 1997). Assim, um CP de natureza relacional é tendencialmente de longo
prazo, abrangente, dinâmico, mais subjetivo, onde se trocam elementos
quantificáveis (remuneração, benefícios) e não quantificáveis (lealdade,
apoio). Um CP transacional é, por sua vez, tendencialmente de curto prazo, mais
específico e menos abrangente sendo assim mais objetivo e observável, onde
predomina a troca de elementos quantificáveis (Rousseau, 1990; Robinson et al.,
1994).
Os conteúdos anteriormente descritos são a base que determina a perceção do
acordo subjetivo entre o empregado e o empregador. Assim, o incumprimento
destes conteúdos é definido, mais uma vez numa matriz subjetiva, como a
perceção, por parte do empregado, de que uma promessa/obrigação não foi
cumprida pelo empregador (Robinson e Rousseau, 1994; Rousseau, 1995).
Morrison e Robinson (1997) distinguem entre quebra e violação do CP. A primeira
é uma mera avaliação cognitiva de que a organização falhou no cumprimento de
uma ou mais obrigações percebidas pelo empregado como prometidas. A violação
traduz um estado afetivo e emocional gerado pela crença de que a organização
falhou na manutenção do contrato, e comporta sentimentos de raiva e frustração.
A distinção entre estes dois conceitos é, também, uma questão de grau: a
perceção de quebra (avaliação cognitiva) pode, ou não, levar à perceção de
violação (estado emocional intenso). A violação pode ser experienciada quando
uma discrepância é percebida entre um resultado esperado, derivado das
promessas percebidas como tendo sido feitas pela organização, e o seu efetivo
incumprimento (Rousseau, 1995).
O incumprimento do CP tem implicações nocivas numa diversidade de
comportamentos e atitudes relacionados com o trabalho, como sejam o desempenho
(Robinson, 1996; Johnson e O'Leary-Kelly, 2003; Bal et al., 2010), o turnover,
a intenção de ficar/sair e a lealdade (Robinson e Rousseau, 1994; Turnley e
Feldman, 1999a, 2000; Lester e Kickul, 2001; Johnson e O'Leary-Kelly, 2003), a
confiança na organização (Robinson e Rousseau, 1994), a satisfação no trabalho
(Robinson e Rousseau, 1994; Lester e Kickul, 2001; Johnson e O'Leary-Kelly,
2003; Raja et al., 2004), o empenhamento (Coyle-Shapiro e Kessler, 2000;
Johnson e O'Leary-Kelly, 2003; Raja et al., 2004; Suazo et al., 2005), os
comportamentos de cidadania organizacional (Turnley e Feldman, 1999a, 2000;
Johnson e O'Leary-Kelly, 2003), e os comportamentos desviantes (Chiu e Peng,
2008).
Relativamente aos antecedentes da perceção de incumprimento deste contrato, a
confiança inicial no empregador (Robinson, 1996), o tipo de reestruturação
organizacional e de contrato de emprego (Turnley e Feldman, 1998), os níveis de
desempenho organizacional e individual (Robinson e Morrison, 2000), e um
conjunto de variáveis disposicionais parecem estar entre as variáveis de maior
impacto (Coyle-Shapiro e Neuman, 2004; Raja et al., 2004).
Independentemente de fatores específicos, a perceção de falta de vontade por
parte da organização em cumprir as suas obrigações, e a possibilidade de o
fazer, são as fontes genéricas para a perceção de incumprimento do CP. Morrison
e Robinson (Morrison e Robinson, 1997; Robinson e Morrison, 2000) enfatizaram
que a perceção de incumprimento pode aparecer sob duas formas básicas:
renegação e incongruência.
A primeira refere-se à noção de que as organizações falham o cumprimento de uma
promessa em particular devido a incapacidade ou a falta de vontade. A segunda
refere-se à interpretação diferente que ambas as partes fazem sobre o que são e
quais as obrigações que a organização supostamente deve cumprir. Aquelas
autoras argumentam que perceber uma lacuna entre o que foi entendido como
prometido e o que foi realmente recebido depende da saliência da questão em
causa e do nível de vigilância e escrutínio do empregado face ao cumprimento do
contrato pelo seu empregador.
Também contribuem para o grau percebido de incumprimento os conteúdos
específicos do CP, variáveis individuais e forças do mercado laboral (Turnley e
Feldman, 1999b).
Empenhamento na carreira como fator de incumprimento
No contexto crescente de fusões e aquisições das últimas décadas e da recente
crise mundial económica e financeira, que ditam reestruturações organizacionais
constantes, explorar o papel do EC na relação empregado e empregador torna-se
pertinente.
Esta pertinência será ainda maior se tivermos em consideração que este contexto
também complexifica as carreiras (Baruch, 2003, 2006). A carreira já não é
apenas a «escalada hierárquica» dentro da organização ou mesmo uma sequência de
posições profissionais cuja gestão é maioritariamente conduzida pelas
organizações. A carreira é também atualmente percebida como uma sequência de
experiências de vida e de trabalho das pessoas ao longo do tempo e das
organizações (Baruch, 2004), onde se cruzam as práticas organizacionais de
gestão de carreira e a gestão individual da carreira.
As noções de carreira sem fronteiras e de carreira proteana são usadas como
metáforas ilustrativas destas mudanças. No primeiro caso subjaz a ideia de uma
carreira não limitada a um contexto organizacional único, enfatizando-se a
mobilidade física (Briscoe e Hall, 2006; Sullivan e Arthur, 2006). Já a
carreira proteana enfatiza a mobilidade psicológica, onde os indivíduos têm um
papel na gestão das suas próprias carreiras, levados pelos seus valores,
independentemente das organizações (Hall, 1996; Briscoe e Hall, 2006).
Podendo a carreira ser construída e gerida pelo indivíduo, e não só pela
organização, necessariamente a dinâmica da relação empregado-empregador altera-
se, uma vez que muito do que são as obrigações percebidas no CP, são ditadas
por questões associadas à carreira e seu desenvolvimento. Neste cenário de
mudança organizacional permanente, cada vez mais os colaboradores de uma
qualquer organização empregadora poderão atender mais à sua carreira
profissional do que à organização, dada a perenidade cada vez menor da relação
com o empregador. Isto traz, por exemplo, implicações no desenvolvimento e
gestão das carreiras por parte das organizações, e a gestão do empenhamento na
carreira (EC) dos seus colaboradores torna-se um fator a eventualmente
considerar.
O EC pode ser definido como a identificação de um indivíduo a um conjunto de
trabalhos relacionados num setor ou campo profissional restrito (Aryee e Tan,
1992). Blau (1985, 1989) define-o como a atitude de um indivíduo face à sua
profissão, vocação, campo de atividade ou mesmo indústria, sendo que parece ser
afetado positivamente pela idade, escolaridade (Colarelli e Bishop, 1990;
Carson e Bedeian, 1994; Goulet e Singh, 2002), mandato (tenure)(Blau, 1985),
nível hierárquico (Goulet e Singh, 2002), locus de controlo interno (Blau,
1985; Colarelli e Bishop, 1990), empenhamento no trabalho e organizacional
(Blau, 1985; Aryee e Tan, 1992; Aryee et al., 1994; Goulet e Singh, 2002) e
satisfação na carreira e no trabalho (Goulet e Singh, 2002). De forma negativa,
este empenhamento é afetado pela ambiguidade e conflito de papéis (Blau, 1985;
Colarelli e Bishop, 1990).
Por sua vez, o EC afeta positivamente o desenvolvimento de capacidades (Aryee e
Tan, 1992; Aryee et al., 1994), e negativamente a rotação de pessoal (Blau,
1989; Bedeian et al., 1991) e as intenções de sair da carreira e do emprego
(Aryee e Tan, 1992; Aryee et al., 1994; Blau e Lunz, 1998; Kidd e Green, 2006).
Chang (1999) admite que as maiores expectativas e exigências em relação à
organização empregadora são suscetíveis de serem encontradas entre os
indivíduos fortemente empenhados nas suas carreiras. Deste modo, poder-se-á
assumir que o EC poderá contribuir, ainda que indiretamente, para um
empenhamento organizacional do indivíduo.
Se considerarmos que o CP surge a partir da crença individual de que as
expetativas são transformadas em obrigações entre o empregador e o empregado
por um processo de interpretação de que algumas promessas foram feitas
(Robinson e Rousseau, 1994; Rousseau, 1995), e se o EC desempenha também um
papel ativo no desenvolvimento de expectativas e de exigências em relação à
organização, torna-se importante avaliar mais especificamente o seu papel na
relação empregador-empregado (aferida pelo CP).
Igualmente, a literatura da área refere que indivíduos fortemente empenhados na
carreira tendem a elaborar um plano de carreira específico procurando
habilidades e conhecimentos importantes, relações profissionais chave e fontes
de influência (Colarelli e Bishop, 1990; Carson et al., 1997), apresentando
também um grau considerável de envolvimento afetivo, cognitivo e comportamental
(Carson et al., 1997).
Estas atitudes são importantes para o desenvolvimento e progressão dos
empregados, pois na prossecução de uma determinada via de carreira vão
desenvolvendo habilidades e relacionamentos profissionais específicos como
fontes de informação e aumentam a influência individual e organizacional
(Colarelli e Bishop, 1990).
Igualmente, indivíduos altamente empenhados nas suas carreiras desenvolvem
expetativas em torno das suas organizações que, caso sejam preenchidas, os
tornam mais motivados (Chang, 1999). Pelo contrário, se estas expetativas não
forem preenchidas, os níveis de motivação e empenhamento serão menores.
Consequentemente, tenderá a desenvolver-se a perceção de quebra do CP e o EC
poderá ter um papel particularmente importante na limitação dos efeitos
negativos dessa quebra.
Neste cenário, o presente estudo procura verificar a pertinência da influência
do EC na perceção de incumprimento do CP, procurando testar a hipótese de que o
EC afeta negativamente a perceção de incumprimento do CP.
Metodologia e instrumentos usados
Para testar a hipótese em estudo, os dados foram recolhidos a partir de um
trabalho de doutoramento da autora concluído em 2008, versando sobre a relação
entre CP e comportamentos individuais de gestão de carreira (Ferreira, 2008).
Amostra:Os dados foram recolhidos entre 2004 e 2005, através de um
questionário, a empregados bancários dos três maiores sindicatos portugueses do
setor. Com exceção de um deles, o questionário foi enviado para a morada
pessoal dos participantes, providenciada pelos respetivos sindicatos,
acompanhado de carta de apresentação, juntamente com envelope pré-pago para
devolução direta à investigadora. Num sindicato foi, contudo, um dos seus
membros diretivos que distribuiu a representantes de trabalhadores de cada
banco, que se comprometeram a distribuir os questionários nos seus bancos
respetivos, e a devolvê-los após preenchimento.
Dos 238 questionários válidos recebidos, 64,6% dos participantes foram do sexo
masculino, com idades distribuídas entre os 31 e 40 anos ' 34,6%, 46,4%
divididos equitativamente pelas categorias 21-30 e 41-50 anos de idade, e 19%
com mais de 50 anos. Relativamente à escolaridade, 47,9% tinham 9-12 anos de
educação, e 46,2% apresentavam licenciatura. Mais de 85% da amostra provinha da
zona norte e centro do país e 20,5% ocupava posições de gestão. Nesta amostra,
75% encontravam-se na mesma posição há menos de 15 anos e cerca de 27% na mesma
organização há menos de 5 anos, 35,4% entre 6 a 15 anos, e 19,8% tinha entre 26
e 35 «anos de casa». A maioria dos participantes tinha um contrato de trabalho
permanente.
Medidas e Procedimentos:No que respeita às medidas de incumprimento do CP, o
questionário incluiu 38 questões representativas das obrigações
organizacionais, onde os participantes indicaram o nível de cumprimento de cada
obrigação organizacional usando uma escala de 1 a 5 (1 ' nunca cumpre a 5 '
cumpre sempre). Posteriormente, os valores da pontuação dos itens foram
recodificados no sentido inverso para mais fácil leitura e compreensão do
conceito de incumprimento das obrigações; i.e., a leitura passa a ser: quanto
maior a pontuação, maior o incumprimento.
A escala relativa ao incumprimento das obrigações organizacionais foi submetida
a análise de componentes principais, tendo sido extraídas cinco dimensões,
todas elas consistentes (Alfa de Cronbach ' ver Quadro_I), que explicaram 63%
da variância dos resultados. Tais dimensões foram denominadas como: ambiente e
condições de trabalho, remuneração, formação, obrigações contratuais e gestão
de carreira.
A primeira dimensão inclui itens relacionados com a obrigação do empregador
criar um bom ambiente de trabalho e dar apoio (e.g., tratá-lo(a) de forma justa
e equitativa). A segunda refere-se às obrigações relacionadas com a remuneração
(e.g., remunerar de acordo com a função que exerce). A terceira dimensão
reflete questões ligadas à formação e ao desenvolvimento pessoal (e.g.,
fornecer formação adequada para realizar o seu trabalho). As obrigações
contratuais incluem questões relacionadas com aspetos formais do contrato de
trabalho e segurança de emprego (e.g., proporcionar-lhe um emprego seguro na
empresa). Finalmente, as obrigações sobre a carreira e sua gestão refletem
questões associadas a oportunidades de carreira e promoções (e.g., clarificar a
via para a promoção da sua carreira).
Uma variável com todos os itens das obrigações organizacionais referidas foi
construída, constituindo-se um fator geral de incumprimento organizacional.
O EC foi medido através da adaptação da escala de Blau (1985). Os participantes
indicaram o seu nível de concordância com cada um dos itens usando uma escala
de 1 a 5 (1 ' discordo completamente a 5 ' concordo completamente). A análise
de componentes principais resultou na extração de um fator que explica 59% da
variância dos resultados (ver Quadro_I).
Em termos estatísticos, foram usadas análises de correlação e procedimentos de
regressão linear múltipla para exploração e análise da relação entre o EC e o
incumprimento do CP. Pretendendo-se verificar a influência de um conjunto de
variáveis (independentes), em cada uma das variáveis dependentes, o método de
estimação usado na regressão foi pelo procedimento stepwise, pois permite
verificar a contribuição de cada variável independente no modelo de regressão
(Hair et al., 1998).
Para verificar a inexistência de multicolinearidade, o valor de VIF (variance
inflaction fator) foi analisado para cada uma das variáveis independentes. De
acordo com Pestana e Gageiro (2003), o valor normalmente considerado como o
limite acima do qual existe multicolinearidade é 10. Nos modelos em análise,
não se detetou nenhum VIF superior a 10, indicando a ausência de
multicolinearidade.
De acordo com a literatura (e.g., Ferreira, 2008), as variáveis de
caracterização sociodemográfica que parecem estar associadas de alguma forma
quer ao incumprimento do CP, quer ao EC, e que aqui foram estudadas, são a
idade, escolaridade, tempo de serviço e de exercício da função, função de
chefia, tipo de contrato (efetivo ou a termo). Assim, numa primeira fase, serão
estas que serão objeto de procedimentos correlacionais, no sentido de perceber
o grau e sentido de associação com o incumprimento do CP e com o EC.
Análise dos resultados
Os dados exibidos na matriz de correlações (ver Quadro_I) indiciam associações
significativas (p <0.01) e negativas entre a escala do EC e todas as dimensões
de incumprimento do contrato, significando que um maior EC poderá estar
associado a uma menor perceção de incumprimento do CP por parte do empregador.
Outro resultado interessante emerge ao considerar a função de chefia. Na
análise, há uma correlação negativa entre exercer uma função de chefia e todas
as dimensões de incumprimento do CP, sugerindo que as responsabilidades de
chefia assumidas tendem a enfraquecer a perceção de incumprimento do
empregador, como se este empregado se sentisse como parte da organização,
agindo em prol da mesma.
Estes resultados parecem ir ao encontro de alguma literatura da área (e.g.,
Lester et al., 2002), onde de alguma forma se alude que ter cargos de chefia
implica menor perceção de incumprimento (pelo menos nalguns conteúdos do CP),
fazendo supor que os detentores destes cargos «vistam a pele» da entidade
empregadora.
A associação positiva entre a função de chefia e o EC (r= ,231; p<0,01) também
revela os efeitos positivos da motivação para a carreira, resultando na
assunção de responsabilidades de gestão. De facto, estes resultados empíricos
revelam que ter tais responsabilidades implica um aumento no grau de EC.
Relativamente a outras associações significativas, os dados do Quadro_I revelam
uma associação negativa entre a situação contratual temporária e o
incumprimento geral das obrigações organizacionais (r= -,167; p<0,05), o
incumprimento das obrigações organizacionais relativas ao ambiente de trabalho
(r= -,198; p<0,01) e das obrigações organizacionais de gestão de carreira (r=
-,177; p<0,01). Já a situação em contrato efetivo relaciona-se positivamente
com o incumprimento das obrigações organizacionais relativas ao ambiente de
trabalho (r= ,177; p<0,01) e com as obrigações organizacionais de gestão de
carreira (r= ,152; p<0,05). Finalmente, o tempo de permanência no cargo/função
revela associar-se positivamente com a perceção de incumprimento das obrigações
organizacionais relativas ao ambiente de trabalho
(r= ,169; p<0,05) e com as de gestão de carreira (r= ,143; p<0,05).
Da análise dos anteriores resultados, e no sentido de verificar o papel
relativo do EC como antecedente da perceção de incumprimento do CP, foi
efetuada uma análise de regressão pelo método stepwise onde a função de chefia,
a situação contratual, e o tempo de permanência na função, juntamente com o EC,
entram como variáveis independentes e a dimensão de incumprimento geral como
variável dependente. Os dados podem ser analisados no Quadro_II.
Os resultados obtidos mostram um modelo que explica 21% da variância dos
resultados e onde o empenhamento de carreira (ß = -,356; p < 0,01) contribui de
forma significativa para uma diminuição da perceção de incumprimento,
juntamente com o exercício de funções de chefia (ß = -,186; p < 0,05) e uma
situação contratual temporária (ß = -,148; p < 0,05).
Destes resultados confirma-se a hipótese de que o EC influencia a perceção de
incumprimento do CP, no sentido em que indivíduos mais empenhados na carreira
percebem menor incumprimento das obrigações prometidas por parte dos seus
empregadores.
Discussão e conclusões
A associação negativa entre o EC e a perceção de incumprimento do CP por parte
do empregador pode ser explicada pelo fato de, tal como refere a literatura,
empregados empenhados na carreira desenvolverem comportamentos persistentes na
gestão individual de carreira e planearem a sua progressão, gastarem tempo e
energia nestas atividades (Colarelli e Bishop, 1990; Aryee e Tan, 1992; Ayee et
al., 1994; Carson et al., 1997). Este envolvimento na carreira pode, de alguma
forma, concentrar a atenção e compensar as suas deceções organizacionais,
tornando-os mais tolerantes com a entidade empregadora e menos inclinados a
perceber as situações de incumprimento por parte desta.
Ser empenhado na carreira significa ainda que se gasta uma grande quantidade de
tempo e esforço a planear cuidadosamente as opções. Quando é esse o caso, é
provável que as escolhas da carreira feitas sejam consistentes com a informação
recolhida. Deste modo, a possibilidade de escolher o empregador «errado» é
substancialmente reduzida, permitindo, consequentemente, uma menor perceção de
incumprimento devido à «boa escolha» efetuada.
Além disso, o EC pode diminuir a questão da relevância que Morrison e Robinson
(Morrison e Robinson, 1997) referem no seu modelo de violação do CP. Quando o
funcionário está fortemente empenhado na sua carreira, tal facto contribui
potencialmente para mascarar ou mitigar a perceção de violação de certas
obrigações organizacionais.
De um ponto de vista mais operacional, estes resultados parecem indiciar a
possibilidade de repensar um conjunto de práticas de gestão de recursos
humanos. Os resultados mostram que o EC parece reduzir a perceção de
incumprimento do CP por parte das organizações e, portanto, reduzir os
resultados negativos decorrentes dessa perceção, além de melhorar o
relacionamento entre as duas partes. Assim sendo, a existência de indivíduos
empenhados na carreira pode ser um fator a ter em conta pelas organizações, que
pode ser devidamente avaliado logo nos processos de recrutamento e seleção.
A evidência da associação negativa entre o EC e o incumprimento do CP sugere,
também, a necessidade de repensar o papel das organizações na gestão das
carreiras dos seus empregados. Efetivamente, a forma como as organizações gerem
as carreiras deve considerar que empregados altamente empenhados na carreira
perseguem objetivos próprios. As organizações, tal como Baruch (2004) enfatiza,
«precisam de estar conscientes do facto de que não são mais os donos únicos do
sistema e planeamento da carreira» (p. 65) e podem criar novas formas de
empregar os seus colaboradores tirando vantagem destas tendências e trabalhando
lado a lado com cada um dos seus empregados (Baruch, 2003, 2004). A questão da
flexibilidade parece ser um fator-chave na gestão das carreiras, podendo-se
trabalhar no sentido da elaboração personalizada de planos de carreira.
Ser flexível implica efetivamente que a empresa seja capaz de se ajustar
internamente às solicitações do ambiente externo; significa que a organização é
capaz de variar, de se adaptar reversível e rapidamente às pressões dos vários
contextos económicos, sociais e ambientais com que se vai deparando (Reed e
Blunsdon, 1998; Bucki e Pesqueux, 2000).
As variadas estratégias organizacionais de subcontratação (outsourcing),
redução de pessoal, redução dos níveis hierárquicos (delayering), entre outras,
ditam que as práticas de gestão de recursos humanos também têm de permitir
atingir o máximo de flexibilidade organizacional possível ao nível do emprego,
tempo de trabalho, salários, termo do contrato, procurando, também a este
nível, a competitividade das empresas. Ou seja, a flexibilidade a todos os
níveis é requerida: a nível funcional desenvolvendo competências para os
colaboradores poderem assumir uma maior variedade de tarefas e, mesmo, funções;
a nível numérico, permitindo mais facilmente a redução (ou aumento) do número
de empregados; e, a nível temporal, com a diminuição ou aumento do tempo de
trabalho ou com diferentes horários de trabalho.
A constatação da necessidade da flexibilidade organizacional implica que os
recursos humanos de uma organização tenham também de ser adaptáveis, moldáveis.
Esta sugestão pode ser suportada quando se atende à associação encontrada entre
o incumprimento das obrigações organizacionais e a situação contratual
temporária, onde esta situação permite, igualmente, uma menor perceção de
incumprimento das obrigações de empregador. Este facto é, aliás, corroborado
pela literatura (e.g., McDonald e Makin, 2000). Numa situação temporária o
colaborador parece ter consciência de que não deve esperar determinado tipo de
obrigações por parte do seu empregador, mas também pode estar numa organização
desejada e/ou a realizar um trabalho satisfatório. Ou seja, em linha com aquilo
que também se espera de alguém empenhado na carreira.
· Limitações e sugestões de investigação
O presente estudo usou uma amostra de funcionários do setor bancário limitada a
membros sindicalizados. Tendo em conta a especificidade deste setor, estes
resultados devem ser generalizados com muito cuidado. Identicamente, os
procedimentos de recolha de dados, que dependeram dos contactos sindicais,
podem ter influenciado o número e a qualidade das respostas. E, acima de tudo,
a baixa taxa de resposta (apenas de 7%) levanta, também, questões sobre a
generalização dos resultados.
Contudo, e apesar da sua natureza exploratória, esta investigação sublinha a
pertinência de estudos futuros explorarem a relação entre o EC e o CP,
designadamente tentarem perceber se o EC tem influência distinta na perceção de
incumprimento face a cada tipo de obrigação organizacional. Efetivamente,
existem indícios de que as mudanças organizacionais afetam diferentemente a
transformação do CP (nomeadamente a sua perceção de incumprimento) consoante se
trata de um contrato relacional, transacional ou equilibrado (e.g., Chaudhry et
al., 2011).
Será também relevante verificar, no processo que leva à perceção de violação do
CP, o papel do EC na relevância que Morrison e Robinson (1997) referem no seu
modelo. Esta investigação poderá contribuir com conhecimento que poderá ajudar
as organizações a melhor gerirem a relação com os seus empregados.