Editorial
EDITORIAL
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Cecilia de la Garza [1] & Mario Poy[2]
[1] EDF R&D, Management des Risques Industriels 1, Av. Général de Gaulle
92140 Clamart France
cecilia.de-la-garza@edf.fr
[2] Universidad de San Andrés Centro de Investigaciones por una Cultura de
Seguridad Industrial Vito Dumas 284 B1644BID - Victoria, Buenos Aires Argentina
mpoy@udesa.edu.ar
Caras e caros leitores,
Laboreal festeja este ano o seu 10º aniversário e, por isso, é uma grande
honra, e igualmente um desafio para a codireção hispana apresentar este
Editorial.
Durante todos estes anos, a revista foi traçando o seu caminho, passo a passo,
com o objetivo de difundir a análise da atividade de trabalho e as suas
contribuições para a compreensão das situações laborais, e bem assim promover a
saúde e a segurança dos trabalhadores, bem como a fiabilidade dos sistemas
sociotécnicos.
Além disso, o facto de ser uma revista científica eletrónica de livre acesso
(open acess, OA), proporciona uma abertura à comunidade de alto impacto,
através da comunicação e do acesso à produção científica.
Laboreal dirige-se fundamentalmente a um público hispano-falante e lusófono,
pretendendo difundir a sua abordagem de maneira ampla nos países onde aquelas
línguas são ‘oficiais', como também noutros lugares do mundo em que se
encontrem comunidades de expressão espanhola ou portuguesa.
Com efeito, Laboreal, em 2011, procedeu a uma reorganização criando duas
codireções que vêm proporcionando um encontro de autores latino-americanos –
brasileiros, argentinos, chilenos, mexicanos, venezuelanos uruguaianos – e
europeus – espanhóis, portugueses, franceses, belgas, suíços – além de
canadianos, e, seguramente, outros que estamos a esquecer.
Tais autores provêm de diversas disciplinas - psicologia; ergonomia;
sociologia; ciências do design e da computação; ciências da educação; ciências
da saúde; economia e gestão - tendo como ponto de convergência a atividade do
trabalho, individual ou coletiva, e a sua interação com os respetivos
contextos.
Sublinhe-se ainda o reconhecimento alcançado pela revista graças à sua
indexação em diferentes bases de dados (por exemplo, SciELO) e à utilização do
DOI para a identificação dos artigos, reforçando assim o seu prestígio
internacional.
Neste número de dezembro, apresentamos um artigo de Laurent Vogel, sumamente
documentado, sobre “a desigualdade de género e as doenças profissionais na
bélgica”. No seguimento, aliás, de um precedente artigo publicado no número de
dezembro de 2014 (Vogel, 2014), o autor demonstra como o sistema belga de
indemnização de tais doenças produz enormes desigualdades entre homens e
mulheres, evidenciando simultaneamente os mecanismos jurídicos, médicos e, até,
os preconceitos, que reforçam tal situação.
Um outro artigo, de Mário César Ferreira, sobre a “qualidade de vida no
trabalho (qtv): do assistencialismo à promoção efetiva”, oferece-nos uma visão
geral sobre as práticas hegemónicas da QVT em organizações brasileiras, com o
propósito de desvendar a sua natureza assistencial e, especialmente, os seus
limites no que diz respeito a uma real melhoria dos indicadores de saúde e
segurança. Para romper com esta dimensão assistencial, o autor defende a
necessidade de resituar o protagonismo dos trabalhadores e das suas atividades,
permitindo assim a promoção efetiva da qualidade de vida laboral.
Nesta mesma perspetiva, segundo a qual a qualidade de vida e o uso de
indicadores nas organizações nem sempre são pertinentes em matéria de saúde e
segurança dos trabalhadores, Jorge Walter apresenta-nos um estudo acerca dos
“riscos sociais do trabalho de turno de longa duração. vida familiar e vida no
trabalho em crise num campo petrolífero na patagónia”. A originalidade deste
artigo reside no seu interesse pelos operários do petróleo que trabalham em
turnos longos e longe dos seus domicílios. Tendo recorrido a observações e
entrevistas, o autor realça nas suas conclusões uma relação entre as condições
de trabalho e os riscos psicossociais com que se confrontam os trabalhadores
desse campo petrolífero – contradizendo assim os indicadores-chave utilizados
pela empresa. O contributo de Jorge Walter reenvia-nos para o artigo de Denise
Alvarez e seus colegas (Alvarez, França & Figueiredo, 2015) publicado no
número de julho de 2015, assim como para a recensão crítica de Edith Seligman-
Silva, publicada no mesmo número, a propósito do livro de Marcelo Figueiredo
sobre as transformações do setor petrolífero no Brasil (Seligman-Silva, 2015).
Num outro plano, inserindo-se ainda no quadro da temática dos riscos
psicossociais e do mal-estar no trabalho, Admardo Júnior e Daisy Cunha, no
artigo “o sintoma no trabalho: uma disfunção ou uma invenção?”, propõem-nos uma
reflexão sobre a atividade profissional de escuta e condução clínica de casos
de sofrimento no trabalho. Tal reflexão incide sobre a causalidade psíquica,
social e orgânica, centrando o debate da problemática da causalidade no âmbito
da saúde mental. Assim, os autores analisam a questão da causalidade
confrontando duas versões de um caso clínico. Concluem que uma delas se destaca
e realçam um importante ponto da investigação: o impasse entre tomar o sintoma
como disfunção ou como um modo de funcionamento.
Mudando de temática, embora ainda relacionada com o tema do bem-estar no
trabalho, Isabel Freitas propõe-nos, no seu artigo “o desenvolvimento de
competências na atividade coletiva de trabalho dos enfermeiros” uma reflexão e
um estudo centrados na atividade de planificação, de concetualização e de
adaptação constante num contexto laboral específico - que fomenta, por sua vez,
uma atividade construtiva e, simultaneamente, o desenvolvimento da abstração no
aperfeiçoamento de habilidades no contexto laboral.
O resumo de tese que publicamos neste número é o da tese de Anne Raspaud,
intitulada “da compreensão coletiva da atividade real à conceção participativa
da organização: promover a intervenção ergonómica ‘capacitante'”. Por via de
uma investigação-intervenção no setor da saúde – um centro hospitalar
universitário -, a autora suscita a questão de saber como é que, perante um
processo de mudança tal como é a implementação da cirurgia ambulatória, a
intervenção ergonómica poderá permitir aos próprios trabalhadores serem atores
da mudança, através da confrontação e da transformação das capacidades
coletivas.
A secção dos textos históricos oferece-nos, desta vez, um texto de Georges
Friedmann, um dos fundadores da sociologia do trabalho em França, e um dos
primeiros impulsionadores dos estudos de terreno, num momento histórico onde os
estudos experimentais, no âmbito das ciências sociais e humanas, expressavam
ainda o cânone científico. Tal texto é brilhantemente comentado por Catherine
Teiger que nos envolve, desde logo, na biografia do autor: sua evolução
intelectual, política e científica. Em seguida, propõe-nos uma séria de
reflexões concernentes à relação entre teoria/prática, ciências fundamentais/
ciências aplicadas, estudos de laboratório/estudos deterreno, e ao valor e à
finalidade dos conhecimentos.
Quanto ao dicionário, abordamos neste número as letras “M” e “N”.
Assim, Michelle Aslanides analisa o conceito de “modelo”, amplamente utilizado
tanto nos enfoques da ergonomia da atividade, como nos da psicologia do
trabalho. Longe de ser uniforme, este conceito remete-nos para três formas de
uso: i) guiar a ação do analista na sua procura de compreensão dos fenómenos
que o interpelam; ii) permitir que os modelos enquanto ferramentas conceituais
relacionem os modos operatórios com as suas consequências sobre a saúde e o
desempenho; iii) e, finalmente, assumir a sua dimensão epistemológica enquanto
abordagem que preconiza, na prática científica, uma certa maneira de enfocar os
problemas, os objetivos, o objeto a estudar.
Por seu lado, Catherine Delgoulet desenvolve a noção de “novato” sob uma tripla
ótica. Primeiramente, realça a sua natureza heterogénea, determinada pelas
condições do contexto no qual a pessoa está inserida: daí que uma inovação
tecnológica possa colocar em situação de “novato” um “experto” de uma dada
atividade. Em segundo lugar, sublinha que a noção remete para questões de ordem
metodológica, tal como o demonstram os numerosos estudos realizados em
diferentes setores de atividade, a fim de dar conta da diversidade dos modos
operatórios, dos conhecimentos investidos por uns e por outros. Por fim,
revela-nos que o novato no trabalho pode assumir-se como agente impulsionador
da reinterrogação de certos aspetos implícitos da atividade dos coletivos de
trabalho.
Agradecemos vivamente, por um lado, a todas e todos os autores que contribuíram
para a realização deste número, e, por outro lado, a todos os membros dos
Comités da revista “mobilizados” como peritos – e ainda os colegas Sophie
Prunier, Francisco Pucci, Duarte Rolo e Paulo Zambroni-de-Souza.
Para concluir, e dado que Laboreal é uma revista que enfatiza a atividade de
trabalho situada e em interação com o que caracteriza as condições laborais –
técnicas, sociais, regulamentares, organizacionais -, não pode ignorar o
contexto em que este número é publicado. Desde logo, a Conferência de Paris
sobre a mudança climática que, de qualquer modo, terá influência, seja
transformando as atividades (por exemplo, as vinhas em França cujas vindimas,
realizadas normalmente em setembro, têm sido, desde há uns anos, antecipadas em
muitos lugares de modo a evitar que a uva amadureça excessivamente) ou
deslocalizando-as. Por fim, os atentados terroristas no Líbano, França, Nigéria
e Mali, que ocorreram no passado mês de novembro, não podem deixar-nos
indiferentes, uma vez que terão seguramente impactos na atividade e condições
de trabalho de muitas pessoas.
Desejamos a todas e todos os leitores uma boa leitura!