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EuPTHUAp1646-59542014000300007

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variedadeEu
ano2014
fonteScielo

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O Novo Panóptico Russo: A Vigilância na Rússia do Século XVIII à Era Digital

Introdução Este artigo está organizado em quatro grandes áreas. Na primeira, temos um texto introdutório ao tema do Panóptico e o que este representa enquanto objecto de poder. São apresentados os factos históricos mais relevantes, o seu modo de funcionamento, diferentes aplicações do conceito em outros tipos de construção institucional e é apresentado um esquema desenhado pelo pai do conceito arquitectónico, Jeremy Bentham.

Numa segunda área, é introduzida a contextualização histórica do Panóptico. Os actores envolvidos, o seu percurso geográfico e motivos da presença na cidade de Krichev, a cultura do século XVIII na antiga Rússia Branca (hoje República da Bielorrússia), a necessidade de contratação de mão-de-obra especializada em Inglaterra e as suas consequências sociais na relação com os trabalhadores não especializados russos, a cultura religiosa vivida na época e suas consequências e influências directas na criação espacial do Panóptico, conceitos de disciplina e omnisciência e a clarificação dos pontos convergentes entre estes dois.

Quanto à terceira área, é feita a transição do modelo arquitectónico para a génese do pensamento moderno através da explicação da análise de Foucault relativamente ao conceito aqui exposto e a apresentação da sua própria Teoria do Poder, onde define a dualidade poder/conhecimento.

Relativamente à quarta e última parte, são apresentadas algumas teorias de diferentes académicos, relativamente ao tema em desenvolvimento. É também apresentada a contextualização relativa à Federação Russa, sua envolvente política, cultural e social e a evolução do Panóptico localizado ao Panóptico de massas.

Depois de analisadas muitas das condicionantes e envolventes do conceito de Panóptico é ainda formulada uma teoria sobre o suporte por parte dos media à vigilância praticada na Rússia e sobre como esse suporte ajuda a consciencializar e incrementar o efeito do Panóptico como forma de poder social.

No final, é apresentada a conclusão do tema onde são relacionados os diferentes tópicos abordados ao longo do artigo e onde são dados alguns exemplos dos Panópticos actuais e futuros (os que estão em estudo ou em implementação neste momento) no espaço geográfico da Rússia.

O conceito de Panóptico é relevante nos estudos sociais, porque permite a compreensão do fenómeno da vigilância que todos vivemos nos dias de hoje.

Entender como foi introduzido e como funciona este conceito, é entender o modo como a simples consciencialização da constante observação pode mudar o nosso comportamento individual, mas, sobretudo, social e como esta forma de poder actua numa estrutura de dentro para fora e não de fora para dentro. As novas formas de poder actuam assim sobre o indivíduo duma forma auto-regulatória e, sem necessidade de imposição, são aceites pela sociedade como um dado adquirido.

O Novo Panóptico Russo: A Vigilância na Rússia do Século XVIII à Era Digital Panóptico é um termo utilizado para definir um conceito de edifício institucional desenhado por Jeremy Bentham, no final do século XVIII. Este edifício, que teria como função ser uma prisão, tem a particularidade de ser construído numa forma circular, permitindo assim a vigilância de um maior número de prisioneiros através de um menor policiamento e menor utilização de recursos administrativos, reduzindo os custos de manutenção da instituição prisional.

A sua forma circular em torno de uma torre central de vigilância, permitia que os guardas vigiassem mais facilmente todos os prisioneiros nas suas celas, independentemente da posição das mesmas, mas, ao mesmo tempo, impedia que os próprios prisioneiros tivessem uma visão inversa da sala de controlo, local onde se situaria o responsável pela vigília.

Jeremy Bentham foi um filósofo e sociólogo inglês que estudou este conceito e que tentou aplicá-lo, não apenas como edifício prisional, mas também a outros níveis como, por exemplo, escolas, hospitais, creches e outras instituições onde se impunha um certo nível de vigilância sobre os seus utilizadores.

Segundo Bentham, a grande vantagem do Panóptico residia no facto da observação (neste caso vigilância) poder ser efectuada mais facilmente sem que o prisioneiro soubesse se estava a ser observado ou não. Esta configuração actua ao nível físico, através da observação directa sem possibilidade de reciprocidade, mas, consequentemente, também ao nível psicológico, levando a uma consciencialização no indivíduo da omnipresença do olhar vigilante.

Segundo Bentham, em teoria, esta consciencialização da vigilância omnipresente confere um novo modo de obter o poder da mente sobre a mente, num grau nunca atingido até àquele momento (Bentham, 1787, p. 31).

Como o próprio refere, na sua carta intitulada Letter V - Essential Points of the Plan:

You will please to observe, that though perhaps it is the most important point, that the persons to be inspected should always feel themselves as if under inspection, at least as standing a great chance of being so, yet it is not by any means the only one. If it were, the same advantage might be given to buildings of almost any form. What is also of importance is, that for the greatest proportion of time possible, each man should actually be under inspection. This is material in all cases, that the inspector may have the satisfaction of knowing, that the discipline actually has the effect which it is designed to have: and it is more particularly material in such cases where the inspector, besides seeing that they conform to such standing rules as are prescribed, has more or less frequent occasion to give them such transient and incidental directions as will require to be given and enforced, at the commencement at least of every course of industry. And I think, it needs not much argument to prove, that the business of inspection, like every other, will be performed to a greater degree of perfection, the less trouble the performance of it requires.

Not only so, but the greater chance there is, of a given person's being at a given time actually under inspection, the more strong will be the persuasion - the more intense, if I may say so, the feeling, he has of his being so. How little turn soever the greater number of persons so circumstanced may be supposed to have for calculation, some rough sort of calculation can scarcely, under such circumstances, avoid forcing itself upon the rudest mind.

Experiment, venturing first upon slight transgressions, and so on, in proportion to success, upon more and more considerable ones, will not fail to teach him the difference between a loose inspection and a strict one.

(Bentham, 1787, pp. 43-44).

O poder exercido pretende prevenir o comportamento desviante, evitando o castigo e tem como base a auto-aplicação do poder como resultado da consciencialização individual de cada pessoa sujeita ao espaço interior do Panóptico. Assim, é importante compreender que o poder é constantemente exercido, duma forma colectivamente auto-aplicada, não sendo detido por uma única entidade, no contexto em que se insere, deixando, assim, de ser importante qualquer medição de poderes, mas sim o modo como actua e que efeitos práticos tem no prisioneiro. Os resultados produzidos são efeitos ao nível da obediência, disciplina e conhecimento sistematizado da população prisional (Sadan, 2004, pp. 62-63).

Bentham dedicou mais de vinte anos da sua vida a estudar o conceito do Panóptico e, em teoria, aplicou-o a outros tipos de construção. No entanto, o Panóptico tão desejado por Bentham, a prisão em Inglaterra, nunca chegaria a ser construído, tornando-se num dos melhores exemplos da Teoria das Ficções do próprio Bentham.

Where Bentham goes beyond these literary theories is in recognising that, at least outside the realm of literature, fictions do as much to create the probabilities they presume as probabilities do to create them. In other words, he recognises the prescriptive aspect of fictions: the regulative power they have to induce people to behave in conformity with the announced norms. In this essentially legislative capacity, Bentham saw, fictions make statements about what is probable into self-fulfilling prophesies, thereby turning subjective probabilities into observably objective ones - literally turning fictions into facts. (Stolzenberg, 1999, p. 238)

Contextualização Histórica Jeremy Bentham (1748-1832) foi um jurista, filósofo e reformista social inglês, nascido em Londres, que desenvolveu uma série de teorias, a maioria das quais relacionada com o sistema legal. É considerado o pai do Utilitarismo, teoria filosófica das éticas normativas que advoga o princípio do bem-estar de todos os seres, considerando apenas apropriado aquele resultado de uma acção que maximiza a felicidade em detrimento do sofrimento. Nos dias de hoje, esta teoria é considerada como uma forma de Consequencialismo2.

No final do século XVIII, Bentham viaja para a Rússia Branca (hoje a República da Bielorrússia) para encontrar o seu irmão Samuel Bentham. Samuel vivia na cidade de Krichev sendo gestor de vários empreendimentos industriais e outros projectos a convite do príncipe Potemkin.

Durante a sua permanência em Krichev, Jeremy Bentham teve oportunidade de contactar com a arquitectura absolutista russa do século XVIII. A ideia do Panóptico foi, inicialmente, mencionada pelo seu irmão Samuel, referindo este a vontade de construir um complexo industrial em formato circular que ajudasse a reduzir o número de supervisores necessários para controlar os trabalhadores sem qualificações e, assim, poupar nas despesas. Esta ideia foi continuada por Jeremy, mas pensada para aplicação em prisões, local onde a vigilância é uma constante. Os primeiros esboços do Panóptico foram desenhados em 1786 (Werret, 1998) e Jeremy iniciou uma série de escritos, em formato de carta, que enviava para Inglaterra ao cuidado de um amigo (Bentham, 1787, p. 29).

É neste contexto cultural da Rússia do século XVIII que surge a ideia para o Panóptico. Uma sociedade pouco letrada, na qual é difícil encontrar trabalhadores qualificados, onde existe uma enorme disponibilidade de recursos humanos para trabalhar, mas poucos recursos qualificados que possam controlar o trabalho, onde existe indisciplina entre os trabalhadores e entre os trabalhadores e os gestores dos projectos e onde chegou a ser necessário importar mão-de-obra especializada, saída das Universidades de Inglaterra, para conseguir, efectivamente, alcançar resultados práticos nos trabalhos que eram desenvolvidos.

Muitos estudos referem, assim, a origem do Panóptico na Rússia, embora não existam muitos que mencionem os verdadeiros motivos para o seu surgimento.

No entanto, como mais tarde se verificou, não foi devido ao facto de ser necessário controlar os trabalhadores iletrados russos que surgiu a ideia do Panóptico. Devido a esta falta de especialização, os irmãos Bentham necessitaram de chamar vários trabalhadores especializados de Inglaterra para trabalhar em Krichev e, assim, passar o seu conhecimento aos camponeses, formando-os para a construção industrial. Algum tempo depois, Samuel Bentham apercebeu-se de que, ao contrário dos trabalhadores russos, eram os ingleses os trabalhadores mais problemáticos de todo o complexo industrial. Estes bebiam, eram preguiçosos, roubavam e causavam distúrbios entre todos os trabalhadores.

Sabendo que, em certa medida, o Panóptico não era muito produtivo ao nível do controle da formação dos trabalhadores russos, parece mais provável que a sua ideia original não tenha surgido da necessidade de contratar e controlar trabalhadores ignorantes, mas sim da necessidade de controlar os formadores ingleses.

The Panopticon offered no significant development on the usual method of a trainer overseeing his workforce. So Bentham's invention was not so much an attempt to employ 'ignorant Russian peasants effectively', but rather a solution to the immediate and very real problem of 'who will guard the guards?' (Werret, 1998).

Não existindo ainda um estudo que consiga provar a relação directa entre a arquitectura do Panóptico e a arquitectura absolutista ortodoxa da Rússia do século XVIII, existe, no entanto, a possibilidade de observar as semelhanças entre estas duas realidades. Para Bentham, o Panóptico representava uma forma de controlar os ingleses que foram contratados para trabalhar em Krichev. Para a classe nobre russa, o Panóptico representava uma forma de controlar os plebeus russos. A relação surge duma forma clara, quando analisado o meio como os plebeus russos eram controlados na Rússia do século XVIII, através do poder exercido pela Igreja Ortodoxa3.

Neste período, os russos aprendiam sobre a sua posição e função terrenas através da sua relação com Deus, mediada, claro, pela Igreja Ortodoxa. O local de adoração era, portanto, a igreja onde, segundo a influência bizantina, a visibilidade desempenhava um papel fundamental. Para os ortodoxos, o edifício da igreja é uma extensão do corpo de Cristo sendo também uma extensão do Seu poder na Terra. Os sacramentos, dos quais a Eucaristia é o mais importante, são considerados mistérios divinos e a arquitectura ortodoxa reflecte bem esta categorização. Em contraste com a Igreja ocidental, a Igreja Ortodoxa mantém uma tela de separação entre a nave central, local onde os fiéis se posicionam, e o santuário, onde a Eucaristia é realizada, evitando assim a visualização dos procedimentos religiosos dos padres. Esta tela contém uma série de desenhos religiosos chamados ícones. Enquanto os padres efectuam estes procedimentos religiosos sem que possam ser vistos, os plebeus, do outro lado da tela, podem admirar os vários ícones dispostos no tecido, sendo um deles Cristo, o Olhar Zangado ou Cristo Pantokrator (imagem ao lado), que representa a omnisciência e julgamento divinos. Os ícones na tela servem, assim, para manter o secretíssimo dos mistérios divinos, tornando-os invisíveis ao olhar dos plebeus e, ao mesmo tempo, representam um olhar omnisciente e controlador sobre os fiéis. Esta assimetria da visibilidade é a doutrina do mistério na Igreja Ortodoxa.

Relacionando o Panóptico de Bentham com as considerações expostas sobre a Igreja Ortodoxa, é possível verificar os pontos comuns entre a arquitectura e os procedimentos de ambos. Segundo Bentham, o Panóptico tinha também um lugar central reservado apenas ao inspector e, na consciência dos vigiados, este representava uma visão constante e omnisciente (Werret, 1998). Esta vigilância representa então uma nova forma de poder, tal como na Igreja Ortodoxa, que proporciona ao vigilante a imposição, sobre o vigiado, de um determinado comportamento ou actuação no decorrer desta relação vigilante- vigiado. A questão da assimetria da visibilidade desempenha também um papel fundamental nesta relação de poder, levando a uma imposição de comportamento bastante mais fácil e fisicamente pacífica do que aquela que impõe o comportamento através do castigo como exemplo.

Segundo Werret, Bentham era conhecedor da Igreja Ortodoxa e tinha estudado atentamente a sua arquitectura:

It may seem unlikely for Samuel Bentham to devise a 'secularised church' at Krichev. Yet the designs which he prepared with Jeremy in 1786 bear a close resemblance to the church architecture of the time.

Compare, for example, the Krichev Panopticon with Starov's design for the Cathedral of the Trinity finished in 1782 . Bentham was certainly well informed about the Orthodox church. During a tour of Siberia in 1781 Bentham collected information on the activities of the Raskolniki or Old Believers for the government: precisely a surveillance operation undertaken to undermine the power of a section of the Orthodox community. (Werret, 1998).

Fica assim clara, a relação entre o surgimento do Panóptico e a sociedade russa dos finais do século XVIII. Na verdade, a Rússia foi o país onde se construíram mais panópticos. Depois de Bentham ter construído a 'Panopticon School of Arts' em São Petersburgo, o Czar ordenou a construção de panópticos por toda a Rússia, não apenas edifícios para uso particular, mas também edifícios públicos.

Do Panóptico Físico à Teoria do Poder de Foucault O Panóptico dos irmãos Bentham detém, ainda hoje, a responsabilidade por grande parte do pensamento moderno sobre as questões da vigilância e da teoria do poder.

Foucault considera que existe um momento histórico, precisamente o século XVIII, que determina a mudança de paradigma na história da repressão. A passagem do castigo à imposição da vigilância. No entanto, Foucault não considera que o impulso na génese desta mudança seja proveniente da evolução comportamental para um instinto mais humanitário, por parte daqueles que impõem a disciplina social, mas apenas devido à economia de meios e ao lucro daí proveniente, como ele designa, economia do poder. Foucault confirma, assim, o nascimento da nova forma de poder da vigilância no século XVIII que ele designa como forma de poder sináptica (Gordon, 1980, pp. 38-39; Sadan, 2004, p. 55).

Foucault relaciona ainda o surgimento da economia do poder com uma mudança de localização do poder dentro da sociedade. Este passa a ser exercido dentro do corpo social e não acima deste. Verifica-se, deste modo, um certo desempoderamento das instituições tradicionais que exercem o poder antes deste novo paradigma e uma mistificação/arcaísmo dos personagens soberanos, tais como, o rei ou o tribunal.

A história tem proporcionado mais atenção às relações de poder na sociedade, ao modo como estas se processam e àqueles que detêm o poder, mas não deu muita atenção aos mecanismos de execução do poder. Ainda menos estudado, segundo Foucault, foi a relação entre poder e conhecimento e o modo como um articula ou afecta o outro. Tradicionalmente, a Humanidade sempre associou o poder à falta de conhecimento. O poder cega e, aqueles que governam ficam cegos durante o exercício das suas funções. Foucault tenta sempre realçar a constante relação entre poder e conhecimento, não apenas no sentido de que o poder necessita desta ou daquela descoberta ou desta ou daquela forma de conhecimento, mas também no sentido de que o exercício do poder cria novas formas de conhecimento e novas fontes de informação (Gordon, 1980, pp. 51-52).

O estudo levado a cabo por Foucault, relativamente ao Panóptico, começou quando este estudava as origens da medicina clínica. Durante este estudo, Foucault analisou diversas plantas de hospitais do século XVIII e notou que a principal preocupação da época era a observação constante e centralizada dos pacientes, mesmo em condições em que o contacto físico era proibido, por motivos de contágio e outras variáveis e onde era ainda necessário manter a separação de doentes e de pessoal médico. Mais tarde, ao estudar a problemática do sistema penal notou que as preocupações eram, em muitos casos, semelhantes e, noutros, as mesmas. No entanto, nos estudos relacionados com o sistema penal, o nome Bentham surgia constantemente em praticamente todas as leituras que Foucault estudava (Gordon, 1980, pp. 146-147). Nas próprias palavras de Foucault:

Bentham didn't merely imagine an architectural design calculated to solve a specific problem, such as that of a prison, a school or a hospital. He proclaimed it as a veritable discovery, saying of it himself that it was 'Christopher Columbus's egg'. [...] He invented a technology of power designed to solve the problems of surveillance.

One important point should be noted: Bentham thought and said that his optical system was the great innovation needed for the easy and effective exercise of power. (Gordon, 1980, p. 148)

Foucault apercebe-se, então, de que os problemas espaciais relacionados com a geo-política começam a surgir nos finais do século XVIII, como preocupação fundamental dos governantes e de outros participantes da decisão/estratégia económico-social. Nas palavras de Perrot, em conversa com Foucault, no mesmo livro,

Here we are [...] preventing people from wrong-doing, taking away their wish to commit wrong. In a word, to make people unable and unwilling (Gordon, 1980, p. 154).

Ao contrário de alguns autores como, por exemplo Semple (Semple, 1987, pp. 314- 315), e incluindo o próprio Bentham, Foucault não reconhece as boas intenções de Jeremy Bentham, classificando-as como maquiavélicas e estando na origem de uma engenhosa e cruel jaula:

The Panopticon presents a cruel, ingenious cage. The fact that it should have given rise, even in our own time, to so many variations, projected or realised, is evidence of the imaginary intensity that it has possessed for almost two hundred years. But the Panopticon must not be understood as a dream building: it is the diagram of a mechanism of power reduced to its ideal form; its functioning, abstracted from any obstacle, resistance or friction, must be represented as a pure architectural and optical system: it is in fact a figure of political technology that may and must be detached from any specific use. (Foucault, 1975, p. 205)

No discurso de Foucault é possível encontrar inúmeras referências à constante relação entre o conhecimento e o poder. Quando Foucault fala do Panóptico de Bentham, refere sempre que desempenha uma função de laboratório do poder onde são analisados todos os comportamentos humanos observáveis e onde são aplicadas formas de os controlar ou, mesmo, suprimir.

Sendo um laboratório, podemos afirmar que existe um método experimental que, à semelhança do método científico, reúne, processa e analisa informação de modo a obter conhecimento sobre o objecto em análise. Esta é a relação entre exercício do poder e obtenção de conhecimento que Foucault tanto refere no seu pensamento e que diz serem indissociáveis (Foucault, 1975, pp. 195-228).

A Relação Poder-Vigilância como Garante do Regime Como tivemos oportunidade de ver em (Ramos, (in press)), a Rússia do século XXI apresenta-se como uma democracia em que as liberdades e direitos dos cidadãos não são propriamente os mesmos das democracias ocidentais. Neste país, existe um regime político que exerce o poder da governação de uma forma mais próxima do totalitarismo, em detrimento dos princípios que definem o ideal democrático de países como aqueles da União Europeia. Tal realidade pode ser definida como uma democracia mitigada (Cardoso, 2006, p. 39) ou uma democracia musculada (Ramos, (in press), p. 1) dependendo do lado a partir do qual se observa e relaciona o termo, cidadãos ou governo, respectivamente.

A evolução do Panóptico, enquanto construção arquitectónica, até ao aparecimento do Panóptico Digital, é também óbvia. O número de pessoas que é necessário vigiar e monitorar, quando se trata de um país inteiro, é substancialmente maior do que aquelas que o Panóptico original, enquanto edifício, permite controlar. Neste sentido, depois da entrada na Era Digital, a evolução dos meios de observação e controlo tem sido significativa, permitindo a cobertura de um vasto número de pessoas e instituições com utilização diminuta de meios humanos e financeiros.

sabemos, pelos tópicos anteriores, que um dos instrumentos do poder é a vigilância. Sabemos também que, na Rússia do século XXI, o poder é exercido duma forma mais centralizada em torno dos governantes e menos representativa das vontades dos cidadãos, tornando-se, assim, um poder não representativo ou mesmo anti-democrático por natureza.

Ainda foi possível verificar em (Ramos, (in press), p. 10) que os russos têm, cada vez mais, a consciência de que não vivem em total liberdade democrática, mas, contrariamente ao que refere David Lyon (Lyon, 2003, p. 8) relativamente à aceitação ou resistência da vigilância consoante esta é interpretada como algo que proporciona, ou não, melhores condições de vida, não se identificam movimentações significativas no sentido de mudar o regime estabelecido ou contrariar a vigilância em prática. Tal aceitação estará relacionada com a cultura e o nível de egoísmo digital dos russos, mas é também possível argumentar que o Panóptico Digital exerce aqui um papel fundamental de fonte de poder no controlo da população e no evitar de movimentações que possam conduzir a uma situação de instabilidade, afectando o regime estabelecido.

Existe assim a ideia de que o poder e a vigilância na Rússia são duas realidades indissociáveis para a continuidade, estabilidade e alimentação informativa do regime em vigência actualmente.

A Era Pós-Soviética e a Explosão das TIC Durante os últimos anos de Gorbachev4 no poder, a Rússia tentou aderir à massificação das TIC, no entanto, foi na Era de Putin que a Internet sofreu a sua maior explosão de crescimento na Rússia. Contudo este crescimento explosivo não aconteceu sozinho. Houve sempre uma tentativa de acompanhar as TIC com leis e vigilância governamental direccionada especificamente aos utilizadores da Internet (Saunders, 2009, p. 17). Rheingold (1993, pp. 9-10) afirma que a esfera da Internet pode ter chegado para servir de Agora virtual ou de Panóptico virtual, tudo depende de qual destes dois lados a controla.

A justificação é sempre a mesma, em quase todos os países onde existe um elevado nível de vigilância: protecção dos cidadãos contra os conteúdos extremistas e a guerra ao terrorismo. Veja-se, por exemplo, o Patriot Act dos Estados Unidos da América (Andrejevic, 2006, p. 245) e o Terrorism Act do Reino Unido, aprovados em Outubro de 2001 e em Março de 2006, respectivamente, que permitem o uso de todas as ferramentas ao dispor das entidades competentes com o objectivo de combater e parar actos de terrorismo que possam afectar a segurança nacional. Nos Estados Unidos da América, esta lei foi publicada semanas depois dos famosos ataques do 11 de Setembro, em Nova York.

Na Rússia, foi aprovada a Lei Federal de 12 de Agosto de 1995 Nº144-FZ "Sobre as Actividades de Investigac¸a~o", que legitima as actividades do FSB relativamente a` vigila^ncia das comunicac¸o~es. Muitas organizac¸o~es ligadas a` defesa dos direitos humanos consideram que esta lei inconstitucional por entrar em conflito com a lei fundamental russa, aprovada em 1993, que expressa claramente no seu artigo 23º:

1. Todos tera~o o direito a` na~o violac¸a~o da vida privada, segredos pessoais e de fami´lia e a` protecc¸a~o da sua honra e bom nome.

2. Todos tera~o o direito a` privacidade de corresponde^ncia, conversas telefo´nicas, mensagens postais, tele´grafo e outro tipo de mensagens. Qualquer limitac¸a~o a estes direitos devera´ apenas ser permitida mediante uma decisa~o do tribunal. (Federac¸a~o Russa, 1993).

As motivações russas não diferem muito das motivações dos EUA e do Reino Unido mas, de certo modo, em lados opostos. Existe um sentimento de defesa contra os inimigos internos e externos que possam ameaçar o país e também contra a propaganda mediática dos Estados Unidos da América (Sakwa, 2004, p. 106).

Assim, durante este período iniciado com a escolha de Putin para o Kremlin, a Internet passou de novidade a um Panóptico participatório, promovido pelo governo, em constante crescimento e alimentado pelo ressurgimento do nacionalismo russo (Dennis, 2008, pp. 347-357).

Desde a chegada de Putin, o Kremlin tem sido inflexível e extremamente autoritário relativamente à liberdade de imprensa. Todas as estações privadas de televisão foram nacionalizadas e, apesar da imprensa escrita e das rádios não terem sido tão afectadas como a televisão, os seus directores de informação e editores são bastante pressionados para publicar dentro da linha política do actual governo. A imprensa na Internet e as agências noticiosas agem dentro de uma certa liberdade mas a intimidação é uma constante.

Neste momento, a Rússia não tem meios técnicos para bloquear o acesso, via Internet, a determinadas fontes ou sites com conteúdo que desagrada ou ataca as políticas do governo. Ao contrário da China, a infra-estrutura de telecomunicações russa não assenta num formato centralizado que permitiria o seu controlo quase total a partir de uma única localização geográfica. Assim, como podemos ver em (Ramos, (in press), pp. 9-10), tem-se provado mais eficiente o aparecimento de gatekeepers e de vigilantes virtuais, como lhes chama Dennis (2008), cujo trabalho, muitas vezes suportado financeiramente pelo Kremlin, é navegar pela Internet em busca de sites ou conteúdos que, de alguma forma, ofendam ou sejam contrários às ideologias russas e atacar esses mesmos sites, tentando por todos os meios prejudicar os seus criadores ou mesmo retirá-los do ar, impedindo o acesso aos conteúdos em causa (Dyakova, 2006).

Conclui-se, assim, que a infra-estrutura russa de TIC está a ser usada, tanto ao nível estatal como não estatal, para a afirmação do poder geopolítico da Federação Russa.

O Olho Digital Invade a Esfera Privada O mundo das tecnologias é complexo e, muitas vezes, usado sem plena consciência do que se passa dentro da nossa própria esfera privada. É certo que a maioria das pessoas não detém um nível de literacia digital5 que lhes permita compreender os meandros do computador que operam em suas casas. Tal como Morozov refere no seu livro e os especialistas em segurança informática atestam, é mais fácil minimizar os riscos do uso das tecnologias ao nível da infra-estrutura do que tentar domesticar os utilizadores de uma determinada tecnologia (Morozov, 2011, pp. 146-147). Sendo completamente ingénuas, também devido à sua iliteracia digital, muitas pessoas aceitam executar programas que recebem no seu email, porque o nome constante no remetente é um conhecido ou amigo ou porque descarregam estas aplicações de sites que, supostamente, são confiáveis. Estas pessoas nem imaginam que este email ou o site foram manipulados de modo a fazer passar-se por alguém conhecido ou por um site de confiança e, no entanto, o programa que estão prestes a executar não é mais do que um Cavalo de Tróia que será instalado, em segredo, no seu computador e enviará todo o tipo de informações a quem o desenvolveu. Trata-se de um panóptico digital bastante elaborado que permite a recolha de informação relativa à pessoa que o instalou sem saber da sua verdadeira função. Como refere Morozov, estas pessoas executam o software, supostamente enviado pelo amigo, da mesma forma que aceitariam jantar na sua casa sem medo de serem envenenados. Deste modo, quem cria e envia estes emails está, na realidade, a criar uma rede de mini-panópticos que invade a nossa esfera privada, espalhando-se por milhares de pessoas em todo o mundo. Relativamente a este tópico, a Rússia demonstra ter adquirido uma grande mestria, como se provou com os ciberataques à Estónia e outras antigas Repúblicas da União Soviética, na utilização de Cavalos de Tróia e outras tecnologias semelhantes.

Tal como descreve Morozov, e em termos comparativos, podemos observar como as tecnologias televisivas totalitárias do Panóptico no romance de Orwell (1949), intitulado 1984, podem tornar-se realidade e entrar em nossas casas, pelas nossas próprias mãos sem necessidade de consentimento.

Evolução da Vigilância para a Auto-Vigilância Colectiva Depois dos ataques do 11 de Setembro em Nova York, tem sido comprovado que o modelo da Guerra Fria, de construção de um escudo anti-míssil em redor da Federação Russa, não tem qualquer tipo de eficácia contra um tipo de guerra que é, cada vez mais, individualizada. A adaptação aos modelos actuais de guerra demonstra que a eficácia de uma super rede de informação, num formato superpanóptico, é bastante superior aos modelos de guerra convencional. A Era da Informação demonstra que o que é necessário é um conceito de uma mega base de dados, constituída por muitas outras bases de dados, gerida e mantida por uma entidade do tipo Instituto de Gestão da Totalidade da Informação, onde toda a informação relativa aos cidadãos possa ser mantida e constantemente actualizada, desde transacções bancárias até à marca do leite que é comprado no supermercado e, finalmente, cruzado com registos do estado por forma a traçar os perfis de toda uma população e procurar por padrões de comportamento suspeitos, não apenas colectivamente, mas também individualmente (Andrejevic, 2006, p. 245).

A junção de bases de dados privadas e públicas, e muitos outros tipos de informação disponível em bases de dados espalhadas por várias entidades, juntas numa super base de dados, prova ser mais eficiente do que um escudo anti-míssil e pode prevenir o acontecimento em vez de retaliar.

Uma das evoluções verificadas na Era Digital é a vigilância em rede. todos conhecemos o conceito de Big Brother, mas uma das consequências da proliferação das tecnologias digitais é a introdução do conceito de Little Brothers.

Tal como vimos um pouco acima, no tópico O Olho Digital Invade a Esfera Privada, existe uma forma de violar a esfera privada dos cidadãos, colocando pequenos olhos digitais nas suas casas e mãos, utilizando para esse efeito os seus próprios computadores e telemóveis. Este é o conceito de Little Brothers que, em conjunto com o Big Brother que recebe e processa todas as informações enviadas pelos Little Brothers, cria uma rede de informação distribuída e descentralizada (Andrejevic, 2006, p. 337). Este tipo de rede não é mais do que uma apropriação da tecnologia de modo a permitir uma tarefa de vigilância de um para muitos, tornando-se mais eficaz e mais rápido recolher informação.

Uma outra evolução do conceito original de Panóptico, na Era Digital, é o conceito de Panóptico participativo de duplo sentido ou Auto-Vigilância Colectiva. Andrejevic (2006) refere no seu livro este conceito de Reg Whitaker.

O princípio é simples. Representa a forma de submissão consensual à vigilância, porque os vigiados também vigiam. Como Mark Crispin Miller refere, numa simples reformulação do conhecido slogan Big Brother is watching you, citado por Andrejevic, Big Brother is you, watching.

Andrejevic refere ainda que, actualmente, com as tecnologias a permitirem a emergência da vigilância distribuída, a amplificação do modelo de Panóptico depende sobretudo da relação entre ser vigiado e vigiar.

Um exemplo deste modelo é precisamente o modelo imposto pelo Facebook Chat em que para visualizar quem está online, o utilizador necessita de também estar online e, assim, também ser visto. Existe uma certa troca necessária para que o acto de vigiar possa ser efectuado.

Este tipo de modelos não está apenas a habituar as sociedades a um regime de vigilância em que todos sabemos que em determinado momento podemos ser vigiados, mas também está a criar uma cultura de habituar as pessoas a vigiarem-se umas às outras (Andrejevic, 2006, p. 337).

Teoria dos Media como Suporte do Panóptico Russo vimos no tópico A Era Pós-Soviética e a Explosão das TIC que os anos Putin no Kremlin têm sido bastante duros sobre a imprensa televisiva, menos duros com a imprensa escrita e, de alguma forma, mais brandos com a imprensa e fontes de informação online. Sabemos também que a imprensa online está a suplantar a imprensa escrita, não apenas na Rússia, mas em todo o mundo, e que são os mais letrados e os jovens os maiores consumidores de notícias online.

No entanto, quem vive, ou permanece na Rússia por algum tempo, apercebe-se de que o governo é flexível no que respeita a notícias ou conteúdos sobre vários aspectos da vigilância existente no país. O próprio facto de existir uma lei federal que permite diversas actividades proibidas pela constituição, demonstra claramente que o governo de Putin não faz um grande esforço para esconder as suas actividades.

Tal como Morozov (2011, p. 147) refere, a simples passagem de uma informação, mesmo que falsa, sobre as novas tecnologias estarem a ajudar o governo a implementar ferramentas de vigilância que, por sua vez, ajudam a apanhar criminosos, é suficiente para que a consciência daqueles que poderiam cometer algum tipo de comportamento não aceite, os condicione a não agir.

Sendo parte fundamental do conceito de Panóptico a consciência da existência da vigilância, este cenário demonstra um claro objectivo em manter a população informada sobre a possibilidade constante de vigilância, incrementando, assim, a existente consciencialização do ideal de Panóptico.

Conclusão Uma nova forma de poder nasceu, durante o século XVIII, na Rússia e continua nos dias de hoje em actividade plena. O poder da vigilância.

Nos finais do século XVIII, estavam reunidas as condições para o surgimento desta revolução: os irmãos ingleses Bentham viviam em Krichev e trabalhavam para o príncipe Potemkin como gestores das suas indústrias, tendo, assim, a possibilidade de realizar construções arquitectónicas. Para esse objectivo importaram trabalhadores ingleses, especializados nesta área, que iriam formar os camponeses russos iletrados. Seria necessário uma forma de controlar os formadores ingleses que, por sua vez, necessitariam de controlar os trabalhadores russos.

A Igreja Ortodoxa era a forma vigente do poder divino na terra e a arquitectura das suas igrejas reflectia (e reflecte) uma forma de controlo sobre a população, separando os actos religiosos divinos dos actos terrenos. Os Bentham estudaram a sua arquitectura e aplicaram os seus princípios às construções realizadas, de modo a obter um maior controlo sobre os trabalhadores. Esta revolução arquitectónica está na base do pensamento moderno sobre a vigilância.

Estudando esta nova forma de vigilância e poder social, Foucault escreveu uma série de textos em que analisa em detalhe as formas e espaços usados pelos Bentham e as suas consequências sociais. Uma das mais importantes teorias é a dualidade da relação entre o conhecimento e o poder, dualidade essa que está na base do Panóptico moderno da Era Digital. A recolha em massa de conhecimento sobre uma população. Esta é a nova forma de vigilância e controlo social que está em prática em muitos países, mas, sobretudo, na democracia musculada russa, onde o governo parece não ter qualquer relutância em mostrar a sua vontade de vigiar, monitorar e controlar os media e a população, usando para isso todos os meios ao seu dispor. A implementação da Lei Federal de 12 de Agosto de 1995 Nº144-FZ, "Sobre as Actividades de Investigac¸a~o", que permite todas as actividades de vigilância, descartando por completo os princípios da Constituição Russa, é bem o exemplo disso.

Nenhum estado consegue vigiar todos os bloggers em simultâneo. Não existem recursos financeiros para essa tarefa. Assim, à semelhança do conceito do Panóptico, basta prender alguns indivíduos e tornar claro que todos os outros podem ser vigiados e sofrer as mesmas penalidades. A consequência será a auto- regulação dos restantes indivíduos, estes não cruzarão a linha que os separa da liberdade e estas acções anularão qualquer pensamento crítico. Exemplo de tal detenção é bem descrita neste artigo da Gazeta.Ru (Gerasimenko, 2007).

No entanto, em 28 de Julho de 2012, Putin assinou uma nova lei que estende as possibilidades da lei anterior e coloca em prática um plano, ainda mais intenso, de vigilância na Federação Russa. Com este novo plano, os serviços secretos passam a ter mais liberdade e capacidade técnica de, em tempo real, filtrar toda a informação que circula na Internet e conseguem, por exemplo, construir listas detalhadas de quem visita o quê e quem procura que informação.

Além disso, conseguem ainda copiar e armazenar em gigantescas bases de dados todo o tráfego internet de todos os cidadãos e entidades podendo, posteriormente, analisar com mais detalhe a informação filtrada automaticamente. Relativamente à censura, este novo desenvolvimento técnico permite ainda filtrar os conteúdos por peça sem necessitar de bloquear um site inteiro. Por exemplo, podem anular a existência de um video específico no Youtube sem ter de bloquear todo o site. Este novo sistema entrou em vigor na Rússia nas últimas semanas de 2012 (Soldatov e Borogan, 2012) e representa uma clara aproximação ao sistema centralizado de censura usado na República Popular da China.

Não satisfeito com este novo Panóptico, Putin decidiu ainda aprovar outra lei que permite ao estado a geolocalização de todos os veículos existentes na Rússia e a obrigatoriedade de colocação de um dispositivo localizador em todos os veículos que sejam produzidos na Rússia ou importados para ser vendidos neste país. Este novo projecto, designado Era GLONASS (em russo: ), é composto de um sistema de satélites russos de geolocalização com cobertura mundial (idêntico ao sistema GPS dos EUA e, actualmente, único competidor deste sistema), dispositivos de localização para os veículos e um centro de análise de informação que recebe e processa as coordenadas de todos os dispositivos de localização (Beilin, 2012).

O Panóptico russo continua, assim, a expandir-se e a aumentar a sua abrangência sobre a população. Passou de uma forma de poder social localizado no século XVIII para um Panóptico digital de massas no século XXI, composto por vários mini-panópticos em cada lar e cada instituição, utilizando para isso a apropriação da rede da Internet e o caminho da sua expansão indica que, em breve, todos os pormenores da vida privada serão detalhadamente armazenados e processados de modo a encontrar padrões de comportamento social reprováveis e, consequentemente, serem alvo de repressão por parte do estado.

No entanto, a forma como temos conhecimento desta vigilância é, no mínimo, curiosa. Todas estas implementações tecnológicas e leis são publicadas nos media digitais, não sendo alvo de censura, levando a acreditar na Teoria dos Media como Suporte do Panóptico Russo. É simples acreditar que parte deste novo modo de poder é exercido pela consciencialização de que a vigilância existe e pode afectar qualquer cidadão. À semelhança do princípio original do Panóptico do século XVIII, em que o conhecimento da omnisciência da observação representava, per se, uma forma de poder, a intenção do governo de Putin em permitir que os media informem a população sobre todas estas novas formas de vigilância, representa também uma forma de poder cada vez mais absolutista e característico da evolução da democracia musculada para uma forma de estado totalitário.

O Panóptico nasceu na Rússia absolutista do século XVIII e é na democracia musculada da Rússia do século XXI que continua a desenvolver-se numa das suas mais originais, extensas e tecnologicamente avançadas formas.


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