iPhone: pedaço de carne suculento
O conteúdo é o suculento pedaço de carne com o qual o ladrão distrai o cão de
guarda do espírito
Marshall McLuhan - Understanding Media: The Extensions of Man, NY, 1964
Introdução
Ao proporcionar aos clientes a possibilidade de interagir uns com os outros,
bem como com a empresa, as organizações empresariais presentes na Internet
podem promover relações mais profundas e detalhadas com os mesmos. Além disso,
ao "ouvir" diretamente o cliente, as empresas têm a oportunidade de
recolher informações essenciais para personalizar produtos e serviços, registar
e correlacionar dados pessoais, fidelizando o cliente atendendo às suas
atitudes e exigências mais específicas. As relações entre empresas, clientes e
potenciais compradores, nos circuitos da sociedade digital, são sempre
promissoras de captura, triagem e divulgação de informações constantemente
rentabilizáveis. Pode-se até afirmar que o capitalismo contemporâneo,
nomeadamente o empolgado pela Web, provoque constantemente ocasiões para
estimular relações que gerem tráfego informacional indipendentemente da
qualidade dos seus conteúdos (Oliveira & Baldi, 2014).
Desafiar ocasiões de partilha e troca de opiniões entre internautas, como no
caso das comunidades on-line ou dos blogues destinados às conversas sobre
marcas e produtos específicos, baseia-se na dulpa estratégia comunicacional de
criar metadados informacionais mas também valores emocionais e de culto sobre
os produtos comercializados.
Nesse sentido, o filosofo Byung-Chul Han analisa o neoliberalismo contemporâneo
à luz da aceleração comunicacional e do emotional design que afeta tanto a
produção como o consumo (Han, 2014). Os produtos mercadológicos não se podem
consumir até o infinito, mas as emoções podem, estas são inesgotáveis, não
remetem para um valor de uso, são efémeras e descontinuas como os anúncios
publicitários e os ritmos de produção just in time. Gilles Lipovetsky (2010),
por exemplo, denomina este período hitórico de sociedade de
"Hiperconsumo", na qual, relativamente ao mundo da produção
empresarial, "o que se vende já não é um produto, mas uma visão, um
conceito, um estilo de vida associado à marca: agora, a construção da
identidade de marca é uma preocupação central das empresas" (p. 64).
Estes aspetos são muito importantes para este artigo, e neste sentido é
interessante evidenciar desde já como as empresas tecnológicas desempenhem uma
estratégia semiótica e comunicacional visada à construção de uma ética e
estética da própria mercadoria e marca, com o intuito de estimular uma pertença
cultural, ou uma afinidade emocional e cognitiva, com os potenciais clientes
espalhados pelo mundo globalizado em rede.
Nesse sentido analisou-se uma comunidade on-line de estimadores/admiradores da
Apple e dos seus produtos, avaliaram-se os diálogos e a participação
proporcionada pela comunidade com o intuito de compreender a cultura e o
imaginário projetados nela. Através duma sensibilidade heurística de cariz
(n)etnográfico detetaram-se e compararam-se umas tipologias de seguidores/
consumidores dos gadgets da Apple. Ter participado às discussões sobre o
lançamento de um dos seus produtos (o iPhone 5) permitiu entender os vários
níveis de envolvimento emocional e cognitivo desafiados pelas novas tecnologias
da comunicação, assim como pelos relatos e pelas expetativas que as grandes
empresas arquitetam.
A marca tecnológica como cimento das comunidades imaginadas
Como evento deste fenómeno, autores como Philip Kotler & Keller (2012)
citam a Apple, destacando que a empresa "construiu uma marca forte e
significativa para clientes de diversas gerações e países". E não só,
para Atkin (2008) a comunidade de fans ao redor da Apple é característica das
sociedades contemporâneas. Segundo o mesmo autor, tal comunidade é unida não
pela proximidade geográfica, mas sim por um estado de espírito, uma convicção
coletiva que gera uma identidade de grupo similar àquela que o sociólogo
francês Michel Maffessoli chamou de "Tribo". Nesse sentido, a
comunidade Apple já não se define em função dos seus produtos, mas "numa
certa maneira de pensar" e, como veremos logo a seguir, de sentir. Os
membros da marca Apple definem-se através da sua atitude diferenciada diante da
vida, alinhando essa postura com a da Apple e com os restantes que compram os
produtos da mesma marca1. Nesse contexto, eles consideram-se criativos num
mundo não criativo e tendem a destacar-se em áreas como a arquitetura, a
publicidade, a música e o cinema2.
Por essa razão, pesquisas anteriores (Canavilhas, 2009; Ling & Sundsøy,
2009; Arruda Filho & Lennon, 2011) usaram o iPhone, atualmente o principal
símbolo da inovação friendly realizada pela Apple, como objeto de estudo. E
para a mesma razão nesse artigo o estudo empírico foca-se numa comunidade
virtual dedicada aos "prodígios" da empresa de Cupertino.
Desde que a tecnologia da informação e comunicação tem vindo a protagonizar o
cenário social, nomeadamente através da dita Web 2.0, o valor simbólico da
inovação tecnológica ganhou uma relevância cultural tão grande de chegar a
constituir uma cosmovisão alternativa àquelas das ideologias tradicionais. A
construção das identidades subjetivas e a estetização da vida cotidiana parecem
convergir e projetar-se no consumo dos gadget tecnológicos, o único tipo de
consumo a não ter sofrido da crise económica que alastra-se globalmente desde o
2008. As grandes marcas de tecnologia digital e as Web company representam uma
mitologia de sucesso eficaz e rápido, como uma promessa encantada de ludicidade
permenente. Nesse contexto de euforia tecnológica as trocas de informações
através das comunidades virtuais têm vindo a despertar interesse no âmbito
empresarial.
Diversos estudos (Pentina, Prybutok & Zhang, 2008; Valck et al., 2009;
Huang, Farn & Jeng, 2012) buscam compreender o modo como os consumidores
(sempre mais prosumers) fazem uso das comunidades virtuais e de que forma estas
comunidades podem interferir no processo de tomada de decisão relativamente à
aquisição de um produto ou à escolha de um serviço por parte dos membros. No
âmbito empresarial, pesquisadores e profissionais de comunicação e marketing
vêm reconhecendo a importância da influência dos membros oriundos das
comunidades virtuais nos processos de comportamento de compra. A relevância
deste tema deve-se ao facto de que o ciberespaço cresce de forma vertiginosa,
de modo a crescer também a sua importância para o contexto do marketing.
Na sequência disto, uma melhor percepção sobre como a interação neste meio
influencia os pensamentos, os desejos e os comportamentos (de compra ou apenas
de adesão às identidades imaginadas) dos seus utilizadores é de fundamental
importância para se conhecer melhor este novo prosumer. Nesse sentido, é
fulcral pesquisar a semântica desencadeada pelos debates à volta das novidadas
tecnoloógicas fabricadas pela Apple, considerando a tónica dessas conversas
como um termómetro cultural.
Neste contexto, este artigo busca aprofundar as seguintes questões: como as
interações entre membros de uma comunidade virtual na Internet podem fomentar o
interesse e o comportamento acerca de um produto tecnológico de comunicação
pessoal? O que leva as pessoas a interagirem com outras acerca de produtos ou
serviços tecnológicos? Porque é que produtos como o iPhone geram tanta
repercussão nos midía e desejo por parte das pessoas?Sintetizando: o que nos
pode revelar acerca da cultura digital uma netnografia da comunidade virtual
analisada?
Tentou-se assim de identificar as tipologias de membros intevenientes na
comunidade virtual pesquisada e como a interação entre eles reflita e
influencie o interesse e o comportamento (também verbal) acerca de um objeto
tecnológico como (neste caso) o do iPhone 5.
Participando e pesquisando no EverythingiCafé
Os resultados do presente estudo foram atingidos através duma metodologia
qualitativa dita de
netnográfica3.
Empregada à luz dos modelos de estudo que deram suporte a várias pesquisas
(Valck et al., 2009; Arruda Filho & Lennon, 2011), a netnografia
possibilitou o acesso a informações mais detalhadas sobre o iPhone 5.Além
disso, foi possível conhecer e analisar como os membros da comunidade interagem
entre si, como articulam a relação entre eles e o produto que é objeto em
questão e, principalmente, como as comunidades virtuais podem funcionar
(conscientemente ou inconscientemente) como fonte de informação e promoção dos
produtos e serviços.Embora seja considerado fundamental lembrar de como cada
identidade individual e coletiva se construa sempre mais num processo dialético
entre contexto online e offline, entre terra e clouds(Baldi & Oliveira,
2013), ressalta-se nesse âmbito de reflexão o sentimento de proximidade e de
experiência mimética inspirados pelo contexto de interação digital.
A análise realizada através da netnografia inspira-se, portanto, à investigação
realizada por autores como Kozinets (2010) e Arruda Filho & Lennon (2011),
onde tal metodologia de pesquisa baseia-se na heurística participativa
promovida pela
etnografia4
. Dessa forma, após a "observação participante" na comunidade
virtual, e a recolha dos dados produzidos no seu seio, estes foram codificados
e categorizados de modo a favorecer uma melhor interpretação.
O material coletado e utilizado para esta primeira etapa foi retirado através
da participação na comunidade virtual norte-americana
EverythingiCafé 5
. A seleção de apenas uma comunidade norte-americana deve-se ao relevo aferido
pela Apple a tal grupo on-line e à sua visibilidade no seio dos fans. Foi
coletado um total de 15 páginas de material relativo às discussões presentes na
comunidade nos quinze dias anteriores e posteriores ao iDay, dia 21 de setembro
de 2012 no qual foi lançado o produto. Neste material identificaram-se os
conteúdos, foram numeradas todas as páginas e linhas de modo a facilitar a
localização e a interpretação das discussões usadas nas trocas de informações
dentro da EverythingiCafe6. Os dados que sintetizam a totalidade das discussões
referidas sobre o iPhone 5, bem como os seus enredos e palavras-chave
utilizadas, são apresentados de uma forma sintética na Tabela_1.
O método de codificação aplicado nesta investigação foi fundamentado na mesma
forma do método etnográfico, embora, como referido por Arruda Filho e Lennon
(2011), este último não necessariamente utilize, software para tratar os dados
recolhidos. No método netnográfico, adotado para esta primeira parte da
investigação, é necessário ler toda a discussão coletada nos posts e realizar
apontamentos de palavras (ou os trechos das suas conversações) que melhor
retratem o tema investigado. Após esta fase inicial de análise, inicia-se uma
segunda fase, na qual é gerada uma codificação baseada nos primeiros resultados
conseguidos. Dessa forma, categorizam-se grupos de acordo com os assuntos
discutidos, como exposto na Tabela_2.
Com base nestes dados, avaliaram-se os fatores que melhor descrevem o grau e a
tónica da participação ao evento do lançamento do iPhone 5, o tipo de relações
entre os participantes, as intenções de compra e os usos dos gadgets de
comunicação por parte dos participantes.
Resultados e discussão
A partir dos resultados obtidos, bem como na análise destes em relação à
bibliografia considerada, foram definidos quatro grupos de consumidores:
"os possuidores de experiências anteriores", "os orientados
pela marca", "os devotos do produto" e "os que consomem
produtos inovadores". Tais categorias estão representadas na Figura_1.
Os resultados desta análise sobre a participação e trocas de opiniões na
comunidade virtual correspondem ao intuito de compreender uma especificidade da
cultura digital, quer na perspetiva da marca Apple quer dos seus seguidores.
Uma atitude que, como prefigurado pelas hipóteses e referências anteriores,
perfila-se como caraterizada pela absorção e mitologização dos valores
tecnológicos promovidos pelas grandes marcas digitais. A seguir, descreve-se
detalhadamente cada uma das quatro categorias encontradas na comunidade da
marca Apple.
Os possuidores de experiências anteriores
A partir da análise dos posts dos membros classificados nesta categoria, foi
possível perceber o tipo de experiências tecnológicas que possuíam os
participantes relativamente quanto aos dispositivos de comunicação móvel. Tal
situação corrobora a visão de Mukherjee & Hoyer (2001), segundo a qual a
experiência no uso de produtos similares facilita a sucessiva justificativa de
compra, pois o produto é identificado com baixa complexidade para estes
membros. Entre aqueles que já possuíam o modelo anterior (iPhone 4S), registou-
se que alguns simplesmente eram orientados na atualização e na compra imediata,
sempre buscando a novidade, enquanto outra parte estava séptica por ter
esperado mudanças mais significativas. Os depoimentos dos participantes do
fórum em relação às suas escolhas pelo iPhone 5 constatam tais perfis, como
demonstram os seguintes posts.
"Ler os reviews só aumenta o meu excitamento para sair da família Android
e voltar à comunidade do Iphone. Tenho esperado pacientemente os últimos nove
meses para o lançamento do i5".
"Você sabe, eu adoro meu iPhone 5. Eu adorei cada iPhone que tive.
Comprei o original no iDay, depois eu pulei os 3Gs e fui pro 4. E agora o 5.
Será que sou o único que acho que o iPhone original dura mais que os outros?
Deve ser o em torno do telefone, parece que poderia ser melhor, Os iPhones
estão me parecendo mais delicados. O 3G parecia barato. O 4 frágil por causa do
vidro e o 5 parece ainda mais delicado. Parece que trouxeram o alumínio de
volta, aquilo é tão tosco quanto um Nokia dos antigos".
A experiência anterior com produtos tecnológicos de comunicação com
caraterísticas semelhantes ao novo smartphone da Applejustifica a sua
aceitação, pois os utilizadores passam a identificar o novo produto como mais
"performativo" ou "intuitivo". Porém, observa-se também
uma justificação do uso baseado no prazer (atributos hedónicos) proporcionado
pelo uso. Mesmo que um utilizador justifique a aceitação de uso de um
equipamento pela utilidade, o sentimento de prazer é o mais forte definidor da
intenção do utilizador, o que reflete os estudos de Arruda Filho & Lennon
(2011), Han et al. (2009), assim como de Katz & Sugiyama (2006). Com base
nas informações fornecidas pelos participantes do fórum, pode-se inferir que a
experiência e o conhecimento anterior do iPhone 5 levam a uma troca de
experiência.
Os orientados pela marca
Os posts analisados permitem perceber que, tal como descrito por Katz &
Sugiyama (2006), os membros desta categoria utilizam os produtos tecnológicos
de comunicação pessoal como suportes à identidade, ou seja, como se fossem
parte integrante das suas vestimentas e dos seus corpos. É interessante
perceber que a observação dos autores acima referidos é anterior ao boom dos
smartphones, iniciado em 2007 com o lançamento do primeiro iPhone. No entanto,
tal atributo já era detectável com os "celulares multifuncionais"
da época, e vem se repetindo com os modelos atuais "mais
inteligentes". Isto corrobora o fato de que tal fenómeno cultural está
mais relacionado ao consumo das marcas do que às funcionalidades dos aparelhos
em si. Percebe-se também que a moda influencia significativamente a aceitação e
o upgrade do celular, confirmando a visão de Arruda Filho et al., (2008). Para
além, algumas discussões apontavam problemas existentes no novo smatphone da
Apple e indagavam se estes problemas tinham alguma relação com a morte do
grande mentor da empresa, Steve Jobs (profeta da religião Apple?). Os posts
reproduzidos a seguir refletem com maior nitidez estas caraterísticas.
"Eles são os melhores. O meu é o melhor dos melhores! Eu amo-o tanto! É
meu bebê".
"… Devo mudar o preto para o branco, porque o preto é mais propenso a
riscar e descascar. Oh Steve, cadê você? Isso não aconteceria na presença
dele".
"Primeiro iPhone. Antes eu vim de um longo caminho com Blackberry e do
Android. Eu gosto muito. Também porque faz um ano que tenho também iPad, iMac,
Mac Book, etc".
Assim, a menção da marca (Apple) pelos membros da comunidade virtual reflete um
modismo e uma influência social do "ter" o produto. A importância
da marca, neste caso, é superior até mesmo àquela das caraterísticas do
produto, tanto que os usuários desta categoria estão sempre dispostos a
realizar um upgrade frente ao lançamento de uma nova versão, independentemente
de perceberem vantagens práticas neste. Isso ilustra o contexto
"Hipermoderno" descrito por Lipovetsky (2010), onde o valor
simbólico de um produto tem maior relevância para uma decisão de compra do que
os seus atributos utilitários.
Os devotos do produto
A devoção à marca está relacionada à lealdade do consumidor, o que provoca um
apego emocional e afetivo à Apple, que assim chega a condicionar a autoimagem/
autoperceção do utilizador (Solomon, 2011). A análise desta categoria, revelada
pelos comentários na comunidade virtual, demonstrou que os seus membros se
consideram exclusivos pelo grau de proximidade com a história da marca, de modo
a acharem que poucos usuários tenham direito a este status. Eles procuram
diferenciar-se através da familiaridade com os produtos da marca, sendo os
primeiros a "amá-la", exaltando a ideologia da empresa, como
referido por Arruda Filho, Cabusas & Dhokalia (2008). Os seguintes posts
ilustram algumas destas características.
"… Quero sair hoje a noite, mas não sem meu iphone".
"Eu amo meu iPhone. Tanto quanto o cheiro de um bife assando num
grelhador limpo e eficiente".
"Tela maior e o visual preto. Tão sensual!".
A devoção pelo produto recém-lançado, ou pelo anterior, parece aquela dum grupo
de fiéis, nesse caso da marca. Tais membros demonstram que o aspeto hedónico
presente no iPhone não só aumenta o valor de devoção, como também cria uma
estrutura de novos valores encorporados na imagem, projeto e beleza do produto.
Nas conversas, devido ao baixo nível de "inovação"7 na linha do
iPhone, parte dos membros demostra estar à espera de mudanças mais
significativas. Por outro lado, o produto sempre será o lançamento de uma
novidade, enquanto para os usuários mais identificados com a marca é necessário
estimular e implementar valores que justifiquem as suas compras. Ademais, a
lealdade à marca também pode existir em consequência de uma motivação
totalmente utilitária (e não só hedónica). A marca fideliza também por meio do
ecossistema mediático que construiu no tempo, onde ter um iPhone é uma vantagem
não porque ele tem o melhor hardware, mas por conseguir integrá-lo aos outros
dispositivos da empresa já adquiridos.
Os que consomem produtos inovadores
Os utilizadores inovadores remetem para a busca de sempre novas tecnologias
diferentes de todos os dispositivos tecnológicos já utilizados (Okada, 2005;
Arruda Filho et al., 2010). No caso analisado, os pertecentes a esta categoria
têm maiores expetativas perante a utilização do iPhone 5, pois por se
considerarem inovadores revelam uma maior "ansiedade tecnológica".
Estes consumidores conseguem retirar uma vantagem relativa das atualizações do
dispositivo, dessa forma têm um constante anseio pela inovação, o que
influencia diretamente os seus comportamentos enquanto partecipantes na
comunidade virtual. Contudo, as inovações dos produtos são os fatores que
atraem grandes expetativas para esta categoria. Neste sentido, é interessante
relatar o seguinte:
"… A mudança do 4 para o 5 é um grande salto para a humanidade!".
"Estou impressionado".
"Sério, este telefone deixa minha mente de um jeito que nunca
experimentei com nenhum computador. Faz até meu novo iPad parecer lento!
Adorei. Eu estou vivendo no futuro".
Esses consumidores tecnológicos têm uma fascinação por utilizarem produtos de
alta tecnologia. Desta forma, estão dispostos a se posicionar e questionar
sobre o valore e uso do iPhone 5, pois acreditam que a tecnologia irá facilitar
o seu dia-a-dia. Estes consumidores retiram um bem-estar através da
participação à cultura da empresa e da aquisição dos seus produtos. Sentem-se
também diferenciados e orgulhosos por possuírem a última versão, recém-lançada,
da linha de smartphones da Apple. As seguintes discussões exemplificam essa
motivação:
"Por favor não me diga que eles fizeram uma versão barata!".
"Eu tenho trabalho hoje e essa fila está me deixando com ciúmes. Nem
posso esperar para ir até a loja da Apple e olhá-lo pessoalmente…".
Atenta-se, portanto, que a autoperceção dos que participam ao EverythingiCafé
reflete o grau de conhecimento da filosofia da empresa e a posse das suas
mercadorias. Existe um sex appeal da marca e dos seus produtos, uma tal
projeção de valores e crenças na sua tecnologia capaz de alimentar a autoestima
dos seus adeptos, uma emanação de identidade que torna as pessoas sensíveis aos
seus detalhes e ao seu sucesso. A análise das conversas na comunidade virtual
revela uma espécie de fetichismo tecnológico. A expetativa acerca do iPhone 5,
os anseios sobre o seu lançamento, e enfim a sua iminente possibilidade de o
adquirir e utilizar no quotidiano gera nos fãs um sentimento de
"diferença", uma distinção social proporcionada pelo status socio-
tecnológico a ele associado. Então, tal como observa Fortunati (2002), um
produto como este torna-se um "acessório necessário" para essas
pessoas.
Considerações Finais
Este trabalho teve como objetivo analisar as relações entre os membros duma
comunidade virtual orientada à discussão sobre os produtos tecnológicos da
Apple. A análise focou-se em particular nos dias do lançamento do iPhone5.
Procurou-se assim entender que tipo de cultura emerge e revela-se, através da
partilha de opiniões e experiênças, nas comunidades virtuais envolvidas com a
produção de empresas tecnológicas como a Apple. Observaram-se as atitudes, as
motivações, emoções e apreciações dos seus "adeptos". Diante de uma
pesquisa qualitativa desenvolvida num contexto e período específico, as
conclusões aqui apresentadas não devem ser consideradas como respostas únicas e
definitivas ao problema em questão.
As variáveis encontradas foram os "possuidores de experiências
anteriores" com o produto ou produtos similares, os "orientados
pela marca", os "devotos do produto" e os que "consomem
produtos inovadores". Os dados foram recolhidos por meio de uma análise
netnográfica e foram colhidas oito discussões, 212 publicações e 9633 palavras.
Deste estudo empírico retiraram-se alguns resultados considerados
significativos. Em primeiro lugar, verificou-se que, em geral, os consumidores
já fidelizados e orientados pela marca têm interesses dirigidos à produção
global da empresa, uma vez que adquiriram confiança em relação à qualidade,
desempenho e benefícios identitários que a marca proporciona enquanto
dispositivo de valor. Nesse sentido, tais produtos são excitantes "aos
olhos" dos consumidores em virtude do valor simbólico agregado. Foi
também possível concluir que os devotos desses produtos tecnológicos, como o
iPhone 5 , são os que mais se consideram próximos ào espírito da marca. A
idolatria da marca é constantemente presente nos discursos do grupo em questão.
Os consumidores que se destacam como inovadores conseguem gerar maiores
expectativas perante a utilização do iPhone 5, testemunhando de facto uma
"ansiedade tecnológica". Estes consumidores conseguem retirar uma
vantagem relativa mediante a utilização do dispositivo, pois, apesar de haver
um nível de complexidade nos aplicativos eles conseguem superar e lidar com os
upgrades, desafiando uma pretensão pela inovação constante.
Acha-se importante referir, afinal, que aquela cultura alternativa e criativa,
ambientalista, libertária e inconformista, que desde o início tinha
caraterizado empresas como a Apple, deixou de ser o objeto de interesse
específico nos seus seguidores (e produtores). Como se a cultura material e
imaterial proporcionada pela inovação digital tivesse esgotado as suas
promessas de emancipação política, social, laboral, ambiental, artística etc.,
e se tivesse resumido num grande espetacúlo do consumo e da obsolescência
programada. O interesse pelo espírito da marca, associado ao culto da inovação
pela inovação, tende ultrapassar o pela real funcionalidade da ciência e
tecnológia (Eco, 2012). Nesse sentido, considera-se importante promover,
resgatar e desafiar nos vários ambientes (off ou on-line) o interesse pelas
implicações da inovação tecnológica encarada como estratégia sociocultural, e
não como espetáculo, fetichismo ou magia.