As lutas pela Amazónia no início do milénio
INTRODUÇÃO
As lutas pela Amazónia no início do milénio
Pedro Hespanha* e Luis E. Aragón**
* Centro de Estudos Sociais, Universidade de Coimbra, Colégio de S. Jerónimo,
Largo de D. Dinis, Apartado 3087, 3000-995 Coimbra, Portugal E-mail:
hespanha@ces.uc.pt
** Núcleo de Altos Estudos Amazônicos, Universidade Federal do Pará, Cidade
Universitária Professor José da Silveira Netto, Rua Augusto Correa, 1, Guamá -
66075-750 Belém, Pará, Brasil E-mail: luis.ed.aragon@hotmail.com
O processo de globalização, a mundialização dos mercados, o extraordinário
avanço das telecomunicações, a modernização dos transportes, o fortalecimento
da sociedade e do mercado do conhecimento, entre outros fatores, modificaram
profundamente a geografia mundial, trazendo à tona questionamentos diversos
sobre o rumo que tomou a sociedade num mundo extremamente injusto e desigual
que, ao que tudo indica, tende a agravar-se.
No atual contexto internacional assiste-se uma nova organização das atividades
económicas e vive-se acirrada disputa entre as potências detentoras da moderna
tecnologia, localizada nos países hegemónicos, e países detentores dos maiores
estoques de natureza, localizados principalmente em países periféricos. E nesse
contexto a Amazónia ganha um papel preponderante pelo enorme estoque de
recursos naturais que possui e pelo seu papel crucial nas mudanças climáticas
globais.
Mas essa disputa não opera num espaço vazio. Por isso, a disputa pelos recursos
naturais é antes de mais uma disputa pelo controlo dos recursos das comunidades
amazónicas e, através destes, pelas condições de existência autónoma dessas
próprias comunidades. Neste sentido, o futuro da Amazónia só pode ser
perspetivado no quadro mais geral das lutas pela Amazónia e estas decorrem
tanto da imposição de um modelo de desenvolvimento associado aos processos de
globalização hegemónica, quanto do reconhecimento de um modelo de
desenvolvimento intercultural associado à preservação da diversidade social e
cultural dos povos amazónicos.
Este número daRevista Crítica de Ciências Sociais ocupa-se da "questão
amazónica", publicando um conjunto de textos que foram elaborados no
âmbito de um colóquio realizado pelo Centro de Estudos Sociais em 2012,
associado ao Programa Cátedra Milton Santos, precisamente com o título
"As Lutas pela Amazónia no Início do Milénio".
Luis E. Aragón, primeiro titular da Cátedra Milton Santos, no seu artigo
"Desenvolvimento amazônico em questão", faz uma síntese dos
principais desafios de trabalhar com o conceito de desenvolvimento sustentável
para entender a questão da Amazónia, apontando a necessidade de integrar um
conjunto vasto de dimensões nesse conceito, tais como a da invenção da
Amazónia, a das desigualdades regionais, a do lugar dos conhecimentos locais, a
da globalização económica, a da biopirataria e a das novas lideranças, entre
outras.
Mario Miguel Amin, em "A Amazônia na geopolítica mundial dos recursos
estratégicos do século xxi", apresenta a região como espaço vital para o
futuro, dentro do paradigma da globalização que definiu, a partir dos anos
1980, uma nova configuração geopolítica determinada pela crescente procura
internacional de recursos naturais estratégicos. Essa nova realidade
geopolítica exige uma maior presença do Estado a fim de garantir o
desenvolvimento sustentável da Amazónia e reafirmar a soberania dos países
amazónicos sobre a região.
Alberto Acosta, no artigo "Amazonia. Violencias, resistencias,
propuestas", argumenta que esse território tem vida própria e gera
múltiplos saberes que o modelo de desenvolvimento ocidental tenta calar,
convertendo-se por isso mesmo em lugar de lutas e resistências. Entende que é
urgente, portanto, buscar saídas globais e locais integrais que possibilitem a
transição para uma sociedade baseada nos princípios do "bom
viver".
Carlos Walter Porto-Gonçalves, no seu artigo "Amazônia enquanto
acumulação desigual de tempos: Uma contribuição para a ecologia política da
região", analisa a complexa e contraditória dinâmica sociogeográfica,
destacando as múltiplas territorialidades presentes na Amazónia, de onde surgem
diversas possibilidades para o futuro da região.
Alex Fiúza de Mello, no seu artigo "Dilemas e desafios do desenvolvimento
sustentável da Amazônia: O caso brasileiro", argumenta que o progresso
material sem desenvolvimento sustentável tem sido a trajetória histórica das
sociedades amazónicas. Nesse sentido, os modelos de desenvolvimento regional
reproduzem, até hoje, as características de dependência local aos padrões de
acumulação gerados externamente, condenando a Amazónia tão-somente a um simples
"almoxarifado" do grande capital. Os desafios futuros implicam,
portanto, uma rutura com esse modelo tradicional de dependência, questão que
envolve, entre outros fatores, fortes investimentos na educação, ciência e
inovação.