Gestão pública no turismo e o desenvolvimento de destinos turísticos em um
estado da Federação Brasileira: uma análise do planejamento estratégico do
turismo em Minas Gerais (2007-2010)
1. Introdução
Com o objetivo de compreender a relação entre a Gestão Pública no Turismo e o
Desenvolvimento de Destinos Turísticos em um Estado da Federação do Brasil,
este estudo realiza uma análise do Planejamento Estratégico do Turismo no
período de uma gestão governamental. Para tanto, o estado de Minas Gerais (MG)
foi escolhido principalmente por possuir características diferenciadas no
contexto da gestão pública, em razão das mudanças realizadas com a
implementação de um modelo de gestão administrativa e por apresentar
iniciativas diferenciadas no setor turístico, como a Política de Circuitos
Turísticos (Emmendoerfer et al, 2011).
Se não for desenvolvido de maneira sustentável e planejado, o turismo pode
trazer sérios problemas ao local onde é praticado. Nesse sentido, o papel do
poder público no processo de desenvolvimento do turismo é destacado por Beni
(2008, 102) quando ele afirma que o turismo é uma atividade que requer a
intervenção proeminente do Estado pelo que representa em suas características
fundamentais. Segundo Ruschmann (2010, p.150), historicamente, o êxito do
turismo em uma destinação depende da ação do Estado.
Por estar diretamente relacionado ao objetivo de assegurar o desenvolvimento
turístico (Molina, 2005), o planejamento se constitui uma técnica de uso
imprescindível pelas administrações públicas que apostam no desenvolvimento do
setor. A intervenção dos diversos níveis da administração pública (federal,
estadual e municipal) também é apontada pelo autor como um motivador do
planejamento no turismo, pois os diferentes níveis de atuação de governos podem
ocasionar dispersão de esforços, de investimentos e ações contraditórias.
Considerando que o turismo é cercado por problemas de análise, monitoração,
coordenação e elaboração de políticas (principalmente por possuir
características especiais de serviço e estrutura), Hall (2004, p. 41) acredita
que a análise da política pública e do planejamento turístico não vem sendo
priorizada no âmbito governamental e no privado, que aparecem mais preocupados
com a divulgação e os retornos de curto prazo do que com investimento
estratégico e sustentabilidade. Tal situação instiga pesquisadores a
realizarem estudos sobre planejamentos governamentais no turismo, como ocorre
neste estudo.
Assim, o próximo tópico abordará aspectos teóricos relacionados a planejamento
turístico, planejamento estratégico no turismo e desenvolvimento de destinos
turísticos.
2. Revisão da literatura
Entre os tipos de planejamento existentes, o estratégico é dos mais utilizados
no turismo. A ele cabe o estabelecimento dos objetivos gerais, visando à
formulação dos programas e projetos, que indicam a direção que a organização
deve seguir. Acerenza (2003, p. 86) define tal planejamento como o processo que
determina os objetivos gerais do desenvolvimento, as políticas e as estratégias
que norteiam os aspectos relacionados aos investimentos, ao uso e ao
ordenamento dos recursos utilizáveis para este fim. No âmbito do processo de
planejamento turístico, existem questões que merecem ser observadas:
§ A integração, que requer a participação e a interação entre a organização
responsável pelo planejamento e as partes interessadas no processo;
§ O problema da coordenação, que refere-se a relacionamentos
institucionalizados formais entre redes de organizações existentes, interesses
e/ou indivíduos (Hall, 2004, p. 118) e que, como atividade política, pode se
tornar extremamente difícil principalmente quando há um grande número de
participantes envolvidos no processo de tomada de decisão, como ocorre no
turismo. O autor apresenta a abordagem colaborativa por meio da cooperação,
como um importante meio de promover o bem coletivo das partes interessadas em
turismo (Hall, 2004, p. 119).
Outro ponto que pode ser observado no processo de planejamento voltado para o
turismo é a abordagem. Hall (2004) estabeleceu características de cinco
abordagens tendo como base as descrições fornecidas por Getz em 1987, sendo
elas: de fomento, econômica, físico-espacial, voltada para a comunidade e
sustentável.
De acordo com o autor, a abordagem de fomento é mais utilizada para o
desenvolvimento e o planejamento relacionado ao turismo de massa e não envolve
a participação dos residentes do destino na tomada de decisões e planejamento
em prol do desenvolvimento turístico. Já a tradição econômica, segundo o autor,
considera o turismo como uma indústria que pode contribuir para que governos
atinjam metas de crescimento econômico, geração de empregos e desenvolvimento
regional por meio de incentivos financeiros, pesquisas, ações de marketing e
divulgação. O planejamento físico-espacial está relacionado ao uso do solo e
considera a base ecológica como fundamento, procurando minimizar os impactos
negativos do turismo no ambiente físico. A abordagem comunitária surgiu da
necessidade de desenvolvimento de diretrizes que possibilitem maior aceitação
social para expansão do setor e dos diversos problemas sociais que o turismo
causa em comunidades. Por último, a sustentável incorpora aspectos
coordenativos, interativos, integrativos e estratégicos aos princípios da
abordagem comunitária, trazendo princípios de desenvolvimento sustentável para
o planejamento e sua operacionalização, contemplando características dos demais
tipos de planejamento.
No que tange ao planejamento público de governos voltado para o turismo, é
necessário que se entenda as funções que normalmente são atribuídas ao Estado,
entre elas (Hall, 2004; Dias, 2008): (1) coordenação; (2) planejamento; (3)
legislação e regulamentação; (4) empreendimentos; (5) incentivo; (6) atuação
social; (7) promoção e (8) defensor do interesse público.
Como coordenação considera-se a implementação da política de turismo que traduz
os interesses específicos de todos os agentes em um interesse geral. O
planejamento estabelece as linhas gerais para que o desenvolvimento aconteça de
forma ordenada, atendendo ao interesse coletivo, apesar de, na realidade, o
Estado representar os interesses de determinados grupos sociais (Hall, 2004).
As leis, decretos e resoluções são muito importantes para a realização das
políticas públicas e também cabe ao Estado, em seus diferentes níveis
organizacionais, a regulamentação do turismo.
Ao se referirem a empreendimentos ou ao Estado como empresário, os autores
tratam da possibilidade de o Estado exercer uma função empresarial quando
determinada atividade (considerada essencial para o desenvolvimento do turismo)
não gera retorno financeiro para a iniciativa privada, principalmente em
relação à infraestrutura básica.
Como incentivos têm-se os empréstimos ao setor privado, incentivos fiscais,
isenções de taxas e diminuição da carga tributária. A atuação social ou turismo
social corresponde ao estímulo para a prática do turismo nas camadas sociais
menos favorecidas, a fim de contribuir para a expansão da atividade e para a
ampliação do direito ao lazer. A promoção nas regiões emissoras de turistas ou
divulgação do turismo é tratada por Dias (2008, p. 128) como uma importante
função das administrações públicas e que tende a acentuar-se devido ao aumento
da competição global pelo fluxo de viajantes.
Hall (2004) considera o papel de defensor do interesse público como o que deve
garantir a equidade no processo de planejamento turístico, funcionando como um
árbitro dos interesses conflitantes e não como defensor de interesses de
classes, políticos ou específicos.
Apesar de ser uma atividade produtiva capitalista, que enquanto negócio visa à
obtenção de lucros, o turismo pode ser absorvido de diversas maneiras pelas
culturas e modos de produção locais, apresentando-se como prática social,
econômica, política, cultural e educativa, envolvendo relações sociais e de
poder entre residentes e turistas, produtores e consumidores, configurando-se
como uma atividade contraditória que ao mesmo tempo transforma o espaço em
mercadoria, mas que também cria oportunidades de ganhos para a comunidade onde
a atividade se estabelece (Coriolano, 2006).
Assim, muitas são as pesquisas que procuraram identificar e compreender o
desenvolvimento turístico sob diferentes enfoques (Solha, 2004), como: o de
ciclo de vida nas destinações, que segue o conceito de marketing de produtos; o
de turismo mais brando, com uma postura contrária à massificação de destinos; o
que propõe que turistas sejam atendidos pela infraestrutura destinada à
população local, renunciando aos equipamentos que alteram a paisagem e cultura
do local; o que apresenta um olhar que relaciona desenvolvimento aos interesses
de classes sociais; e o que se direcionou para questões psicológicas e para as
personalidades dos diferentes tipos de turistas, entre outros (Ruschmann,
2010).
Recentemente, teóricos estão se voltando para o conceito de sustentabilidade,
seguindo a tendência mundial, incluindo definições de desenvolvimento turístico
sustentável, que estão direcionadas a uma visão mais holística da realidade,
valorizando aspectos ambientais (Hall, 2004; Barretto, 2009; Ruschmann, 2010;
Costa, Soares & Emmendoerfer, 2011). Para o Brasil, Beni (2008) propôs um
desenvolvimento integrado por meio do Sistema de Turismo ' SISTUR, que se
baseia na Teoria dos Sistemas, envolvendo os subsistemas econômico, social,
cultural e ecológico.
O entendimento de desenvolvimento turístico nesta pesquisa está relacionado a
destinos turísticos, portanto, é necessário que se tenha uma compreensão sobre
o tema observando as diversas definições que aparecem na literatura. Observa-se
que alguns autores relacionam a ideia de destino turístico a de um local
geográfico (país, região, estado, cidade) que recebe turistas (Medlik, 1993
apud Hall, 2004). Já outros autores preferem uma abordagem mercadológica onde o
destino deve ser visto e entendido como um produto turístico (Cooper et al,
2007; Wallingre, 2009). No entanto, Hall (2004, p. 216) contrapõe tal concepção
ao afirmar que:
Embora algumas pessoas que realizem atividades de promoção, comercialização e,
talvez, até planejamento de turismo, possam, às vezes, parecer sugerir o
contrário, um destino não é somente um outro produto ou mercadoria.
Destinos são lugares nos quais as pessoas vivem, trabalham e se divertem. Se
temos intenções sérias de tornar esses lugares sustentáveis, devemos tratá-los
como o conjunto complexo de relacionamentos e redes que são.
De acordo com o autor, a indústria do turismo deve estar atenta e ser sensível
às necessidades da comunidade local, além de ser aceita por ela. Tal situação é
essencial para que a atividade se sustente por um longo prazo, sendo parte da
comunidade e não uma imposição. Considerando que a maior parte da literatura da
área não enfatiza a importância de se realizar um planejamento turístico tendo
como base a comunidade, ele acredita que o planejamento contínuo colaborativo
entre as partes interessadas nos destinos tem emergido como um importante
elemento do planejamento turístico estratégico.
3. Procedimentos metodológicos
Este estudo se caracteriza como qualitativo. O universo compreende atores
sociais do turismo em Minas Gerais e de 16 municípios considerados indutores do
desenvolvimento turístico no estado. Como ator, considera-se o conceito de
Secchi (2010) que define o termo como indivíduos, grupos e organizações que
influenciam o processo político e que possuem comportamentos dinâmicos de
acordo com os papéis que interpretam.
As unidades de análise abrangem os municípios: Belo Horizonte, Ouro Preto,
Diamantina, Tiradentes, São João del Rei, Sete Lagoas, Santana do Riacho, Poços
de Caldas, São Lourenço, Juiz de Fora, Camanducaia, Caxambu, Maria da Fé,
Caeté, Araxá e Capitólio. Segundo a Secretaria de Estado de Turismo de Minas
Gerais (SETUR), estes destinos já possuem um desenvolvimento turístico e por
isso são considerados indutores do turismo regional em Minas Gerais desde 2008.
Os sujeitos da pesquisa foram os representantes de entidades públicas e
privadas atuantes no turismo nestes destinos e no estado de Minas Gerais. Tais
entidades foram selecionadas de forma não probabilística e por tipicidade.
Segundo Vergara (2005), a amostra é não probabilística por não se basear em
procedimentos estatísticos e por tipicidade, já que é constituída pela seleção
de elementos representativos da população-alvo.
A estruturação da coleta de dados primários ocorreu por meio de pesquisa
documental e de campo. Na documental, foram considerados documentos fornecidos
pela SETUR. Já a pesquisa de campo ocorreu por meio de entrevistas. O estudo
também utilizou dados secundários obtidos por meio de pesquisa bibliográfica em
publicações e teses relacionadas ao tema da pesquisa.
Utilizou-se análise de conteúdo, por meio da técnica de análise temática.
Segundo Bardin (2009), o tema é mais utilizado como unidade de registro em
estudos sobre motivações de opiniões, atitudes, valores, crenças e tendências.
Os temas selecionados para este estudo, que compuseram o roteiro
semiestruturado das entrevistas, bem como auxiliaram nas análises documental e
bibliográfica foram: Características, Função, Destaques e Limitações do
Planejamento Público Estadual no Turismo. Nas análises também foram
consideradas as abordagens de planejamento no turismo: fomento, econômica,
físico-espacial, voltada para a comunidade, e sustentável (Hall, 2004).
Assim, as entrevistas com roteiros semiestruturados foram realizadas com dois
gestores da SETUR e 60 atores dos 16 destinos indutores. Os entrevistados da
SETUR foram identificados como agentes estratégicos para essa análise, por
participarem e acompanharem o processo de planejamento realizado na secretaria
e assumirem funções estratégicas de gestão. Em todos os destinos buscou-se
selecionar entrevistados relacionados ao poder público local, iniciativa
privada e entidades civis representativas do setor turístico. Trabalhou-se com
o mínimo de três entrevistados por destino e o máximo de cinco. Todas as
entrevistas, realizadas entre abril e dezembro de 2011, foram gravadas e
transcritas durante as análises dos dados, cujos resultados serão apresentados
no tópico seguinte.
4. O planejamento público do turismo emMinasGerais(2007-2010)
A criação da Secretaria Estadual de Turismo de Minas Gerais (SETUR), em 1999,
marcou o início da política descentralizada neste estado, já que a secretaria
possuía autonomia técnica e administrativa e um vínculo setorial de
subordinação a um ministério, no caso o Ministério do Turismo, e da
regionalização, caracterizada pela participação da sociedade na definição das
prioridades do turismo em Minas Gerais, verificada no programa de Circuitos
Turísticos (Emmendoerfer et al, 2007). Segundo os autores, de acordo com o
Decreto estadual n° 43.321, o Circuito Turístico é constituído por municípios
de uma mesma região que possuem afinidades culturais, sociais e econômicas e
que juntos buscam organizar e desenvolver a atividade turística regional de
base sustentável.
Tal programa ganhou notoriedade nacional e se caracterizou como uma política
pública, se mantendo ao longo de três mudanças de mandato político. No entanto,
no período 2007-2010, tal política passou a ser complementada por programas e
projetos que seguiam o modelo de gestão implementado no estado, conhecido como
Choque de Gestão.
Este modelo é definido como o processo de reengenharia realizado no âmbito
executivo em Minas Gerais, que teve como uma de suas características a lógica
do planejamento estratégico da ação estatal voltada para resultados (Vilhena et
al, 2006). Assim, de acordo com Corrêa (2007), para que fosse possível o
desenvolvimento de um governo capaz de implementar políticas públicas como
resultado de um processo de planejamento estratégico, foram definidas
iniciativas de curto prazo que facilitariam o alcance dos resultados almejados
no longo prazo.
Esta última autora considera que a grande iniciativa para o desenvolvimento da
lógica do planejamento estratégico como política de gestão do governo foi a
integração entre planejamento e orçamento, iniciado com o Plano Mineiro de
Desenvolvimento Integrado (PMDI), em 2003. Este foi definido como um plano
estratégico indicativo para o estado de Minas Gerais, que considerou grandes
ações de longo, médio e curto prazo, apresentado pelo Executivo para ser
discutido com os representantes dos cidadãos no estado.
Em 2007, o PMDI foi revisto e passou a ser direcionado para o período 2007-
2023. Esta revisão definiu uma estratégia de desenvolvimento com base em sete
eixos, onde o principal deles era o Estado para Resultados. O novo PMDI
manteve a visão de futuro, mas inovou ao incorporar ao modelo de gestão este
último eixo (Guimarães & Bernardi, 2010).
Para entender melhor o modelo de gestão implementado em Minas Gerais, Guimarães
& Bernardi (2010) apresentam alguns conceitos que aparecem ao longo deste
estudo:
§ Área de resultados: é constituída por um conjunto de projetos
estruturadores e associados, para a qual se buscam transformações qualitativas
e quantitativas e que seguem a estratégia de desenvolvimento do estado definida
no PMDI.
§ Projeto estruturador: detalha gerencialmente as ações prioritárias para o
alcance das transformações definidas pelas áreas de resultados. É o instrumento
que garante que as estratégias do governo sejam efetivamente implementadas.
Inicialmente, em 2003, foi instituída uma carteira de 30 projetos
estruturadores. De acordo com Guimarães & Bernardi (2010), essa carteira em
2010 já contava com 57 projetos.
§ Projeto Associado: detalha gerencialmente as ações complementares ao
projeto estruturador. Sua função é contribuir para o alcance das transformações
desejadas pelas áreas de resultados.
Retomando ao contexto do turismo em Minas Gerais, no período analisado neste
estudo, é importante destacar o Projeto Estruturador Destinos Turísticos
Estratégicos, que também apresenta um alinhamento com as diretrizes
estabelecidas no âmbito nacional.
Constatou-se que o planejamento público no turismo em Minas Gerais é
constituído de um planejamento estratégico com seus macroprogramas de ações
(com visão de longo prazo, sendo revisado de quatro em quatro anos, ou seja, a
cada mudança de gestão). Além do planejamento estratégico, são trabalhados os
projetos estruturadores, delimitados para o período de quatro anos, que
contribuem com as ações estabelecidas em cada macroprograma, mas que, no final
do período delimitado, entregam um produto final, apresentando as metas
propostas pelo projeto e seus resultados. Assim, o planejamento público
estadual no turismo em Minas Gerais no período de 2007 a 2010 pode ser
caracterizado de acordo com os seguintes aspectos (Minas Gerais, 2010).
Apesar de ter sido tratado separadamente na Tabela_1, de acordo com um dos
representantes da SETUR, o projeto estruturador faz parte do planejamento
estratégico da secretaria. No entanto, as ações do projeto estruturador são
aquelas consideradas prioritárias e que estabelecem as metas traçadas no
planejamento a serem executadas até o final da gestão. Já as ações do
planejamento estratégico não necessariamente serão realizadas neste mesmo
período.
Assim, pode-se afirmar que o planejamento estratégico corresponde a ações
relacionadas a um Plano de Estado (que poderá ter continuidade mesmo com a
troca de gestões) e o projeto estruturador, a um Plano de Governo (ou seja,
corresponde apenas ao período de uma gestão).
Ao se analisar o Planejamento Estratégico da SETUR, no período definido neste
estudo, um dos aspectos de maior destaque refere-se ao alinhamento do
planejamento estratégico da SETUR com a Política Nacional de Turismo definida
pelo MTur e com o modelo de gestão estadual. Observa-se então um esforço de
atender às diretrizes em dois âmbitos: o nacional e o estadual. Tal esforço
relaciona-se a dificuldades enfrentadas por estados e municípios para a
adaptação das diretrizes nacionais em seus limites político-territoriais, como
afirma Beni (2006, p.174):
Se, de um lado, o governo federal, por meio do Ministério do Turismo,
apresenta hoje uma estrutura institucional apta a planejar as
diretrizes norteadoras e estruturantes do processo de regionalização
do turismo; de outro, os estados e municípios ainda enfrentam
dificuldades e obstáculos para aplicar e dar continuidade, em seus
limites político-territoriais, às diretivas prescritas e aplicáveis
em suas respectivas conjunturas.
(...) refletem a ausência de recursos humanos qualificados para absorver,
entender e compreender os novos paradigmas, trabalhando-os no sentido de
harmonizá-los e compatibilizá-los com as especificidades locais, bem como com
os instrumentos operacionais disponíveis.
Considerando tais questões, pode-se dizer que tal planejamento em Minas Gerais
(2007-2010) procurou superar as dificuldades existentes no campo
administrativo-político. Observa-se que o direcionamento técnico dado pela
gestão (apontado tanto pelos atores da SETUR, quanto por vários atores dos
destinos indutores) pode ter sido um facilitador na tentativa de reduzir as
diferenças no contexto administrativo-político no turismo. Este direcionamento
técnico foi citado por tais entrevistados como uma característica da gestão do
período estudado em razão de o cargo do principal gestor do turismo no estado
(o de secretário) ter sido ocupado por um profissional com experiência no
mercado turístico e por este ter constituído uma equipe com o mesmo perfil.
Outro aspecto que merece ser mencionado está relacionado ao enfoque comercial
observado nas ações e nos projetos propostos. De acordo com Minas Gerais
(2010), o modelo de desenvolvimento proposto pela SETUR busca consolidar e
fortalecer a gestão dos destinos turísticos, tornando-os mais competitivos (p.
28) e é por meio do planejamento estratégico que a secretaria pretende atingir
tal objetivo. Para isso foram estabelecidos o negócio, a missão e a visão,
apresentados na tabela_1. Observa-se que tanto na definição do negócio, quanto
na visão do planejamento estratégico, o estado de Minas Gerais é tratado como
um destino turístico, cujo conceito também aparece no propósito do modelo de
desenvolvimento da SETUR acompanhado do adjetivo competitivo, o que evidencia
um enfoque mais voltado para a comercialização, estando mais próximo da
definição de Cooper et al(2007) e de Wallingre (2009), onde o destino é visto e
entendido como um produto turístico.
Considerando a percepção dos atores entrevistados neste estudo, que integram os
destinos indutores de Minas Gerais, salienta-se que a Promoção Turística foi
considerada o maior destaque do Planejamento Estratégico de Minas Gerais no
período analisado. Ressalta-se que, além de ser citada como um destaque por 21
entrevistados, quando questionados sobre qual a função mais exercida pela SETUR
no período analisado, considerando o papel do Estado no turismo de acordo com
Hall (2004) e Dias (2008), a maioria apontou a promoção e divulgação do turismo
como a mais exercida.
Este indicativo levanta reflexões sobre a aplicabilidade dos métodos de
planejamento empregados no contexto público estadual em Minas Gerais. Primeiro,
porque a abordagem de fomento parte do princípio de que o turismo é bom para
qualquer local que comece a trabalhar a atividade e desconsidera os impactos
negativos provocados pela atividade, além do desejo da comunidade. Além disso,
o fomento interessa mais a políticos, que acreditam ser esta a solução para o
desenvolvimento do turismo, e aos empresários do setor, que enxergam na
divulgação dos destinos a principal forma de desenvolver a atividade (Getz,
1987 apud Hall, 2004).
No entanto, ressalta-se que não se pode dizer que o planejamento do período não
utilizou considerações da abordagem sustentável e da voltada para a comunidade,
mas sim que suas ações mais destacadas estão diretamente relacionadas às
características das abordagens de fomento, segundo Hall (2004). O que pode ser
observado por meio das seguintes características:
§ A não participação de atores estaduais, nem municipais na elaboração do
planejamento. Houve apenas consulta ao Conselho Estadual em relação ao que já
tinha sido planejado;
§ A não existência de participação de outras secretarias estaduais na
elaboração deste planejamento;
§ O negócio, a visão e a missão estabelecidos no planejamento estratégico
deixam claro o enfoque para o mercado. Tal enfoque também foi verificado nas
falas dos gestores que utilizavam expressões como pôr o produto na vitrine,
ampliação da carteira de produtos, tornar os produtos mais variados e
competitivos, medir a necessidade do cliente;
§ Perfil mais técnico do que político, de acordo com a percepção dos
atores, justificada pelo fato de o principal gestor ser do mercado turístico;
§ O enfoque do projeto estruturador em destinos estratégicos;
§ Impossibilidade jurídica de realizar investimentos em infraestrutura
básica.
Outro aspecto mencionado pelos atores sobre o planejamento estratégico da SETUR
no período analisado foi o Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de
Mercadorias' ICMS de nível estadual voltado ao Turismo (ICMS Turístico), que
possui como fato gerador a circulação de mercadorias, a prestação de serviços
de transporte (interestadual e intermunicipal) e de comunicação. O ICMS
Turístico é representado por meio do critério Turismo no ICMS Solidário,
instituído pela Lei n°18.030/2009, conhecida como Lei Robin Hood, que
estabelece que o repasse maior de recursos seja para as cidades mais pobres do
estado (Minas Gerais, 2009). O ICMS Turístico foi um incentivo financeiro
concedido pelo estado de Minas Gerais para que os municípios mineiros
trabalhassem a gestão turística, destinando parcela do que é arrecado no ICMS
estadual para o desenvolvimento do turismo municipal. Os valores a serem
destinados ao município terão como base o índice de investimento em turismo do
município e o somatório dos índices de investimento em turismo de todos os
municípios do estado habilitados a receber o benefício, que serão fornecidos
pela SETUR.
Assim, observou-se que o ICMS Turístico possibilitou o fortalecimento de
Conselhos Municipais de Turismo (COMTUR) de alguns dos destinos estudados, ao
possibilitar que as administrações municipais recebam uma suplementação
financeira, caso cumpram as exigências estabelecidas no Decreto de
Regulamentação:
§ participar de um Circuito Turístico reconhecido pela SETUR, de acordo
com o programa de regionalização;
§ ter elaborada e em implementação uma política municipal de turismo;
§ possuir Conselho Municipal de Turismo (COMTUR), constituído e em
funcionamento;
§ possuir Fundo Municipal de Turismo (FUMTUR), constituído e em
funcionamento.
Apesar de ser uma ação de legislação e regulamentação (Dias, 2008), o ICMS
Turístico é mencionado no planejamento estratégico da SETUR (2007-2010) como
uma das ações do Programa de Estruturação das Instâncias de Governança, que
integra o macroprograma de Regionalização do Turismo. Isto ocorre, pois os
critérios para a distribuição dos incentivos são definidos pela gestão pública
estadual.
De acordo com alguns entrevistados, são esses critérios os motivadores ou
impulsionadores para o retorno dos conselhos e planejamento no âmbito municipal
em alguns destinos. Este efeito de impulsionador do desenvolvimento do turismo
nos destinos foi verificado de várias maneiras:
§ alguns conselhos foram reativados ou criados e estão funcionando
ativamente motivados pelo ICMS Turístico;
§ destinos que, por meio do COMTUR, estão trabalhando na criação de um
plano de turismo voltado para a sustentabilidade da atividade e de forma
participativa;
§ destinos que, apesar de terem COMTUR funcionando, tinham dificuldades
de conseguir a aprovação da prefeitura para o Fundo Municipal de Turismo
(FUMTUR) e, por conta da pressão para o recebimento do ICMS Turístico,
conseguiram que a prefeitura liberasse o fundo.
Esses exemplos citados foram encontrados durante a coleta de dados e comprovam
que o ICMS pode contribuir de diferentes formas para o desenvolvimento
turístico em municípios e destinos. No entanto, também foram verificados casos
de locais indiferentes ao incentivo e também de municípios que cumpriram os
critérios apenas formalmente, mas na prática a realidade se mostrou diferente.
Como o caso de um destino contemplado com o recurso, mas que não empregava o
recurso no turismo. Isso mostra que as instancias de governança podem ser
unidades organizadas simplesmente formalísticas corporativas ou restritas a um
grupo e cumprir rituais de acesso a recursos do Estado, não atendendo de modo
efetivo como um espaço de efetiva participação social, o que reforça a
necessidade de gestão social e de transparência governamental em suas ações e
de seus resultados, como na alocação dos recursos.
Também foram encontradas, em alguns destinos, tentativas de articulação das
lideranças locais. Mas em função da falta de desejo da iniciativa privada e da
comunidade em desenvolver o turismo no local, além da ausência de integração
entre as entidades públicas e privadas, tais tentativas não foram bem-
sucedidas.
Os exemplos encontrados mostraram que, apesar de estar impulsionando o
desenvolvimento turístico em alguns destinos, o ICMS Turístico ainda precisa de
monitoramento para aperfeiçoar seus critérios de avaliação, principalmente em
relação à análise das documentações enviadas pelos municípios.
Verificou-se também que os maiores beneficiados pelo ICMS não foram os destinos
contemplados com as verbas, mas aqueles que estão aproveitando a oportunidade
para se organizar localmente, começando pela articulação dos líderes locais e
da comunidade em prol de um planejamento participativo no turismo. É neste
sentido que o ICMS pode funcionar como um instrumento impulsionador do
desenvolvimento turístico.
Outro tema bastante abordado nas entrevistas com os atores dos destinos
indutores e apontado como um destaque do planejamento analisado neste estudo
foi o fortalecimento dos Circuitos Turísticos. Alguns atores ressaltaram que a
postura enfática dos gestores estaduais em não receber diretamente os gestores
públicos municipais, que não pertenciam a nenhum circuito turístico, foi
determinante para o fortalecimento da política durante o período analisado
nesta pesquisa. Tal postura se apresenta como uma solução principalmente para
um tipo de ação corriqueira no âmbito público estadual: a solicitação de verbas
para ações pontuais nos municípios. Além disso, estimula a sensibilização dos
gestores públicos municipais para a participação em uma política que visa à
cooperação regional e à descentralização.
No entanto, apesar deste fortalecimento, ao abordar a questão da continuidade
dos Circuitos Turísticos, foi inevitável que os atores apresentassem questões
atuais, que apesar de não se aplicarem ao período analisado neste estudo, podem
fornecer subsídios para futuras ações no turismo em Minas Gerais. Foi relatado
pela maior parte dos atores que em 2011 o contato entre SETUR e circuitos
diminuiu consideravelmente e que os gestores da secretaria estão recebendo
gestores públicos municipais diretamente. Ou seja, a valorização dos circuitos,
tão enfatizada pelos atores como destaque do período 2007-2010, parece ter se
enfraquecido com a mudança de gestão estadual.
Tal situação apresenta a questão da descontinuidade de ações no âmbito público,
apontada como uma preocupação relacionada à política de Circuitos Turísticos
por Emmendoerfer et al (2007), e que restringe a eficiência e a eficácia das
políticas públicas e do planejamento no turismo em nível local e regional.
Essa constatação coloca em discussão a própria questão administrativa vigente
no âmbito público em Minas Gerais, visto que, de acordo com a SETUR, existe uma
continuidade do plano de Estado iniciado com o Choque de Gestão, em 2003
(identificado nas falas dos entrevistados e em documentos disponibilizados em
sítios eletrônicos do governo estadual). Após passar pela segunda geração,
Estado para Resultados (2007-2010), a gestão estadual se encontra na terceira
geração, que enfoca a Gestão para a Cidadania, onde a premissa orientadora é o
Estado em Rede, que busca dar continuidade à orientação para resultados, mas
promovendo integração no âmbito da administração pública estadual (entre as
secretarias) com a gestão em rede e promovendo a regionalização da estratégia e
a participação da sociedade civil. O interessante é que, na contramão da
proposta estadual vigente, as indicações constatadas neste início de gestão
mostram um possível enfraquecimento das instâncias de governança (Circuitos
Turísticos), anteriormente fortalecidas, apontando para a necessidade da
continuidade de estudos relacionando o planejamento e desenvolvimento turístico
em destinos em Minas Gerais.
5. Conclusão
O estudo contribui para a construção do conhecimento em administração pública e
turismo ao discutir elementos que se apresentam como avanços e limitações das
ações planejadas em prol do desenvolvimento turístico em Minas Gerais - Brasil,
além de discussões que possibilitam uma reflexão acerca da vulnerabilidade de
conceitos ainda vivenciados no turismo em tal território, mas não restritos a
este, bem como fatores críticos relacionados a coordenação intergovernamental
(níveis estadual e municipal) para o turismo.
Neste sentido, ao analisar a função planejamento na relação entre a Gestão
Pública no Turismo e o Desenvolvimento de Destinos Turísticos foi observado o
papel de fomentador muito atribuído ao Estado, algo não exclusivo ao Brasil,
por parte dos integrantes da cadeia turística estudada. Verificou-se que em
Minas Gerais, esta abordagem ainda norteia o planejamento público estadual,
além de estar presente no discurso dos integrantes da cadeia turística dos
destinos indutores. Esta constatação demonstra a existência de um caminho a ser
trilhado no estado para que se alcance os ideais difundidos na abordagem
sustentável como: a integração e a participação da comunidade no planejamento
do turismo. O que aponta, enquanto novidade neste estudo, para a necessidade de
gestão social no turismo estadual e municipal, não somente pela constituição de
conselhos gestores, mas também pelo engajamento e articulação entre os atores
públicos e privados do setor turístico.
Nessa relação gestão pública e desenvolvimento para o turismo, convém também
uma revisão por parte do poder público estadual no tocante ao imposto criado em
2009, para complementar o investimento no turismo em nível local (ICMS
Turístico), algo considerado inédito no Brasil e em muitos países do mundo. Por
que ao mesmo tempo em que a pesquisa mostra que o incentivo representa um
avanço para o desenvolvimento turístico, apresentando indícios de estímulo à
participação e à integração dos atores locais em alguns destinos indutores,
foram observadas limitações administrativas e operacionais na avaliação dos
critérios estabelecidos. Todavia é uma estratégia que outros territórios
nacionais e internacionais poderiam analisar e realizar para incrementar os
investimentos em turismo, bem como estimular a participação de mais agentes
públicos e privados (stakeholders) no processo de planejamento do
desenvolvimento turístico em nível local, por meio de uma gestão colegiada,
observada no Brasil como gestão social em Conselho Municipal de Turismo
(COMTUR).
Apesar de esta pesquisa estar relacionada ao período 2007-2010, sinaliza-se a
necessidade de estudos que deem continuidade às análises e ao monitoramento do
planejamento público e de suas implicações no desenvolvimento de destinos,
principalmente porque foi observado que a atual gestão em Minas Gerais parece
caminhar para uma abordagem mais próxima dos conceitos de sustentabilidade,
trabalhando com a gestão focada no cidadão e a premissa do estado em rede. O
que no turismo remete a ações mais participativas e integradoras nos âmbitos
estadual e municipal para o seu efetivo desenvolvimento.
Agradecimentos ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
(CNPq), à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES),
à Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG) e à
Fundação Arthur Bernardes (FUNARBE) pelo apoio concedido para a realização
desta pesquisa.