Determinantes da procura turística doméstica em Portugal numa conjuntura de
crise económica e financeira
1. Introdução
O turismo tem vindo a afirmar-se ao longo dos anos como um sector estratégico
da economia portuguesa, pois contribui para o crescimento do emprego e da
economia, bem como para o desenvolvimento e a integração socioeconómica das
regiões mais rurais, periféricas e com menores níveis de desenvolvimento. De
acordo com os dados mais recentes disponíveis na Conta Satélite do Turismo no
Instituto Nacional de Estatística (INE), é um sector que no final da última
década empregava cerca de 6% da população activa portuguesa e o valor
acrescentado gerado pelo turismo valia aproximadamente 5% do Valor Acrescentado
Bruto nacional (INE, 2009). Para além disso, o Consumo Turístico no Território
Económico (CTTE) valia cerca de 9% do Produto Interno Bruto (PIB) (INE, 2010).
De acordo com a mesma fonte, o consumo de turistas internacionais (consumo
efectuado por não residentes) representava cerca de 56% do CTTE, enquanto o
consumo de turistas domésticos (ou de residentes, efectuado no território
económico português) apresentava um peso próximo de 39%. As outras componentes
do turismo, que abrangem, nomeadamente, serviços de alojamento associados a
habitações próprias secundárias, representavam os restantes 5% do CTTE.
De acordo com os dados mais recentes disponibilizados pelo World Travel and
Tourism Council (WTTC), é um sector que em 2012 empregava directamente cerca de
7% da população activa portuguesa (estima-se que a contribuição total do sector
no emprego tenha sido de aproximadamente 18%) e o seu contributo directo no PIB
era de quase 6% (estima-se que a contribuição total do sector no PIB tenha sido
de quase 16%) (World Travel and Tourism Council, 2013). De acordo com a mesma
fonte, os gastos dos turistas domésticos geraram cerca de 36% do PIB directo
devido ao turismo.
De acordo com o INE (INE, 2013), em 2012 cerca de 4,0 milhões de residentes em
Portugal (38% do total da população) realizaram pelo menos uma deslocação
turística em que tenham dormido uma ou mais noites fora do seu ambiente
habitual. Nesse documento também são apresentadas estimativas que revelam que
cerca de 35% do total dos residentes se deslocaram para destinos domésticos,
enquanto cerca de 8% dos residentes (incluindo 5% do total da população que
efectuou deslocações para ambos os destinos) se deslocaram para destinos no
exterior. Nesse ano, o INE estima que o número de dormidas originadas pelas
deslocações turísticas dos residentes totalizou 69,7 milhões, sendo que cerca
de 83% dessas dormidas ocorreram em Portugal. O “alojamento fornecido
gratuitamente por familiares ou amigos” foi o meio de alojamento preferencial
para as deslocações turísticas realizadas pelos residentes em 2012, atingindo
35,4 milhões de dormidas (51% das dormidas), seguido da “segunda residência
(inclui habitação própria)” (21% das dormidas) e dos “estabelecimentos
hoteleiros” (18% das dormidas). As restantes dormidas distribuíram-se por
“outros estabelecimentos de alojamento colectivo e alojamento especializado”,
“quartos arrendados em casas particulares”, “apartamentos/casas arrendadas” e
“outro alojamento privado” (INE, 2013). No que se refere às dormidas em
estabelecimentos hoteleiros, o INE estima que se tenham registado 39,7 milhões
em 2012, das quais 12,5 milhões foram efectuadas por turistas domésticos (31%
das dormidas).
Os dados disponíveis mostram que o número total de dormidas de turistas
domésticos em estabelecimentos hoteleiros decresceu em 2011 (-2,5%) e em 2012
(-7,2%), apesar de ter apresentado uma tendência de crescimento ligeira na
última década (INE, 2013). A taxa média anual de crescimento do número total de
dormidas de turistas domésticos foi de aproximadamente +3,6% entre 2002 e 2010,
mas se forem considerados os dois últimos anos essa taxa média anual é de
aproximadamente +1,6%. Este cenário não é certamente alheio à conjuntura de
crise económica e financeira que se está a viver em Portugal.
A crise financeira que se iniciou no verão de 2007 teve um forte impacto no
funcionamento do mercado monetário, tendo-se verificado um aumento
significativo da volatilidade e do nível das taxas de juro de curto e de longo
prazo, as quais incorporaram um prémio de risco significativo. Esta pressão do
mercado conduziu Portugal a uma situação em que o acesso ao mercado de capitais
era cada vez mais difícil, ao mesmo tempo que crescia a dúvida sobre a
capacidade de Portugal pagar a sua dívida pública (Pereira & Wemans, 2012).
Assim, em Abril de 2011 Portugal tornou-se no terceiro estado membro da União
Europeia a pedir ajuda financeira à Troika, formada pela Comissão Europeia,
pelo Banco Central Europeu e pelo Fundo Monetário Internacional. A assinatura
do memorando de entendimento com a Troika obrigou a que o Governo Português
tomasse medidas de redução da despesa pública e de aumento das receitas
(denominadas por medidas de austeridade), como cortes nos salários e nas
pensões dos funcionários públicos, aumento da carga fiscal e redução do
investimento público. Portanto, ao fraco crescimento económico, ao persistente
défice público e ao aumento gradual da taxa de desemprego observados na
primeira década do século XXI, veio juntar-se um conjunto de medidas que
tiveram como resultado, por exemplo, a redução do rendimento disponível das
famílias, a redução da confiança dos consumidores, a diminuição do consumo
privado e dos lucros das empresas, a redução do investimento privado e o
aumento da taxa de desemprego. Esta conjuntura macroeconómica teve naturalmente
efeitos na actividade turística, e em particular no que respeita aos
estabelecimentos de alojamento turístico, tal como já foi apresentado. Na
realidade, um estudo recente mostrou que a imagem de Portugal de deteriorou ao
longo dos últimos anos, como resultado da crise económica (Vargas-Sánchez,
2014). Em suma, a crise financeira que se iniciou em 2007 teve um forte impacto
nas economias reais europeias, e em particular em Portugal, com fortes reflexos
também no sector do turismo.
As estimativas apresentadas acima mostram que apesar do turismo doméstico não
ser predominante no sector do turismo em Portugal, ele tem uma importância que
não pode ser menosprezada. Talvez pela maior importância do turismo
internacional, o principal foco da investigação relacionada com a procura
turística em Portugal tem vindo a ser apenas a procura internacional (e.g.,
Proença & Soukiazis, 2005; Leitão, 2008; Andraz, Gouveia & Rodrigues,
2009; Daniel & Rodrigues, 2010, 2011). Contudo, a nível internacional é
possível encontrar alguns trabalhos que se dedicam ao estudo da procura
turística doméstica (e.g., Wen, 1997; Rogerson & Lisa, 2005; Athanasopoulos
& Hyndman, 2008; Allen, Yap & Shareef, 2009; Taylor & Ortiz, 2009;
Massidda & Etzo, 2010, 2012; González-Gómez, Álvarez-Díaz & Otero-
Giráldez, 2011).
Contudo, tendo em conta sobretudo que, em 2012, quase um terço das dormidas em
estabelecimentos hoteleiros em Portugal foi devida à procura doméstica, que
mais de quatro quintos das dormidas dos turistas residentes ocorreram em
Portugal e que não existem estudos recentes sobre a procura turística doméstica
em Portugal, e em particular numa conjuntura de crise económica e financeira,
considera-se relevante estudar quais são os factores que determinam essa
procura turística. Para além disso, é de salientar que o turismo doméstico tem
um papel muito importante no CTTE e na manutenção e melhoria das infra-
estruturas turísticas, especialmente em algumas regiões de Portugal. Na
realidade, é mais provável que um turista Português do que um turista
internacional visite algumas regiões de Portugal que não estão tão promovidas
internacionalmente como outras, ou que não são tão acessíveis como outras. Por
exemplo, em 2012, mais de metade do total das dormidas realizadas nos
estabelecimentos hoteleiros das regiões do Alentejo (69%), Norte (61%) e Centro
(52%) foram efectuadas por turistas residentes, enquanto essa proporção só
atinge um quarto nas regiões do Algarve (25%) e Lisboa (26%), sendo até
bastante inferior na Região Autónoma (RA) da Madeira (10%), (INE, 2013).
Portanto, a procura turística doméstica é um tema importante que merece ser
cuidadosamente estudado e analisado.
Assim, o objectivo deste estudo consiste em modelar e produzir previsões para a
procura turística doméstica em Portugal. Para alcançar este duplo objectivo,
são estimadas várias especificações de modelos econométricos considerando como
variável dependente o número de dormidas de turistas residentes em Portugal. As
previsões da procura turística são efectuadas com recurso a modelos de
alisamento exponencial tradicionais. São usados dados trimestrais, desde 2009 a
2012, para um conjunto alargado de variáveis económicas, como por exemplo o PIB
per capita, o rendimento médio disponível das famílias, o índice de preços no
consumidor, o indicador de confiança dos consumidores, a taxa de desemprego, o
número de desempregados e o preço do barril de petróleo. Também é considerada
uma variável binária que indica a presença da Troika em Portugal.
Este estudo poderá ter uma utilidade empírica muito grande na interpretação da
variação da procura turística com base em variáveis económicas. Ele poderá
fornecer recomendações sobre políticas aos intervenientes no sector do turismo,
bem como avaliações sobre a eficácia das atuais políticas do turismo baseadas
em variáveis económicas.
Depois desta introdução, este artigo está organizado em mais três secções. A
secção 2 é dedicada à metodologia, na qual são apresentados os dados e
especificados os modelos. Na secção 3 são apresentados e analisados os
resultados. Por último, as principais conclusões são sumariadas na secção 4.
2. Metodologia
2.1 Dados
Apesar de existirem indicadores alternativos da actividade turística, tal como
referem Song, Li, Witt & Fei (2010), neste estudo decidiu usar-se o número
de dormidas nos estabelecimentos hoteleiros como indicador da procura turística
doméstica. Esta escolha foi baseada nas seguintes razões: i) é o único
indicador para a qual existem dados disponíveis com qualidade para um período
relativamente longo, e ii) é um indicador que tem vindo a ser usado em vários
estudos de modelação da procura turística doméstica (e.g., Athanasopoulos &
Hyndman, 2008) e internacional (e.g., Li, Song & Witt, 2005).
Os dados da procura turística doméstica Portuguesa foram obtidos a partir do
Inquérito à Permanência de Hóspedes na Hotelaria e Outros Alojamentos,
implementado pelo INE. Os dados desse inquérito são recolhidos por via
electrónica com uma periodicidade mensal. Uma vez que só existem dados
trimestrais desde 2009, então foram usados dados desde o primeiro trimestre de
2009 até ao quarto trimestre de 2012. Portanto, foram usadas T=16 observações
trimestrais, as quais estão desagregadas pelas n=7 regiões de Portugal
classificadas ao nível II da Nomenclatura das Unidades Territoriais para Fins
Estatísticos (NUTSII). Estes dados podem ser observados na figura_1.
Uma vez que a literatura sobre os determinantes da procura turística doméstica
não é muito extensa, sobretudo em Portugal, verifica-se que os estudos
publicados neste domínio se baseiam em grande medida na investigação sobre a
procura turística internacional (Lim, 1997; Song et al, 2010). De acordo com a
literatura com maior impacto, verifica-se que os determinantes da procura
turística podem ser de natureza económica e de natureza não-económica. Apesar
de existirem autores que defendem que existem factores não-económicos que
influenciam as escolhas dos turistas, e como consequência a procura turística
(e.g. Eilat & Einav, 2004; Zhang & Jensen, 2007), verifica-se que a
maioria dos estudos sobre a procura turística doméstica se limita a estudar os
impactos de variáveis económicas. Algumas das excepções devem-se, por exemplo,
a Bigano, Hamilton & Tol, (2007) e a Taylor & Ortiz (2009) que
estudaram o efeito de variáveis climatéricas no destino sobre a procura
turística doméstica, a Massidda & Etzo (2012) que investigaram se a procura
turística doméstica é influenciada por variáveis ambientais, culturais e
sociais e a González-Gómez, Álvarez-Díaz & Otero-Giráldez (2011) que
estudaram o efeito das férias da Páscoa serem num determinado mês e do Ano
Santo ser num domingo na procura doméstica da Galiza. Contudo, neste estudo
decidiu restringir-se os possíveis determinantes da procura turística doméstica
em Portugal a um conjunto de variáveis económicas, tendo em conta não só o
contexto económico em que o país se encontra e o período em análise, mas também
a informação disponível e com qualidade. Assim, tendo em conta a literatura e
os dados disponíveis para Portugal, foi considerado o conjunto de variáveis
explicativas apresentadas na tabela_1.
Apesar da procura turística doméstica poder ser explicada por uma grande
diversidade de variáveis económicas, à semelhança do que ocorre com a procura
turística internacional (Song et al., 2010), neste estudo decidiu restringir-se
essas variáveis ao domínio da riqueza, do preço e das expectativas dos
consumidores. No domínio da riqueza foram consideradas as variáveis PIB per
capita a preços constantes, rendimento médio disponível das famílias, taxa de
actividade, taxa de desemprego, e número de desempregados (em stock). De acordo
com a teoria económica, espera-se que o sinal das primeiras três variáveis seja
positivo, ao contrário do sinal que se espera nas últimas duas variáveis.
Efectivamente, em termos globais, o flagelo do desemprego conduz à diminuição
da riqueza e do consumo privado, sobretudo em bens que não sejam de primeira
necessidade. Por sua vez, no domínio do preço foram considerados indicadores do
preço de actividades turísticas no destino (Índice de Preços no Consumidor
relativo à secção de Restaurantes e Hotéis) e do preço de destinos substitutos
(Índice de Preços no Consumidor relativo à secção dos Transportes e preço do
barril de petróleo). Considerou-se que estas duas variáveis reflectem o preço
de destinos substitutos, porque se admite que preços mais elevados da viagem da
origem para o destino possam conduzir a uma maior procura turística doméstica.
Por outras palavras, considera-se que no processo de escolha entre um destino
internacional e um doméstico (que se admite mais próximo do local de
residência), os turistas tenham em consideração o preço da viagem. Assim,
espera-se que o sinal da primeira variável no domínio do preço seja negativo,
enquanto o sinal das últimas duas deverá ser positivo. Por último, o Indicador
de Confiança dos Consumidores e a presença da Troika em Portugal são variáveis
que reflectem as expectativas dos turistas (consumidores), devendo assumir
sinais contrários (a primeira sinal positivo e a segunda sinal negativo).
Tendo em conta os dados em painel disponíveis (n=7, T=16), considera-se que se
trata de um pequeno painel e considerou-se tal facto ao nível da estimação
econométrica (Cameron e Trivedi, 2010). Em particular, não foram considerados
modelos dinâmicos, nos quais pode ser incluído como regressor a variável
dependente referida a distintos períodos de tempo, devido à perda de
observações que ocorre na estimação desta classe de modelos. Contudo, não foi
dispensada a verificação da estacionariedade da variável dependente através da
aplicação de testes de raízes unitárias para dados em painel. Foram aplicados
os testes de Dickey-Fuller aumentado (Choi, 2001), de Harris & Tzavalis
(1999) e de Levin, Lin & Chu (2002), os quais têm na hipótese nula que
todos os painéis têm uma raiz unitária.
2.2 Modelos estatísticos
Nesta secção são apresentados os dois tipos de modelos usados neste estudo: os
modelos do tipo causal (modelos econométricos) que irão permitir modelar a
procura turística, e os modelos do tipo não-causal (modelos de séries
temporais) que irão permitir produzir previsões para a procura turística.
No seguimento do que foi apresentado na secção anterior, e tendo em conta a
teoria económica, é admissível que os mais importantes determinantes da procura
turística doméstica sejam indicadores do seu preço e do preço de produtos
substitutos, bem como indicadores do nível de desemprego, de rendimento e de
confiança dos turistas (consumidores). Assim, neste estudo é proposta a
seguinte função da procura turística doméstica:
onde t é o período de tempo (t=1, …, 16); i é a região NUTSII (i=Norte, Centro,
Lisboa, Alentejo, Algarve, RA dos Açores, RA da Madeira); PTit é o número de
dormidas de residentes no período t, nos estabelecimentos hoteleiros da região
i; PIBt é o PIB per capita a preços constantes de 2006 no período t,; RDFt é o
rendimento anual médio disponível das famílias no período t; ICCt é um
indicador de confiança dos consumidores referente ao período t; TXDt é a taxa
de desemprego em Portugal no período t; DESt é o número total de desempregados
(em stock) em Portugal no período t; TXAt é a taxa de actividade no período t;
PETt é o preço do barril de petróleo em Euros, no período t; IPTt é o Índice de
Preços no Consumidor (IPC) relativo à secção de Transportes, no período t; IPHt
é o IPC relativo à secção de Restaurantes e Hotéis, no período t; e TRKt é uma
variável dummy que indica a entrada da Troika em Portugal no período t (TRKt =1
a partir do 2.º trimestre de 2011, TRKt =0 em caso contrário). Na estimação dos
modelos, foram consideradas na função da procura turística doméstica todas
estas variáveis económicas. Contudo, devido à reduzida dimensão amostral e à
fraca variabilidade em algumas variáveis, parte das variáveis apresentadas
acima revelaram não ter poder explicativo estatisticamente significativo na
procura turística doméstica.
Tendo em consideração as especificidades do problema que está a ser
investigado, então propõe-se que seja usado um modelo da média da população
(population average model). Existem três razões que justificam a escolha de uma
especificação deste tipo para a modelação da procura turística doméstica em
Portugal. Em primeiro lugar, no painel de dados disponível a variabilidade
entre regiões (indivíduos) é nula porque os dados de todas as variáveis
explicativas (económicas) são invariantes ao nível do indivíduo, pelo que pode
ser dispensado um estimador que tenha em consideração a variabilidade inter-
regiões. Em segundo lugar, no painel de dados disponível é esperado que as
variáveis (económicas) apresentem autocorrelação ao longo dos períodos de
tempo, pelo que é desejável que o modelo permita a especificação de uma
estrutura de correlações adequada ao nível de cada indivíduo. Por último, é
admissível a hipótese de que a significância estatística do impacto das
variáveis explicativas (económicas) não seja dependente da região (indivíduo),
isto é, que quaisquer efeitos individuais não estejam correlacionados com os
regressores. De certa forma, está aqui a admitir-se que o impacto da conjuntura
económica não é significativamente diferente de região para região. Para além
das razões indicadas acima, é de salientar que as estimativas dos coeficientes
de regressão do modelo da média da população são interpretadas como efeitos
médios da população (ou efeitos marginais) e são válidas mesmo quando a
estrutura de correlação não está totalmente correctamente especificada,
sobretudo quando a estimação é feita de forma robusta (Rabe-Hesketh &
Everitt, 2007, 204; Cameron & Trivedi, 2010, p. 254). Assim, o modelo
proposto é o seguinte:
onde α é a constante do modelo, x'it é um vector com as variáveis explicativas,
Z't é um vector com variáveis dummy, β e γ são vectores de parâmetros e uit é o
termo de erro aleatório. O vector Z't = (T2, T3, T4) inclui três variáveis
dummy sazonais que indicam o respectivo trimestre (segundo, terceiro e quarto
trimestres, respectivamente), as quais foram incluídas no modelo de forma a
evitarem a correlação seccional entre regiões. As variáveis logaritmizadas
presentes no modelo (2) são representadas pelas respectivas letras minúsculas
(genericamente para uma variável X, tem-se x = In (X)). Uma vez que a estimação
do modelo (2) é mais eficiente pelo método dos mínimos quadrados generalizados
(GLS) do que pelo método dos mínimos quadrados ordinários (OLS) quando existe
algum tipo de correlação no termo de erro (Cameron e Trivedi, 2010, p. 254),
então foram aplicados os testes de diagnóstico à heterocedasticidade e à
correlação seccional dos resíduos (Baum, 2001).
A produção de previsões para a procura turística serão efectuadas com recurso a
modelos de alisamento exponencial tradicionais. Estes modelos, desenvolvidos a
partir dos trabalhos pioneiros de Holt em 1957 (Holt, 2004) e Winters (1960),
são baseados em médias ponderadas de observações passadas, com pesos
exponencialmente decrescentes para zero para observações mais antigas, e sendo
o alisamento tanto mais acentuado quanto menor for o peso da observação
relativa ao último período conhecido. Apesar de existirem modelos de séries
temporais muito sofisticados que têm vindo a ser aplicados na produção de
previsões para a procura turística internacional (e.g., Song & Li, 2008),
não existe evidência clara que esses modelos produzam também previsões com
melhor qualidade para a procura turística doméstica. Assim, a fase exploratória
em que este estudo se insere, bem como a facilidade de implementação prática,
justificam a escolha pela utilização de métodos tradicionais. Uma vez que as
séries temporais da procura turística apresentam sazonalidade, tal como se
verificou na figura_1, então serão usados os conhecidos modelos de alisamento
exponencial de Holt-Winters (Holt, 2004; e Winters, 1960). Uma descrição e
categorização detalhada de todos os modelos de alisamento exponencial podem ser
encontradas em Hyndman, Koehler, Snyder & Grose (2002), onde são
apresentadas as formulações matemáticas dos modelos usados neste estudo. A
avaliação da qualidade das previsões de modelos alternativos foi efectuada pela
comparação dos valores observados com as previsões geradas para todo o período
de tempo disponível. Para tal, foram empregues as conhecidas medidas de
qualidade: erro absoluto médio (EAM), erro percentual absoluto médio (EPAM), U
de Theil e raiz quadrada do erro quadrático médio (RQEQM), cujas definições
podem ser encontradas em Makridatis, Anderson, Carbone, Fildes, Hibon,
Levandowski, et al. (1982).
3. Resultados
Nesta secção são apresentados os resultados do estudo empírico. Em primeiro
lugar são apresentados os resultados da análise descritiva, sendo depois
apresentados os resultados da estimação do modelo da média da população e dos
modelos de séries temporais.
Os resultados apresentados na tabela_2 mostram as regiões NUTSII que apresentam
os maiores volumes de dormidas de turistas residentes são o Algarve, Lisboa, o
Norte e o Centro, apesar do peso do número de dormidas efectuadas por esse tipo
de turistas no número total de dormidas nos estabelecimentos hoteleiros não ser
uniforme. Por exemplo, mais de metade das dormidas em estabelecimentos
hoteleiros do Centro e do Norte são efectuadas por turistas residentes,
enquanto em Lisboa e no Algarve só cerca de um quarto do total de dormidas é
que se devem a turistas domésticos. É de salientar que a RA da Madeira é aquela
onde se verifica o menor peso dos residentes no número total de dormidas da
região. Através da análise descritiva das dormidas trimestrais no período 2009
a 2012, verifica-se que as RA dos Açores, RA da Madeira e o Alentejo apresentam
as menores médias trimestrais e a menor variabilidade (como reflexo da menor
sazonalidade) no número de dormidas de residentes. Do lado oposto entra-se a
região do Algarve.
A estimação econométrica do modelo (2) teve início com a implementação de
testes de diagnóstico ao painel de dados, sobretudo através de testes de raízes
unitárias, testes de heterocedasticidade e de autocorrelação. O teste
modificado de Wald indicou que se rejeita a hipótese nula da homocedasticidade
dos resíduos (p<0,001), assim como o teste do multiplicador de Lagrange de
Breusch-Pagan conduziu à rejeição da hipótese nula da independência seccional
dos resíduos (p<0,001), pelo que o modelo deve ser estimado pelo método dos
mínimos quadrados generalizados.
Os resultados dos testes de raízes unitárias para dados em painel indicaram, de
forma consistente, que a variável dependente logaritmizada é estacionária
(pDFa<0,001; pHT<0,001; pLLC<0,001). A série da procura turística foi alvo de
um ajustamento sazonal antes da aplicação desses testes, seguindo a metodologia
adoptada por Athanasopoulos & Hyndman (2008). Em seguida foi avaliado se os
resíduos do modelo apresentavam autocorrelação de ordem p (AR(p)), tendo-se
verificado que a autocorrelação mais forte ocorre para a ordem igual a quatro,
como era esperado devido à natureza trimestral dos dados (estes resultados
relativos às estimativas das autocorrelações de ordem p dos resíduos não são
apresentados no artigo por economia de espaço). Verificou-se ainda que as
autocorrelações não são muito diferentes para diferentes pares de anos, o que
também é mais um indício de que os resíduos são estacionários (Cameron &
Trivedi, 2010, p. 253).
Foi ainda aplicado o teste de Hausman cujo resultado (p<0,001) conduziu à
rejeição da hipótese dos efeitos individuais serem aleatórios. Assim, os
estimadores de efeitos aleatórios (random effects) e os estimadores dos mínimos
quadrados ordinários combinados (pooled OLS) são inconsistentes (Cameron e
Trivedi, 2010, p. 266). Perante este cenário, foi ainda estimado um modelo com
efeitos fixos o qual indicou que a correlação entre os efeitos de região
(individuais) e os regressores é nula, pelo que não existe evidência no painel
de dados que se verifique uma das principais motivações para a utilização deste
tipo de modelos. Todos estes resultados suportam a utilização de um modelo da
média da população estimado pelo método dos mínimos generalizados, cujas
estimativas dos coeficientes se apresentam na tabela_3.
As estimativas dos coeficientes apresentadas na tabela_3 são todas
estatisticamente significativas e têm o sinal esperado, de acordo com a teoria
económica. Uma vez que todas as variáveis estão logaritmizadas, com excepção
das variáveis dummy, então os coeficientes podem ser interpretados como
elasticidades. Assim, verifica-se que um aumento de 1% no rendimento disponível
das famílias tem um impacto positivo de aproximadamente 2,1% na procura
turística doméstica em Portugal, ceteris paribus. Por sua vez, um aumento de 1%
no número de desempregados tem um impacto negativo de aproximadamente 0,6% na
procura turística doméstica em Portugal, ceteris paribus. Por último, verifica-
se que um aumento de 1% no índice de preços dos transportes tem um impacto
positivo de aproximadamente 1,2% na procura turística doméstica em Portugal,
ceteris paribus.
A produção de previsões para a procura turística doméstica foi sujeita a uma
avaliação prévia da sua qualidade, pela comparação dos valores observados com
os valores previstos por modelos alternativos. Esta avaliação da qualidade foi
efectuada, tal como na maioria deste tipo de estudos na área do turismo,
através das medidas EAM, EPAM, U de Theil e RQEQM. Os resultados destas
medidas, para cada modelo em cada região, encontram-se na tabela_4.
Através da análise da tabela_4 verifica-se que o modelo que apresenta melhor
qualidade das previsões para cada região é indicado de forma quase uniforme por
todas as medidas. Assim, conclui-se facilmente que o modelo de Holt-Winters
aditivo é o modelo que produz previsões com melhor qualidade para a procura
turística doméstica nas regiões do Norte, Centro e Lisboa, enquanto o modelo de
Holt-Winters multiplicativo é o modelo que produz previsões com melhor
qualidade nas restantes regiões, bem como para a procura turística total de
Portugal. Em termos globais, verifica-se que a qualidade das previsões nestes
casos é boa, pois se for analisada a medida de qualidade mais popular - o EPAM,
verifica-se que ela é sempre inferior a 6%. Em particular, o EPAM é inferior a
3% nas previsões da procura turística doméstica no Norte, Centro e em Portugal
de forma agregada, e é inferior a 4% nas previsões relativas às regiões do
Alentejo, RA dos Açores e Lisboa. A magnitude de erros de previsão observada
neste estudo está em linha com a observada em outros estudos sobre a previsão
da procura turística, e em particular com a publicada por Athanasopoulos &
Hyndman (2008) relativa à previsão da procura turística doméstica. Por último,
apresentam-se as melhores previsões pontuais da procura turística doméstica
para 2013 na tabela_5.
4. Conclusões
O sector do turismo é um dos sectores que tem apresentado crescimento em
Portugal nos últimos anos, mesmo numa conjuntura de crise económica e
financeira. Em 2012, ano em que o PIB português registou uma queda de 3,2% em
volume, o turismo português alcançou o seu melhor resultado de sempre em termos
de receitas (8,6 mil milhões de Euros), com um crescimento de cerca de 5,6%
face ao ano anterior (24,6% nos três últimos anos), e representou cerca de 5,2%
do PIB, o valor mais elevado dos últimos doze anos. O sector do turismo, que é
o mais exportador do país, representou, em 2012, mais de 13% das exportações
totais e mais de 45% das exportações de serviços (Banco de Portugal, 2013).
Grande parte deste sector, em termos de emprego, consumo privado e contributo
para o PIB é devido ao turismo doméstico, tal como apresentado na secção 1 -
Introdução. Contudo, os estudos sobre o turismo doméstico em Portugal são
escassos, sobretudo no que se refere à identificação dos determinantes da
procura turística. Este estudo pretende dar um contributo para a compreensão
sobre quais são os factores económicos que têm um efeito significativo sobre o
número de dormidas de residentes em estabelecimentos hoteleiros, usado como
indicador da procura turística doméstica. Neste contexto, foi produzida
informação que permite enriquecer o debate entre os decisores políticos e todos
os intervenientes no sector do turismo, públicos e privados.
Em termos globais, os resultados mostram que a procura turística doméstica,
numa conjuntura de crise económica e financeira, é explicada pelo rendimento
médio disponível das famílias, pelo número de desempregados e pelo índice de
preços no consumidor relativo aos transportes. Apesar das restantes variáveis
económicas utilizadas na modelação econométrica não terem revelado capacidade
explicativa estatisticamente significativa, verificou-se que este estudo
confirmou a importância das variáveis económicas tradicionais no domínio da
riqueza e do preço, tal como observado em outros estudos com objetivos
semelhantes (Athanasopoulos & Hyndman, 2008; Massidda & Etzo, 2012,
González-Gómez et al., 2011). O facto da elasticidade preço dos transportes –
procura turística doméstica ser positiva é um resultado muito interessante.
Este resultado pode ser explicado pelo facto do destino turístico doméstico ser
um substituto de destinos turísticos internacionais, o qual tem sido observado
em vários estudos sobre a procura turística (e.g., Song, Romilly & Liu,
2000; Song et al., 2010; Massidda & Etzo, 2012).
Estes resultados podem ser extremamente úteis no processo de tomada de decisões
de todos os intervenientes no sector do turismo e todos os decisores políticos.
Em particular, os resultados deste estudo podem ser usados ao nível da tomada
de decisões de políticas públicas. Tendo-se verificado um impacto significativo
de variáveis económicas na procura turística doméstica, então recomenda-se que
a decisão sobre a intensidade das medidas de austeridade tenha em consideração
o seu efeito sobre o sector do turismo, o qual é um dos principais motores da
economia Portuguesa. É de realçar que a imagem de Portugal se deteriorou ao
longo dos últimos anos, como resultado da crise económica (Vargas-Sánchez,
2014), o que poderá ter efeitos muito adversos no sector do turismo
futuramente.
Para terminar, é de salientar que devem ser conduzidas novas investigações
empíricas no futuro sobre os determinantes da procura turística doméstica, não
só para ultrapassar uma das principais limitações deste estudo – reduzida
dimensão do painel de dados disponível, mas sobretudo para se disponibilizarem
informações actualizadas aos decisores sobre a evolução do sector e dos seus
determinantes. Do ponto de vista metodológico também existem vastas
oportunidades de investigação, das quais se destacam as seguintes: i) estudar
se os determinantes da procura turística doméstica são consistentes para
diferentes formas de medição da procura turística (e.g. Song et al., 2010); ii)
estudar se variáveis de natureza não-económica têm capacidade explicativa
significativa sobre a procura turística doméstica (e.g. Massidda & Etzo,
2012; González-Gómez et al., 2011); iii) estudar se modelos de séries temporais
mais sofisticados e inovadores (metodologias Box-Jenkins e State-space)
produzem melhores previsões (e.g. Song et al., 2000; Athanasopoulos &
Hyndman, 2008).
Por último, recomenda-se aos produtores de estatísticas oficiais que
desenvolvam esforços no sentido de publicação de dados sobre a procura
turística doméstica por motivo da visita, bem como sobre os fluxos turísticos
de residentes entre regiões NUTS II de Portugal, de forma a ser possível
estudar os determinantes da procura turística doméstica por motivo de visita
(e.g. Athanasopoulos & Hyndman, 2008) e numa óptica de fluxos turísticos
entre regiões (e.g. Massidda & Etzo, 2012).