A evolução da concentração sectorial em Portugal entre 1995 e 2006: a
perspetiva do índice de Herfindahl-Hirschman
1. Introdução
O fenómeno da concentração industrial tornou-se uma preocupação central de
economistas e decisores políticos nas últimas décadas. Este interesse emergiu
em parte devido a processos de integração regional que ocorreram na segunda
metade do século XX, que muito inspiraram correntes como a nova geografia
económica, mas também devido a outros fenómenos, como a emergência de
multinacionais, das cadeias globais de valor, da aceleração dos investimento
direto estrangeiro a nível mundial e da própria globalização. Acresce que em
termos microeconómicos, o sucesso da atividade empresarial é cada vez mais
determinado pelas condições de mercado onde a empresa opera, nomeadamente pelas
condições de concorrência existentes. No entanto, a aferição da concentração
não tem tido a merecida atenção. Esta baseia-se ainda na utilização de medidas
clássicas, algumas delas já ultrapassadas e desfasadas da realidade dos
mercados atuais, da disponibilidade de informação estatística necessária ao seu
cálculo e do esforço computacional exigido (Ginevičius & Čirba, 2009).
Em Portugal, escasseia a informação atualizada sobre a concentração industrial.
Com exceção do documento de Faustino (1995), do trabalho de Barrios,
Bertinelli, Strobl e Teixeira (2005), que compara as dinâmicas de aglomeração
entre a economia portuguesa e a irlandesa, e da investigação desenvolvida por
Amador e Soares (2012) relativa à concorrência nos sectores transacionável e
não transacionável da economia portuguesa, o tema da concentração per se tem
sido pouco estudado. Têm sido igualmente pouco explorados na literatura os
efeitos da reestruturação industrial sobre o grau de concentração económica. No
entanto, alguma evidência mais recente aplicada às regiões portuguesas aponta
para que, para além das habituais características territoriais a nível de mão-
de-obra e diversificação económica, também especificidades de concorrência a
nível regional podem afetar o crescimento empresarial. Os resultados de Barbosa
e Eiriz (2011: 152) indicam que as empresas portuguesas têm vindo a beneficiar
mais em termos de crescimento por via da existência de uma variedade de
indústrias na sua região, do que da diversidade industrial, confirmado as
implicações do conceito Marshaliano de economias de aglomeração.
Efetivamente, a produção do Índice de Herfindahl-Hirschman (IHH) pelas
entidades oficiais de estatística tem sido menosprezada devido à aparente
desconexão entre o IHH e medidas mais padronizadas de concentração, como o
coeficiente de Gini. No entanto, isto não se deve atribuir à falta de
disponibilidade de informação estatística para o cálculo deste indicador. Daqui
decorre que as implicações do IHH em termos da sua influência na tomadas de
decisão económica tem também sido bastante limitada, à exceção da utilização
feita pelas Autoridades de Concorrência pelo mundo fora, embora esteja em geral
restrita a situações específicas em que se analisam determinados mercados
relevantes ou quando se pretende que se respeitem regras de concentração
horizontal.
É prática comum na literatura da organização industrial uma abordagem à
estrutura de mercado através de medidas de concentração. A importância da
utilização de indicadores de concentração deriva da sua capacidade de captar
características estruturais de um mercado ou sector económico. Os rácios de
concentração são frequentemente usados na modelização económica para explicar a
performance competitiva no sector bancário ou energético, por exemplo mas não
exclusivamente, em resultado da estrutura de mercado existente (Bikker &
Haaf, 2002). No entanto, esta aproximação não tem sido pacífica, dada a
reconhecida multidimensionalidade das estruturas de mercado, o que torna a sua
medição uma questão controversa. Tem sido mais utilizada a definição de um
conjunto de características que, em conjunto possam ser utilizadas para
descrever uma determinada estrutura de mercado (ver por exemplo, Bain, 1968).
Nas últimas décadas foram várias as medidas especificamente desenvolvidas para
aferir o grau de concentração da atividade económica em diferentes sectores,
indústrias (Blackorby, Donaldson & Weymark., 1982; Resende & Wyllie,
2005; Ginevičius & Čirba, 2009), regiões (Ellison & Glaeser, 1997), e
também, relativamente à posição dominante de empresas individuais (Melnik, Shy
& Stenbacka, 2008). No entanto, a grande maioria dos estudos efetuados têm
vindo a focar-se sobretudo, na medição da concentração das atividades do sector
industrial e nos seus determinantes.
A análise de concentração sectorial para a economia portuguesa apresentada
neste paper, baseia-se no cálculo de índices de concentração Herfindahl-
Hirschman ao longo do período compreendido entre 1995 e 2006, para um conjunto
alargado de sectores económicos, categorizados estatisticamente segundo a
Classificação das Atividades Económicas (CAE Rev. 2.1) a dois dígitos e a uma
letra. Para além do sector industrial, habitual em análises desta natureza,
abordam-se igualmente a agricultura, silvicultura, caça e pesca, os sectores da
eletricidade, gás e água, bem como a construção e um conjunto de sectores
ligados ao comércio e aos serviços, privados e públicos. É aplicada a
metodologia do Manual of Business Demography Statistics (Eurostat & OCDE,
2007), a duas bases de dados distintas: aos Quadros de Pessoal, do Ministério
do Trabalho e da Segurança Social, e ao Sistema de Contas Integrado das
Empresas (SCIE), do Instituto Nacional de Estatística (INE). São posteriormente
analisadas, de forma meramente descritiva, e comparadas tendências e padrões de
concentração ao longo deste período segundo cada uma destas duas fontes de
informação.
Este artigo encontra-se organizado em 5 secções. Na secção seguinte descrevem-
se, numa perspetiva de análise da literatura, os aspetos metodológicos
relevantes para a análise efetuada, e na secção 3, os dados, com base nas duas
fontes de informação consideradas, os Quadros de Pessoal e o Sistema de Contas
Integrado. A secção 4 é dedicada à apresentação e comparação dos índices de
concentração por sector. Por último, a secção 5 expõe algumas considerações
finais.
2. O Índice de Herfindahl-Hirschman numa perspetiva crítica
Os dados sobre a distribuição da dimensão empresarial (onde se utilizam
preferencialmente empresas a estabelecimentos) podem ser usados para fornecer
uma indicação do nível de concentração ou, por outro lado, de concorrência nos
diferentes sectores económicos. Estas medidas de concentração são tipicamente,
utilizadas para avaliar a estrutura de mercado de uma indústria ou sector e
aferir a distância dessa indústria face a uma situação de concorrência perfeita
ou de monopólio.
Inicialmente, os estudos sobre este tema limitavam-se à contagem de empresas,
no qual o grau de concentração das vendas era descrito pelo número e
distribuição de tamanho dos vendedores nesse mercado (Adelman, 1951). Mais
tarde, priviligiou-se o grau de concentração das vendas, medida pelo número e
distribuição das maiores empresas num mercado. Mais tarde, utilizaram-se
medidas de intensidade para aferir a concentração, intituladas de índices,
segundo um esquema de ponderações que medem a participação que cada empresa
detém num determinado mercado.
Nas últimas décadas, a forma mais habitual de avaliar o poder de mercado em
diversas indústrias ou mercados tem sido via a utilização de índices de
concentração (Rhoades, 1993). Uma primeira caraterização dos índices de
concentração refere-se à sua classificação entre medidas parciais ou sumárias.
Os índices sumários consideram toda a informação da população amostral e não
apenas as maiores empresas. Dentro desta categoria incluem-se os índices de
Herfindahl (Herfindahl, 1950) e de Theil. Outra tipologia de caraterização
distingue entre índices discretos e cumulativos (Ginevičius & Čirba, 2007).
As medidas cumulativas de concentração consideram toda a distribuição das
empresas por dimensão, o que implica que alterações estruturais em todas as
partes da distribuição influenciam o valor do índice de concentração. Esta
característica é apresentada pelo índice de Herfindahl-Hirschman (IHH), que se
tornou na medida de concentração mais popular a nível internacional,
habitualmente utilizado pelas Autoridades de Concorrência a nível mundial e
adotado pela Organização de Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) para
caraterizar a concentração dos mercados do ponto de vista da demografia
empresarial (OECD, 2008; OECD, 2006). De facto, este índice tem sido amplamente
utilizado no controlo de concentrações horizontais de empresas estando incluído
nas linhas gerais de atuação do Departamento de Justiça dos EUA (Shapiro, 2010)
e da Comissão Europeia (UE) para avaliar ex-ante este tipo de concentrações
(McIntosh & Hellmer, 2012; Melnik et al., 2008).
A principal hipótese na qual se baseia o IHH é a de que o poder de mercado está
diretamente relacionado com o grau de concentração nesse mercado. O IHH é o
índice tradicionalmente mais utilizado na literatura teórica como medida de
concentração, servindo frequentemente de benchmark para situações onde esta
avaliação é feita com recurso a outros índices de concentração. É, também,
muitas vezes denominado de índice de informação completa (full-information
index) porque captura as características de toda a distribuição das empresas
por dimensão. O cálculo deste indicador requer informação individualizada de
cada empresa, logo requer bases de suporte com micro dados empresariais, por
vezes difíceis de aceder (Kelly, 1981).
Já Scherer (1965) e Scherer et al. (1987), ou mais recentemente Matsumoto,
Merlone e Szidarovszky (2012), advertiam sobre os cuidados a ter na
interpretação do significado da concentração de mercado. A literatura aplicada
há muito que critica a utilização de rácios de concentração como sendo frágeis
medidas de avaliação do poder de mercado, sujeitas, por vezes, a erros
grosseiros. O IHH, nomeadamente, tem sido acusado de ser um indicador
excessivamente estático, demasiadamente sensível à definição de mercado,
comparativamente mais insensível a pequenas empresas e start-ups (Ginevičius
& Čirba, 2007) e, de algum modo, enviesado. Isto porque não reflete na
quota de mercado das empresas, a concorrência latente ou a pressão das
importações. Cabe ainda ressaltar que, como o IHH é um indicador calculado para
um determinado mercado apenas, não pode ser aplicado a empresas que operem em
múltiplos mercados. Mas, talvez, o aspeto de mais difícil resolução é que, na
presença de regimes de propriedade cruzada (cross-ownership), o IHH revela
deficiências na exatidão do cálculo do verdadeiro nível de concorrência do
mercado (Demsetz & Lehn, 1985; Campos & Vega, 2004).
No entanto, em geral estas críticas são relativamente fáceis de resolver
através de ajustamentos menores ao índice (Campos & Vega, 2004).
Incontestável é o facto do IHH cumprir as seis propriedades desejáveis de Hall
e Tideman (1967), sendo também considerado superior a muitos outros indicadores
em testes de comparação de precisão (Ginevičius & Čirba, 2009). Com efeito,
o IHH tem sido frequentemente utilizado na literatura de organização
industrial, não só por se encontrar devidamente suportado pela teoria
económica, mas também por apresentar propriedades superiores relativamente a
medidas mais simplificadas (Weinstock, 1982), designadamente a rácios de
concentração empresarial. Não só contempla todas as empresas, como consegue
captar toda a distribuição dimensional das empresas de um determinado mercado.
O IHH é no fundo uma medida da dimensão das empresas relativamente à indústria/
sector onde se encontram e é um indicador de concentração ou concorrência entre
estas. De acordo com a OCDE (2006), para uma indústria com n empresas, o índice
de Herfindahl-Hirschmann é definido como:
Onde é uma medida apropriada para a dimensão da empresa. Neste caso, foi
utilizado o volume de vendas para cada empresa i.
O IHH é, também, frequentemente representado por
Nesta formulação, o IHH é definido como a soma dos quadrados das quotas de
mercado de cada empresa individual () presente nesse mercado ou sector (OECD,
2008), onde é a quota de mercado da empresa i no mercado (ou seja, a
percentagem de participação no total da iésimaempresa) e n é o número de
empresas. Uma diminuição do índice IHH indica geralmente uma perda de poder de
influência sobre os preços(pricing power) e uma diminuição da concentração e
vice-versa (Kelly, 1981).
Os seus limites superiores e inferiores traduzem-se na seguinte expressão: . À
medida que o número de empresas aumenta, o limite inferior diminui. Uma
limitação do IHH é que à medida que o número de empresas varia, o limite
inferior (1⁄n) também se altera limitando a sua comparabilidade internacional.
No entanto, é possível realizar ajustamentos para garantir a comparabilidade
(ver, por exemplo, Resende (1994)). Quando este número tende para o infinito, o
valor do índice tende para zero. A convenção adotada internacionalmente pelas
entidades reguladoras é a de multiplicar a quota de mercado por 100, de forma
que o IHH varie entre zero (concorrência perfeita) e 10.000 (monopólio). O IHH
é zero, no caso de existirem muitos atores no mercado, cada um deles com
participação mínima, dividindo o mercado de igual forma, até 10.000, onde
existe um único agente no mercado, com 100% de participação. A utilização do
IHH na análise de concentrações convencionou que um mercado é considerado não
concentrado, caso o seu IHH seja menor que 1.000, moderadamente concentrado
caso o IHH esteja entre 1.000 e 1.800 e é considerado altamente concentrado
se o IHH for superior a 1.800.
3. Dados estatísticos
A primeira parte deste trabalho assenta numa base de dados específica, obtida a
partir da aplicação da metodologia baseada no Manual of Business Demography
Statistics (Eurostat & OECD, 2007), aos Quadros de Pessoal do Gabinete de
Estratégia e Planeamento do Ministério do Trabalho e da Segurança Social.
Consideraram-se, para efeitos do cálculo dos índices IHH, apenas empresas
ativas empregadoras, ou seja, empresas que empreguem pelo menos um trabalhador.
De acordo com o Manual (Eurostat & OECD, 2007), a concentração de empresas
reporta-se a eventos demográficos (concentrações e take-overs) que envolvam
mais do que uma empresa num momento inicial e apenas uma empresa num momento
final, depois do evento. O termo também pode ser aplicado para descrever a
diminuição de proprietários de uma população de empresas ou também uma situação
onde a população de empresas se torne mais dispersa por um número mais reduzido
de grupos de empresas (European Communities, 2003, parágrafos 13.18 a 13.19). A
base de dados que decorre da aplicação da metodologia Eurostat/OCDE contém numa
média anual de 215.903 empresas empregadoras ativas no período de 1985 a 2007,
com 36.803 nascimentos e 23.743 mortes de empresas (para mais informações
consultar Sarmento & Nunes, 2014 e Sarmento & Nunes, 2010). Em 2007,
esta apresentava 354.920 empresas ativas, 44.611 nascimentos e em 2005 um total
de 38.082 mortes. Apresentam-se as mortes de empresas apenas até 2005 porque de
acordo com a metodologia considerada, deve-se verificar dois anos após o último
registo da empresa que esta não foi entretanto reativada. Dado que os dados
disponíveis neste estudo são até ao ano de 2007, apenas foi possível confirmar
até 2005 as mortes das empresas, de acordo com a metodologia proposta.
A segunda parte deste trabalho assenta nos índices de concentração calculados
pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), baseados na aplicação da
metodologia supracitada (Eurostat & OECD, 2007) à base de dados do Sistema
de Contas Integrado das Empresas (SCIE) (para mais informações consultar a nota
metodológica sobre o SCIE do Instituto Nacional de Estatística (INE, 2010)).
Esta população de empresas é mais alargada do que a dos Quadros de Pessoal,
contendo em 2007, 1.033.984 empresas empregadoras (Figura_1).
Estas diferenças devem-se, entre outros fatores, ao facto de que que nos
Quadros de Pessoal apenas aparecem empresas com trabalhadores registados na
Segurança Social (para mais informações consultar Instituto Nacional de
Estatística (2010) e Sarmento e Nunes (2014)). A partir de 2004, os dados das
Estatísticas das Empresas do INE apresentam uma quebra de série, devido a
questões metodológicas que se prendem essencialmente com a inclusão dos
profissionais liberais e com a utilização de informação exaustiva em detrimento
dos dados extrapolados do Inquérito Anual às Empresas (por amostragem). Assim
sendo, os dados produzidos a partir de 2004, inclusive, não são diretamente
comparáveis com os divulgados em anos anteriores, por isso os índices IHH do
INE são apresentados, nas secções seguintes, apenas para o período entre 2004 e
2006.
As características destas duas bases de dados tornam-nas particularmente
apropriadas ao estudo do fenómeno da concentração. Em primeiro lugar, são bases
de dados exaustivas, que cobrem praticamente todas as empresas do país que
operam no mercado formal. Em segundo lugar, a sua dimensão longitudinal permite
captar a dinâmica empresarial e acompanhar as empresas ao longo do seu ciclo de
vida. Dadas as quebras de série nas Estatísticas das Empresas a partir de 2004,
a sua comparabilidade está restrita à dimensão longitudinal comum existente
entre 2004 e 2006.
4. Resultados
4.1 Quadros de Pessoal
A Tabela_1 apresenta índices de Herfindahl-Hirschman para o período
compreendido entre 1995 e 2006 a uma letra da CAE Rev. 2.1., obtidos a partir
dos Quadros de Pessoal. Apenas é considerado o período posterior a 1995 e
anterior a 2007 devido a quebras de série relacionadas, nomeadamente, com a
introdução de novas versões da CAE. A comparação com momentos de tempo
anteriores a 1995 e posteriores a 2006 não é estritamente comparável e assim a
opção pela sua não análise, neste trabalho.
Em 2006, o sector mais concentrado, destacando-se claramente dos restantes
sectores foi a produção e distribuição de eletricidade, gás e água (com IHH
superior a 1.800, cifrando-se em 2.047), que é aliás um dos sectores
tradicionalmente mais concentrados a nível internacional (Borenstein, Bushnell
& Knittel, 1999). Seguem-se sectores onde se considera que a concentração
não coloca problemas, dado ser inferior a 1.000, designadamente as atividades
financeiras (IHH de 865), as indústrias extrativas (IHH de 561), a
Administração Pública, defesa e segurança social obrigatória (IHH de 536), a
pesca (IHH de 313) e os Transportes, armazenagens e comunicações (IHH de
266). Os sectores menos concentrados em 2006 são a Agricultura, produção
animal, caça e silvicultura (IHH de 13), o Alojamento e a restauração (IHH
de 14) e o Comércio por grosso e a retalho; reparação de veículos automóveis
motociclos e de bens de uso pessoal e doméstico (IHH de 21).
A este nível de agregação, os sectores com maiores acréscimos de concentração
de empresas entre 1995 e 2006 foram as J - Atividades financeiras, que
permanecem, no entanto, pouco concentradas e a E - Produção e distribuição de
eletricidade, gás e água que, a partir de 2000, passou a apresentar um elevado
grau de concentração industrial. Por outro lado, os sectores que se tornaram
mais concorrenciais foram os I - Transportes, armazenagem e comunicações e o
sector da B ' Pesca
A preocupação de proporcionar uma maior aderência à realidade conduziu à
necessidade de conjugar a análise anterior com uma mais desagregada ao nível
dos dois dígitos da CAE, mantendo ainda assim a gestão simples do número de
sectores analisados. Na Tabela_2, está patente o índice IHH mais desagregado,
agora a 2 dígitos da CAE Rev. 2.1, pois contempla todo o período entre 1995 e
2006.
Entre 1995 e 2006, Portugal apresenta os mais elevados índices de concentração
de empresas no sector do petróleo (CAE 23), do tabaco (CAE 16), no sector de
extração de hulha, linhite e turfa (CAE 10), na fabricação de máquinas de
escritório e de equipamento para o tratamento automático da informação (CAE 30)
e nos transportes aéreos (CAE 40), com níveis de concentração bastante
superiores a 1.800, situação semelhante à existente em países como a França,
Alemanha, Itália, Japão, Reino Unido e Estados Unidos (OECD, 2006).
Habitualmente, os restantes tipos de transportes encontram-se bastante menos
concentrados, como acontece também no caso de Portugal (CAEs 60 e 61).
A indústria de abastecimento de água (CAE 41), tradicionalmente um dos sectores
mais concentrados em vários países europeus, e também em Portugal (IHH de 9.141
em 1995) tem vindo a registar uma diminuição da concentração particularmente
evidenciada desde 2000. Crê-se que possa estar relacionado com a reestruturação
das Águas de Portugal que conduziu à criação de empresas municipais.
A concentração bancária (CAE 81) decresce bastante passando para níveis de
concentração inferiores a 1.000 de IHH a partir de 1990. A fabricação de
veículos automóveis (CAE 34) e de outro material de transporte (CAE 35)
apresentam valores moderadamente concentrados a partir de 1995. No caso
particular dos automóveis, a concentração tem vindo a baixar desde 2002. A
indústria de reciclagem também se apresenta moderadamente concentrada, com
índices de concentração superiores a 1.000 desde 2005, com um diferencial de
variação positivo, sugerindo um aumento de concentração entre 1995 e 2006.
Os resultados obtidos e evidenciados nas Tabelas 1 e 2, podem indiciar
diferentes tipos de especializações quando comparados a nível internacional com
outros países. Por exemplo, a OCDE (OECD, 2006) verifica que existe maior
dispersão em Itália no sector dos têxteis e couro do que na Alemanha ou no
Reino Unido. No caso de Portugal, também se verifica que existe uma menor
concentração em sectores tradicionais como o da fabricação de têxteis (CAE 17),
da indústria de vestuário (CAE 18), da curtimenta e acabamento de peles sem
pelo (CAE 19) e da indústria da madeira e da cortiça e suas obras (CAE 20),
apontando também no sentido de uma maior especialização nestes sectores, dada a
dispersão empresarial existente e o predomínio de empresas de pequena e média
dimensão. Adicionalmente, os níveis de concentração são habitualmente mais
baixos em indústrias que fazem uso intensivo de recursos naturais e primários,
como a indústria alimentar e das bebidas, a da madeira e da cortiça e a dos
minerais não metálicos primário (com exceção dos dois mencionados
anteriormente, como a hulha e o carvão, que, no caso português, apresentam
especificidades próprias), dada a necessidade por parte das unidades
industriais de se localizarem perto da fonte das matérias-primas.
A este nível de agregação parece existir, genericamente, uma maior concentração
na indústria, do que propriamente em sectores ligados aos serviços ou à
construção. Uma explicação possível é a existência de economias de escala e de
uma maior intensidade capitalística na indústria, ligada à necessidade de
maiores investimentos, por exemplo em investigação e desenvolvimento. Por outro
lado, os serviços estão mais dependentes da sua proximidade ao consumidor
final, o que contribui para a sua dispersão geográfica.
4.2 Sistema de Contas Integrado (INE)
A Tabela_3 e Tabela_4 apresentam os índices de Herfindahl-Hirschman entre 2004
e 2006, desagregados a uma letra e a dois e três dígitos da CAE Rev. 2.1,
respetivamente, obtidos a partir dos Sistema de Contas Integrado do INE. Os
dados são apresentados apenas a partir de 2004 devido à quebra de série
verificada nas Estatísticas das Empresas após 2004.
Em 2006, regista-se uma elevada concentração nos seguintes sectores, CAE 23 -
Fabricação de coque, produtos petrolíferos refinados e tratamento de
combustível nuclear e CAE 641 - Atividades dos correios, CAE 62 -
Transportes aéreos. No que se refere aos sectores moderadamente concentrados
há a registar a CAE 13-14 correspondente à Extração e preparação de minérios
metálicos e Outras indústrias extrativas, a CAE 40 - Produção e
distribuição de eletricidade, de gás, de vapor e água quente e o agregado
correspondente à CAE 64 - Correios e Telecomunicações) particularmente o das
Telecomunicações (CAE 642).
Os sectores que registaram maiores acréscimos de concentração entre 2004 e 2006
são os Transportes Aéreos (CAE 62), um sector em geral altamente concentrado,
e outras atividades não concentradas como as Atividades informáticas e
conexas (CAE 72), a Intermediação financeira, exceto seguros e fundos de
pensões (CAE 65) e os Seguros fundos de pensões e outras atividades
complementares de segurança social (CAE 66). O que registou o maior decréscimo
foi o sector altamente concentrado da Produção e distribuição de eletricidade,
de gás, de vapor e água quente (CAE 40).
A comparação entre as duas fontes de informação apresentadas, os Quadros de
Pessoal e o Sistema de Contas Integrado das Empresas, apresenta-se nas Tabela_5
e Tabela_6, respetivamente. Para o SCIE são apresentados dados comparativos com
os Quadros de Pessoal (Tabela_6) que se referem aos três anos para os quais se
disponibiliza informação, neste trabalho. Na Tabela_5, e por os Quadros de
Pessoal incluirem os resultados obtidos num período mais longo de 11 anos
consecutivos, são apresentados os resultados dos três anos em que é possível
realizar a comparação com o SCIE (2004 a 2006) tendo sido selecionados dois
anos anteriores ao período (1995 e 2000) ' a inclusão destes dois anos permite
analisar a evolução da concentração por setores até 2004.
As Tabelas 5 e 6 revelam que, em 2004 e 2006, os sectores de mais elevada
concentração, comuns a estas duas fontes de informação, são a Fabricação de
coque, produtos petrolíferos refinados ( ), referente à CAE 23, a Produção,
distribuição de eletricidade ( ) (CAE 40) e os Transportes Aéreos (CAE 62).
Entre os moderadamente concentrados está, em 2006, o sector referente à CAE 61
- Transportes por água e, em 2004, os Correios e as Telecomunicações (CAE
64). Entre os sectores mais dispersos está o sector da Construção (CAE 45), ao
nível das duas fontes de informação, em linha com a evidência existente para
diversos países e regiões (Ruiz-Valenzuela, Moreno-Serrano & Vayá-Valcarce,
2007; OECD, 2006). Também nesta classificação se incluem serviços não
intensivos em conhecimento, como os referentes ao Alojamento e restauração
(CAE 55), ao Comércio por grosso ( ) (CAE 51), Comércio, manutenção e
reparação de veículos automóveis ( ) (CAE 50), Comércio a retalho (CAE 52) e
Outras atividades de serviços (CAE 93). Outro aspeto interessante é que nos
Quadros de Pessoal também estão entre os sectores menos concentrados, sectores
intensivos em conhecimento como o referente à CAE 80 - Educação) e à CAE 85
- Saúde e Ação Social. Nos Quadros de Pessoal, os sectores da Administração
Pública estão sub-representados, pelo que estes valores devem ser interpretados
cautelosamente.
Os Quadros de Pessoal apontam, ao nível dos serviços intensivos em conhecimento
(os denominados KIBS ou Knowledge Intensive Business Services, que compreendem
as CAEs 72 a 74) para uma maior concentração no sector abrangido pela CAE 73 -
Investigação e Desenvolvimento, relativamente aos sectores referentes à CAE
72 - Atividades informáticas e conexas e CAE 74 - Outras atividades de
serviços prestadas principalmente às empresas, embora os valores para a
generalidade dos anos não demonstrem uma elevada concentração. No caso dos
dados do SCIE, é também o sector correspondente à CAE 73 que apresenta maiores
valores, ainda que os índices sejam inferiores aos dos Quadros de Pessoal. No
entanto, a um nível mais desagregado, constata-se que dentro da CAE 72 -
Atividades informáticas e conexas, nomeadamente no setor referente à CAE 721
- Consultoria em equipamento informático e CAE 724 - Atividades de bancos de
dados ( ), em 2006, o nível de concentração é superior a 1.800. Este tipo de
serviços, a sua evolução ao longo dos últimos anos e o respetivo impacto na
economia portuguesa não têm sido suficientemente estudados, demonstrando, os
resultados deste trabalho, que é pertinente um melhor conhecimento de um setor
caraterizado por pequenas empresas inovadoras com uma intensidade de
crescimento elevada e superior à dos restantes setores (Carvalho & Pinto,
2013)
5. Conclusão
Os índices de concentração são utilizados frequentemente como inputs para a
definição de regras de política pública e de medidas relativamente à estrutura
de mercado a nível sectorial. O cálculo dos índices de Herfindahl-Hirschman
para Portugal entre 1995 e 2006 permite efetuar uma análise de sensibilidade,
através de uma comparação relativa do grau de concentração entre diferentes
sectores no domínio agrícola, industrial, da construção e dos serviços e
ponderar sobre a sua evolução num período de 11 anos.
A comparação entre duas fontes de informação, os Quadros de Pessoal do
Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social e do Sistema Integrado de
Contas do Instituto Nacional de Estatística, consideradas as principais e as
mais exaustivas sobre o tecido empresarial português, às quais foi aplicada a
mesma metodologia de harmonização, permite extrair conclusões mais sólidas.
Existem no entanto divergências naturais, centradas essencialmente nas
características destas duas fontes de informação. Os Quadros de Pessoal
evidenciam um conjunto mais vasto de sectores com elevada concentração,
comparativamente aos resultados obtidos a partir do Sistema Integrado de Contas
do INE. Isto pode estar relacionado com o próprio universo das duas fontes de
informação. Enquanto o SCIE apresenta um universo mais alargado de empresas,
onde se incluem mais tipologias empresariais, os Quadros de Pessoal consideram
um conjunto distinto de empresas, mais restrito em número, compreendendo apenas
as empresas com pelo menos um trabalhador inscrito na Segurança Social, o que
se considera poder sub-representar determinados sectores económicos face aos
dados do SCIE.
A evidência que resulta da análise das duas fontes de informação revela que em
2004 e 2006, os sectores de mais elevada concentração são a Fabricação de
coque, produtos petrolíferos refinados e tratamento de combustível nuclear, a
Produção, distribuição de eletricidade e os Transportes Aéreos, à
semelhança do que acontece em vários países europeus e nos Estados Unidos.
Entre os moderadamente concentrados estão, em 2006, o sector dos Transportes
por água e em 2004 os Correios e as Telecomunicações. É de salientar que a
literatura mais ligada à Organização Industrial tem verificado que fenómenos
como a atividade de multinacionais têm contribuído para aumentos de
concentração, em particular na indústria e para alterações na sua distribuição
regional em diversos países (ver, por exemplo, Barbosa & Eiriz (2011) para
o caso português).
Entre os sectores mais dispersos estão designadamente o sector da Construção e
serviços não intensivos em conhecimento, como os referentes ao Alojamento e
restauração, ao Comércio por grosso, Comércio, manutenção e reparação de
veículos automóveis, Comércio a retalho e Outras atividades de serviços.
Sectores tradicionais, como o têxtil, vestuário e a indústria da madeira e da
cortiça também se encontram bastante dispersos. As indústrias extrativas
registaram o segundo maior acréscimo de IHH neste período.
Para além das atividades anteriormente mencionadas, obtidas através da análise
das duas fontes de informação, os Quadros de Pessoal apresentam um conjunto
adicional de sectores altamente concentrados. Destacam-se, em 2006,
designadamente os sectores da Extração de hulha, linhite e turfa, da
Indústria do tabaco e da Fabricação de equipamento e de aparelhos de rádio,
televisão e comunicação, bem como de sectores moderadamente concentrados, como
a Fabricação de pasta de papel e cartão e seus artigos, Fabricação de outro
material de transporte, Reciclagem, Transportes por água, Intermediação
financeira, exceto seguros e fundos de pensões, Seguros, fundos de pensões e
outras atividades complementares de segurança social e a própria Investigação
e desenvolvimento. Os dados referentes ao ano de 2006, provenientes do Sistema
Integrado de Contas, apresentam ainda os sectores de extração e preparação de
minérios metálicos e de outras indústrias extrativas como moderadamente
concentrados. As desagregações possibilitadas pelos dados do SCIE permitem
aferir mais concretamente quais são as atividades de elevada concentração,
nomeadamente no que diz respeito aos serviços (Atividades dos correios,
Consultoria em equipamento informático, Atividades de bancos de dados e
disponibilização de informação em contínuo).
Os Quadros de Pessoal apontam para, no caso dos serviços intensivos em
conhecimento, uma maior concentração no sector Investigação e
Desenvolvimento, designadamente nos sectores Atividades informáticas e
conexas e Outras atividades de serviços prestadas principalmente às
empresas, embora os valores para a generalidade dos anos não demonstrem uma
elevada concentração. No caso dos dados do SCIE, é também o sector da
investigação e do desenvolvimento que apresenta maior concentração, ainda que
os índices sejam inferiores aos calculados através dos Quadros de Pessoal. No
entanto, a um nível mais desagregado, constata-se que no sector Atividades
informáticas e conexas, nomeadamente nas Atividades de bancos de dados em
2006 e na Consultoria em equipamento informático, em 2006, o nível de
concentração é elevado. Quanto à intensidade tecnológica, os serviços
apresentam um comportamento dual. Os serviços intensivos em conhecimento
apresentam-se mais concentrados do que os serviços menos intensivos em
conhecimento. Este fenómeno não é tão evidente na indústria a partir da
desagregação fornecida. A emergência da economia do conhecimento tem vindo a
intensificar algumas dessas características (no caso por exemplo de
externalidades associadas com a investigação e o desenvolvimento e com o
capital humano, das vantagens comparativas internas às empresas, bem como com
fatores associados com a criação de novos bens (Carvalho & Pinto, 2013)),
que por sua vez têm vindo a gerar um aumento de concentração.
Finalmente, duas últimas notas reconhecendo a limitação destes resultados. A
primeira limitação deste trabalho de investigação, que se assume meramente
descritivo, é o facto de fazer uso de uma única medida de concentração, o IHH.
Tal limitação pode prestar-se a eventuais disparidades de resultados quando
forem utilizados índices de concentração diferentes ou outras formulações para
a aferição da concentração. Esta aferição só poderá ser realizada em trabalho
de investigação futuro que permita comparar os resultados agora apresentados
com outros obtidos por diferentes medidas de concentração sugeridas na
literatura. A segunda limitação do estudo, refere-se ao período de estudo ' o
período de 11 anos, entre 1995 e 2006, em que foi utilizada a Rev. 2.1. da
classificação das atividades económicas. De facto, a análise de um período em
que os dados se podem comparar mais directamente em períodos temporais e com
classificações coincidentes, poderá vir a ocorrer em futuras linhas de
investigação. Passados cerca de oito anos desde a entrada em vigor da nova
revisão da classificação das atividades económicas, e após um período de
mudanças estruturais em várias atividades económicas, será possível de forma
mais consistente, verificar e comparar com os resultados agora apresentados a
evolução da concentração sectorial na economia portuguesa.