The Last Empire: thirty years of Portuguese decolonisation
Stewart Lloyd-JoneseAntónio Costa Pinto(eds.), The Last Empire: thirty years of
Portuguese decolonisation,Bristol, RU, e Portland, EUA, Intellect Books, 2003,
156 páginas.
Patrick Chabal
O presente volume inclui algumas das comunicações apresentadas durante uma
conferência sobre a descolonização portuguesa realizada na Escócia em Setembro
de 2000, na qual participei também. O encontro procurou reunir especialistas
que ti vessem estudado o fim do império português, tanto do ponto de vista da
metrópole como da perspectiva das colónias, de forma a lançar nova luz sobre a
transição de Portugal para a democracia. Como pude observar, esta iniciativa
revelou-se uma base muito fértil para um diálogo entre investigadores de
diferentes linhas, mas unidos pela vontade de compreenderem melhor um processo
de descolonização que foi, ao mesmo tempo, extremamente prolongado e
diabolicamente complexo. Há, pois, que saudar a publicação deste volume, que
constitui mais um contributo para a emergente literatura sobre a história
contemporânea de Portugal.
O livro divide-se em quatro partes, respectivamente intituladas «Portugal, as
colónias e a revolução de 1974», «Estudos de caso», «Portugal e os PALOPs» e,
por último, «Testemunhos». Esta divisão, cronologicamente coerente e
tematicamente clara, funciona como um quadro geral no qual se situa uma
oportuna discussão sobre a génese, a natureza e as consequências da
descolonização portuguesa. Contudo, são as duas primeiras destas quatro secções
que se revelam as mais úteis para os estudiosos do final do império português.
A parte I inclui dois capítulos, o primeiro da autoria de Richard Robinson e o
segundo de António Costa Pinto. Estes dois artigos constituem um conjunto
equilibrado, já que o primeiro incide no impacto das questões ultramarinas
sobre a transição para a democracia que se seguiu ao 25 de Abril de 1974 e o
segundo analisa as complexidades da transferência de poder para os
nacionalistas que se verificou durante esse mesmo período. Robinson defende,
com razoabilidade, que os factores ultramarinos tiveram sempre uma grande
influência na política portuguesa. Assim, não nos surpreende que, como nos
mostra o autor, as guerras de África tenham exercido um forte impacto sobre as
forças armadas portuguesas, que acabariam por decidir-se pela deposição de um
regime já praticamente moribundo. Contudo, Robinson tem razão ao afirmar que
entre Abril de 1974 e Abril de 1976 os caprichos da política portuguesa foram
cada vez mais determinados por factores de natureza interna entre os quais se
destaca o confronto entre forças «revolucionárias» e «democráticas». O capítulo
deste autor constitui uma síntese analítica clara do período em questão.
Costa Pinto, por seu turno, oferece-nos um relato coerente da verdadeira
mecânica política do processo de descolonização nos cinco territórios africanos
de Portugal. O autor deve ser louvado pela muito clara exposição das
complexidades do caso angolano. Contudo, a sua conclusão, baseada em sondagens
de opinião, de que os portugueses não parecem ter experimentado qualquer crise
de identidade séria em resultado da perda do império (p. 34) é questionável.
Talvez seja ainda demasiado cedo para responder a esta questão. Seja como for,
a questão da «identidade» portuguesa continua a ser tão pertinente hoje como o
era há vinte e cinco anos, como pode ser atestado por uma reavaliação actual da
perda do império.
A parte II apresenta uma análise pormenorizada da descolonização num país
africano particular (São Tomé e Príncipe) e nos territórios de Portugal no
continente asiático (Macau, Timor e a Índia portuguesa). O capítulo de Malyn
Newitt constitui uma análise não apenas da transferência de poder em São Tomé e
Príncipe, como também das consequências do poder colonial para a evolução pós-
colonial deste Estado insular. Newitt, autor de uma das poucas monografias
sobre São Tomé e Príncipe, socorre-se dos seus profundos conhecimentos
históricos para lançar luz sobre a desencorajante trajectória desta antiga
colónia portuguesa. É muito provável que a sua descrição resista ao teste do
tempo.
O resumo de Arnaldo Gonçalves sobre o final do império português no Oriente
aborda com algum aprumo uma questão mais enredada. Se bem que forneça uma
descrição factual sumária muito útil da descolonização destas «parcelas» do
império asiático português, o estudo de Gonçalves peca, ainda assim, por uma
abordagem algo normativa como se fosse necessário «justificar» aquilo que
aconteceu. Além disso, o artigo simplifica as intrincadas lutas políticas que
tiveram lugar em Portugal após o 25 de Abril de 1974 (v. p. 54).
A parte III compreende três capítulos, dois dos quais dedicados à CPLP e um
terceiro sobre os imigrantes africanos em Portugal. A descrição de Luís António
Santos da criação da comunidade lusófona constitui uma útil introdução a um
processo que foi simultaneamente convoluto e contencioso, já que envolvia
profundas divisões sobre tópicos fundamentais, como as percepções e a ideologia
coloniais, os interesses nacionais e as questões de autopercepção. Santos
afirma acertadamente que a CPLP criou expectativas muito acima do que poderia
efectivamente concretizar, tendo em conta a escassez de fundos de que dispunha.
De facto, não é ainda certo que esta instituição venha a alcançar grande coisa
no futuro, para além da criação de um vago «factor de bem-estar».
Michel Cahen, que tem escrito extensivamente sobre a CPLP, explora as origens e
utilizações desta idealização lusófona do ponto de vista dos países africanos.
Detentor de ideias seguras, Cahen não se furta a exprimir opiniões firmes. A
sua avaliação é, no conjunto, sólida, ainda que possa ter exagerado o papel das
diferenças «ideológicas» em questões de conflitos de interesses. A sua
conclusão é pertinente: «Enquanto agrupamento geopolítico, a `África lusófona'
não existe verdadeiramente. Contudo, não nos iludamos, há muitas coisas que só
existem na imaginação e que ainda assim são faladas durante mil anos» (p. 96).
Martin Eaton assina um artigo bem informado e analiticamente arguto sobre os
imigrantes provenientes da África lusófona. Dando mostras de uma louvável
familiaridade com as fontes estatísticas existentes, o autor fornece-nos uma
imagem muito nítida da mudança dos padrões da imigração, bem como do lugar que
estes imigrantes das antigas colónias africanas ocupam na sociedade portuguesa.
A análise de Eaton confirma a importância da mão-de-obra não qualificada
oriunda destes países africanos, embora refira que o número de profissionais
africanos que actualmente encontram emprego em Portugal é cada vez mais
elevado.
A parte IV é composta por dois diferentes tipos de «testemunhos» históricos. O
primeiro é um documento apresentado por Douglas Wheeler ao Ministério dos
Negócios Estrangeiros dos Estados Unidos algumas semanas antes do 25 de Abril
de 1974. Neste documento, Wheeler analisa os cenários possíveis relativamente à
futura evolução do império africano português o que se reveste de interesse,
por duas razões distintas: por um lado, oferece-nos uma ideia geral sobre o
contexto no qual teve lugar tal discussão e, por outro, constitui a confirmação
de que, por essa altura, o fim do poder colonial português estava já claramente
à vista.
O segundo «testemunho» é um texto reflexivo de um conhecido jornalista
português, António de Figueiredo, sobre o fim do império colonial de Portugal.
A publicação deste artigo, que é em parte um relato autobiográfico e em parte
um ensaio analítico, constitui uma homenagem a um homem que conheceu o
colonialismo em primeira mão e que, perseguido pela polícia secreta devido ao
seu apoio ao general Delgado, decidiu estabelecer-se na Grã-Bretanha para
melhor desenvolver a sua «campanha» contra o regime de Salazar e Caetano. Para
além do testemunho em primeira mão, o que mais nos impressiona neste texto são
as constantes interrogações de um homem que se debateu com as contradições da
«identidade» portuguesa. É muito provável que os historiadores futuros venham a
reexaminar este documento com interesse.
O mérito do presente volume é ter submetido a discussão da descolonização a uma
série de abordagens diferentes analítica, histórica e geográfica. O
desenvolvimento de contributos especializados para a reavaliação global de um
fenómeno demasiado amplo para ser abrangido numa única revisão é, pois, muito
oportuno. Haverá, sem dúvida, muitas futuras revisões das imagens que formámos
a propósito do fim do império que foi, simultaneamente, uma transição para a
democracia em Portugal e para a independência na África e na Ásia. Contudo, The
Last Empire apresenta os defeitos próprios das actas de conferências: a
ausência de um foco analítico e a pouca unidade do livro no seu todo. Neste
caso particular, tais defeitos não diminuem o valor do livro, mas podem
enfraquecer o seu impacto futuro sobre os estudos históricos.
Além disso, é algo surpreendente que os autores não estabeleçam um diálogo mais
enérgico com aquela que é, até à data, a obra mais convincente sobre o processo
da descolonização portuguesa The Decolonization of Portuguese Africa:
metropolitan revolution and the dissolution of empire (Londres, Longman, 1997),
de Norrie MacQueen , uma omissão flagrante, tanto mais que a autora não só
participou na conferência, como foi também uma das organizadoras da mesma. Este
diálogo poderia ter sido realizado de duas maneiras. Em primeiro lugar, os
editores poderiam ter pedido aos autores uma resposta à interpretação de
MacQueen, quanto mais não fosse para garantirem uma discussão adequada. Em
segundo lugar, deviam ter providenciado uma introdução que sumariasse as
perspectivas existentes e delineasse os seus principais argumentos
relacionando-os, caso necessário, com as perspectivas e argumentos do livro de
MacQueen.
Como já defendi num outro texto, verifica-se na historiografia contemporânea do
Portugal moderno uma tendência para confinar a análise à perspectiva lusófona,
ou seja, para o estudo do final do império dentro de uma perspectiva
estritamente portuguesa ou da África lusófona. Tendo em conta a necessidade de
aprofundar o nosso conhecimento sobre este período, é compreensível que os
estudiosos tenham procedido desta forma até ao momento. Contudo, torna-se cada
vez mais evidente que a ausência de uma perspectiva comparativa está a
dificultar o nosso entendimento da descolonização portuguesa, bem como dos
acontecimentos pós-coloniais que se verificaram nos PALOPs. O presente livro, à
semelhança de muitos outros de temáticas afins, teria beneficiado grandemente
de uma abordagem ao estudo da descolonização portuguesa inserido no quadro da
história do colapso de outros impérios coloniais. Trinta anos após o fim das
guerras coloniais, já vai sendo tempo para que os historiadores de Portugal
reformulem as suas questões dentro de uma perspectiva comparativa europeia mais
sólida. Só desta forma serão capazes de fortalecer o seu programa de
investigação e de proporcionar uma interpretação mais esclarecedora dos
acontecimentos que se seguiram ao 25 de Abril de 1974. O império africano
português pode ter sido singular, mas o processo pelo qual alcançou o seu fim
apresenta muitos mais aspectos em comum com os processos francês e britânico do
que a actual historiografia portuguesa parece disposta a admitir. A convicção
de que o «destino» africano de Portugal foi único pode constituir uma indicação
de que a «crise» da descolonização não foi ainda plenamente integrada nas
considerações actuais sobre a identidade da nação.