Os Despojos da Aliança. A Grã-Bretanha e a questão colonial portuguesa, 1945-
1975
Pedro Aires de Oliveira,Os Despojos da Aliança. A Grã-Bretanha e a questão
colonial portuguesa, 1945-1975, Lisboa, tinta-da-china, 2007, 598 páginas.
O longo título da obra indica o imenso trabalho de síntese que foi exigido ao
autor neste percurso historiográfico, cobrindo três décadas do complexo
relacionamento entre Portugal e a Grã-Bretanha. Este feito foi possível por
resultar directamente de uma investigação de doutoramento em História
Institucional e Política realizada na Universidade Nova de Lisboa (FCSH). Pedro
Aires Oliveira, premiado pela Fundação Mário Soares em finais de 2007, foi
capaz de condensar num volume o conjunto de esforços dos dois países no que diz
respeito aos seus territórios coloniais, tanto no campo politico como
diplomático e militar. Ao longo da narrativa é possível detectar que o autor
adopta, deliberadamente, um estilo próximo das crónicas do final dos tempos, ou
pelo menos de alguma nostalgia pós-imperial. Isto apesar de os capítulos
centrais da obra se encontrarem num registo de tipo ensaístico, mais próximo da
história política tradicional (capítulos v, vi e viii).
No tratamento dos temas parece evidente que o autor se esforçou para conjugar
os seus dois principais interesses — a história das relações internacionais com
a história contemporânea de Portugal. A opção de trabalhar assuntos tão
diversos na perspectiva do que chamou "despojos" de uma aliança é
bastante discutível. Com algum sucesso, Pedro Oliveira escolheu submeter grande
parte do conjunto historiográfico a uma estratégia literária. Se este
dispositivo é perfeitamente legítimo, enriquecendo uma história da "crise
colonial portuguesa no contexto das relações luso-britânicas" (p. 15), já
a inspiração (declarada) no título de um famoso filme de 1993, realizado por
James Ivory, The Remains of the Day (baseado no romance homónimo de Kasuo
Ishiguro), parece demasiado forçada. Na verdade, após uma leitura atenta das
conclusões sugeridas não restam "despojos" alguns, ou melhor, é
difícil ver para além da circunstância mencionada sobre as cerimónias de
entrega dos derradeiros bastiões da presença imperial das duas nações na Ásia
(Hong-Kong e Macau) pouco distarem uma da outra (p. 489). A estratégia
literária está, contudo, longe de ser falhada; Oliveira foi capaz de encontrar
originalidade em títulos como "Por detrás do biombo: olhares britânicos
sobre o colonialismo português" (capítulo iii). Referindo-se ao papel da
imprensa britânica: "Os desmancha-prazeres" (p. 165) e,
respectivamente, para os capítulos v e vi, "Annus horribilis"
(acerca do ano de 1961) e "Entre Cila e Caribdis" (abrangendo toda
a última fase do salazarismo). Esta agradável surpresa numa obra proveniente da
academia é de saudar naquela que certamente é uma intenção de introduzir uma
mudança de mentalidades.
Mas o aparato literário não é indispensável para o leitor tomar em conta as
teses bem realistas que percorrem a obra. A nosso ver, a tese que surge com
mais vigor é a da ligação Londres-Lisboa se encontrar assente nas realidades
coloniais e, por esse motivo, como argumenta o autor, ter havido um
"esvaziamento" dessa "conexão" após 1976. Encontramos
desde logo no capítulo i (que procura reconstituir rapidamente as mutações e
motivações da aliança anglo-lusa desde o seu começo) uma leitura demasiado
atenta à centralidade dos "factores coloniais" (p. 33), pondo de
parte as questões (em especial os problemas do espaço ibérico) que não cabem no
que o subtítulo da obra designa como "a questão colonial
portuguesa" e que, respeitando esta lógica, não serão objecto de estudo
neste livro. Deste modo, o duradouro casamento de conveniência (uma antiga
imagem que simboliza a aliança) terminou naquele momento do tempo em que se
dava o final da presença portuguesa em África nos moldes em que existia,
constituindo já o processo de "normalização democrática que o país
experimentou" uma etapa inteiramente distinta, até porque desde 1986
teria sido absorvido o que restava da relação bilateral no "mundo dos
contactos multilaterais" (p. 489). Serão estes os "despojos"
para que o título nos remete?
Ao apresentar as linhas orientadoras do relacionamento destas duas potências
coloniais, Pedro Oliveira procurou entender qual era o olhar britânico sobre o
império português. Situar quais os elementos essenciais na construção de uma
visão única do colonialismo lusitano; ao nível da mais pequena política
(interesses locais, convergências ocasionais, questões de fronteiras), mas
também na dimensão de uma cuidada imagem diplomática interpretada por um filtro
único: oForeign Office. Como sublinha o autor, a "influência dos
funcionários de carreira do FO na discussão e apresentação das linhas de acção
face a Portugal era enorme" (p. 483). Esta é outra das teses fundamentais
que Oliveira quer transmitir ao leitor. Ao longo da obra vai demonstrando,
através de inúmeros exemplos pacientemente escolhidos, como um conjunto de
notáveis diplomatas da velha escola britânica não conseguia ser totalmente
insensível aos sortilégios do regime de Salazar (Frank Roberts, Anthony Eden ou
Samuel Hoare, só para escolher três que o autor identifica) (p. 49). Se
acrescentarmos, como explica Pedro Oliveira, que, no caso dos embaixadores
acreditados em Lisboa, muitas vezes se chega ao elogio, sem reservas, do
presidente do Conselho, ficamos de facto convencidos de que este tipo de
análise política era preponderante. É emblemático o caso das comunicações para
o Foreign Officefeitas por Sir Charles Stirling desde Lisboa em 1959, em
contraste com a posição de Sir Pierson Dixon, o representante britânico nas
Nações Unidas (p. 203). Esta dinâmica de diferentes posicionamentos, com poucas
consequências, por ser ainda anterior ao discurso dos "ventos de
mudança" de 1960, permitiu ao regime português uma travessia
suficientemente calma nos mares do pós-guerra e a que Pedro Oliveira chamou, em
mais um dos seus títulos bem achados, uma adaptação aos novos tempos "sob
o patrocínio de Sua Majestade".
A documentação recolhida nos arquivos de Kew (PRO), na sua quase totalidade
inédita para todos os que se dedicam a estes estudos, confirma que até 1954
Portugal soube colher os frutos da neutralidade "colaborante" e
que, apesar das observações lúcidas de Salazar, sempre céptico acerca dos
mecanismos da política internacional, a velha aliança parecia apresentar ainda
algumas potencialidades. Esse foi um pouco o sentido da visita a Portugal da
rainha Isabel II em 1957 e das conversações quadripartidas (incluindo
igualmente a Bélgica e a França) sobre questões coloniais que datam do mesmo
ano, uma das últimas ocasiões em que o voto britânico nas Nações Unidas
alinhava com as posições portuguesas "por dever de solidariedade para com
um aliado" (p. 200).
Para compreender melhor o contexto em que a aliança funcionava como um factor
de peso no relacionamento entre os dois países é necessário recuar cerca de dez
anos. A narração de Pedro Oliveira enumera alguns episódios reveladores do
elevado crédito político que o regime possuía em Londres desde 1945, traduzido
em Lisboa por diversas "manifestações de apreço" ao longo de 1946
(p. 49). Logo a seguir, no período entre 1947 e 1949, estavam criadas, segundo
o autor, "condições propícias à participação portuguesa nas instituições
que deram solidez e coesão ao chamado `mundo livre'". A documentação do
Joint Planning Staffapresentada no capítulo i é uma peça chave para entender o
processo de valorização da situação geopolítica portuguesa, a localização
atlântica do país e dos seus arquipélagos, rapidamente transformados por
Salazar em crucial peça negocial no jogo diplomático anglo-americano (p. 46).
Se em Os Despojos da Aliança a visão portuguesa é menos importante do que a da
"pérfida Albion", não deixa de ser obrigatório reflectir como
Salazar se preocupou com as palavras de Lord Palmerston pronunciadas cem anos
antes, em 1847, numa carta onde o estadista punha em relevo como as vantagens
da aliança eram grandes para os ingleses. Era assim, sem dúvida, premeditada a
insistência do chefe do governo português em demonstrar a importância de
Portugal para uma eventual defesa do Ocidente no século xx. Como mostra Pedro
Oliveira, articulando as conclusões do relatório do Joint Planning Staff com as
deliberações do Cabinet, e não ignorando o indispensável
"pragmatismo" de Salazar (e das chefias das forças armadas),
estamos perante a receita que conseguiu incluir Portugal no Tratado do
Atlântico Norte, deixando a Espanha de fora (p. 54).
No que diz respeito ao valor estratégico das possessões portuguesas a oriente
(Goa, Macau e Timor), já não se aplicam, uma por uma, as mesmas razões e
argumentos. Como nos é explicado no capítulo ii de Os Despojos da Aliança,
embora a dinâmica dos acontecimentos tenha sido simultânea, a forma como se
elaborava o processo de decisão na diplomacia de Whithehall não deixava que os
interesses próprios da Commonwealthfossem abandonados ao proceder-se à
avaliação das obrigações constantes nos tratados com Portugal. Eram estudos
completos, que no final dos anos 40 serviam para mero apontamento de gabinete,
embora se aproximassem da chave para interpretar o significado das diferentes
fases que a velha aliança atravessava. As metáforas meteorológicas de Salazar —
"zona de tufões" — estavam certas: adivinhavam-se tempos
turbulentos.
Neste grande retrato de um mundo anterior às violentas mudanças da
descolonização africana Pedro Oliveira insiste numa tendência para valorizar as
teorias da chamada terceira força, elaboradas pelo professor John Kent,
procurando legitimar a acção dos governantes britânicos (nomeadamente Bevin)
através de um suposto desejo de afirmação do continente europeu e suas colónias
africanas como factor de equilíbrio entre as duas grandes forças da guerra
fria. Apesar de ser uma explicação convincente, nem sempre é esclarecedora,
ainda que tenha, de facto, sido adoptada pelos círculos governativos em Lisboa.
Salazar, com feito, apostava neste jogo, mas através de um conceito de Euro-
África que, podemos afirmar, era certamente distinto das sugestões vindas de
Londres. Antes de mais, como Oliveira, aliás, amplamente demonstra para este
período, o exercício de manutenção e cooperação para o desenvolvimento dos
territórios portugueses em África já era só por si uma cruzada de grande
envergadura.
Pedro Oliveira procurou no seu trabalho de doutoramento privilegiar o
"papel desempenhado por algumas forças da sociedade civil britânica na
crise colonial portuguesa" (p. 485). Para este fim utilizou no capítulo
iii a sobreposição de três pontos de vista inovadores: a riqueza das fontes
consulares (registos dos cônsules britânicos que operavam "no
terreno"), o papel das missões religiosas (únicas organizações de tipo
"não governamental" daquela época) e ainda focando alguns episódios
relativos à natureza da posição da imprensa britânica relativamente às colónias
portuguesas.
Numa leitura que abarca trinta agitados anos haveria que fazer escolhas e, para
grandes ensaios de história diplomática, Pedro Oliveira reservou os capítulos
centrais, que dizem, em grande parte, respeito aos anos 60. Antecedendo estes
capítulos, encontramos uma excelente meditação acerca das questões relativas às
disputas ocorridas na ONU no quadro imediatamente anterior: é um momento de uma
alteração significativa na "arena internacional" (analisado na
última secção do capítulo iv). Com um juízo um pouco injusto para a diplomacia
portuguesa (cujos poderes de previsão acaba por elogiar), Pedro Oliveira revela
aqui um pouco do pensamento nacional, desapontado com o evoluir do
relacionamento com a antiga aliada, usando trechos bem seleccionados da
correspondência entre Salazar e o embaixador Abranches Pinto, representante de
Portugal em Londres. Passando para o ano terrível (horribilis) de 1961
(capítulo v), tornam-se claros os factores da "vulnerabilidade da
aliança" — uma boa definição para a dificuldade do lado britânico em
obter acordo na questão das autodeterminações para a África portuguesa — e
ficamos a conhecer quais foram as mais importantes (e infrutíferas) démarches
dos diplomatas britânicos: tentativas no quadro da Nato, conversas do
embaixador Ross em Lisboa e até uma visita de Lord Home a Salazar, apostando
nas virtudes do reformismo como solução para o caso de Angola. Do lado
português existia, segundo a visão britânica, uma "filosofia" que
era impossível de ser ultrapassada pelos métodos diplomáticos tradicionais. A
aposta no programa de reformas anunciado para a África parecia, naquele
contexto, uma derradeira hipótese de salvar as aparências, sendo assim o
cenário mais "desejável do ponto de vista das relações anglo--
portuguesas" (p. 259).
O nível crescente de "anglofobia" sentido em Portugal pela
insistência britânica neste ponto concreto viria a ter o epicentro na perda de
Goa, precisamente trezentos anos após termos cedido Bombaim no tratado que
ficou como o mais célebre de todos aqueles que foram assinados com a Grã--
Bretanha, o de paz e aliança de 1661. A aliança estava nos primeiros dias de
1962 tão enfraquecida que Salazar até perdeu a voz quando ia pronunciar um
discurso em que lançava fortes dúvidas sobre a Aliança Luso-Britânica,
interrogando-se acerca do seu valor futuro perante o "aborrecimento de
dolorosas contradições".
Do lado britânico, o facto de pela primeira vez, e de um modo crucial, a
manutenção de Salazar no poder ter sido posta em questão é um dos processos
políticos centrais narrados na obra (p. 292). Foi uma tentativa do Foreign
Office (precisamente em Dezembro de 1961) para pensar numa alteração
"radical" do relacionamento especial com Portugal. A revisão da
aliança nestes termos teria sido um teste fundamental para avaliar a inserção
do pequeno país no concerto internacional ocidental. Discutida ao mais alto
nível em Londres, acabou por ficar em vagas sugestões. Pedro Oliveira designou
este momento como o da "aliança debatida" (p. 287) e que acabou por
levar a uma tentativa de "recomposição das relações". Deste modo,
embora mantido o status quo, pode ser considerado o começo de uma clivagem
irreparável, relativa aos assuntos africanos, entre os dois governos. Um dos
elementos mais determinantes nesta dinâmica é o "despertar da opinião
pública" (p. 242) a nível mundial com efeitos relativos, mas numa
sociedade com uma longa tradição de discussão democrática com algumas
consequências políticas importantes. Do ponto de vista da opinião pública (e
oficial), em Lisboa foi um final infeliz para "um instrumento diplomático
que se tornara quase um elemento estruturante da identidade portuguesa".
Além de, como sublinha Pedro Oliveira, ter sido a aliança, ao longo dos anos,
para Salazar um "trunfo" útil, de que certamente não gostou de
abdicar. As razões fundas desta nova situação surgem perfeitamente delineadas
num dos documentos mais fascinantes que Pedro Oliveira nos apresenta: num
memorando para o governo Lord Home, então a chefiar o Foreign Office,afirma
estar preocupado com eventuais situações futuras que possam ser semelhantes ao
caso de Goa, escrevendo que o mais importante "está em saber como nos
livrarmos deste compromisso com elegância e sem provocar reacções hostis em
Lisboa" (p. 291).
Assim, no outro vértice da aliança, em Londres, numa fase distante do ambiente
do pós-guerra, dá-se uma alteração da percepção da personalidade de Salazar e
das suas capacidades de gestor das crises externas e internas — acentuada pela
crise da Rodésia. Situação que se torna problemática logo em 1965, ponto
preciso que Pedro Oliveira identifica (correctamente) como de ruptura na
relação de confiança entre os aliados. As relações entre os dois países
"tinham resvalado para aquele que foi talvez o seu ponto mais
baixo" (p. 346).
O ponto de viragem é considerável. vinte anos após o embaixador Owen O'Malley
não encontrar um programa válido nas propostas dos oposicionistas a Salazar (p.
48) os diplomatas britânicos pensam seriamente em considerar a oposição ao
regime um interlocutor válido. Por outro lado, os decisores ingleses não
queriam que uma aliança luso-rodesiana viesse a ganhar a possibilidade de se
concretizar (p. 303). Parecia tão fatal para a aliança luso-britânica este
cenário que os decisores do aparelho diplomático britânico não só arranjaram um
enviado especial (a vinda de Lord Walston foi de facto o ponto "mais
baixo" que o relacionamento conheceu), como fizeram com que o próprio
primeiro-ministro Wilson enviasse uma mensagem pessoal a Salazar que apostava
na continuidade da "velha amizade" (p. 341). Foi,
inquestionavelmente, a crise mais profunda (e duradoura) da aliança após o
conflito de 1939-1945.
O fim de Salazar, segundo os relatos apresentados neste livro, trazia para os
muito entusiasmados diplomatas ingleses mudanças consideráveis e talvez até a
solução para o próprio problema colonial. Era grande a expectativa no
reformismo do novo presidente do Conselho, sobretudo no que toca a concretizar
uma aspiração a políticas mais "esclarecidas", aproveitando as
possibilidades do ambiente económico e político favorável. Na verdade, ao
relatar com bastantes detalhes estes últimos aspectos antes da chegada de
Marcelo Caetano ao poder, boa parte do capítulo vii (inteiramente dedicado a um
liberal que, afinal, não o era) pertence ao capítulo imediatamente anterior. As
conclusões são de enorme interesse, pois Pedro Oliveira volta a fazer uso do
material consular disponível nos arquivos britânicos acerca da África
portuguesa, recolhendo juntamente outras opiniões acerca da situação real
(principalmente económica) daqueles territórios. É a própria viabilidade
daquela experiência ultramarina que está aqui em análise, conforme nos indica
um relatório de leitura obrigatória da autoria do Southern European Department
do Foreign Office elaborado no ano de 1970. A aliança seria um entendimento
futuro acerca do desenvolvimento africano, sem, contudo, se abdicar de um
caminho para a democracia, o multirracialismo e a consagração do princípio da
autodeterminação (p. 373). Em relação a um tema essencial, a visita oficial a
Londres de Marcelo Caetano, sublinha com argúcia Pedro Oliveira, foi uma
"festa estragada", e não só pelas diferentes e contrárias
interpretações diplomáticas que suscitou. Na secção final (p. 397), dedicada em
grande parte ao esforço falhado de obtenção do reconhecimento diplomático pelo
PAIGC por parte do governo de Londres no momento que antecede a "queda
dos dominós" — expressão que o autor elegeu para denominar o processo de
descolonização —, não deixa de ser curioso verificar a crença de uma parte da
diplomacia do Reino Unido na preparação de uma futura "comunidade
lusitana" para a África (p. 405). Três meses depois (Maio de 1974) já o
famoso jornal Timesconsiderava a possibilidade de uma federação luso-africana
um sinal inquietante de neocolonialismo (p. 418).
Efectivamente, a lógica impiedosa da guerra fria lançou sobre os territórios
portugueses toda a atenção da comunidade internacional. A Inglaterra ajudou em
muita coisa, mas não exclusivamente. A aliança serviu pouco a independência de
Angola. é mesmo possível afirmar que Londres dispunha apenas de uma curta
influência nessa zona, onde os seus interesses económicos eram pequenos (p.
452). Foi o entendimento anglo-americano (Kissinger em Londres) que originou
uma acção conjunta para travar os avanços do bloco MPLA. Curiosamente, não era
só a esquerda portuguesa que acreditava em terceiras vias heterodoxas, pois,
segundo nos revela Pedro Oliveira, Callaghan considerava a política externa de
Idi Amin algo interessante para a África daqueles tempos! (p. 455). É
extremamente curioso ler este ensaio sobre os acontecimentos de 1974-1975
usando testemunhos daquela fleuma britânica que, se não estivéssemos perante
uma tragédia humana tão grande, teriam sucesso em qualquer crítica de costumes.
É o caso do diplomata Stanley Duncan, que vê Moçambique vítima de colonizadores
incompetentes (p. 441). Neste capítulo viii conseguimos vislumbrar a habilidade
do responsável máximo pela diplomacia portuguesa, Mário Soares, como alguém
particularmente sensível aos usos úteis da aliança Luso-Britânica. A dupla que
em alguns momentos formou com Callaghan é aqui pela primeira vez
historiografada com fontes nunca antes usadas. Os contactos de alto nível que
se fizeram através de Londres parecem ter tido resultados significativos,
sobretudo no caso de Moçambique, onde, apesar das inúmeras contingências se
evoluiu, como sublinha o autor, no breve espaço de vinte anos para uma adesão à
Commonwealth. Numa prosa elegante, e não recorrendo a extrapolações
irracionais, tão frequentes ao tratar um tempo histórico tão próximo, Pedro
Oliveira revela ainda os motivos (ocultos) do interesse britânico por Timor.
Este episódio "menos feliz" (p. 479) encerrava razões associadas a
uma realpolitikque parece hoje chocante para as diplomacias baseadas na
salvaguarda dos direitos humanos, mas que não deixavam de conter uma dose de
grande complexidade, como, aliás, se advinha pelas declarações então feitas por
alguns responsáveis portugueses.
Não podemos, por todos os motivos apontados, dispensar os contributos desta
obra para uma compreensão mais rigorosa da história do século xx português. Um
trabalho que passa a ser de referência.Como nos recorda o autor logo de início,
não existe ainda uma obra de síntese que coloque em perspectiva seiscentos anos
de aliança. estamos, assim, perante um modesto contributo… de 600 páginas!
Pedro Leite Faria
Centro de História Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa