La réorganisation du commerce d'un centre ville: résistance et obstacles à
l'action collective
Marta Pedro Varanda, La réorganisation du commerce d'un centre ville:
résistance et obstacles à l'action collective, Paris, L'Harmattan, 2005, 254
páginas.
Este livro, publicado na colecção «Villes et enterprises», dirigida por Alain
Bourdin e Jean Remy para a L'Harmattan, corresponde a uma versão revista para
edição em livro dos resultados do trabalho conducente à elaboração da
dissertação de doutoramento em Sociologia da autora, apresentada em 2003 na
Universidade de Lille1 sob o título «Le probléme de l'action collective entre
petits patrons: le cas des commerçants dans un centre-ville».
Trata-se, portanto, de uma obra de fundo, centrada na análise da questão da
acção colectiva, designadamente na resposta dos pequenos comerciantes do centro
das áreas urbanas (o «centro-cidade» para a autora) aos desafios de
reorganização do mercado a que estão sujeitos. Esta análise é efectuada focando
em particular duas situações concretas perante as quais são colocados os
comerciantes do centro histórico e comercial de um centro urbano de média
dimensão português (da região de Lisboa e Vale do Tejo): um projecto de
urbanismo comercial desenvolvido com base num programa governamental financiado
por fundos estruturais comunitários; a institucionalização da abertura do
comércio local aos sábados à tarde por iniciativa de uma associação empresarial
local.
Tendo-se revelado a participação dos comerciantes a ambas estas iniciativas
bastante débil, não obstante os incentivos económicos, a autora tenta
interpretar esta incapacidade de coordenação com base numa análise aprofundada
do seu contexto de acção, mostrando que a minoria de comerciantes mais
envolvida na acção colectiva é formada por aqueles mais socialmente
encastrados, na linha da argumentação da sociologia económica que defende a
influência das relações sociais entre actores nos resultados da acção
económica.
Note-se que, no entanto, partindo de uma perspectiva teórica e conceptual
centrada essencialmente no campo da sociologia económica, a autora enfrenta um
objecto de estudo e uma realidade empírica para os quais mobiliza diversos
contributos disciplinares, conceptuais e empíricos, em particular nos campos da
economia e da geografia.
A obra está organizada em três partes distintas: (i) a delimitação do quadro
teórico utilizado; (ii) a explicitação dos principais aspectos contextuais
relativos seja às dinâmicas do comércio em geral, seja ao quadro de acção
concreto dos comerciantes no centro-cidade analisado; (iii) a análise e
discussão dos resultados obtidos.
Na primeira parte, como se explicita no próprio título, é esboçado o quadro
teórico que enquadra a pesquisa. Com base numa perspectiva inicial centrada no
indivíduo, são discutidas ao longo do capítulo 1 as questões associadas à
construção social das relações económicas, partindo da noção de encastramento
social, com particular relevo para as interdependências sociais entre os
actores económicos na (re)organização dos mercados. São exploradas as
complexidades inerentes ao estudo da coordenação da acção, muito associadas à
débil compreensão dos mecanismos meso que ligam a acção individual e colectiva,
defendendo a autora a necessidade de uma abordagem estruturalista alargada para
estudar este tipo de fenómenos, combinando a análise estruturalista com uma
análise cultural e tendo em conta o indivíduo enquanto unidade de análise,
assumindo que este tem uma racionalidade contextual, estando confrontado com um
conjunto de constrangimentos e oportunidades, mas também uma margem de manobra
significativa que lhe permite agir de forma estratégica.
No capítulo 2 passa-se do nível do indivíduo ao do sistema, discutindo a
importância desse contexto alargado (e da sua transformação ) no
condicionamento das estratégias económicas e sociais dos actores. São debatidas
as dificuldades sentidas no plano concreto pelas entidades para implementar e
operacionalizar as mudanças (tendo presentes as realidades do Estado ou das
associações comerciais, importantes para o estudo de caso efectuado), bem como
os aspectos associados à sua difusão, sendo salientada a importância dos
factores individuais (ou das minorias, por exemplo) para acelerar ou retardar
os processos de mudança e na adopção de novas regras colectivas.
O capítulo 3 centra-se nas dificuldades ligadas à coordenação da acção. Tendo
como referência uma situação de operacionalização de acção coordenada, como a
existente na reorganização de um mercado, são analisadas estas dificuldades,
usualmente associadas à existência de conflitos diversos entre o interesse
individual e colectivo. É destacado o papel dos constrangimentos à acção e
discutido, em particular, o papel da sanção como mecanismo necessário ao
processo de coordenação. Apresentam-se situações diversas e resultados de
estudos empíricos onde a coordenação é obtida seja por resultado da acção de
instituições externas ao sistema social em causa, seja através da sua auto-
organização, situação particularmente importante para explicitar as
complexidades patentes num processo de coordenação por actores autónomos,
formalmente independentes e iguais (como os assumidos geralmente pela teoria
económica).
Os capítulos 4 e 5 concluem o enquadramento teórico e conceptual, dedicando-se
às questões específicas da mobilização dos actores e da liderança,
respectivamente. É discutida a necessidade de mobilização de um número
significativo de actores para concretizar o processo de reorganização do
mercado, associando-se o sucesso deste processo à capacidade de mobilização,
seja vista no plano dos esforços de organização a nível individual (mobilização
de recursos, existência de liderança eficaz), seja no que concerne a aspectos
estruturais e culturais (redes de interacção entre actores, questões
identitárias). É igualmente sistematizado o papel da liderança e a sua
importância no esforço de reorganização de um colectivo composto por
concorrentes interdependentes. Discutem-se as origens do poder dos líderes, as
suas tarefas e o seu papel na inovação, sendo o foco colocado nas consequências
da falta de uma liderança forte, tendo em particular aten ção o facto de no
colectivo de actores estudado existirem efectivamente actores com estatuto
elevado, mas com falta de recursos ou de condições em termos do seu nível de
organização para serem capazes de conduzir eficazmente a modernização do
mercado respectivo
A segunda parte da obra corresponde a uma análise detalhada do contexto em que
se realiza a pesquisa e da problemática em análise. A preocupação central é com
a caracterização geral do mercado estudado, com a descrição das situações
concretas de acção colectiva analisadas e com a compreensão do tipo de
situações que os actores deste mercado enfrentam no seu esforço de
reorganização.
Esta parte inicia-se (capítulo 6) com uma caracterização do contexto mais amplo
do sector do comércio e das suas tendências e transformações recentes, com
particular destaque para o caso concreto português. São destacados os aspectos
da concentração e suburbanização do comércio e os seus efeitos no pequeno
comércio tradicionalmente instalado no centro das cidades. Analisam-se
igualmente (já no capítulo 7) as estratégias de reacção dos comerciantes a esta
crise do pequeno comércio, sejam estas mais individualistas ou mais colectivas,
bem como as acções dos poderes públicos em defesa do pequeno comércio, notando-
se igualmente os frequentes efeitos perversos destas medidas (como a
substituição de pequenos comerciantes independentes tradicionais por outros nos
centros das cidades, numa lógica associada aos processos de gentrificação).
Uma das estratégias privilegiadas de intervenção pública na revitalização e
requalificação do pequeno comércio nos centros das cidades têm sido os
programas e projectos de urbanismo comercial, juntando um conjunto
diversificado de actores (comerciantes, municípios, Estado central, outros
actores económicos, residentes) na reabilitação e modernização destas
actividades. No capítulo 8 é enquadrado e analisado o programa governamental
que em Portugal tinha sido criado com esses objectivos na altura (o PROCOM, a
que, entretanto, já sucederam outras iniciativas de âmbito semelhante), o qual
se traduz no contexto que enquadra a primeira situação de acção colectiva
associada à reorganização do comércio do centro-cidade analisada pela autora.
No capítulo 9, por seu lado, descreve-se a outra situação de reorganização de
comércio analisada pela autora: a alteração dos horários de abertura dos
estabelecimentos comerciais por iniciativa da associação empresarial local,
passando a abrir ao sábado à tarde.
É o estudo de caso destas duas situações que ocupa os capítulos seguintes, que
dão corpo à descrição do âmbito da análise empírica efectuada, após uma
apresentação do contexto específico do caso estudado (o comércio num centro
histórico e comercial de uma cidade média da região de Lisboa e Vale do Tejo),
no capítulo 10, onde é efectuada uma breve descrição das especificidades sócio-
económicas da região, do centro urbano e do comércio do seu centro-cidade e
dada uma atenção especial aos actores fulcrais implicados no processo de
reorganização (a câmara municipal e a associação comercial local). No capítulo
11 é apresentado o projecto de urbanismo comercial conduzido neste centro
urbano, sendo descrita a sua implementação, o envolvimento dos diversos actores
implicados e as suas falhas de coordenação. No capítulo 12 é analisada a
decisão de abertura dos estabelecimentos aos sábados à tarde, focando-se a
análise nas estratégias diversificadas adoptadas pelos comerciantes como
reacção à proposta que lhes foi apresentada pela sua associação comercial.
O capítulo 13 finaliza esta segunda parte com uma caracterização dos pequenos
comerciantes locais, assumindo que as características sociais e relacionais do
grupo são fundamentais para compreender os resultados dos esforços de
reorganização, particularmente ao nível do envolvimento e participação dos
comerciantes. É destacada aqui a influência do posicionamento social dos
comerciantes nas suas estratégias comerciais, em particular o facto de a
pertença ao universo da pequena burguesia (caracterizado por origens sociais
modestas, débil educação escolar e dificuldades financeiras) condicionar
fortemente as suas estratégias, nomeadamente em termos da falta de ambição e
aversão ao risco e à mudança. A par deste grupo, numa realidade social
heterogénea, afirma-se crescentemente outro núcleo de comerciantes, mais
recentes, com atitudes mais pró-activas e dinâmicas e mais motivados pela
racionalidade do lucro, estando, portanto, menos afectivamente ligados à sua
independência e autonomia e mais abertos à articulação com redes de
franchisingou grupos económicos, por exemplo. O confronto entre estes dois
grupos gerará, portanto, novas dinâmicas no comércio do centro-cidade.
Na terceira e última parte a autora procede a uma discussão dos resultados
empíricos obtidos, à luz do quadro conceptual anteriormente definido, numa
perspectiva conclusiva, recorrendo à análise das redes sociais, bem como à
construção de modelos multivariados com os dados recolhidos.
Após uma breve introdução (capítulo 15) explicativa da racionalidade dos
actores face às duas iniciativas de reorganização de mercado apresentadas, a
qual permite melhor explicitar o seu grau de adesão às mesmas, procede-se nos
dois capítulos seguintes à análise dos resultados estatísticos (e ao confronto
com a observação «etnográfica» da autora) respeitantes às duas situações: dos
projectos de urbanismo comercial no capítulo 16 e da abertura no sábado à tarde
no capítulo 17. São ainda comparadas as duas iniciativas em relação aos
aspectos que parecem condicionar mais os comerciantes no que concerne à sua
participação (nível de investimento financeiro e humano, grau de risco, tipo
individual ou colectivo, carácter inovador, duração ).
Finalmente, no capítulo 18 são expostas e analisadas as razões do falhanço da
acção colectiva. A análise dos resultados mostra que o grau de envolvimento na
acção colectiva foi reduzido, não gerando uma participação generalizada dos
comerciantes em qualquer das duas situações. Isto dever-se-á ao facto de esta
participação e envolvimento não terem sido sustentados nem pelos investimentos
relacionais necessários para permitir a acção dos mecanismos sociais da acção
económica nem por lideranças eficazes (que fossem capazes de criar regras de
cooperação e mecanismos de controlo que permitissem executar, se necessário,
sanções contra os que infringissem as regras comuns). Esses mecanismos seriam
necessários para que a acção colectiva se sobrepusesse à tradicional acção
individual dos comerciantes.
O individualismo tradicional, a concorrência e o desejo de autonomia
sobrepuseram-se assim ao envolvimento dos comerciantes locais numa acção
coordenada, na falta da expectativa de benefícios claros provenientes dessa
coordenação. Na ausência de uma liderança forte (com líderes fracos, sem
grandes recursos e divididos em dois grupos), não terá sido possível impor a
disciplina social necessária a essa participação e mobilização. E sem a
emergência dos mecanismos sociais necessários à reorganização do mercado não
será de esperar, como a autora refere, que o óptimo económico possa ser obtido
Em suma, esta conclusão (à qual se acrescentam várias outras, parcelares, em
resposta às questões de pesquisa e hipóteses de trabalho explicitadas no final
da segunda parte do livro) reforça a argumentação central da autora, que
constata através dos resultados obtidos que é a minoria de comerciantes mais
encastrados no colectivo que se consegue mobilizar e envolver na acção
colectiva, em linha com a alegação fulcral de que as relações sociais entre
actores terão uma influência fundamental nos resultados da acção económica.
Pedro Costa
Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa