Colóquio comemorativo dos 40 anos do 25 de abril: "perceções e representações
transnacionais da revolução dos cravos"
40 ANOS DE ABRIL
Colóquio comemorativo dos 40 anos do 25 de abril: "perceções e representações
transnacionais da revolução dos cravos"
Mário Matos
*Universidade do Minho, Instituto de Letras e Ciência Humanas, Braga, Portugal
matos@ilch.uminho.pt
Por razões evidentes, as efemérides em torno do 25 de Abril de 1974 costumam
concentrar-se, quase em exclusivo, na dimensão nacional desse importante lugar
da memória coletiva dos portugueses. Apesar de ser inquestionável tratar-se dum
processo de auto-libertação concebido e suportado pela sociedade portuguesa '
ou, melhor, por determinadas camadas dum coletivo social supostamente homogéneo
', facto é que, metaforicamente falando, as chamas da Revolução dos Cravos
transpuseram as fronteiras nacionais.
Depois dum longo período de (auto-)isolamento que votaria Portugal a um
tendencial silenciamento internacional, sobretudo devido à anacrónica obsessão
do regime moribundo do Estado Novo em manter o seu império colonial, o país
passaria a estar, literalmente da noite para o dia, "nas bocas do mundo". Se
para os observadores mais atentos da política nacional poderia haver sinais e
rumores que indicariam, ainda que de forma muito ténue, uma reviravolta
política em Portugal, certo é que a comunidade internacional foi, modo geral,
tomada de completa surpresa pelos acontecimentos revolucionários ocorridos
naquele pequeno país na extrema periferia da Europa. Como referem Vieira e
Monico (2014: 19) num volume recente dedicado ao impacto do 25 de Abril e do
PREC na imprensa internacional, dum momento para o outro, Portugal passou a
ocupar "primeiras páginas de jornais, capas de revistas e aberturas de
noticiários radiofónicos e televisivos um pouco por todo o mundo, com uma
intensidade que nunca antes ocorrera na sua História."
Em plena Guerra Fria, numa altura em que as revoltas de 68 dum e doutro lado da
Cortina de Ferro tinham representado, há então meia dúzia de anos, as últimas
tentativas vãs de se derrubar quer as estruturas conservadoras das democracias
ditas liberais do ocidente quer o autoritarismo férreo das repúblicas
socialistas do leste, a revolução portuguesa suscitaria na comunidade
internacional olhares e sentimentos ora de desconfiança ora de esperança,
consoante as respetivas inclinações ideológicas.
Organizado pelo Núcleo de Estudos Transculturais (NETCult) do Centro de Estudos
Humanísticos da Universidade do Minho (CEHUM), em parceria com o Conselho
Cultural da mesma universidade, a cuja presidente, Professora Doutora Eduarda
Keating, aqui expressamos os nossos agradecimentos pela preciosa colaboração, o
enfoque do colóquio comemorativo dos 40 anos do 25 de Abril incidiu
precisamente nas "Perceções e Representações Transnacionais da Revolução dos
Cravos". Nesse simpósio, que teve lugar no Salão Nobre da Universidade do
Minho, em 23 de abril de 2014, foram apresentadas dez comunicações sobre o
impacto dos acontecimentos que medeiam entre o golpe de estado que derrubou o
regime marcelista e o consequente processo de democratização junto de
intelectuais e movimentos cívicos em países muito diversos, desde na vizinha
Espanha (Carlos Pazos, CEHUM) e, em particular, na região da Galiza (Roberto
Samartim U. Corunha/Galabra), passando pela França (Fátima Outeirinho U. Porto/
ILC) e Itália (Emanuele Ducrocchi, UM), nomeadamente por via da voz
ressuscitada de Antonio Tabucchi num artigo seu publicado em 2004, as "duas
Alemanhas", uma situada do lado de cá, outra do lado de lá da Cortina de Ferro
(Thomas Weißmann, U. Chemnitz), até à antiga União Soviética, através duma
reportagem sobre a Revolução dos Cravos da autoria dum jornalista russo
(Nadejda Machado). O artigo de Georgina Abreu (CEHUM), por sua vez, ensaia uma
abordagem transcultural da temática ao debruçar-se comparativamente sobre as
vivências in locodo projeto corporativo da Torre Bela às quais a escritora
alemã Helga Novak e o repórter italiano Francis Pisani dedicaram dois livros.
Para além destas visões expressamente transfronteiriças, três outras
intervenções versaram sobre figuras e movimentos intranacionais de importância
suprema para o tema, tais como "Catarina Eufémia ' uma figura precursora da
Revolução dos Cravos" (Idalete Dias, CEHUM), diversas artistas plásticas
portuguesas que na época "assaltaram" o espaço público para dar corpo às suas
reivindicações estéticas e políticas (Márcia Oliveira, CEHUM), ou ainda as
"três Marias", autoras das famosas Novas Cartas Portuguesas. Enquanto Ana
Gabriela Macedo (CEHUM) fez uma apresentação genérica do impacto intra
murusdessa obra polémica publicada nas vésperas do 25 de Abril, Ana Luísa
Amaral e Marinela Freitas, duas especialistas nacional e internacionalmente
reconhecidas da obra da autoria coletiva de Maria Isabel Barreno, Maria Teresa
Horta e Maria Velho da Costa, demonstraram como um mero livro foi capaz de
suscitar, um pouco por todo o mundo, não só um vivo interesse literário e
sociopolítico pela situação portuguesa como assustou quer a PIDE quer os
serviços secretos de vários países ocidentais que chegaram a espiar as
atividades dessas autores suspeitas que ameaçavam abalar a ordem vigente.
Apesar de não podermos contar aqui com todos os contributos que foram
apresentados e proficuamente debatidos durante o referido colóquio, esperamos
que o conjunto de artigos que integram este dossiê dedicado às "Perceções e
Representações Transnacionais da Revolução dos Cravos" seja, ainda assim, capaz
de refletir de forma paradigmática o considerável impacto transfronteiriço
dessa época ' breve mas muito intensa ' da história política, social e cultural
dum Portugal que, por algum tempo, deixou de ser, em termos de auto e hetero-
imagem, apenas o país do Fado, de Fátima e do Futebol. 40 anos depois, tudo
indica que este "jardim à beira-mar plantado" voltou a cair, sob a perspetiva
internacional, num certo esquecimento tendendo hoje a ser novamente visto de
fora como um pequeno país periférico e apático, simpático e afável, mas sem
iniciativa e voz ativa num palco mundial onde já não parece haver lugar para o
sonho, por mais efémero e volátil que seja, dum mundo verdadeiramente melhor.
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