Women, Violence And Male Power: Feminist Activism, Research And Practice
Women, Violence And Male Power: Feminist Activism, Research And Practice
- M. Hester, L. Kelly, & J. Radford (Eds.). Buckingham: Open
University Press.
As duas últimas décadas têm sido palco do crescimento do debate público e da
investigação no âmbito da violência contra as mulheres.
O activismo e a investigação feminista têm sido os grandes promotores dos
debates e os grandes catalizadores da mudança sócio-cultural em relação às
mulheres, nomeadamente através da influência na formulação de políticas
sectoriais e da implementação de medidas práticas em consequência da vivência
da violência por parte das mulheres. Refira-se a propósito, o aparecimento em
Inglaterra e EUA na década de 70, dos grupos de auto-consciencialização,
centros de crise, refúgios e programas de defesa cívica que tornaram possível
documentar padrões de relacionamento social e acontecimentos que, até aí,
estavam invisíveis.
O estudo da violência contra as mulheres tem crescido também em complexidade. A
teorização feminista, especificamente, pretende ir para além da discussão
pública. Tenta demonstrar que a violência contra as mulheres é um elemento
central do poder masculino sobre as mulheres e uma forma de as controlar.
Progressivamente, temos assistido ao desenvolvimento das análises sobre os
significados, mais ou menos explícitos, de poder e de género que a violência
contra as mulheres encerra e ao relacionamento da teoria feminista com as
actuais teorias sobre a Família e o Estado e a discussões sobre o género e
sexualidade.
Este livro - Women, Violence and Male Power- surge na sequência
destas preocupações teóricas do pensamento feminista. O seu conteúdo é o
resultado do trabalho do Grupo de Estudo sobre Violência Contra as Mulheres da
British Sociological Association (BSA) que tem como principal objectivo
desenvolver a compreensão sobre as diversas formas como a violência está
implicada nas múltiplas estruturas das relações de poder e sobre os efeitos que
este processo tem no acesso a mecanismos de apoio e protecção por parte das
mulheres. Aliás, esta ligação entre os estudos académicos, o activismo do
movimento das mulheres e a política que define as medidas de protecção foi,
desde sempre, um princípio crucial no feminismo.
Entre a extensa bibliografia feminista sobre violência contra as mulheres a
maior actualidade deste livro está no facto de refletir o esforço do movimento
feminista actual em responder aos reveses e desafios que lhe têm sido postos
nos anos mais recentes.
Efectivamente, o feminismo tem sofrido o desgaste de ataques sucessivos e a
desvalorização da produção do conhecimento feminista através da focalização da
atenção do público nas agressões menos frequentes contra os homens, na ênfase
da prepetração feminina da violência bem como através da tendência para
unificar todas as formas de abuso e agressão numa única categoria abrangente de
"violência", não conotada com o género. As autoras defendem, por
isso, a utilização do termo "violência sexual" para designar a
violência entre os sexos pois permite reconhecer que esse tipo de violência é
um fenómeno de género dentro de um contexto de relações sociais patriarcais.
Salientam mesmo que a violência sexual não é uma questão de "pessoas
violando/ batendo/ abusando pessoas" mas que o modo como é utilizada e
posta em prática nas relações e instituições é um processo construído
socialmente.
Este trabalho de teorizar e debater as experiências das mulheres da violência
sexual põe em causa a visão tradicional sobre aquilo que é válido como
conhecimento resultando daí fortes reacções anti-feminismo.
Algumas das dificuldades resultam de noções populistas do pós-feminismo nos
meios de comunicação, da ridicularização do politicamente correcto, da
apresentação das campanhas contra a violência sexual como uma mera expressão da
vitimização das mulheres.
Mas Hester, Kelly e Radford, identificam mesmo dois quadrantes principais que
estarão na génese destas reacções: um, relacionado com posicionamentos dentro
do próprio feminismo, ligados às perspectivas pós-estruturalistas e do pós-
modernismo acusando o trabalho de documentação da violência das mulheres sobre
a violência sexual de ser "essencialista" e de colocar as mulheres
como inevitáveis vítimas. Esta orientação filosófica criou raízes nos cursos de
Estudos sobre as Mulheres que surgiram durante a década de 80 num percurso de
afastamento gradual entre a produção de conhecimento e o activismo, tendo por
base fundamentos teóricos distintos do quadro feminista e mais ligados a
pensadores masculinos como Freud, Lacan e Foucault ("dead white
men" no dizer das autoras). Esta perspectiva pós-estruturalista, tem,
pois, valorizado pouco o conteúdo da recente investigação feminista bem como a
prática que lhe dá suporte. Tem sido, no entanto, esta prática que tem trazido
a público a realidade da vida das mulheres e das crianças abusadas e
influenciado as medidas das agendas políticas de todo o mundo através da
globalização do movimento das mulheres.
Paralelamente, o reconhecimento e a aceitação de que já não é possível falar
sobre as mulheres como categoria social homogénea (que tem sido central na
perspectiva pós-estruturalista) não elimina, na opinião das autoras a
oportunidade da análise feminista sobre a violência sexual (de que é
representativo o trabalho realizado por C. McKinnon, por exemplo).
As autoras defendem o pressuposto de que as diferenças nas posições das
mulheres em relação às estruturas de poder de raça, classe e sexualidade
influenciam a resposta dada à violência contra as mulheres por parte do Estado,
dos profissionais e do voluntariado e interessa-lhes, também, conhecer até que
ponto a expressão máxima do poder masculino sobre a vida das mulheres que é a
violência sexual, é fonte de comonalidades e diferenças entre as mulheres.
O outro quadrante de reacções parte do posicionamento crítico de académicos
masculinos quanto à natureza e ao conteúdo dos estudos feministas que têm
acumulado uma grande quantidade de conhecimento nas duas últimas décadas.
No centro da polémica está o modo como são definidos a violência e o abuso. A
investigação feminista tem proposto definições mais abertas por forma a
abarcarem e revelarem aspectos invisíveis e minimizados da vida das mulheres.
É, precisamente, a esta abertura das definições que os investigadores
masculinos vêm resistindo.
As autoras referem também que a investigação subsidiada por fundos oficiais tem
procurado enquadrar o problema da violência sexual como o medo excessivo e
irracional das mulheres em relação ao crime e que este tipo de re-
interpretações podem levar à redefinação das temáticas fora do discurso
feminista, acabando por produzir políticas culpabilizadoras das vítimas (as
mulheres alvo de violência) com base na responsabilidade individual pela
segurança pessoal.
Esta apropriação e redefinição dos problemas fora do feminismo, tem, também,
segundo Hester, Kelly e Radford, transformado aquilo que foi a luta feminista
nos anos 70 pelo reconhecimento da prevalência da violência contra as mulheres
e do seu significado social num veículo para a produção de uma multiplicidade
de síndromas e desordens que requerem "tratamento" levando ao
crescimento dos serviços e dos profissionais especializados. Dum ponto de vista
político, tem servido para deslocar a violência do seu contexto, significado
social e estrutura de poder.
A apresentação das temáticas dominantes neste livro estão divididas em três
partes. A primeira refere-se a implicações teóricas e metodológicas no estudo
da violência contra as mulheres; a segunda aborda as problemáticas relacionadas
com a legislação, protecção e justiça criminal e, a última parte apresenta
investigação realizada que procura desenvolver uma concepção que dê suporte à
realidade da experiência das mulheres.
Fátima Jorge Monteiro